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12. O clube dos sonhos de Luiz Cordeiro

Quando o radialista Luiz Cordeiro retornou a Natal, no fim dos anos 1990, depois de uma vitoriosa experincia de vida e de trabalho em Belo Horizonte, trouxe na bagagem de filho prdigo o sucesso que protagonizara na Rdio Itacolomy, na capital mineira, onde apresentava o “Reprter Esso”, lder de audincia no rdio nacional. De BH, trouxe tambm uma informao que de imediato me empolgou. L, ele participara de um clube constitudo somente de pessoas devotadas msica, especialmente cantores, compositores e instrumentistas. Nesse clube, seus scios poderiam no s interpretar e ouvir, tantas vezes quisessem, as msicas que desejassem. Podiam ainda discutir sobre elas, falar sobre elas e estud-las sob os seus mais diversos ngulos. Ser que poderamos fazer algo semelhante em Natal? – quis ele saber.

A pergunta foi colocada assim meio que de agem, durante um dos nossos encontros no Beco da Glria, aquele bar que Glorinha Oliveira abrira em sua residncia, na Rua do Motor, quase esquina com a Ladeira do Sol, dando o Praia dos Artistas. Isso se ou no incio dos anos 1990. Habitualmente, a turma que frequentava o Beco da Glria era constituda dos seguintes nomes: Thas Marques, Eliete Regina, Antnio Edilson da Costa, Adriel de Souza Lima, Luiz Cordeiro, o sanfoneiro Arnaldo Farias, Jamil Farkart, Aldorisse Henriques, Joana D’Arc Ramos, Liz Nga, Maria Luzinete Viegas Nga, Jos Waldencio de S Leito, Roberto Alan Alcoforado, Marluce de Souza, Rosana Viegas Costa e eu, dentre outros.

De princpio, no consegui assimilar a ideia do clube musical de um nico trago. Preferi degust-la lentamente, como eu costumava fazer com um bom scotch. Saboreei cada ngulo que a proposta sugeria, tentando aparar uma ou outra aresta que tentasse se insinuar na degustao imaginria. Claro que desde o comeo eu topava participar de um clube formado por apreciadores da msica, porque eu me considerava um deles. Minha ligao com a msica sempre foi mais profunda do que a de um simples aficionado desse ou daquele gnero musical. Era algo mais intenso, diria visceral, uma parte substancial da vida e a mais aprazvel de todas. Os artistas da cidade j conheciam minha paixo musical e os mais chegados costumavam dedicar-me msicas quando eu adentrava um local onde eles se apresentassem. Uma das minhas msicas mais tocadas era “A noite do meu bem”, de Dolores Duran, uma das canes mais lindas do nosso cancioneiro popular. Cheguei a escrever um poema para a minha musa Lourdinha, inspirado num dos versos dessa bela cano.

Num outro encontro no Beco da Glria, quando todos j tnhamos discutido suficientemente bem a ideia da criao de uma verso local do clube mineiro dos amantes da msica, Luiz Cordeiro aproveitou a presena de um nmero bem razovel de amigos, a certa hora da noite, e fez a proposta oficial da criao do clube. O que tornava aquela reunio diferente das anteriores que dessa vez todos j haviam discutido e analisado cuidadosamente cada ngulo da proposta de Luiz Cordeiro e j tinham uma posio definida a seu respeito.

No momento crucial do debate, Glorinha Oliveira precisou se ausentar da nossa mesa, a fim de atender a um grupo de clientes habitus da casa e aos quais ela no poderia faltar com sua ateno e simpatia. Mas ao perceber os ecos da discusso que a gente travava em tom cada vez mais acalorado, ela finalmente acomodou os recm-chegados e pde voltar at ns. Sua ateno inicial foi em minha direo, se traduzindo num cochicho ao p do meu ouvido. Ardilosa, porm, ela falou de modo a que os demais componentes da nossa mesa pudessem ouvir. De forma que todos escutaram quando ela anunciou: “Se a conversa a respeito da criao do Clambom, aprovo. E tem mais: desaprovo quem for contra”. E se retirou em seguida, diante do riso de contentamento de todos.

Luiz Cordeiro sugeriu que o novo clube se chamasse “Clube dos Amantes da Boa Msica”, de sigla fcil: Clambom. A proposta causou verdadeiro frisson entre os habitus do Beco da Glria naquela noite. “Esse nome mais que perfeito!”, comentou Thais Marques, sentada ao meu lado, sem poder conter o seu entusiasmo. Endossei o comentrio de Thais de imediato.

Apesar disso, diversos aspectos da proposta de Luiz Cordeiro foram debatidos, como, por exemplo, a necessidade de uma sede, a organizao do quadro de scios e quorum ideal para a instalao da nova entidade.

O prprio Luiz Cordeiro se encarregou de responder a essas dvidas argumentando que elas deveriam ficar para discusso futura, porque o que estava em pauta naquele momento era apenas a viabilidade ou no da criao do Clambom.

