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Recife
ganha mais uma filha ilustre

Cemitrio Pernambucano
Joo Cabral de Melo Neto
0:38'
Saudao Inicial
(5-04-2001)
SR.
PRESIDENTE,
SRS.
VEREADORES,
AUTORIDADES
PRESENTES OU REPRESENTADAS,
MINHAS
SENHORAS E MEUS SENHORES
Inicialmente,
desejo dividir esta homenagem com alguns familiares. Assim,
com o meu marido Otvio Clementino de Albuquerque, que sempre
me apoiou; com minha me Luzinete Albuquerque, que discordava
da minha atuao em defesa dos presos polticos, mas sempre
esteve ao meu lado quando precisei, e com os meus irmos Pedro
e Sandino, este ltimo perseguido, preso e torturado para delatar-me.
A Maria Jos Batista de Menezes que, nas minhas ausncias, substituiu-me
junto a Aradin, com carinho e muita dedicao.
Peo,
neste momento, perdo ao meu filho Aradin, por no lhe haver
dedicado horas preciosas quando mais necessitava, ocupadas com
o patrocnio da defesa dos perseguidos polticos. No desconheo
que a minha ausncia deixou marcas no seu mundo afetivo, que
nunca pude compensar, somente restando pedir a sua compreenso
para a excepcionalidade daquele tempo e do desafio enfrentado.
SR.
PRESIDENTE,
SRS.
VEREADORES,
AUTORIDADES PRESENTES
OU REPRESENTADAS,
MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES
I
As
honrarias alimentam o esprito, fazem bem a alma, quando no
se deixam enganar os contemplados pelo auto engrandecimento
da personalidade. 5j333q
Imbuda
desse sentimento, as minhas primeiras palavras so para expressar
ao Poder Legislativo Municipal da legendria Recife, que me
adota, o reconhecimento ao significado histrico. A casa de
Jos Mariano tem sido palco de memorveis eventos cvicos em
defesa da liberdade poltica, da cidadania e das causas sociais
do nosso povo. Que o exemplo glorioso do seu patrono maior,
defensor da libertao do negro escravizado, seja o padro de
quantos aqui venham exercer, urgidos pelo voto, a representao
popular.
II
f3d4o
A
minha vida tem sido marcada pela fora da emoo, literalmente,
desde quando nasci, em situao emergencial. Em 23 de dezembro
de 1934, minha me, ao visitar uma cunhada em Jaboato dos Guararapes,
deparou-se com uma situao de conflito social na estao ferroviria
da antiga Great Western, na vizinha cidade, com tiroteio e prises.
Impedida de retornar a Recife, minha querida genitora me deu
luz na madrugada do dia 23 daquele mesmo ms e ano, enquanto
os ferrovirios ainda resistiam. Pouco depois minha famlia,
por circunstncias da vida, mudou-se para So Jos da Laje,
Alagoas. Naquela cidade alagoana fui criada no ambiente de uma
famlia conservadora, para a qual medo era uma palavra que no
existia, sendo esta uma caracterstica de minha educao que
considero positiva.
Aos
nove anos sofri um grande golpe ao ficar rf de pai, e quinze
dias depois fui internada no Colgio Santssimo Sacramento,
onde recebi excelente orientao para a vida.
No
internato, apesar de ser a mais jovem, junto com uma colega,
EDNA PINTO, criamos um grupo com a sigla UPT/TPU, significando
uma por todas, todas por uma, expressando uma forte rebeldia
quanto ao rgido regulamento do Colgio. A represso foi cerrada,
com o apoio de minha me, trazendo a perda das frias da Semana
Santa e da Semana da Ptria. Aos poucos, fui amansando... Muitas
vezes, porm, subia nas rvores, somente pelo prazer de deixar
as freiras me procurando. Depois... vinha o castigo.
Conclui
o curso cientfico e o pedaggico. A minha famlia desejava
que cursasse Medicina, da vindo eu a frequentar durante um
ano o respectivo curso preparatrio. No entanto prestei vestibular
para a Faculdade de Direito, mais uma vez reafirmando o meu
esprito rebelde.
Vivi
no interior de minha famlia aceso conflito poltico. Meu av,
do PSD, era da escola dos coronis. Convivi com pistoleiros.
