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Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
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O Jornalista Ubirajara Macedo Conta a Histria da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010

7. No burburinho da Praa da Repblica

Fao aqui um retrospecto da minha experincia de vida em So Paulo, que precedeu meu divrcio e sucedeu ao meu perodo prisional. Crise conjugal, separao, aposentadoria, regresso ao rdio e redao jornalstica, tudo isso no perodo de cinco anos e meio – de junho de 1966 a janeiro de 1972. Deixei Natal no dia 24 de junho de 1966, depois de uma longa e desgastante luta contra a Ditadura, quando finalmente conquistei o direito de ir e vir e fui finalmente reincorporado ao meu emprego nos Correios. Considerando, porm, que foi a partir de l que se engendrou a campanha difamatria e caluniosa contra minha pessoa, culminando com minha priso por onze sombrios meses, no havia clima para que eu me integrasse outra vez na seo na qual trabalhara durante anos, na Ribeira. Em vista disso, a diretoria dos Correios decidiu me transferir para So Paulo. Sem me ouvir. No protestei, todavia, porque vislumbrava novo recomeo de vida numa cidade que palpitava oportunidades para quem estivesse disposto a procur-las. E, nessa poca, retemperado pela reconquista das minhas liberdades civis fundamentais, eu via a chance de residir em So Paulo muito mais como prmio do que punio. Foi com esse estado de esprito que embarquei para l.

Viajei s. Dora e os meninos ficaram em Natal at que eu montasse casa em So Paulo. Como fui relotado na agncia-centro, na Avenida So Joo, situada nas imediaes da Praa da Repblica, popular bairro do Centro paulista, me instalei provisoriamente num hotel das cercanias. A experincia de viver s na grande metrpole brasileira, e justo num dos lugares mais movimentados, ajudou-me a compreender um pouco o grande fascnio que essa cidade exercia sobre a minha gerao, levando milhares de nordestinos a se aventurarem nos paus-de-arara em busca de trabalho. A figura do nordestino estava em toda a parte: atarracado, andar balanceado, olhar oblquo, de pouca conversa quando sozinho, mas muito falante em grupo, era uma presena constante entre os transeuntes da Praa da Repblica, fosse para tomar o nibus ou comer uma comida ligeira num bar ou birosca do Largo do Arouche ou imediaes.

Meu horrio de trabalho era das 18h s 24h. Isso me permitia dispor do turno da manh ou da tarde para outra atividade. Quando Dora e os meninos chegaram, eu estava trabalhando no escritrio da Kelson’s, uma loja de bolsas femininas. Montamos casa em Perdizes, bairro de classe mdia, embora eu continuasse trabalhando no Centro. Dessa vez, porm, Dora no me acompanhava ao trabalho, embora estivesse lotada na mesma agncia dos Correios, porque trabalhava em outro horrio.

Como o meu horrio diurno estava livre, ei a fazer “bicos”. Um deles foi vender livros, experincia que foi breve, mas interessante. Li no jornal que firma tal procurava vendedor para uma coleo de livros escritos pelo ex-presidente Jnio Quadros em parceria com o escritor Afonso Arinos de Melo Franco. A coleo se chamava: “Histria do povo brasileiro”, e era editada pela J. Quadros Ed. Culturais, em seis volumes. Eu nunca tinha vendido livros e, embora tmido, consegui vender numa semana dez colees. Mas a experincia acabou logo, porque me apareceu outro trabalho dentro da minha profisso.

Em conversa com um colega da Kelson’s que tambm trabalhava na Rdio Piratininga, fiquei sabendo que havia uma vaga para redator de radiojornalismo na emissora. Ele me sugeriu que fosse naquele mesmo dia rdio, na Rua 24 de Maio, que ficava nas proximidades da Praa da Repblica, e falasse com o diretor de radiojornalismo Amaury Vieira, um alagoano que fazia muito sucesso no rdio paulista naquela poca. Meu encontro com ele foi breve. Quando soube que eu tinha tido experincia de rdio em Natal, me props que eu comeasse a trabalhar no dia seguinte, no noticioso denominado “Rotativa no ar”. O inconveniente que eu via era trabalhar da meia-noite s 6h da manh. Mas, pesei os prs e os contras, e topei a proposta.

Meu trabalho consistia em redigir as notcias do radiojornal “Rotativa”. Para isso, eu dispunha das diversas matrias que haviam sido veiculadas na vspera pelos outros noticiosos da emissora. Mas o que dava atualidade ao noticirio eram os jornais que comeavam a chegar pela madrugada nas bancas da Praa da Repblica. Eu precisava apenas me dirigir a uma delas para comprar jornais “quentinhos”, que eu lia em primeira mo e cujas matrias principais eu resumia para o radiojornal.

