Comit
Estadual pela Verdade, Memria e
Justia RN
Centro de Direitos
Humanos e Memria Popular CDHMP
Rua Vigrio Bartolomeu, 635 Salas
606 e 607 Centro
CEP 59.025-904 Natal RN
84 3211.5428
[email protected] 6ru2z
Envie-nos
dados e informaes: |
 |
 |
 |
 |
 |
 |
Comisses
da Verdade Brasil | Comisses
da Verdade Mundo
Comit
de Verdade Estados | Comit
da Verdade RN
Pgina
Inicial | Anatlia
de Souza Alves de Melo | Djalma
Maranho | dson
Neves Quaresma | Emmanuel
Bezerra dos Santos | Gerardo
Magela Fernandes Torres da Costa | Hiran
de Lima Pereira | Jos
Silton Pinheiro | Lgia
Maria Salgado Nbrega | Lus
Igncio Maranho Filho | Lus
Pinheiro | Virglio
Gomes da Silva | Zo
Lucas de Brito
VRGILIO GOMES DA SILVA 249f
As duas Mortes do
Companheiro Jonas
O operrio e militante Virglio Gomes
da Silva, o Jonas, foi assassinado duas vezes. Na primeira, pela
ditadura militar. Na Segunda, no filme O que isso, companheiro?. A
forma injusta como Virglio tratado no filme gerou indignao e um
resgate de sua imagem.
AS MORTES E A
RESSUREIO
DO CAMARADA JONAS
Srgio S Leito
O
operrio comunista Virglio Gomes da Silva foi assassinado duas
vezes. Na primeira, tomaram-lhe a vida; na Segunda, a reputao. Entre
as duas h um intervalo de 27 anos e alguns meses. Uma aconteceu no
Paraso, em So Paulo, em 29 de setembro de 1969, obra coletiva de
verdugos da Operao Bandeirantes (Oban). Sabe-se o nome do lder dos
algozes: Benome de Arruda Albernaz, capito do Exrcito. A outra
recente. Ocorreu em maio de 1997, com o lanamento, em cinemas de
vrias capitais brasileiras, do filme O que isso, companheiro?,
inspirado no best-seller de Fernando Gabeira. Os algozes? Bruno Barreto,
diretor, e Leopoldo Serran, roteirista. Esta no entanto, acabou por
gerar, paradoxalmente, a ressurreio de Virglio.
A primeira morte
Virglio foi tratado
de forma injusta e
desrespeitosa: ningum
consegue imaginar como
aquele boal do filme
poderia ser o comandante
do seqestro
(Cidadania
Benjamin)
Faltam poucas peas ao quebra-cabeas
do assassinato real. Em 1969, com 36 anos, Virglio Gomes da
Silva atendia pelo epteto Jonas e militava nas fileiras da
Aliana Libertadora Nacional (ALN), organizao de esquerda liderada
por Carlos Marighella e Joaquim Cmara Ferreira ambos, como ele,
dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em 4 de setembro, a
ALN, poca protagonista da oposio armada ditadura militar, e
a Dissidncia do PCB (DI), grupo que viria a ser batizado, durante a
ao, de MR-8, perpetraram o que o historiador Jacob Gorender,
em Combate nas trevas (tica), qualifica de golpe de mestre:
o seqestro do embaixador dos EUA no Brasil, Charles Burke Ellbrick.
Bem-sucedida, a ao da ALN e da DI
terminou em 7 de setembro, Dia da Ptria, com a libertao de
15 presos polticos, oficialmente banidos do pas e remetidos
Cidade do Mxico, e sua contrapartida, a libertao de Ellbrick,
enquanto Fluminense e Cruzeiro digladiavam-se no Maracan. Humilhado, o
governo militar desencadeou em seguida uma operao de caa aos
militantes das duas organizaes. Virglio Gomes da Silva, comandante
do seqestro, foi preso (sem registro formal) em 29 de setembro, no
apartamento 23 do edifcio 312 da avenida Duque de Caxias (o Pai do
Exrcito), em So Paulo. Levado casa dos horrores, como
era conhecida a sede da Oban no Paraso, no foi apresentado s celas
a tortura comeou imediatamente.
