Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
O Comit RN
Atividades
Linha do Tempo
ABC Reprimidos
ABC Repressores
Comisses IPMs
BNM Digital no RN
Coleo Represso
Coleo Memria
Mortos Desaparecidos
Represso no RN
Acervos Militantes
Bibliografia RN
RN: Nunca Mais
udios
Videos
Galerias
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Rede Mercosul
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

Comit Estadual pela Verdade, Memria e Justia RN Centro de Direitos Humanos e Memria Popular CDHMP Rua Vigrio Bartolomeu, 635 Salas 606 e 607 Centro CEP 59.025-904 Natal RN 84 3211.5428 [email protected] 1y4a60

Envie-nos dados e informaes:
DHnet Email Facebook Twitter Skype: direitoshumanos

Comisses da Verdade Brasil | Comisses da Verdade Mundo
Comit de Verdade Estados | Comit da Verdade RN

Inicial | Reprimidos RN | Mortos Desaparecidos Polticos RN | Repressores RN

Militantes Reprimidos no Rio Grande do Norte
Raimundo Ubirajara de Macedo

Livros e Publicaes

No Outono da Memria
O Jornalista Ubirajara Macedo Conta a Histria da Sua Vida
Nelson Patriota, 2010

1. As razes agrestes

Os meses que marcam a estao chuvosa do Nordeste guardam ainda hoje um encanto especial para mim. Olhando atravs da janela da minha sala de estar, onde uma nesga de mar disputa com o rio Potengi a ateno das minhas retinas cansadas, minha imaginao mergulha no azul esverdeado das guas, l longe. E num ato inteiramente involuntrio, o trabalho da imaginao faz que eu visualize um resto de vegetao rasteira que abre para um descampado. Mangueiras, goiabeiras e outras rvores mais ou menos frondosas, com seus frutos j em processo de amadurecimento, dominam a vegetao que reverdece ao redor.

Estamos em plena aula prtica da professora Maria Olmpia Ferreira, aprendendo os benefcios que as rvores nos do abundantemente, sem nada pedirem em troca. Ela pede que prestemos ateno (somos alunos do primeiro ano primrio do Grupo Escolar Auta de Souza, em Macaba) variedade de rvores que nossa vista pode alcanar: agora, olhando melhor, vejo que o algodo comea a brotar em toda a extenso nossa frente. Mas tanto esquerda quanto direita, despontam fruteiras: cajus, mangas, mangueiras frondosas, laranjais jovens e, mirando ao longe, vislumbro arbustos que se confundem com formas rasteiras de vegetao, deixando supor que em meio a elas algum fruto silvestre pode talvez se encontrar.

Agora Dona Olmpia nos ensina as vantagens da vida no campo. Ela explica que no lugar onde nos encontramos h abundncia de mandioca, feijo, macaxeira e batata, o que garante a alimentao dos moradores, vaqueiros, agricultores, lenhadores e artesos. Ela enfatiza, porm, que o trabalho realizado por essas pessoas, muitas vezes de poucos estudos, at rudes, to importante como o trabalho do prefeito, do juiz, do padre e do tabelio da cidade.

Enquanto nos conduz por uma trilha aberta entre o curral e a casa de farinha da fazenda escolhida para visita, dona Olmpia declina outras vantagens do campo: a qualidade do ar, que faz bem aos pulmes, e a variedade das frutas e legumes, essenciais para a sade das pessoas.

Sua voz ecoa por sobre a barreira dos tempos, por isso, preserva a magia da lembrana do menino que a v inteira, como uma pintura decalcada num livro: “Nunca esqueam a poesia que aprenderam do grande poeta Olavo Bilac, que nos pede para amarmos e respeitarmos as velhas rvores”. E rebate: “Quem ama a natureza, ama a Deus e faz por merecer o amor dele”.

A aula se encerra na sala de estar da fazenda, quando comemos um pouco de tudo o que havamos visto h pouco l fora: carne assada, inhame e macaxeira cozida, arroz e feijo. No final, sucos das frutas da estao so servidos em copos de loua, seguidos de geleias e doces. Comemos tudo num silncio reverente e travesso, e eu noto o esforo que muitos de ns fazamos para no romper numa gargalhada, vendo como cada um tentava aparentar uma seriedade adulta, como se a ocasio de comermos fora de casa o exigisse.