Alm de acompanhar detidamente os principais fatos relativos evoluo do estado de exceo nacional, minhas andanas pela madrugada paulista caa de jornais me proporcionavam a oportunidade de sentir um pouco mais da vibrao da alma da cidade nos primeiros minutos da manh. Isso se traduzia principalmente em sua frentica atividade mundana, que se materializava nos bares movimentadssimos, graas a um fluxo incessante de gente entrando e saindo, vindo de todas as direes, todos rivalizando com oferecer clientela msica ao vivo da melhor qualidade, em geral no gnero da MPB. Artistas j consagrados e outros mal chegados noite emulavam entre si, numa rivalidade com a qual o pblico s fazia ganhar. Os teatros das cercanias, como o Municipal, encerrados os seus grandes espetculos da temporada, despejavam nas ruas multides famintas que invadiam restaurantes e bares em busca de comida, bebida e boa msica. No era de surpreender que artistas como Cauby Peixoto, ngela Maria, Dercy Gonalves ou o nosso Trio Irakit aparecessem de repente num dos bares do Arouche para dar uma “canja”, levando a clientela ao delrio.

A rotina de trabalho na Rdio Piratininga se estendeu por cerca de um ano e meio, ininterruptamente, e cheguei a ser sondado para o trabalho de locuo, coisa que recusei, embora eventualmente me acontecesse ter de adentrar a manh frente do microfone da emissora para atender a uma emergncia gerada pela ausncia do profissional da voz. O Sr. Amaury Vieira disse-me, certa ocasio, que apreciava o timbre e a qualidade da minha voz, mas aleguei, em reposta, que preferia ficar na antecmara do rdio.

Certa manh, em meio ao burburinho de vozes e vultos que animavam a Praa da Repblica, me deparei com Manuel Chaparro, jornalista portugus que eu conhecia de outros tempos, em Natal. Corria o rumor de que ele trocara Lisboa por Natal, anos atrs, a fim de atender a um pedido do ento arcebispo Dom Eugnio Sales, para fortalecer os quadros do jornal catlico A Ordem, que Ulisses de Gis havia criado para melhor defender e divulgar os valores da Igreja. Chaparro me informou que estava trabalhando agora na equipe de Calazans Fernandes, responsvel pela preparao dos suplementos especiais que saam encartados em edies peridicas do jornal Folha de S. Paulo, destinadas aos estudantes de 2 grau, especialmente os pr-vestibulandos. Disse-me tambm que tinha uma vaga na equipe e perguntou se me interessava. Respondi que sim. No outro dia, me apresentei a Calazans Fernandes, pessoa tambm do meu ciclo de amizade. Eu o conheci no tempo em que militei na Tribuna do Norte, quando ele exercia o cargo de secretrio de Estado da Educao e costumava visitar as redaes dos jornais para dar informaes em primeira mo e praticar a poltica das boas relaes com a imprensa.

Assim, entrei na rotina de trabalho dos cadernos da Folha. Mas quando se aram dois, trs meses, a rotina somada estafa do trabalho burocrtico dos Correios e da rdio comearam a pesar e pedi demisso da Rdio Piratininga.

Meu trabalho na Folha tambm estava com os dias contados, porque o jornal estava ando por um intenso processo de modernizao, aposentando as velhas linotipos e trocando-as pelas modernas offsets que iriam revolucionar a situao do jornal, colocando-o como lder absoluto do mercado jornalstico brasileiro. Infelizmente, no vivi essa experincia, pois s vsperas dessa transformao, o Sr. Octavio Frias dispensou toda a equipe de redatores dos suplementos especiais, juntamente com dezenas de linotipistas, tcnicos em clichs e todo o pessoal ligado ao modus operandi tradicional. Encerrava-se assim a minha experincia de um ano e meio de trabalho na Folha.

O Centro Norte-Rio-Grandense havia sido criado recentemente na capital paulista por um grupo de potiguares, entre eles, Ademar Rubem de Paula, Manuel Cavalcanti, Aderbal Morelli, Geza Bezerra. Joaquim Vitorino, agente imobilirio, me convidou para visitar o Centro, onde fui apresentado a Ademar, Morelli e prpria Geza, corretora da Bolsa de Valores de So Paulo. Conversando com Ademar, ele me convidou para trabalhar na parte istrativa do Centro Sul-rio-grandense, do qual era conselheiro. A proposta salarial me pareceu boa, ento a aceitei. Dessa vez, trabalhei por volta de seis meses, sempre nos domingos. O trabalho era no centro de lazer da entidade gacha, que se localizava nas imediaes do bairro de Pirituba.

