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Raimundo Ubirajara de Macedo
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Outono da Memria
O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a Histria da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
19.
A f que professo
Num
dos captulos destas memrias
enfatizei minha relao com
a religio catlica, motivo
pelo qual no aderi ideologia
comunista, assumidamente ateia. A ironia
disso que, embora catlico,
fui considerado “subversivo”
por defender ideias libertrias e
nacionalistas. Longe de mim, porm,
me arrepender minimamente por pensamentos,
palavras ou obras que tenham atrado
sobre mim a virulncia da represso.
Quem tem motivos para arrependimento so
eles, os detentores de um poder momentneo
e que no souberam usar em favor
do povo brasileiro.
A f catlica se confunde
com a histria de minha famlia
em muitos momentos. Minha me tinha
um parentesco prximo (sobrinha)
com Dom Joaquim Antnio de Almeida,
de Goianinha, e primeiro bispo de Natal.
Ele foi ordenado num seminrio da
Paraba e foi o primeiro bispo de
Oeiras, poca capital do
Piau, dois anos da criao
da diocese de Natal, da qual foi tambm
bispo, posteriormente. Tenho uma tia freira,
madre Macedo, que foi professora de artes
plsticas no Colgio da Conceio.
Antes de vir residir em Natal, ela serviu
em colgios da Ordem Dorotia
em Manaus e Belm. Eu a conheci em
minha infncia macaibense.
Meu primo Jos Melquades
de Macedo, que veio a ser meu cunhado aps
casar-se com minha irm Gizelda,
era uma figura moldada pelos valores cristos.
Foi seminarista e, embora no tenha
se ordenado, preservou os conhecimentos
que obteve de latim e ingls no seminrio,
o que lhe abriu as portas da universidade,
anos mais tarde.
Meu pai tinha uma formao
catlica profunda e, embora adquirisse
mais tarde valores liberais, fruto das mudanas
operadas na poltica do seu tempo,
achava que em matria de religio,
s a Igreja Catlica estava
certa, por ser a palavra de Deus. Em vista
disso, ai de quem ousasse questionar as
decises emanadas da Santa S!
Nas poucas tentativas que fiz de questionar
um conceito, uma ideia ligada Igreja,
fui severamente repreendido por ele.
Os dias de domingo na minha infncia
comeavam invariavelmente com a ida
missa. Era meu pai quem se encarregava
de nos despertar, mal rompesse o dia. –
Olha a missa, t na hora da missa!
Ento tnhamos que nos levantar
mais que depressa e nos aprontar para no
nos atrasarmos. Minha me tambm
era catlica, mas sua religiosidade
era mais tranquila, e tambm menos
rgida. Por isso, ela no
tinha a noo de disciplina
que meu pai imprimia sua relao
com a religio.
Com o tempo, fui me imbuindo sem perceber
dos valores catlicos. E no
me arrependo dessa opo.
Me lembro de Humberto de Campos, que dizia
que a nica falha da vida dele tinha
sido no ter tido uma religio.
Concordo, acho que uma pessoa sem religio
se torna uma pessoa sem rumo. importante
e necessrio ter uma f, no
precisa ser a catlica. Pode ser
a protestante, a muulmana, ou outra,
porque toda religio transmite valores
espirituais ao homem, relativizando a busca
pelo sucesso financeiro que costuma desencaminhar
muita gente bem-intencionada... A religio
ensina que a vida no s
o lado material das coisas que a gente v
no dia-a-dia. Ensina que h outras
coisas a que podemos aspirar na vida, crescer
moralmente, buscar a justia e combater
as manifestaes de injustia
que acontecem no nosso meio, sem precisar
ser um Dom Quixote de La Mancha perseguindo
moinhos de vento.
Visto isso, quero deixar claro que no
me deixei fanatizar pela f, assim,
no perdi a viso crtica
que desabrochou em mim na tenra infncia,
quando eu tinha vontade de questionar com
meu pai uma ou outra coisa narrada na Bblia
com a qual eu no concordava inteiramente,
mas desistia em vista da reao
contestatria que isso causava nele.
Reconheo que hoje sou um crtico
dos erros que a Igreja cometeu ao longo
da histria, como a Inquisio,
as Cruzadas, o colonialismo, as alianas
com os poderosos, as perseguies
aos judeus e aos muulmanos etc.
Mas nada disso abalou minha f, porque
sei que a Igreja constituda
de homens, e estes so falveis,
mas a palavra de Deus, esta no muda
e sempre verdadeira. Com o tempo,
aprendi tambm a irar alguns nomes
da igreja, como o papa Joo XXIII,
tanto pela ao social e humanstica,
quanto pela sua conduta diplomtica
em favor da f, a facilidade com
que se comunicava com o povo, como o papa
Paulo II, outro grande comunicador. iro
tambm exemplos de f como
o do padre Joo Maria, que a tradio
popular consagrou como exemplo de f.
No poderia deixar de mencionar exemplos
vigorosos de f catlica,
dados por um Moacyr de Ges, por
um Manoel Rodrigues de Melo, por um Ulisses
de Gis, meus contemporneos.
Coerente
com minha f, ainda hoje frequento,
juntamente com minha Lourdinha, a missa
celebrada aos domingos pela manh
na Igreja So Judas Tadeu, aqui no
bairro de Petrpolis, por monsenhor
Assis, proco com quem temos laos
de amizade, afora os religiosos. Nesse ponto,
eu e Lourdinha tambm combinamos,
porque ela to catlica
quanto eu. Acho at que mais.
com tristeza que vejo que a religio
catlica est em declnio,
frente ao avano dos protestantes,
em suas diversas denominaes.
No h apenas uma razo
para isso. As causas so vrias.
Uma delas o celibato dos padres.
A outra decorrente direta dessa
ltima, fruto do mau exemplo dado
pelos padres em suas vidas privadas. Bebem,
arranjam mulheres, filhos... Voc
j viu coisa mais triste do que um
filho de padre, que no pode sequer
portar o nome do pai porque a Igreja no
ite ter em seu seio um padre com filhos?
A pedofilia outro flagelo que concorre
para rebaixar a imagem da Igreja no mundo.
Em toda a parte, a gente s ouve
notcia de que a Igreja foi condenada
a pagar indenizaes por danos
morais e fsicos, causados a menores
por padres e bispos. Como a sociedade pode
confiar numa instituio capaz
de fazer mal aos seus filhos menores? Fica
difcil. E tudo isso ocorre em grande
parte por causa do celibato. Espero que
esse novo Papa, Bento XVI, tenha coragem
de enfrentar esse problema, embora ele tenha
fama de conservador. Mas acabar com o celibato
seria uma forma de renovar a Igreja e reconhecer
a condio humana dos sacerdotes.
Espero sinceramente que isso venha a acontecer
um dia.
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