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Raimundo Ubirajara de Macedo
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Outono da Memria
O Jornalista Ubirajara Macedo
Conta a Histria da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010
12.
O clube dos sonhos de Luiz Cordeiro
Quando
o radialista Luiz Cordeiro retornou a Natal,
no fim dos anos 1990, depois de uma vitoriosa
experincia de vida e de trabalho
em Belo Horizonte, trouxe na bagagem de
filho prdigo o sucesso que protagonizara
na Rdio Itacolomy, na capital mineira,
onde apresentava o “Reprter
Esso”, lder de audincia
no rdio nacional. De BH, trouxe
tambm uma informao
que de imediato me empolgou. L,
ele participara de um clube constitudo
somente de pessoas devotadas msica,
especialmente cantores, compositores e instrumentistas.
Nesse clube, seus scios poderiam
no s interpretar e ouvir,
tantas vezes quisessem, as msicas
que desejassem. Podiam ainda discutir sobre
elas, falar sobre elas e estud-las
sob os seus mais diversos ngulos.
Ser que poderamos fazer
algo semelhante em Natal? – quis ele
saber.
A pergunta foi colocada assim meio que de
agem, durante um dos nossos encontros
no Beco da Glria, aquele bar que
Glorinha Oliveira abrira em sua residncia,
na Rua do Motor, quase esquina com a Ladeira
do Sol, dando o Praia dos
Artistas. Isso se ou no incio
dos anos 1990. Habitualmente, a turma que
frequentava o Beco da Glria era
constituda dos seguintes nomes:
Thas Marques, Eliete Regina, Antnio
Edilson da Costa, Adriel de Souza Lima,
Luiz Cordeiro, o sanfoneiro Arnaldo Farias,
Jamil Farkart, Aldorisse Henriques, Joana
D’Arc Ramos, Liz Nga, Maria
Luzinete Viegas Nga, Jos
Waldencio de S Leito,
Roberto Alan Alcoforado, Marluce de Souza,
Rosana Viegas Costa e eu, dentre outros.
De princpio, no consegui
assimilar a ideia do clube musical de um
nico trago. Preferi degust-la
lentamente, como eu costumava fazer com
um bom scotch. Saboreei cada ngulo
que a proposta sugeria, tentando aparar
uma ou outra aresta que tentasse se insinuar
na degustao imaginria.
Claro que desde o comeo eu topava
participar de um clube formado por apreciadores
da msica, porque eu me considerava
um deles. Minha ligao com
a msica sempre foi mais profunda
do que a de um simples aficionado desse
ou daquele gnero musical. Era algo
mais intenso, diria visceral, uma parte
substancial da vida e a mais aprazvel
de todas. Os artistas da cidade j
conheciam minha paixo musical e
os mais chegados costumavam dedicar-me msicas
quando eu adentrava um local onde eles se
apresentassem. Uma das minhas msicas
mais tocadas era “A noite do meu bem”,
de Dolores Duran, uma das canes
mais lindas do nosso cancioneiro popular.
Cheguei a escrever um poema para a minha
musa Lourdinha, inspirado num dos versos
dessa bela cano.
Num outro encontro no Beco da Glria,
quando todos j tnhamos discutido
suficientemente bem a ideia da criao
de uma verso local do clube mineiro
dos amantes da msica, Luiz Cordeiro
aproveitou a presena de um nmero
bem razovel de amigos, a certa hora
da noite, e fez a proposta oficial da criao
do clube. O que tornava aquela reunio
diferente das anteriores que dessa
vez todos j haviam discutido e analisado
cuidadosamente cada ngulo da proposta
de Luiz Cordeiro e j tinham uma
posio definida a seu respeito.
No momento crucial do debate, Glorinha Oliveira
precisou se ausentar da nossa mesa, a fim
de atender a um grupo de clientes habitus
da casa e aos quais ela no poderia
faltar com sua ateno e simpatia.
Mas ao perceber os ecos da discusso
que a gente travava em tom cada vez mais
acalorado, ela finalmente acomodou os recm-chegados
e pde voltar at ns.