Meu pai, udenista preconceituoso, valente, fiel aos amigos
ns nos amvamos. Nos comcios era comum as luzes serem apagadas
pelos adversrios, e o tiroteio irromper. Lembro-me de que,
certa feita, RUI PALMEIRA participava de um comcio, e meu av,
juntamente com amigos, desligou a rede de energia local. Quando
a energia foi religada, Rui Palmeira estava na sala de minha
casa, com a roupa rasgada. Ele, ento, vestiu roupas de meu
pai. Rui, um tipo franzino. Papai, mais forte e alto. Quando
olhei para o Senador, parecendo u
espantalho, perdi a cerimnia e no contive o riso.
Cedo
me ensinaram a atirar. Ganhei uma arma mas felizmente nunca
precisei us-la. Anos depois destinei o revlver s guas quase
serenas do Rio Capibaribe.
Na
Faculdade de Direito era tmida e arredia. Estudava noite
e trabalhava durante o dia como bancria e professora primria.
Na poca das provas estudava na casa de uma colega, NAIR ANDRADE,
junto com JOS CARLOS GUERRA, ALUSIO E SILVIO PESSOA, dentre
outros.
Sempre
procurei ser cordial com os colegas, guardando na memria o
carinho de Liquinha, dona da casa que nos acolhia e me cobria
de mimos.
Conclu
o curso com muito esforo, sem destaques e sem estrelismos,
o que comum entre os alunos que estudam noite, aps trabalhar
durante todo o dia. A minha vocao maior, porm, quele tempo,
era o magistrio, notadamente voltado s crianas excepcionais
e aos menores carentes. Esse trabalho me deixava especialmente
feliz, incentivando o meu aperfeioamento profissional, atravs
de cursos, nessa rea.
III
1c4x3t
No
dia 2 de abril de 1964 um acontecimento me marcou definitivamente
a alma, provocando uma enorme reviravolta na minha vida. No
h como no record-lo, pois o papel que assumi depois, sem
dvida, responsvel por essa nobre honraria que a Casa de
Jos Mariano me concede.
Por
volta das 13 horas daquela data indelvel, o Tenente Coronel
Darcy Vilocque Viana, comandante do Quartel de Motomecanizao
do bairro de Casa Forte, promoveu um espetculo vergonhoso para
os foros de civilidade dessas cidade legendria.
Preso
no interior do estado, o velho lder comunista GREGRIO BEZERRA
foi arrastado pelas ruas do bairro de Casa Forte, amarrado por
cordas a um carro de combate do exrcito brasileiro. Gregrio,
vestindo apenas um calo preto, com uma corda de trs pontas
amarrada no pescoo, com os ps, que haviam sido mergulhados
em soda custica, sangrando, banhado de suor, ainda assim mantinha
no semblante uma altivez inquebrantvel. O Coronel Vilocque,
ensandecido, gritava, apopltico, injrias contra o velho militante
comunista, seu prisioneiro, acrescentando tortura fsica a
agresso psicolgica, na verdade ultrajando o povo estupefato
e as foras armadas, com o barbarismo dos seus atos contra um
ancio indefeso. O Coronel, como se fora um Torquemada da Inquisio,
concitava o povo atnito a apoiar o enforcamento de Gregrio,
somente no o fazendo devido pronta iniciativa de uma freira,
que acionou o Bispo Auxiliar, Dom Jos Lamartine, fazendo com
que este, por sua vez, intercedesse junto ao General Justino
Alves, que determinou a suspenso daquele festival sangrento.
Traumatizada
por aquele espetculo dantesco, contrrio civilizao, formao
crist do nosso povo e aos princpios que aprendi na Faculdade
de Direito do Recife, a velha rebeldia juvenil se reacendeu
em meu esprito, levando-me deciso de fazer alguma coisa
por aquele velho guerreiro torturado. E fiz, assumindo resolutamente
a sua defesa.
Em
uma das defesas apresentadas na poca, disse:
Peo
aos ilustres membros do Conselho Permanente de Justia, que
levem em conta a bravura moral deste homem, digno de nosso maior
respeito. Hoje injustiado; amanh, quem sabe, glorificado.
A um homem desses no se deve apontar as grades da priso. Nela
o homem poder fisicamente tombar, mas o ideal do homem ressurgir
por cima de suas fraquezas materiais, contingentes.
E
encerrei afirmando:
...
peo a absolvio de Gregrio Loureno Bezerra. E o fao como
mulher, como me e como advogada consciente do meu dever perante
a civilizao humana.