Quando nos dirigimos de volta escola, num nibus fretado pela Prefeitura especialmente para esse fim, dona Olmpia se derrama em elogios ao nosso comportamento. Mas a lio de ecologia, aprendida numa fazenda que eu provavelmente nunca mais veria, ficou-me gravada para sempre na lembrana.

Outra razo se soma a essa j enunciada: as aulas de dona Olmpia foram as coisas mais extraordinrias da minha infncia. Por que razo? Porque era diferente de tudo o que eu aprendera at ento no grupo escolar Auta de Souza; porque suas aulas eram adas quase sempre ao ar livre. Outro trao que distinguia essas aulas era o fato de que a professora tratava cada um dos seus alunos pelo nome, evidenciando sua individualidade, e isso se traduzia para mim como uma busca para quebrar as barreiras que a hierarquia, a idade e o sexo interpunham entre ela e ns. Essa preocupao to insistente da parte dela no se limitava, porm, ao horrio das aulas, porque ela nos convidava para ir sua casa, no comeo da noite, para ouvirmos msica tocada por seu companheiro, Ubirajara Ferreira, que vinha a ser o dentista da cidade, mas que, noite, costumava exercitar-se ao violino, instrumento que amava com paixo de virtuose e que teve em ns um pequeno e atento grupo de iradores.

A razo disso que o dr. Ferreira parecia traduzir, com as msicas que interpretava, uma gentileza e uma empatia com crianas, que conseguiu, por contgio, afastar de mim o medo de dentista, um verdadeiro terror para alguns meninos, principalmente quando criados no interior, onde a voz das ruas costuma amedrontar as pessoas comuns com temores do mdico, do padre e do juiz da comunidade. Mas para mim, pelo menos no que dizia respeito ao dr. Ferreira, ele no me infundia qualquer receio, pois uma pessoa que tocava violino com tanto sentimento como ele o fazia no podia ser uma pessoa m. Foi o que comprovei no final do semestre quando me sentei na cadeira do seu consultrio para um exame geral dos dentes.

A razo pela qual o casal gostava tanto de crianas talvez se devesse ao fato dos dois no terem sido contemplados com filhos pela natureza. Mas isso s seria suficiente para que dona Olmpia e seu Ubirajara tivessem tanto desvelo conosco? Minhas lembranas mais emotivas dizem que no. Eles nos amavam com um amor genuno e verdadeiro.

Dentre os meus coleguinhas do Auta de Souza, lembro alguns membros da famlia Varela: Renato, Rmulo, Fernando e Lourdinha. O pai deles era o Alcides Cid Varela, personalidade importante na cidade. condio de simples carteiro, acrescentou ao de conhecedor das ervas e da arte de curar, e na maturidade conquistou tamanha credibilidade na regio que aviava receitas como qualquer mdico generalista e ainda fazia partos, como um obstetra. Numa poca em que Macaba no dispunha de um nico mdico diplomado, Alcides Varela fazia as vezes desse profissional, inclusive com o apoio de seus “colegas” da capital.

Outra figura importante da minha infncia foi o dr. Jaime Perez Quintas, pai do escritor Renard Perez e do artista plstico Rossini Perez. O dr. Jaime era um engenheiro espanhol que durante algum tempo explorou pedreiras para firmas de Natal. No convivi com o Renard nem com o Rossini na minha infncia, porque, alm de serem de uma gerao posterior minha, deixaram muito cedo a cidade de Macaba, devido s atividades profissionais exercidas pelo pai deles.

Outra lacuna da minha meninice foi no ter convivido com Otaclio Alecrim, cujo pai, Prudente Gabriel da Costa Alecrim, era coronel da guarda nacional e empresrio com diversos e importantes negcios na cidade. O tempo, porm, proporcionou-me a oportunidade de ler o seu Provncia Submersa, em segunda edio, graas a um presente do amigo Valrio Mesquita. O que posso dizer que ei anos sonhando em ler essa obra, cuja primeira edio, infelizmente, era impossvel de encontrar. Mas l-la agora, na terceira idade, sabendo que eu e seu autor devemos ter nos cruzado muitas vezes em algum logradouro de Macaba, talvez num corredor do educandrio Auta de Souza, isso acrescentou para mim um ingrediente extra ao prazer de sua leitura. medida que lia, era como se eu estivesse partilhando das suas reminiscncias, tornando-as de algum modo tambm minhas.