Sua ateno inicial foi em
minha direo, se traduzindo
num cochicho ao p do meu ouvido.
Ardilosa, porm, ela falou de modo
a que os demais componentes da nossa mesa
pudessem ouvir. De forma que todos escutaram
quando ela anunciou: “Se a conversa
a respeito da criao
do Clambom, aprovo. E tem mais: desaprovo
quem for contra”. E se retirou em
seguida, diante do riso de contentamento
de todos.
Luiz Cordeiro sugeriu que o novo clube se
chamasse “Clube dos Amantes da Boa
Msica”, de sigla fcil:
Clambom. A proposta causou verdadeiro frisson
entre os habitus do Beco da Glria
naquela noite. “Esse nome
mais que perfeito!”, comentou Thais
Marques, sentada ao meu lado, sem poder
conter o seu entusiasmo. Endossei o comentrio
de Thais de imediato.
Apesar disso, diversos aspectos da proposta
de Luiz Cordeiro foram debatidos, como,
por exemplo, a necessidade de uma sede,
a organizao do quadro de
scios e quorum ideal para a instalao
da nova entidade.
O prprio Luiz Cordeiro se encarregou
de responder a essas dvidas argumentando
que elas deveriam ficar para discusso
futura, porque o que estava em pauta naquele
momento era apenas a viabilidade ou no
da criao do Clambom.
A ordem foi restabelecida na mesa e finalmente
foi facultada a palavra a cada um dos futuros
clambonistas, quando a proposta de criao
do Clube dos Amantes da Boa Msica
foi aprovada por unanimidade.
Cordeiro, todavia, fez uma ressalva: no
aceitava ser o presidente. O momento que
atravessava em sua vida no lhe permitia
assumir um posto de direo
na entidade, fosse por razes de
sade, fosse por razes profissionais.
Aceitaria, no entanto e se essa fosse a
vontade dos amigos, um posto secundrio.
O pronunciamento de Cordeiro foi seguido
de protestos, de vivas e de palmas por todos
os membros da mesa. Como sempre a mais efusiva,
Glorinha Oliveira, morta de curiosidade
sobre o que se ava na nossa mesa se
aproximou. Luiz Cordeiro ento lhe
fez ciente de que a proposta de criao
do Clambom estava aprovada.
Glorinha aproveitou o embalo do entusiasmo
geral e falou que uma proposta de seu amigo
querido Luiz Cordeiro, ou melhor, Luluzinho,
como ela o tratava carinhosamente, tinha
de ser acatada pelos frequentadores do Beco
da Glria. Quem fosse contra, que
“pegasse o beco”. Porm,
percebendo a tempo o trocadilho, corrigiu:
“Pegasse outro beco”. Diante
disso, s pudemos rir, dessa vez
ruidosamente.
Retomando a palavra, Glorinha lamentou que
Luiz Cordeiro no aceitasse dirigir
o futuro Clambom, mas tinha a certeza de
que ele daria, mesmo assim, uma contribuio
importante para o novo clube. O que realmente
aconteceu, como pude comprovar com o ar
dos anos.
Esfuziante como sempre, Glorinha logo tomou
gosto pela empolgao. Falou
que, ali mesmo, naquele momento especial,
teve a certeza de que o Beco da Glria
era um lugar abenoado, capaz de
inspirar grandes e lindas ideias, adiantando
que sempre fora totalmente a favor da criao
do Clambom. “Um clube que nasce com
um nome como esse j diz a que veio:
ser muito feliz e ter vida longa!”,
falou.