Por essa poca, lembro-me de um episdio interessante. Certo dia, eu estava sentado num dos bancos que a Praa da Repblica oferece a quem quer ter os sapatos engraxados, quando divisei a certa distncia a jornalista Paula Frassineti, minha grande amiga que eu deixara em Natal. Suspendi o trabalho do engraxate, paguei-o e parti a toda pressa a fim de alcanar minha amiga.

Por sorte, alcancei-a, pois ela parecia mais ear pela praa do seguir um roteiro determinado. Quando lhe dirigi a palavra, Paula tomou um susto, e logo esboou um largo sorriso de satisfao ao me reconhecer. Conversamos e ela me revelou que estava j h alguns dias em So Paulo, e que ficava muito feliz de me encontrar, porque praticamente no conhecia ningum ali. Na verdade, procurava trabalho. Estava morando num apartamento no bairro de Santa Ceclia. Prometi procurar uma colocao para ela e marcamos um novo encontro.

aram-se os dias e, ao reencontr-la, indaguei se j havia conseguido trabalho. Paula me falou que a sorte mudara a seu favor. Havia conseguido um emprego na Folha da Tarde e montara uma loja de decoraes na Rua Augusta, endereo privilegiado da classe mdia alta da cidade, onde vendia, entre outros objetos, posters com imagens dos Beatles, aproveitando a onda da beatlemania que se espalhava pelo mundo. A loja vendia ainda lingeries e outros produtos femininos.

Abro aqui um novo parntese para contar outra agem da vida de minha amiga Paula. Quando Leonel Brizola foi eleito governador do Rio de Janeiro, ela foi convidada para ocupar a Secretaria de Transportes do Governo carioca, cargo em que permaneceu por mais de um ano. No Rio, Paula chegou a ser candidata a deputado estadual, e por muito pouco no foi eleita. Presses polticas finalmente levaram-na a deixar a Pasta e ento ela resolveu voltar a Natal, indo trabalhar na Secretaria de Comunicao da ento prefeita Wilma Maia. Hoje, Paula professora no municpio de Touros, mas continua residindo em Natal. Vive na companhia do filho Jos Teixeira Netto, mais conhecido por “Netinho”. Eu e a ento prefeita Wilma Maia fomos os padrinhos de batismo de Netinho.

Voltando histria anterior, quando reatei amizade com ela em So Paulo, aram-se os anos e no tornei mais a ver minha amiga Paula Frassineti. Mas no me preocupei porque sabia que ela estava bem. Finalmente, voltei a Natal, quando assumi novas ocupaes, ficando So Paulo, com o ar dos dias, quase como uma mera lembrana da minha vida pregressa.

Tempos depois, Paula Frassineti tambm voltou para Natal. Havia encerrado os negcios em So Paulo e viera decidida a montar uma grande casa de shows na cidade. O local escolhido foi o Pao da Ptria. O bar ganhou o nome de “Brisa Del Mare” e foi inaugurado pela cantora carioca Beth Carvalho, num show em que tambm brilhou a voz e a interpretao de Liz Nga. Lembro que uma das estrelas presentes no “Brisa”, era Glorinha Oliveira, que chegou a ter um contrato exclusivo com a casa. Mas vrios cantores natalenses se apresentaram em seu salo. Tem uma explicao para isso: nos seus dias de glria, o “Brisa” era um point obrigatrio dos bomios da cidade, por isso, todos os artistas da noite disputavam o privilgio de se apresentar l.

Fechado esse parntese, volto a narrar minhas tribulaes paulistas que sucederam minha sada da Folha. Meu prximo emprego seria no escritrio da Editora Abril, localizado no ponto em que a Rua Augusto cruza a Avenida Paulista, endereo privilegiado da cidade. O trabalho nada tinha a ver com jornal ou rdio; era a trivial faina burocrtica: verificao e controle de estoque e distribuio das revistas e livros editados pelo grupo para as bancas de revista.

noite, de volta ao apartamento aps uma rotina estril e desestimulante, a solido comeou a se tornar um fardo difcil de carregar. Por causa disso, comecei a me familiarizar com o significado da palavra saudade. Saudade de casa, saudade dos meus pais, saudade dos meus irmos... Saudade de uma cidade chamada Natal. Por que no voltar?

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