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Estadual pela Verdade, Memria e
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Subverso
no RN - Relatrio Veras
Coleo Represso
no RN - Volume 01
Prefcio
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Estadual pela Verdade, Memria e
Justia RN
Dos anos 60 Ditadura:
Memrias preliminares
Dermi Azevedo*
24/05/2012
Quando o barulho dos avies da FAB
j se tornava ensurdecedor, ao sobrevoarem
Natal, na manh de 31 de maro
de 1964, o reitor do Seminrio de
So Pedro, Cnego Lucilo Alves
Machado, convocou os seminaristas para uma
breve reunio na sala de rdio.
Um dos jovens perguntou-lhe o que estava
acontecendo.
Ele respondeu que os militares estavam derrubando
o comunismo no Brasil. Este seria um dia
diferente – terrivelmente diferente
- para centenas de famlias que haviam
votado no prefeito Djalma Maranho
ou que tinham sido consultadas gratuitamente
pelo mdico Vulpiano Cavalcanti ou
ainda que se alfabetizaram debaixo das barracas
da campanha “De p no cho
tambm se aprende a ler”.
Os polticos norteriograndenses que
haviam participado da conspirao
pr-golpe estavam eufricos.
Entre eles Dinarte Mariz, um cacique da
regio do Serid, em cujo
curriculo constavam discursos e atitudes
sempre marcadas pelo anticomunismo rudimentar.
Outros, mais novos, buscavam freneticamente
adaptar-se nova situao.
Um deles era Alosio Alves, um carismtico
jornalista de Angicos, que levou s
ruas multides vestidas de verde,
como sinal da esperana em dias melhores.
O modelo hegemnico de poltico
populista nos anos 60, em nvel mundial,
era o de John Kennedy, o jovem presidente
norte-americano que, ao lado de sua esposa
Jacqueline, personificava o ideal do homem
pblico. Demorou muito tempo para
que a opinio pblica descobrisse
os vnculos entre Kennedy e os grupos
mafiosos dos Estados Unidos. No
se pretende aqui fazer qualquer comparao
indevida, mas simplesmente demonstrar que
muitos dolos tm ps
de barro. Muito se esperava de Alusio
Alves, em termos de renovao
da classe poltica estadual, no entanto,
logo aps o golpe, iria tornar-se
o nico Governador de Estado, na
federao brasileira, a decretar
a punio em massa de servidores
pblicos acusados de “subverso”.
Publicou no Dirio Oficial um decreto
com a demisso sumria de
82 funcionrios pblicos,
acusados de “subverso”.
Para “justificar” esse e outros
atos, o governador contratou, em Pernambuco,
dois delegados da Polcia Federal.
Jos Domingos da Silva e Carlos Moura
de Moraes Veras, selecionados em parceria
com o 4 Exrcito. Eles produziram
o “Relatrio Veras” e
fabricaram, em tempo recorde, um dossi,
com 67 pginas, com o ttulo
“Subverso no Rio Grande do
Norte”. Seus alvos preferidos foram
a Rede Ferroviria Federal, as reas
cultural e sindical, estudantil e a Prefeitura
Municipal de Natal.
Alves nomeou uma comisso de inqurito,
com o objetivo de “apurar, com jurisdio
em todo o Estado, a pratica de atos contra
a segurana do Pas, e regime
democrtico e a probidade da istrao
pblica ou crime contra o Estado
e seu patrimnio, a ordem poltica
e social e os atos de guerra revolucionria”.
Nessa
lista, h vrios nomes conhecidos:
o prefeito natalense Djalma Maranho,
que morreria, em plena ditadura, no Uruguai;
o coordenador da campanha “De p
no Cho tambm se aprende
a l”, professor Moacyr de Ges,
o pastor Jos Fernandes Machado,
o jornalista Ubirajara de Macedo e o mdico
Vulpiano Cavalcanti. Todos eles eram apontados
pelos meios de comunicao,
como “subversivos” e “indivduos
perigosos a serem evitados”.
A gerao de lderes
estudantis de 1968 estava sendo forjada,
nessa poca. Aprendeu muito com esses
homens e mulheres do povo. A primeira lio
aprendida foi a de colocar-se disposio
das causas populares e a de colaborar com
iniciativas que favorecessem as reformas
de base, a grande bandeira da poca
pr-golpe.
Depois do Relatrio Veras, a segunda
lista de “inimigos pblicos”
foi publicada em 1968, pelo Exrcito,
nas emissoras de rdio de Natal.
ramos “convidados” a
comparecer (eu, Juliano Siqueira, Jaime
Ariston, Rinaldo Barros, Emmanuel Bezerra,
Jos Silton Pinheiro e outros colegas
do movimento estudantil) ao quartel general
do Exrcito. A mensagem radiofnica
“convidava” os lderes
do movimento para irem ao quartel “para
tratarem de assuntos de seu interesse”.
Os companheiros que atenderam ao chamado,
foram interrogados e presos. Optei por viajar
para o sul do pas e iniciei assim
um longo perodo de semiclandestinidade
e de exlio, s concludo
em 1974, quando voltei a Currais Novos,
com a minha famlia.