Na ata de criao do Clube
dos Amantes da Boa Msica de Natal
– Clambom –, secretariado pela
senhora Dircinha Agripina Gomes de Melo,
com data do dia 22 de abril de 1992, tendo
como local o bar “Beco da Glria”,
ficou registrada a primeira diretoria da
entidade: Presidente – comerciante
Francisco Ivo; Vice-presidente- jornalista
Joo Bosco Arajo; Secretrio
– contador Adriel de Souza Lima; Tesoureiro-
bancrio Emanuel Souza Pinto; Diretoria
Social – Maria Luzinete Viegas Nga,
Maria de Ftima Oliveira e Rejane
Ovdio Dantas; Diretoria de Divulgao
e Promoes- Joana DArc
Dantas, Maria Odares de Menezes,
Aldorisse Henriques e Ivan Cavalcante da
Silva; Diretoria Artstica e Cultural-
Luiz Cordeiro, Lisnildo (Liz) Alves Nga,
Glorinha Oliveira; Diretoria de Comunicao
– jornalista Ubirajara Macedo, Altades
(Thas) Marques da Luz, Eliete Regina;
Diretoria Musical – Francisco de Paula
Oliveira, Arnaldo Farias e Josebias Gomes
Arajo.
O Clambom foi fundado num momento de grande
euforia e, por deferncia da proprietria,
teve por sede provisria o bar Beco
da Glria, que foi, na verdade, uma
homenagem especial que prestamos
anfitri, legtima musa da
boa msica potiguar.
Em
atividade h 16 anos, reconheo
que tenho uma pequena parcela no sucesso
desse clube do qual cheguei a ocupar o posto
mais alto por duas vezes. Isso aconteceu
no perodo de 1995 a 1999, o que
corresponde a dois mandatos eletivos de
presidente.
Mas, em minha opinio, o melhor presidente
do Clambom foi Adriel de Souza. Era duro,
mas eficiente. Por isso, sua gesto
foi marcada por uma istrao
dinmica, voltada para a minimizao
das despesas e maximizao
dos benefcios aos scios.
Foi nesse clima de sade financeira
que pde nascer o jornal Clambom Notcias,
que tive o privilgio de dirigir.
Hoje desativado, o jornal circulou por mais
de dois anos, refletindo a boa fase que
o clube atravessava naquela poca.
Outros detalhes da histria do Clambom
eu contei no livro Clambom: um clube em
defesa da boa msica – 16 anos
defendendo a Msica Popular Brasileira.
Escrevi-o em parceria com Pedro William
Cavalcanti, ento presidente do clube,
e o lanamos numa grande festa no
dia 13 de junho de 2008, realizada no Amrica,
quando autografamos 120 exemplares. O evento
contou com a participao
do grupo musical do Clambom e foi marcado
por um clima de alegria, nostalgia e resgate
dos grandes momentos do clube.
Tive a sorte de marcar a minha gesto
no Clambom com grandes eventos culturais
ligados msica popular brasileira.
Entre outras atividades, o Clambom trouxe
a Natal o escritor Srgio Cabral,
bigrafo dos grandes nomes da MPB,
como Ary Barroso, Elizete Cardoso, Tom Jobim,
Pixinguinha e Nara Leo. Ele fez
uma palestra no Teatro Alberto Maranho
numa noite de casa cheia e com entrada franca:
o ingresso era uma lata de leite em p,
cujo montante seria destinado a casas de
crianas e idosos carentes, previamente
contatadas. Atuando como mediadores, tivemos
o Dr. Grcio Barbalho, discfilo
e pesquisador da nossa msica popular,
o jornalista Rubem Lemos e eu prprio.
A palestra foi um sucesso, graas
ao nvel elevadssimo do palestrante,
que discorreu magnificamente sobre alguns
dos grandes momentos da MPB. As intervenes
do Dr. Grcio e de Rubem Lemos s
fizeram engrandecer mais a figura do convidado
e os seus conhecimentos musicais, para a
gratificao da plateia.
Em duas outras ocasies, trouxemos
a Natal o compositor e pesquisador Hermnio
Belo de Carvalho e o crtico musical
Trik de Souza, tambm palestrantes
de encontros promovidos em minha gesto
frente do Clambom. O sucesso que
havamos conseguido com Srgio
Cabral se repetiu tanto com Trik
quanto com Hermnio. E no
foi um sucesso casual. Afinal, so
dois grandes nomes da cultura brasileira.
