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Ditadura Militar no RN
Ditadura
Militar de 1964 no Rio Grande do Norte
Glnio
Fernandes de S
Represso no RN
Textos
Glnio
S: um exemplo de dedicao
e altrusmo
Por
Gilson S*
Este
ano, quando o pas relembra os 50
anos do “Golpe Militar”, que
se configurou em 1 de abril de 1964,
muitos esto fazendo um resgate histrico,
atravs de sries, artigos,
reportagens e documentrios com as
vtimas das graves violaes
de Direitos Humanos cometidas por Agentes
de Estado.
Temos
que relembrar aos esquecidos e mostrar s
futuras geraes tudo que
pudermos sobre a longa noite anti-democrtica,
s clareada aps 21 anos de
interminvel luta dos democratas
e patriotas.
Por
isso, aproveito o ensejo para trazer o exemplo
de vida e de luta do norte-rio-grandense
Glnio S, que teve sua trajetria
poltica-partidria traada
em 24 anos de lutas no Partido Comunista
do Brasil (PCdoB).
A
sua caminhada comea a ser desenhada
nos movimentos estudantis de 1966, ganha
forma com a “Guerrilha do Araguaia”
(movimento armado de contestao
poltica ao Regime Militar que ajudou
na organizao e conscientizao
os camponeses do Sul do Par) e
concretizada na luta pela reestruturao
e legalizao do PCdoB no
seu Estado, o Rio Grande do Norte.
Em
uma longa e descontrada entrevista,
Ftima S, viva de
Glnio, conta boa parte da vida militante
do lder revolucionrio comunista,
sem apresentar nenhum trao espetacular.
Para ela, a imagem de sua coragem, pacincia,
carinho e compreenso se contrapem
de um heri burgus,
que no chora, no ri, no
ama, nem amigos nem famlia fazem
parte de suas preocupaes.
Era
um homem simples, como foi a sua vida, pois
no se importava em abdicar das benesses
de sua vida pessoal em prol da luta pela
felicidade do povo e pela liberdade. Reconhecia
as suas fraquezas e, na convivncia
com o povo e com seus camaradas, buscava
a fora.
“Em
sua ao consciente, sabia
que ser comunista era uma opo
cotidiana e no apenas um ato de
proclamao solene e de comprometimento
formal. Era antes e acima de tudo uma transformao
real e consciente nas ideias e prticas,
no comportamento ideolgico e moral,
na elevao do nvel
de compreenso poltica e
das aptides prticas, no
desempenho das atividades partidrias
e das responsabilidades”, revela Ftima
S.
Ao
lembrar a opresso poltica
e o desrespeito aos mnimos padres
da dignidade humana contra Glnio,
Ftima fez um relato do trgico
quadro da vida nacional, que resultou em
um Brasil com 1.069 mandatos populares cassados;
3.860 servidores pblicos demitidos
ou aposentados; cerca de 500 mil brasileiros
presos ou detidos por motivao
poltica; 10 mil cidados
forados ao exlio; 130 foram
banidos; 200 mortos portortura ou choques
armados com as Foras de Represso;
122 desaparecidos; e da penosa luta das
Foras Democrticas pela restaurao
do Estado de Direito.
A
violncia contra as foras
sociais que se posicionaram contra o golpe
j se iniciou no dia seguinte ao
golpe e o chamado “terror de Estado”
firmou-se como uma prtica recorrente
do regime militar com as perseguies,
prises, cassaes
e assassinatos dos seus opositores.
Na
Ditadura Militar, a tortura tornou-se comum
nos pores da ditadura, com a criao,
nas Foras Armadas, de aparelhos
especializados na represso poltica,
o surgimento de esquadres da morte
e a criao das PMs levaram
a violncia do Estado a aterrorizar
a sociedade brasileira.
Lembranas
que contribuem no apenas para a
compreenso do ado e das lutas
e sonhos de toda uma gerao
que teve o seu projeto de vida interrompido
pelo autoritarismo, mas tambm para
a formao de uma identidade
coletiva nacional.
Abre-se
para as novas geraes uma
possibilidade de reflexo sobre o
legado de violncia do regime autoritrio,
permitindo que a poltica se configure
como ferramenta imprescindvel na
formao de uma conscincia
crtica, que compreende a democracia
como um processo que precisamos constantemente
seguir construindo.
Um
misto de ousadia, coragem pessoal e afetividade
faz parte do roteiro da vida de Glnio
S.