Comeo estas memrias movido pelo desejo de atender a um anseio da minha famlia, que v na minha histria pessoal elementos que justifiquem tal empreitada. E com surpresa que me apercebo da nitidez com que me surgem os acontecimentos de uma infncia da qual estou separado por oito dcadas! Mas mesmo a nada vejo de extraordinrio, embora amigos meus, at muito chegados, insistam que se trata de um fato digno de ser louvado e exaltado. Humildemente, respondo a tais extremos observando que, se cheguei venervel “idade da delicadeza” de que fala Chico Buarque de Holanda em sua cano “Todo o sentimento”, tudo por acaso, benevolncia e generosidade de Deus. E emendo, entre um chiste e um ar contrafeito pela seriedade impostada: “Rezo todos os dias para que Ele faa o mesmo com todos os meus amigos”.

Guardo muitas lembranas do colgio Auta de Souza, localizado na Rua Pedro Velho, referncia importante na Macaba da minha infncia. A comear pelo famoso jasmineiro que a poetisa Auta de Souza plantara h cerca de duas dcadas, e que era aguado todas as manhs por um diligente jardineiro do educandrio. Ns, alunos, ramos ensinados a olhar e a reverenciar a rvore que a grande poetisa do Horto havia plantado com um carinho especial, e que agora exalava um perfume to peculiar que naturalmente associvamos pessoa dela.

Para que ningum duvide da seriedade da minha condio de estagirio da terceira idade, pois um ditado francs me ensinou que chegamos inexperientes a cada nova fase da vida, quero me deter um pouco na figura da minha professora Maria Olmpia Ferreira e confessar que, ao pensar nela, recobro uma ideia de infncia que resume, de certo modo, nostalgia e gratido, alegria de viver e convico de ter vivido, desmentindo aquele delicioso verso de Ataulfo Alves que diz: “Eu era feliz e no sabia”. Hoje eu penso que fui feliz sabendo que o era, pois o tempo de criana foi vivido na companhia de meus pais, que me amavam sem fazerem distino aos meus outros irmos. E tempo de falar um pouco deles.

So quatro irmos: Jos Tupinamb de Macedo, Giselda Paraguau de Macedo, Ari Tibiri de Macedo e Iaponira Macedo. Ari socilogo, aposentado, vivo de Maria da Conceio Souza de Macedo e tem cinco filhos; Jos Tupinamb funcionrio pblico aposentado dos Correios, casado com Edite Macedo, e tem dois filhos; Giselda a viva do professor Jos Melquades e tem oito filhos; Iaponira aposentada, solteira. A mais nova dos irmos.

Antnio Corcino de Macedo, meu pai, nasceu no municpio de Santana do Matos. Professor primrio itinerante, meu pai dava suas lies aonde o chamassem, e na sua poca no faltavam solicitaes por seus prstimos. Antes disso, porm, tem uma romance familiar que precisa ser contado, j que envolve tambm a figura da minha me, logo, minhas origens. Aconteceu que meu av Antnio Corcino Lopes de Macedo, tambm professor em Santana do Matos, recebeu um convite para lecionar em Goianinha e chamou a acompanh-lo aquele que viria a ser meu pai. Nessa visita se demoraram tempo suficiente para que meu pai conhecesse Alice de Almeida Macedo, que viria a ser minha me. Ela era filha de Ana de Almeida Macedo, irm de Dom Joaquim Antnio de Almeida, que foi o primeiro Bispo de Natal. O pai dela era Joo Corcino de Macedo, tambm tio de meu pai. Naquela poca, unies dentro da mesma famlia eram comuns no interior do Nordeste e tinham razes tanto de ordem social e biolgica, como econmicas. O fato que meu pai noivou com minha futura me, e em seguida partiu para Minas Gerais em busca de trabalho mais lucrativo que o magistrio. Quatro meses depois, a saudade falou mais alto e ele retornou a Goianinha, consumando o matrimnio prometido.

As primeiras dcadas do sculo ado foram tempos de grandes mudanas socioeconmicas no interior do Rio Grande do Norte. Ainda se vivia as consequncias da transio da Monarquia para a Repblica e a educao das massas era um item importante no iderio republicano. Os prefeitos eleitos sob esse iderio marcaram suas istraes com a construo de escolas, e meu pai se beneficiou dessa poltica sem mudar seu estilo andarilho de trabalhar. Pelo contrrio, tendo sempre uma nova escola, num novo municpio, sua disposio. Isso o levou a viajar a trabalho por muitos municpios do agreste e, ocasionalmente, em cidades situadas na fronteira com o serto. Meu nascimento, no dia 1 de maro de 1920, no distrito de Jacobina, na poca me parecia pertencente ao municpio de Macaba, mas hoje ao de So Gonalo do Amarante, coincidiu com o tempo em que meu pai lecionava em escolas primrias desses dois municpios. A fazenda pertencia Antnio Machado, mais conhecido por Tota Machado, e que foi meu padrinho de batismo. Fui o caula de oito filhos, dos quais trs faleceram ainda novos em decorrncia de doenas comuns s crianas, na poca.