O primeiro, como crtico e estudioso
da MPB; o segundo, como letrista e parceiro
de compositores como Paulinho da Viola,
Pixinguinha, Paulo Csar Pinheiro
e outras “feras” da nossa msica.
Apesar de todo esse esforo que vimos
desenvolvendo para divulgar o Clambom, ainda
encontro pessoas que me perguntam a razo
do seu sucesso. Geralmente respondo a essas
pessoas lembrando uma razo bvia:
no havia em Natal, at ento,
um clube com as caractersticas do
Clambom. Assim, no demorou a ele
se tornasse uma referncia na cidade.
O fato de contar em seus quadros com a participao
de nomes conhecidos e populares ajudou bastante.
Lembro que, a convite do Clambom, pessoas
de fora de seus quadros puderam tomar parte
em eventos culturais da entidade. Citaria
o jornalista Vicente Serejo, que proferiu
brilhante palestra sobre Pixinguinha, e
o professor Carlos Braga, que discorreu
tambm com muito brilho sobre Noel
Rosa, alm de palestras proferidas
por quadros da prpria entidade.
Mas o que realmente pesou foi a determinao
dos seus associados em divulgar o Clambom,
atravs da realizao
de encontros semanais nas casas de cada
um deles, alternadamente. Um fato significativo
a que quase nunca se repetia
a visita dos clambonistas casa
do mesmo colega, porque seu quadro de scios
esteve sempre em expanso nos primeiros
dez anos de atividades do clube.
De uns tempos para c, todavia, houve
defeces e mudanas
de prioridade da parte de alguns associados,
decorrncia da prpria dinmica
da vida com suas solicitaes
s vezes inesperadas – viagens,
mudana de domiclio ou de
trabalho, doena, escolhas novas,
falta de tempo repentina, como sucedeu com
o cantor Liz Nga. E, pior: bitos,
como aconteceu com Adriel de Souza, Joo
Alfredo Lima, Jos Percy de Amorim
Silva, Jlio Csar Otom, Francimar
Dias Bezerra, esposa da clambonista Ivana
Bezerra e, mais recentemente, Jos
Waldencio de S Leito,
um dos fundadores do clube. Cada uma dessas
pessoas deu sua parcela de contribuio
pessoal e nica para que o Clambom
galgasse os degraus do reconhecimento pblico
que o distinguiu dentro e fora do Rio Grande
do Norte.
No auge do Clambom, fomos convidados a visitar
Florianpolis, a bela capital do
estado de Santa Catarina, no sul do Brasil,
onde ficamos hospedados num hotel na Praia
de Jurer, que era de propriedade
de uma irm de Socorro Umbelino,
scia do Clambom e casada com o paranaense
Abelardo Lunardelli. Durante nossa permanncia
em Florianpolis, nos apresentamos
em diversos clubes da cidade. Foi uma bela
viagem que marcou o nome do Clambom na capital
catarinense.
Acontecimentos como esse teriam de produzir
mudanas significativas no Clambom,
confirmando que tnhamos potencial
para chegarmos at aonde chegamos.
Muita coisa mudou desde ento. Hoje,
mais maduros e mais experientes, porm,
cremos na sobrevivncia desse clube
cujo nico propsito
nos fazer conhecer aquilo que sempre amamos:
a msica. Sua histria j
est contada, at aqui, no
livro que lancei. O Clambom j
histria, e ns fazemos parte
dela, com licena da modstia,
que tambm extensiva a seus
demais scios. Olhando para o futuro,
confesso que tenho um projeto a compartilhar
com meus companheiros de clube: devolver
o Clambom s suas bases, o que vale
dizer, voltar a ser um clube familiar, cumprindo
o seu papel social de aglutinador dos amantes
da boa msica, como Luiz Cordeiro
costumava enfatizar. Essa a utopia
com que pretendo reacender a chama embrionria
que nos uniu em seu entorno, num dia, agora
longnquo, vivido com paixo
no Beco da Glria.
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