Entrevista:
Como
conheceu Glnio?
Nos
conhecemos em 1977, pouco tempo depois de
sua participao na Guerrilha
do Araguaia. Estava trabalhando na reconstruo
do Partido Comunista do Brasil no Estado,
com uma atuao muito intensa
na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, onde cursava Geologia.
De
tudo, o que mais me impressionou foi sua
determinao. Apesar de todas
as durezas enfrentadas na selva, mais de
trs anos de tortura ininterrupta
e da ameaa de morte nas mos
do Exrcito brasileiro, Glnio
no desistiu da luta por uma sociedade
mais justa.
Ele
teve atuao combativa no
Comit norte-rio-grandense pela Anistia.
Foi presidente da Sociedade de Defesa de
Direitos Humanos. E, como estudante de Geologia
da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, voltou a participar ativamente do
Movimento Estudantil, sendo eleito, em 1979,
presidente do Diretrio Acadmico
do Centro de Cincias Exatas.
Entre
os encontros que organizou e participou
destaca-se o Congresso de Reconstruo
da Unio Nacional dos Estudantes,
em 1979, na cidade de Salvador; formao
Comit norte-rio-grandense pela Anistia,
em agosto de 1979; foi presidente da Comisso
Diretora Regional Provisria do PCdoB/RN;
responsvel pelas Distribuidoras
e Sucursais dos Veculos de divulgao
do PCdoB no Rio Grande do Norte; participou
ativamente das diversas manifestaes
promovidas pelas Centrais Sindicais (CUT,
CGT e USI), como parte das Greves dos Trabalhadores;
bem como de atos pblicos, como o
“Dia Nacional de Advertncia”,
em Natal, que tinha como objetivo pressionar
os constituintes a aprovar o mandato de
quatro anos para Sarney, com eleies
ainda em 1988.
Por
diversas vezes, foi palestrante nas comemoraes
ao aniversrio da Guerrilha do Araguaia,
promovidas pelo PCdoB, que objetivavam levantar
um apelo s entidades populares sobre
a necessidade de se solidarizarem com os
familiares dos mortos e desaparecidos no
episdio, de modo a pressionar a
Justia Federal a dar andamento ao
processo movido pelas famlias que
queriam saber onde estavam enterrados os
seus mortos, bem como resgatar o herosmo
e a bravura destes combatentes, que lutaram
por um ideal de defesa do povo e liberdade.
Em 1984, foi testemunha em uma ao
que pedia esclarecimento sobre os desaparecidos
na Guerrilha do Araguaia.
Mas
esta caminhada, que teve incio nos
movimentos estudantis de 1966 e ganhou forma
com a Guerrilha do Araguaia, s foi
concretizada na luta pela reestruturao
e legalizao do PCdoB no
seu Estado, o Rio Grande do Norte.
Reconstruindo
os documentos do partido a partir da prpria
memria e, posteriormente, com a
ajuda de um radiogravador, que fixava as
informaes da Rdio
Tirana, Glnio reestruturou, dirigiu
e elevou a influncia e o respeito
do PC do B no Rio Grande do Norte, sendo
seu principal dirigente at o ano
de sua morte, em 1990.
Foi
candidato a vereador em 1982, a deputado
estadual, em 1986, e em 1990, ao Senado
pela Frente Popular do Rio Grande do Norte,
quando faleceu, vtima de um mal
explicado acidente automobilstico.
Como Glnio iniciou seu engajamento
na luta poltica?
Glnio
iniciou sua participao na
luta poltica partidria muito
cedo. No desabrochar da juventude, atuou
na linha de frente da resistncia
contra a ditadura militar, regime que mergulhou
o pas numa noite histrica
de 21 anos marcada pela censura, prises,
torturas e desaparecimentos.
Dois
anos depois do golpe militar de 1
de abril de 1964, aos 16 anos, Glnio
comeou seu engajamento na ao
poltica oposicionista, quando ainda
fazia o curso ginasial no Colgio
Estadual de Mossor, no Rio Grande
do Norte.
Em
1968, j em Fortaleza, Glnio
engaje-se rapidamente no movimento estudantil
cearense, do qual a a participar ativamente,
quando ingressa nas fileiras do PCdoB.