Se eu no soubesse
quem ele era de fato, teria
ido do cinema direto para
um cartrio e pediria
para que retirassem do meu
nome o sobrenome do meu pai
(Gregrio Gomes da Silva)
A determinao e a fora fsica do
es-boxeador Virglio Gomes da Silva transtornaram os torturadores.
Submetido ao pau-de-arara, disse apenas seu nome; no intervalo de um
afogamento, guardou gua na boca, a despeito da falta de ar, para
depois cuspi-la sobre um dos inquisidores. Segundo Francisco Gomes da
Silva, seu irmo, preso no dia 28 de setembro na mesma casa dos
horrores, em entrevista ao reprter Luiz Maklouf Carvalho, do Jornal
da Tarde, Virglio chamava os caras de filhos da puta,
torturadores, e cuspia no rosto deles. Chegou mesmo a agredir um
torturador com os ps, empurrando-o por dois lances de escada.
Francisco afirma que este torturador morreu. Malklouf no encontrou
outra fonte para confirmar ou desmentir a informao.
Virglio Gomes da Silva no sobreviveu
primeira noite de priso. A agresso ao torturador foi a gota dgua.
O implacvel time do capito Albernaz espancou-o at a morte. Paulo
de Tarso Venceslau, militante da ALN que tambm participou do
seqestro de Ellbrick, contou a Maklout ter visto restos de massa
enceflica e sangue, que seriam de Virglio, em uma sala da Oban.
Oficialmente, porm, ele morreu (...) ao reagir bala quando de
sua priso em um aparelho, para a Marinha. Ou foi encontrado em
local baldio um cadver, identificado tempos depois (...) como sendo de
Virglio Gomes da Silva. (...) Informamos que a (...) (morte) foi em
conseqncia de traumatismo craniano enceflico, nas palavras de
um relatrio do Dops de So Paulo.
A Segunda morte
Quem conhecia a
histria do Jonas/Virglio?
O filme foi feito para
celebrar Paulo/Gabeira,
Mas os artigos fizeram a
histria do
Jonas/Virglio emergir
(Daniel Aaro Reis)
O assassinato moral, por sua vez,
est em cartaz, agora em liquidao: R$ 4,00 por ingresso. O filme
O que isso, companheiro? exibe, segundo o treiler, uma suposta
histria verdadeira do seqestro de Ellbrick, desde o
planejamento priso dos artfices. imagem e semelhana do
Virglio Gomes da Silva real, o comandante do seqestro no filme
atende por Jonas, militante da ALN em So Paulo, treinou em
Cuba e revela experincia em aes de guerrilha urbana. No incio da
fita, informaes histricas transportam o espectador ao tempo real
(1969), ao espao real (Rio) e ao contexto poltico real
(ditadura militar) em que a trama acontece. O embaixador seqestrado
chama-se Ellbrick e as datas so as mesmas do seqestro real.
No h razo, assim, para que se
duvide que o Jonas do filme uma representao, assinada por
Barreto e Serran, do Virglio Gomes da Silva real. E como aparece
esta representao? Em
contraponto ao personagem de Gabeira, brindado com traos
glorificadores, Virglio foi apresentado s 300 mil pessoas que
assistiram ao filme, na definio do historiador Daniel Aaro Reis,
ex-dirigente da DI, como uma pessoa truculenta, monoltica, um mau
carter; ou, segundo Gregrio Gomes da Silva, 29 anos, filho de
Virglio, uma pessoa de inteligncia nula, alucinada, quase um
psicopata; ou, ainda, para o jornalista Cidadania Benjamin, um dos
seqestradores de Ellbrick, um completo boal, sdico e
truculento, que por pouco no tortura o embaixador.