A ordem foi restabelecida na mesa e finalmente foi facultada a palavra a cada um dos futuros clambonistas, quando a proposta de criao do Clube dos Amantes da Boa Msica foi aprovada por unanimidade.

Cordeiro, todavia, fez uma ressalva: no aceitava ser o presidente. O momento que atravessava em sua vida no lhe permitia assumir um posto de direo na entidade, fosse por razes de sade, fosse por razes profissionais. Aceitaria, no entanto e se essa fosse a vontade dos amigos, um posto secundrio.

O pronunciamento de Cordeiro foi seguido de protestos, de vivas e de palmas por todos os membros da mesa. Como sempre a mais efusiva, Glorinha Oliveira, morta de curiosidade sobre o que se ava na nossa mesa se aproximou. Luiz Cordeiro ento lhe fez ciente de que a proposta de criao do Clambom estava aprovada.

Glorinha aproveitou o embalo do entusiasmo geral e falou que uma proposta de seu amigo querido Luiz Cordeiro, ou melhor, Luluzinho, como ela o tratava carinhosamente, tinha de ser acatada pelos frequentadores do Beco da Glria. Quem fosse contra, que “pegasse o beco”. Porm, percebendo a tempo o trocadilho, corrigiu: “Pegasse outro beco”. Diante disso, s pudemos rir, dessa vez ruidosamente.

Retomando a palavra, Glorinha lamentou que Luiz Cordeiro no aceitasse dirigir o futuro Clambom, mas tinha a certeza de que ele daria, mesmo assim, uma contribuio importante para o novo clube. O que realmente aconteceu, como pude comprovar com o ar dos anos.

Esfuziante como sempre, Glorinha logo tomou gosto pela empolgao. Falou que, ali mesmo, naquele momento especial, teve a certeza de que o Beco da Glria era um lugar abenoado, capaz de inspirar grandes e lindas ideias, adiantando que sempre fora totalmente a favor da criao do Clambom. “Um clube que nasce com um nome como esse j diz a que veio: ser muito feliz e ter vida longa!”, falou.

Na ata de criao do Clube dos Amantes da Boa Msica de Natal – Clambom –, secretariado pela senhora Dircinha Agripina Gomes de Melo, com data do dia 22 de abril de 1992, tendo como local o bar “Beco da Glria”, ficou registrada a primeira diretoria da entidade: Presidente – comerciante Francisco Ivo; Vice-presidente- jornalista Joo Bosco Arajo; Secretrio – contador Adriel de Souza Lima; Tesoureiro- bancrio Emanuel Souza Pinto; Diretoria Social – Maria Luzinete Viegas Nga, Maria de Ftima Oliveira e Rejane Ovdio Dantas; Diretoria de Divulgao e Promoes- Joana DArc Dantas, Maria Odares de Menezes, Aldorisse Henriques e Ivan Cavalcante da Silva; Diretoria Artstica e Cultural- Luiz Cordeiro, Lisnildo (Liz) Alves Nga, Glorinha Oliveira; Diretoria de Comunicao – jornalista Ubirajara Macedo, Altades (Thas) Marques da Luz, Eliete Regina; Diretoria Musical – Francisco de Paula Oliveira, Arnaldo Farias e Josebias Gomes Arajo.

O Clambom foi fundado num momento de grande euforia e, por deferncia da proprietria, teve por sede provisria o bar Beco da Glria, que foi, na verdade, uma homenagem especial que prestamos anfitri, legtima musa da boa msica potiguar.

Em atividade h 16 anos, reconheo que tenho uma pequena parcela no sucesso desse clube do qual cheguei a ocupar o posto mais alto por duas vezes. Isso aconteceu no perodo de 1995 a 1999, o que corresponde a dois mandatos eletivos de presidente.

Mas, em minha opinio, o melhor presidente do Clambom foi Adriel de Souza. Era duro, mas eficiente. Por isso, sua gesto foi marcada por uma istrao dinmica, voltada para a minimizao das despesas e maximizao dos benefcios aos scios. Foi nesse clima de sade financeira que pde nascer o jornal Clambom Notcias, que tive o privilgio de dirigir. Hoje desativado, o jornal circulou por mais de dois anos, refletindo a boa fase que o clube atravessava naquela poca.

Outros detalhes da histria do Clambom eu contei no livro Clambom: um clube em defesa da boa msica – 16 anos defendendo a Msica Popular Brasileira. Escrevi-o em parceria com Pedro William Cavalcanti, ento presidente do clube, e o lanamos numa grande festa no dia 13 de junho de 2008, realizada no Amrica, quando autografamos 120 exemplares. O evento contou com a participao do grupo musical do Clambom e foi marcado por um clima de alegria, nostalgia e resgate dos grandes momentos do clube.