Apesar de meu pai dispor de trabalho abundante, as condies financeiras da nossa famlia no eram nada invejveis. Minha me, do lar, como se dizia naquele tempo, cuidava dos filhos, istrativa a casa e, nas horas vagas, lia um romance de Jos de Alencar ou de Joaquim Manuel de Macedo. Aos domingos, no faltava nunca missa. E com ela ia toda a famlia. Graas a isso, nos criamos sob os valores comuns propagados sub-repticiamente nos plpitos das igrejas interioranas, onde o padre exercia, por meio de sermes e parbolas, um papel intelectual que no se limitava aos preceitos da f catlica, mas se estendiam s demais esferas da vida social. Alm de nos incutir o temor de Deus, o sacerdote tambm nos dava conselhos prticos sobre a vida em famlia, os valores da amizade e da justia, do desprendimento e da moderao, da renncia ao pecado e da esperana numa vida aps a morte.

Para aumentar a renda familiar, meu pai empregava seu tempo livre na agricultura, beneficiando pequenas glebas que eram cedidas ao professor recm-chegado como alternativa de incremento da renda familiar. Assim, embora o salrio pago pelo errio estadual fosse insuficiente para as despesas de uma famlia em expanso e costumasse sair com atraso de at seis meses, papai garantia o nosso alimento de cada dia biblicamente com o suor do seu rosto, resultado do trabalho que desenvolvia na agricultura domstica.

Nunca moramos na cidade de Macaba. Meu pai preferia residir numa pequena propriedade que alugara perto da sede do municpio, onde facilmente chegvamos. Na condio de aluno do Auta de Souza, porm, eu ava de segunda a sexta-feira em Macaba, residindo na casa da minha av Ana, na Rua Pernambuquinho, hoje Rua Coronel Manuel Maurcio Freire. Era uma rua larga e arenosa, caractersticas que a meninada aproveitava para bater uma bolinha nos fins de tarde, depois das aulas, e, nos fins de semana, durante o dia inteiro. A menos que So Pedro atrapalhasse. Eu sempre jogava na posio de goleiro, o que me levava a tomar um “frango” de vez em quando! Mas que era divertido, l isso era!

Falar da minha av Ana relembrar uma pessoa muito doce, sensvel e de carter muito firme. Por no ter mais filhos em casa, ela se apegou muito a mim e fazia tudo para que eu me demorasse na companhia dela aps as aulas colegiais. Era uma verdadeira baronesa, elegante, esbelta, vestia-se com grande apuro e bom gosto, e parecia estar sempre vivendo s vsperas de uma festa. Como era tradio entre os meus anteados, minha av tambm era uma mulher extremamente religiosa, e talvez tenha sido por esse motivo que ou estoicamente as aventuras amorosas do marido, Joo Corcino. Ele chegou a alugar uma casa quase em frente sua para seus encontros amorosos com uma amsia. Mas pagou caro por esse ultraje minha av: contraiu um mal que no tardou a tirar-lhe a vida. Minha av, por sua vez, viveu at os 103 anos. Resignada, no voltou a casar-se.

Macaba no era, excetuados esses dramas familiares que o tempo se encarregava de obliterar, uma cidade triste. Pelo contrrio, era uma cidade alegre, com uma tradio carnavalesca que nada deixava a desejar ao carnaval natalense. Por essa razo, ningum saa da cidade durante o trduo de Momo, quando as ruas eram tomadas pelas laranjinhas de guas perfumadas, confetes, serpentinas atiradas pelos populares nas principais vias por onde desfilavam os blocos de elite que, como diz o nome, reuniam os jovens das famlias abastadas da cidade. Havia ainda os famosos “assaltos” s casas de determinadas pessoas, previamente acertados, que duravam uma manh inteira, graas generosidade do “assaltado”, geralmente pessoa de posses e que, por isso, bancava praticamente sozinho os comes e bebes da festa, fosse pelo prazer de trazer ao seu lar um grupo de pndegos, fosse pelo desejo de ostentar uma condio socioeconmica diferenciada.