O Jonas de O que isso,
companheiro? coleciona frases e atitudes que dificilmente o
qualificariam para o comando de qualquer atividade, especialmente de
seqestro. Sempre nervoso, chega a ameaar Ellbrick com sua arma
durante um interrogatrio. Refere-se aos comandados como filhinhos-de-papai
e diz que vai matar quem descumprir suas ordens. Chama de vaca a
militante fictcia interpretada pr Cludia Abreu. Altera na surdina
os turnos de vigilncia para que seja o sensvel e o culto Gabeira,
codinome Paulo, seu rival, o carrasco do embaixador, na
hiptese de o governo rejeitar as exigncias da ALN e da DI. Quando
Paulo assume o posto, Jonas recomenda: (...) Meta-lhe
duas balas (...) sem d nem piedade.
Os personagens mais
elaborados so os
torturadores. Os outros
so muito fracos. H
formas de tratar a
histria sem deturp-la, mas
mas o filme desonesto
(Vera Slvia Magalhes)
como Daniel e Cidadania, a viva de
Virglio, Ilda Martins da Silva, 66 anos, no o reconheceu no Jonas
do filme. O nome e os fatos so os mesmos. Mas o meu marido,
Virglio Gomes da Silva, chamado entre os companheiros de Jonas, no
era nada do que o filme mostra, uma pessoa sem carter e sem corao.
Ele era humanos, decidido e inteligente. Respeitava os companheiros.
No era a escria, o assassino frio do filme. Ele era trabalhador,
honesto e sincero. Era um bom marido e um bom pai. Desejava o melhor
para seus filhos e para o povo brasileiro. Indignados, Ilda e seus
quatro filhos com Virglio (Gregrio, 29 anos, Vlademir, 36,
Virglio, 34, e Isabel, 28) decidiram processar os produtores de O
que isso, companheiro?, Luiz Carlos e Luci Barreto.
Ilda Martins da Silva tambm conheceu
a casa dos horrores. Presa no dia seguinte morte de Virglio,
foi interrogada pelo time do capito Albernaz e torturada com choques
eltricos. Queriam saber se o Virglio era terrorista, se havia
sido treinado em Cuba, quem freqentava a nossa casa. Nunca me falaram
que ele tinha morrido; diziam que havia fugido e que estaria,
provavelmente, em Cuba. Em 1972, A ALN, mesmo em seus estertores, deu
um jeito de envi-la, com os filhos, ao Chile; um ano depois,
mudaram-se para Cuba. Hoje, Ilda procura pistas da cova onde Virglio,
que ainda figura na lista de desaparecidos, foi sepultado. Quero
enterr-lo num lugar em que a gente possa, pelo menos, colocar uma flor
bem bonita para ele, conta.
A Ressurreio
Se o assassinato real encerrou a
militncia de Virglio e levou-o., provisoriamente, beira do
anonimato, o assassinato moral teve, na verdade, efeito oposto.
O tiro do filme saiu pela culatra, explica Daniel. O roteiro
cria um prncipe e um sapo. De um lado, o boal Jonas. De outro, o
genial Paulo. Aos poucos, porm, os refletores deixam Paulo e iluminam
o desconhecido Jonas. As pessoas se perguntam... Quem este cara? Saem
artigos, como os de Elio Gaspari (O Globo e Folha de So Paulo),
Franklin Martins ( O Globo) e Csar Benjamin (Jornal do Brasil),
que resgatam Virglio. Muita gente, assim, a a conhecer Virglio e
a histria verdadeira de um homem que lutou e morreu como um bravo. No
fim, o sapo vira prncipe e o prncipe, sapo.
Eis aqui um mrito involuntrio de O
que isso, companheiro?. Embora desvirtue a imagem de
Virglio, ao ponto de transformar-se em uma ofensa vida e
morte dele, como afirma Gregrio, ao menos desperta a indignao
dos que o conheceram e atrai a ateno dos espectadores para a
histria dos perdedores a histria de Virglio Gomes da Silva e a
histria da oposio ditadura militar. Alm dos diversos artigos
e entrevistas publicadas em jornais, registram-se um ato de desagravo a
Virglio, em So Paulo, e o lanamento de dois livros com vises
divergentes da exposta no filme: O seqestro dia-a-dia, de
Alberto Berqu (Nova Fronteira) e Verses e Fices O
seqestro da histria, de vrios autores (Fundao Perseu
Abramo).