Tive a sorte de marcar a minha gesto no Clambom com grandes eventos culturais ligados msica popular brasileira. Entre outras atividades, o Clambom trouxe a Natal o escritor Srgio Cabral, bigrafo dos grandes nomes da MPB, como Ary Barroso, Elizete Cardoso, Tom Jobim, Pixinguinha e Nara Leo. Ele fez uma palestra no Teatro Alberto Maranho numa noite de casa cheia e com entrada franca: o ingresso era uma lata de leite em p, cujo montante seria destinado a casas de crianas e idosos carentes, previamente contatadas. Atuando como mediadores, tivemos o Dr. Grcio Barbalho, discfilo e pesquisador da nossa msica popular, o jornalista Rubem Lemos e eu prprio. A palestra foi um sucesso, graas ao nvel elevadssimo do palestrante, que discorreu magnificamente sobre alguns dos grandes momentos da MPB. As intervenes do Dr. Grcio e de Rubem Lemos s fizeram engrandecer mais a figura do convidado e os seus conhecimentos musicais, para a gratificao da plateia.

Em duas outras ocasies, trouxemos a Natal o compositor e pesquisador Hermnio Belo de Carvalho e o crtico musical Trik de Souza, tambm palestrantes de encontros promovidos em minha gesto frente do Clambom. O sucesso que havamos conseguido com Srgio Cabral se repetiu tanto com Trik quanto com Hermnio. E no foi um sucesso casual. Afinal, so dois grandes nomes da cultura brasileira. O primeiro, como crtico e estudioso da MPB; o segundo, como letrista e parceiro de compositores como Paulinho da Viola, Pixinguinha, Paulo Csar Pinheiro e outras “feras” da nossa msica.

Apesar de todo esse esforo que vimos desenvolvendo para divulgar o Clambom, ainda encontro pessoas que me perguntam a razo do seu sucesso. Geralmente respondo a essas pessoas lembrando uma razo bvia: no havia em Natal, at ento, um clube com as caractersticas do Clambom. Assim, no demorou a ele se tornasse uma referncia na cidade. O fato de contar em seus quadros com a participao de nomes conhecidos e populares ajudou bastante. Lembro que, a convite do Clambom, pessoas de fora de seus quadros puderam tomar parte em eventos culturais da entidade. Citaria o jornalista Vicente Serejo, que proferiu brilhante palestra sobre Pixinguinha, e o professor Carlos Braga, que discorreu tambm com muito brilho sobre Noel Rosa, alm de palestras proferidas por quadros da prpria entidade.

Mas o que realmente pesou foi a determinao dos seus associados em divulgar o Clambom, atravs da realizao de encontros semanais nas casas de cada um deles, alternadamente. Um fato significativo a que quase nunca se repetia a visita dos clambonistas casa do mesmo colega, porque seu quadro de scios esteve sempre em expanso nos primeiros dez anos de atividades do clube.

De uns tempos para c, todavia, houve defeces e mudanas de prioridade da parte de alguns associados, decorrncia da prpria dinmica da vida com suas solicitaes s vezes inesperadas – viagens, mudana de domiclio ou de trabalho, doena, escolhas novas, falta de tempo repentina, como sucedeu com o cantor Liz Nga. E, pior: bitos, como aconteceu com Adriel de Souza, Joo Alfredo Lima, Jos Percy de Amorim Silva, Jlio Csar Otom, Francimar Dias Bezerra, esposa da clambonista Ivana Bezerra e, mais recentemente, Jos Waldencio de S Leito, um dos fundadores do clube. Cada uma dessas pessoas deu sua parcela de contribuio pessoal e nica para que o Clambom galgasse os degraus do reconhecimento pblico que o distinguiu dentro e fora do Rio Grande do Norte.

No auge do Clambom, fomos convidados a visitar Florianpolis, a bela capital do estado de Santa Catarina, no sul do Brasil, onde ficamos hospedados num hotel na Praia de Jurer, que era de propriedade de uma irm de Socorro Umbelino, scia do Clambom e casada com o paranaense Abelardo Lunardelli. Durante nossa permanncia em Florianpolis, nos apresentamos em diversos clubes da cidade. Foi uma bela viagem que marcou o nome do Clambom na capital catarinense.

Acontecimentos como esse teriam de produzir mudanas significativas no Clambom, confirmando que tnhamos potencial para chegarmos at aonde chegamos. Muita coisa mudou desde ento. Hoje, mais maduros e mais experientes, porm, cremos na sobrevivncia desse clube cujo nico propsito nos fazer conhecer aquilo que sempre amamos: a msica. Sua histria j est contada, at aqui, no livro que lancei. O Clambom j histria, e ns fazemos parte dela, com licena da modstia, que tambm extensiva a seus demais scios. Olhando para o futuro, confesso que tenho um projeto a compartilhar com meus companheiros de clube: devolver o Clambom s suas bases, o que vale dizer, voltar a ser um clube familiar, cumprindo o seu papel social de aglutinador dos amantes da boa msica, como Luiz Cordeiro costumava enfatizar. Essa a utopia com que pretendo reacender a chama embrionria que nos uniu em seu entorno, num dia, agora longnquo, vivido com paixo no Beco da Glria.

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