Os blocos de sujo, os papangus e os “a la ursa” faziam a alegria da garotada. Estes, representados pela figura de um enorme urso puxado por um frgil menino e ameaando a qualquer momento se desvencilhar da corda e correr atrs de um garoto mais atrevido que o xingasse com gritos ou troas. Todo esse squito folgazo se dirigia para o largo das Cinco Bocas, onde podiam ver e ser vistos por meia Macaba!

Mas mesmo nos dias comuns havia muito humor nas ruas, sobretudo quando o assunto era a vida alheia. Nesse item, parece que as pessoas se esmeravam em extrair o mximo dos pequenos deslizes que porventura algum praticasse. Era inevitvel um chiste percorrer a cidade como uma corrente eltrica. E poderia at chegar s temidas Cinco Bocas, centro nervoso da cidade.

Lembro do quanto os macaibenses se divertiram numa nica noite com a re-pintura do letreiro principal que enfeitava o fronto do popular bar e restaurante “A Prola do Chico Crcio”. O comerciante Chico Crcio, dono do estabelecimento, contratou o famoso artista plstico Jos Muniz para que fizesse o trabalho. Para valorizar sua arte (pois era conhecido principalmente por seus trabalhos a leo reproduzindo paisagens e personagens da mitologia grega), Jos Muniz deu incio obra por volta das 17h. A essa hora, o restaurante j reunia uma clientela numerosa que tomava conta das mesas (disponveis) aguardando o prato feito ou um prato la carte, dependendo das disponibilidades monetrias do fregus... L fora, aglomeravam-se pequenos grupos que degustavam um cigarro para rematar a sobremesa do caf e retardar a ida para casa, reao, alis, muito comum numa pequena cidade de interior, onde a quebra da montona rotina ordinria em geral se constitui um acontecimento que se espalha rapidamente entre as pessoas.

Foi em meio a esse burburinho que Muniz recostou a escada junto entrada da loja, testou-a para sentir firmeza no seu equipamento e a subiu lentamente, apoiando-se numa mo e, com a outra, levando pincel e uma lata de tinta. Primeiro retocou a letra “A”, em seguida procedeu da mesma maneira com as letras “L”, “O” e “R”, ou seja, de trs para frente. Depois retocou o segundo “A” e suspendeu o trabalho. O povo que ava pelo local se divertiu a valer lendo a parte do letreiro j recuperado, que formava a frase “A ...ROLA DO CHICO CRCIO”. S no final da tarde do dia seguinte o maroto pintor acrescentou as letras faltantes (PE), dando a forma final do letreiro: “A Prola do Chico Crcio”. Esta histria foi aproveitada pelo escritor Valrio Mesquita, outro macaibense sensvel aos causos, e que o incorporou ao seu livro “Poucas e Boas”.

Em 1930 (eu tinha 10 anos), meu pai se transferiu para o distrito de Jundia, em Macaba, onde hoje est localizado o Instituto de Neurocincias, dirigido pelo professor Miguel Nicollis. Ali, meu pai foi professor e secretrio da istrao de uma fazenda gerida pelo Estado. O trabalho burocrtico lhe proporcionou uma pequena melhoria financeira.

Em 1933, o dr. Dcio Fonseca, do Porto de Natal, convidou meu pai para trabalhar no Departamento de Portos, Rios e Canais, localizado na na praia de Upanema, proximidades de Areia Branca, no trabalho de fixao de dunas. O trabalho lhe agradava, pois era ligado agricultura, atividade que, para ele, sempre foi sua grande paixo. Acho que amos nessa praia pouco menos de trs anos. Com quatro filhos em idade escolar, minha me comeou a ficar preocupada com a nossa educao. Foi quando o dr. Gallotti, que era diretor estadual do Departamento de Portos, Rios e Canais, conseguiu a transferncia de meu pai para a capital. Assim, no ms de junho do ano de 1935 chegamos a Natal, a bordo do vapor Pocon, vindos de Areia Branca. Fomos residir na praia da Limpa, designao do hoje bairro de Santos Reis. Nos idos de 1930, porm, era menos do que um arruado: s tinha trs casas, todas pertencentes ao rgo ao qual meu pai estava ligado. A Natal daquele tempo era uma cidade de 35 mil habitantes. Muito pouca gente, para uma capital.

^ Subir

< Voltar

Desde 1995 dhnet-br.diariodetocantins.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim
Comit