O filme ter o destino
de toda mercadoria ruim,
porm bem-lanada:
badalao, sucesso e
esquecimento, caminho
inverso ao
das obras de arte
(Csar Benjamim)
Foram necessrios dois crimes para que
Virglio Gomes da Silva conquistasse um merecido papel de protagonista
na histria do Brasil. Tinha mritos, claro. Esbarrou na eliminao
fsica e no aviltamento moral. Superou-os, to fortes eram as suas
credenciais. A despeito dos verdugos de ontem e de hoje, transcendeu a
lista de desaparecidos e os relatrios forjados. Recuperou forma,
substncia e ado. Ainda no teve direito a uma certido de
bito. No mereceu uma lpide. No est, fisicamente, entre ns.
Muitos, porm, sabem agora quem era, o que fez, por que fez, como o
impediram de continuar a fazer e como distorceram, no cinema, quem era e
o que fez. Tomaram-lhe a vida; tomaram-lhe a reputao. Mas a
histria, por linhas tortas, fez-lhe justia.
(texto de Srgio S Leito realizado a
partir de pesquisas e checagens do autor, artigos de Franklin Martins,
Elio Gaspari e Csar Benjamim, reportagens de Luiz Maklouf Carvalho e
entrevistas realizadas por membros do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ com
Daniel Aaro Reis, Cidadania Benjamin, Ilda Martins da Silva, Gregrio
Gomes da Silva e Vera Slvia de Arajo Magalhes).
PERFIL
Nome: Virglio Gomes da Silva
Codinome: Jonas
Data de nascimento: 15/08/1933
Local: Santa Cruz, Rio Grande do Norte
Data da morte: 29/09/1969
Local: So Paulo
Profisso: Operrio da indstria
farmacutica
Mulher: Ilda Martins da Silva
Data do casamento: 21/05/1960
Filhos: Vlademir Gomes da Silva, 36,
casado, um filho; Virglio Gomes da Silva, 34, uma filha; Gregrio
Gomes da Silva, 29, casado, duas filhas; Isabel Maria Gomes da Silva,
28, casada, uma filha
Militncia poltica: Partido Comunista
do Brasil (depois Partido Comunista Brasileiro) a partir do incio da
dcada de 50 e aliana Libertadora Nacional (Segunda metade da dcada
de 60)
Militncia sindical: Sindicato dos
Trabalhadores nas Indstrias Qumicas e Farmacuticas de So Paulo
preparao militar: Curso em Cuba
Misso principal: Comando do seqestro
do embaixador dos EUA (1969)
Prises: Duas (na primeira, em 1964, o
saldo foi uma clavcula deslocada; na Segunda, em 1969, a morte)
Esporte: Boxe (disputou campeonatos
amadores na categoria galo)
Ano inesquecvel: 1954, quando
finalmente conseguiu levar a me, (Isabel Marinho de Carvalho) e os
irmos, de avio, do Rio Grande do Norte para So Paulo, onde vivia e
trabalhava desde 1951.
dolo esportivo: der Jofre (batizou de
Galo de Ouro um bar que possuiu).
Crtica
do filme
O filme de Bruno Barreto bate de
frente com a luta pelo resgate da histria recente do pas. Fala dos
eventos histricos mas confere a eles uma verso conciliadora.
Pretende nivelar torturadores e torturados. Assim, justifica os crimes
cometidos pela ditadura militar contra os brasileiros que no se
subjugaram ordem imposta pelo golpe. Tal viso da histria, se
aplicada hoje, justificaria a tortura e a morte dos brasileiros
excludos, como os sem-terra.
Gregrio Gomes da Silva,
Filho de Virglio
At tu,
companheiro?
Equipe
Clnico-Grupal Tortura Nunca Mais
Voltar
ao Menu |