Glnio
teve contatos com pessoas da Ao
Popular (AP), com o Partido Comunista Brasileiro
(PCB), com o PC do B, com os trotskistas
e com grupos do Partido Comunista Revolucionrio
(PCR). Identificou-se mais claramente com
o PC do B, que, no Cear, detinha
a hegemonia do Movimento Estudantil, estando
frente do Diretrio Central
dos Estudantes (DCE) e da grande maioria
dos Centros Acadmicos (CAs) e Diretrios
Acadmicos (DAs).
Atravs
do Centro de Estudantes Secundrios
do Cear (CESC), Glnio fez
parte das manifestaes estudantis
da poca, sentindo de perto a represso
policial. Ainda em 1968, participou do Congresso
da Unio Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (UBES) em Salvador, Bahia,
juntamente com mais trs delegados
cearenses. Ao chegarem a Aracaju, foram
surpreendidos pelo decreto do mal-afamado
AI-5. Nesse perodo, sentiu na pele
o que era viver num pas sem liberdade.
Por
suas atuaes no movimento
estudantil e pelas suas posies
polticas foi preso duas vezes em
1969. Em consequncia da primeira
priso, na cidade de Crato/CE, foi
indiciado no Inqurito n 18/69,
instaurado pela Superintendncia Regional
do Departamento de Polcia Federal
do Cear. O Inqurito foi
remetido Auditoria da 10
Circunscrio Judiciria
Militar, sendo arquivado por solicitao
do Procurador Militar, que argiu inexistncia
de crime a punir. Foi solto trs meses
depois.
Glnio
S continuou militando no movimento
secundarista at incio de
1970, quando, no auge da Ditadura Militar,
deslocou-se para o sul do Par, onde
ajudou na organizao e conscientizao
dos camponeses da regio na luta
contra grileiros e latifundirios,
num movimento que ficou conhecido como Guerrilha
do Araguaia, movimento armado de contestao
poltica ao Regime Militar, concebido,
planejado, organizado e dirigido pelo Partido
Comunista do Brasil, entre os anos de 1966
e 1975.
Por
sua participao na Guerrilha
foi preso em 1972 e libertado apenas em
1975. Neste perodo, foi barbaramente
torturado e transferido, por diversas vezes,
de priso.
Apesar
de sua destacada importncia nessa
luta em defesa da libertao
da populao daquela regio,
Glnio no foi julgado por
tal participao. As Foras
Armadas tinham por objetivo ocult-la,
atravs da censura e de outros tipos
de manejos da ditadura. Morreu sem receber
as reparaes devidas pelo
Estado, que fez da sua vida um perodo
de desassossego. Por causa das torturas
sofridas nos crceres da Ditadura
Militar, Glnio adquiriu profundas
marcas fsicas, resultado do perodo
em que teve de ficar confinado em ambientes
imprprios para a permanncia
de qualquer ser humano.
Ao
final das operaes no Araguaia,
intituladas pelos militares de cerco e aniquilamento,
apenas oito, dos 69 comunistas que participaram
da guerrilha, sobreviveram: Crimia
Alice Schmidt de Almeida, Dagoberto Alves
Costa, Danilo Carneiro, Dower Morais, Glnio
Fernandes de S, Jos Genono
Neto, Luzia Reis e Regilena da Silva Carvalho.
Em
24 anos de trajetria poltica-partidria,
Glnio protagonizou importantes lutas
da sociedade brasileira, entre elas destaca-se
a Guerrilha do Araguaia. Nos fale um pouco
sobre este episdio da Histria
brasileira.
O
Araguaia foi uma forma superior da resistncia
ao Regime Militar. Movimento guerrilheiro
de contestao poltica,
concebido, planejado, organizado e dirigido
pelo Partido Comunista do Brasil, entre
os anos de 1966 e 1975, no sul do Par,
a Guerrilha hoje evocada sempre
que se trata de ar a limpo a histria
do pas e iluminar os pores
do Regime Militar.
Em
trs dcadas, o movimento foi
indexado em milhes de pginas
por inmeras reportagens, estudos,
pesquisas e, a cada ano, novas revelaes
incrementam a curiosidade persistente em
torno do tema.
Informaes
que no revelam todas as verdades
sobre o movimento, j que para isso
seria necessria a abertura dos arquivos
do Exrcito, mas que atestam a derrota
mais profunda da histria oficial
que, em mais de 500 anos da formao
do povo brasileiro, tratou de obscurecer
incontveis lutas, menosprezadas
como episdios sem significao
que firmariam a ividade como conceito
diante da tirania e da desigualdade.