IGREJA
No Rio Grande do Norte, nos anos 60, a Igreja
Catlica Romana foi a principal instncia
de mobilizao popular. No,
evidentemente, em favor das reformas de
base propostas pelo presidente Joo
Goulart e pelas foras de esquerda,
mas no sentido de concretizar as propostas
desenvolvimentistas, amparadas nas decises
do Conclio Vaticano II. O personagem
central dessa mobilizao
no Estado foi o Apostlico
de Natal, d. Eugnio de Arajo
Sales, que seria depois nomeado Cardeal
Arcebispo do RJ. A massa crtica
que dava apoio poltico e tcnico
a d. Eugnio constitua o Movimento
de Natal.
Tratava-se de uma conjuno
terica e prtica de homens,
mulheres, tcnicos e trabalhadores
rurais e urbanos, todos voltados para a
ideia de que “o desenvolvimento
o novo nome da paz” (cf. os documentos
do Conclio Vaticano II). Falar do
Movimento de Natal significa lembrar figuras
como d. Antnio Soares Costa, bispo
auxiliar de Natal, d. Nivaldo Monte, que
seria depois nomeado arcebispo, d. Heitor
de Arajo Sales, Monsenhor Expedito
Medeiros, vigrio de So Paulo
do Potengi, do missionrio redentorista
holands Pe. Pio Hensgens, do Dr.
Otto de Brito Guerra, de seus filhos e filhas,
de Otomar Lopes Cardoso, dos professores
da Escola de Servio Social, do Pe.
Otto Santana irmo de d. Eugnio
e das integrantes das pastorais especializadas
entre as quais, Terezinha Vilar, uma das
lideres da Juventude Feminina Catlica.
indispensvel lembrar o
papel do SAR (Servio de Assistncia
Rural) e da Emissora de Educao
Rural, pioneira no ensino radiofnico
do Brasil e baseada no modelo da Rdio
Sutatenza, da Colmbia.
O modelo de igreja predominante era o de
uma Sociedade Perfeita e no o do
Povo de Deus, refletido nos documentos conciliares.
Nesse sentido, o principal interlocutor
da Igreja era o Estado e as elites, apesar
das iniciativas populares apoiadas pelo
Movimento de Natal. O contexto scio-poltico
dessa poca era cheio de contradies.
D. Eugnio interagia com o Estado
assumindo, ao mesmo tempo, seu papel de
pastor e de prncipe da igreja. Consta
que sempre defendeu a liberdade e o respeito
aos direitos humanos, tendo assumido, por
exemplo, vrias iniciativas pela
libertao de presos polticos.
Paradoxalmente, nos anos 80, d. Eugnio
tornou-se um dos principais articuladores
das iniciativas do Vaticano contra a Teologia
da Libertao e colaborou
para a condenao ao silncio
do telogo Leonardo Boff.
No fundo, a Igreja estava empenhada em impedir
que o avano da luta pelas reformas
significasse a eventual implantao
de um regime socialista no pas.
DESAFIO
Talvez o maior desafio dos sobreviventes
dessas geraes seja o de
abrir os olhos das geraes
de hoje para que conheam toda a
realidade histrica do pas,
em todas as suas pocas. A verdade
histrica revelar quem esteve
e quem est, efetivamente, ao lado
do povo. Retirar a mascara daqueles
que, ou abandonaram a luta ou persistem
em acreditar que outro mundo possvel.
VERDADE
Recolher os testemunhos dos atingidos pela
represso ditatorial do Rio Grande
do Norte significa percorrer a trajetria
de vida de todos esses e outros militantes.
Muitos deles, como Emmanuel Bezerra, Jos
Silton Pinheiro, Lus Maranho
Filho e Virglio Gomes da Silva pagaram
com o prprio sangue o seu compromisso
com a democracia, com a justia e
com a verdade.
* Dermi Azevedo, nascido
em Jardim do Serid, RN, estudou
nos seminrios do Caic de
Natal. Foi o primeiro presidente do Diretrio
Acadmico d. Hlder Cmara,
da ento Escola de Servio
Social da UFRN. Foi preso poltico
em Ibina/SP e em So Paulo/1974.
Esteve exilado no Chile. Em Natal, foi presidente
da Comisso Justia e Paz,
da Arquidiocese de Natal e da Cooperativa
dos Jornalistas de Natal/COOJORNAT. Foi
reporter e redator da tribuna do Norte e
do dirio de Natal. Trabalhou tambm
na Editora Vozes, na Universidade Metodista
de Piracicaba, alm de exercer sua
profisso no ltima Hora,
nos Jornais Folha S. Paulo, o Estado de
S. Paulo, Jornal da Tarde e nas revistas
Veja, Isto , Manchete e Revista
de Cultura Vozes, recebeu do CDH/MP em Natal
o Prmio Estadual de Direitos Humanos.
Formado em jornalismo na UFRN com especializao
em Relaes Internacionais/
Mestrado e Doutorado em Cincia Politica
pela USP.
Lanado em Novembro de 2012
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