Assim,
o discurso sobre a Guerrilha, que a princpio
foi formalmente proibido, mais tarde esquecido
ou banalizado como apenas mais um exemplo
daquilo que seria a vocao
para o fracasso da esquerda brasileira,
ressurge agora sob nova perspectiva. Novas
descobertas e fatos, o situa como movimento
incontestvel.
O
regime do medo que sustentava o ado
j no serve de desculpa ao
presente democrtico. A luta agora
para que as novas geraes,
ento, no esqueam
que a luta pela democracia e pela liberdade
o que fortalece a sociedade.
No ano de 1979, se inicia o perodo
de abertura poltica no pas
e proclamada a Lei de Anistia.
Foi um perodo mais fcil
para Glnio, ou ainda havia perseguio?
A
vigilncia e a violao
de intimidade perpetradas contra Glnio
ultraou mais de dez anos a edio
da primeira Lei de Anistia. Temos uma Certido
da Agncia Brasileira de Inteligncia,
a ABIN, e dossis dos rgos
de segurana e informaes
do Regime Militar que comprovam que a perseguio
a Glnio durou at o ano de
sua morte, o que suscita dvidas
quanto morte por acidente automobilstico.
Alm
desses documentos, outros fatores nos fazem
acreditar que Glnio no fora
vtima de um acidente, mas de uma
emboscada muito bem planejada. Recebemos
bilhetes com ameaas j aps
o perodo de redemocratizao
do pas; a carta-resposta enviada
por um militar, identificado como Isnard
A. Vieira, entrevista concedida
por Glnio ao jornal impresso O Poti,
em 1987; o ltimo depoimento pblico
de Glnio durante uma comemorao
aos 10 anos da Lei de Anistia, onde ele
aponta os nomes dos seus torturadores durante
o regime militar; a falta de registro do
acidente nas delegacias dos municpios
de Jaan e Coronel Ezequiel;
e o prprio laudo do ITEP.
Ora,
a plena restaurao da democracia
no ocorreu num momento nico,
mgico, esttico, em decorrncia
de um diploma legal elaborado sob as restries
da ditadura agonizante. A permanncia
das atividades dos rgos
da represso, bem como as perseguies
aos opositores do regime, se estenderam
muito alm da edio
da Lei de Anistia, de 1979.
Como voc definiria Glnio?
Homem
simples, como no poderia deixar
de ser, tinha debilidades, falhas e erros.
Mas sabia que ser comunista no era
um ato de proclamao solene
nem apenas um comprometimento formal, era
antes e acima de tudo uma transformao
real e consciente nas ideias e prticas,
no comportamento ideolgico e moral,
na elevao do nvel
de compreenso poltica e
das aptides prticas, no
desempenho das atividades partidrias
e das responsabilidades. Aos 16 anos, j
tinha presente de que ser comunista era
uma opo cotidiana.
Em
todos os seus atos, era extremamente responsvel
para cumprir as tarefas revolucionrias.
Era um lder que encarnava a misso
e quem o seguia, seguia como quem segue
o prprio organismo coletivo. Somente
a morte quebraria um compromisso firmado
por Glnio S. A morte interrompeu
a vida de um homem que s queria
a felicidade da humanidade. Ele no
se importava se a trajetria desta
felicidade implicava na abdicao
das benesses de sua vida pessoal. Foi forte
diante do inimigo de classe, mas foi impotente
diante da morte.
Esse
homem, a quem o povo mesmo inconscientemente
deve muita gratido pela abnegao
com que abraou a causa do proletariado,
nunca reclamou da difcil vida pessoal
que teve. Ao contrrio, resistiu
at onde a vida lhe permitiu que
vivesse. Comeou a luta lado a lado,
organizou o partido lado a lado, e permaneceu
fiel a ela lado a lado.
Militante
de esprito cordato, capaz de dialogar
sem perder o prumo, com a profunda convico
de que era possvel trabalhar com
as diferenas polticas. Exemplo
de companheirismo, de combatividade, de
coragem, de luta, mas acima de tudo de amor.
Para voc, que legado Glnio
S deixa para a sociedade brasileira?
Ao
ter sua vida e luta poltica atravancada
em 1990, aos 40 anos de idade, Glnio
deixa um legado de coerncia, probidade,
abnegao, lealdade, renncia
pessoal e, acima de tudo, incorruptibilidade.
Contudo, de tudo o que sei, o que mais me
impressiona a lembrana
de um homem muito doce, calmo, carinhoso,
compreensivo e presente.
Sempre
que falo ou penso nele me vem a sua imagem
sorrindo. Seu aspecto era o de uma pessoa
que sabia seu papel na vida e vivia como
se tivesse ainda todo o tempo do mundo pela
frente.
Possua
a coragem e a pacincia de quem fez
uma descoberta de vida na vivncia
do sofrimento e a internalizou definitivamente
como sabedoria. Aqueles que o conheceram
mais de perto sabem que era de um temperamento
afvel no trato com as pessoas, um
homem de muita compreenso com o
lado humano. Doura que s
era perdida quando falava sobre o carter
injusto do sistema poltico e econmico
do pas. Corajoso, paciente e compreensivo,
s no arredava p
dos princpios marxistas-leninistas.
Homem
de Partido era arguto e gil no pensar
e no agir. Incansvel, infundido
confiana, jamais se dobrou s
dificuldades, nunca temeu sacrifcios
e riscos nem pensou em si mesmo ou em comodidades.
Nem podia, como verdadeiro comunista no
escolhia tarefas. Estava disposto a realizar
qualquer misso designada pelo PCdoB.
Ao
mesmo tempo em que deixou uma lacuna entre
os quadros comunistas, muito difcil
de ser preenchida, e um grande vazio na
famlia, deixou o seu exemplo de
vida e de luta. Legado que representa hoje
o motivo de meu entusiasmo e amor pela vida.
Aps 35 anos da promulgao
da Lei de Anistia, ainda se debate a sua
permanncia, sob o argumento de que
este dispositivo teria se destinado a garantir
a impunidade para os torturadores e terroristas
do aparato policial-militar. Como avalia
a Lei?
Acho
que se faz necessrio refletir sobre
a sobrevivncia deste ato do general
Figueiredo, pois no possvel
haver anistia a graves violaes
dos Direitos Humanos.
Apesar
de reconhecer que a Lei 6.683 representou
um o importante para que ultrassemos
o longo perodo de regime ditatorial
instaurado em 1964, permitindo a volta ao
pas dos militantes polticos
que viviam na clandestinidade com suas identidades
verdadeiras, foram muitos os retrocessos,
com o perdo aos torturadores e assassinos
estatais da poca.
Aps
mais de trs dcadas do fim
do Regime Militar, ainda h muito
o que se fazer para consolidar a democracia
no pas. Mas do que nunca, precisamos
enfrentar o debate sobre a Lei de Anistia.
As atrocidades cometidas contra a pessoa
humana durante a vigncia dos regimes
autoritrios da Amrica Latina
chocaram a humanidade e, no Brasil, onde
ainda no se completou o processo
da justia de transio,
ainda representam uma ameaa ao futuro
que queremos: livre, democrtico,
com mais Direitos Humanos.
Os
atos de tortura, sequestros, desaparecimento
forado e outras atrocidades contra
os dissidentes polticos, que se
tornaram comuns entre 1964 e 1985, no
podem ser considerados crimes polticos.
A
sobrevivncia dessa Lei de Anistia,
considerada constitucional pelo Supremo
Tribunal Federal, no se encaixa
na tendncia internacional, o que
se faz bastante evidente desde que a Corte
Interamericana de Direitos Humanos sentenciou
o Brasil no Caso Guerrilha do Araguaia.
Esse trgico quadro da vida nacional
exige a responsabilizao
s violaes dos direitos
humanos praticadas durante os longos 21
anos de arbtrio, praticados sob
a gide da mais esdrxula
legislao de exceo
de que se tem notcia e da penosa
luta das Foras Democrticas
pela restaurao do Estado
de Direito.
Faz-se
urgente d continuidade ao processo
histrico de consolidao
da promoo e defesa dos Direitos
Humanos, de maneira a assegurar a completa
justia de transio,
que pressupe quatro tarefas fundamentais,
segundo a definio da Organizao
das Naes Unidas (ONU): a
reforma das instituies para
a democracia; o direito memria
e verdade; o direito reparao
e o adequado tratamento jurdico
aos crimes cometidos no ado.
A
reviso desta Lei assume um importante
papel no compromisso com a justia
e com a democracia e na construo
de um futuro onde as liberdades, em suas
expresses mais amplas, sejam a tnica.
*Gilson
S jornalista, filho de
Glnio S
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