Homem
velho, mas dotado da tmpera nordestina de que falou Euclides
da Cunha, s por esse fato, acredito, Gregrio no sucumbiu
naquele hediondo 2 de abril de 1964.
Como
era de se esperar, ei a ser perseguida, mergulhei no crepsculo
da desconfiana, da angstia. terrvel ver o outro com a trave
da desconfiana no olhar. Instalou-se no Brasil a sndrome da
CAIM, com a delao e traio levando pessoas tortura e
morte.
Em
1965, quando redigia um memorial de defesa, enquanto dormia
o meu filho, ento com poucos meses de idade, recebi um telefonema
de Boris Trindade, avisando-me que soubera de uma ordem de priso
contra mim. Mal conclui a ligao e a polcia j se apresentava
minha porta. Antes que falassem, disse-lhes que iria trocar
de roupas, ao que aquiesceram. Escrevi rapidamente um bilhete
para uma querida vizinha de prdio, Dona Pepe, me do militante
comunista Ivo Carneiro Valena, colocando-o em uma garrafa estrategicamente
pendurada em um cordo, que mantinha na varanda, entregando-lhe
o meu filho. Retirei o cortinado e o lenol para que meu beb
no corresse o risco de sufocar. Voltando sala, acompanhei
os policiais, aps encostar a porta de entrada. Depois de rodarem
algumas horas, como se quisessem despistar, entregaram-me na
Secretaria de Segurana, mas no fui torturada. Depois de trs
dias, apareceu o Dr. Moacir Sales que me liberou com um seco
pode ir. Sai, como natural, com muita raiva.
Continuei
meu trabalho, sem falsa modstia, com muita garra, junto aos
colegas Antonio de Brito Alves, Boris Trindade, Fernando Tasso,
Rui Andrade, Roberto Furtado e Joo Fonseca, dentre outros.
Semanas
depois fui presa mais uma vez, de madrugada, por trs agentes
da represso paramilitar, fortemente armados. Essas prises
faziam parte da tentativa de intimidao e de me desviar da
tarefa que me impus. Nunca perdi a f e a esperana de que um
dia esse pesadelo aria, acreditando, como disse Dom Hlder
Cmara, que quanto mais escura a noite, mais carrega em si
a madrugada, anunciando o alvorecer de um novo dia, uma aurora
de liberdade. Apareceu-me mais uma vez o Delegado Moacir Sales,
que veio me ouvir e a quem terminei por pedir emprestado dez
cruzeiros, sendo atendida, comprando naquele ensejo po e caf
para os agentes e as duas presas que comigo se encontravam.
Pouco depois, o Delegado do DOPS retornou e perguntou-me se
j havia lido O Velho e o Mar e As Sandlias do Pescador.
Diante da minha resposta afirmativa, disse-me: V para casa.
Crie juzo; vou falar com sua famlia para interdit-la. Sa
e recomecei a mesma luta em defesa dos presos e perseguidos
polticos.
Uma
das maiores barbaridades que testemunhei, praticadas pelo aparato
brutal da represso, foi o episdio do desvendamento da morte
dos estudantes Jos Carlos Novais da Mata Machado e Gildo Macedo.
Fui procurada pelo advogado e ex-Ministro Oswaldo Lima Filho,
que me apresentou aos Drs. Jos Henrique e Jos Rodrigues, mdicos
ortopedistas, catedrticos e tios de Jos Carlos Novais da Mata
Machado, acompanhados ainda de um terceiro ortopedistas. O estudante,
filho do ex-deputado Edgar da Mata Machado, fora assassinado
nos pores da ditadura, nas dependncias do DOI-CODI. Nos jornais
fora plantada a notcia de que Jos Carlos falecera em meio
a um tiroteio na Av. Caxang, quando reagira a um cerco policial.
As tarefas foram divididas. Enquanto o Dr. Oswaldo Lima Filho
iria pesquisar toda a Av. Caxang sobre o suposto tiroteio,
tarefa que cumpriu palmo a palmo, restando comprovada a farsa
do inventado tiroteio, negado definitivamente por moradores
e vigilantes, a mim coube vasculhar os cemitrios em busca do
corpo do estudante, que o DOI-CODI no queria entregar famlia.
Percorri os cemitrios de Jaboato, do Barro, de Olinda, Santo
Amaro, quando ento recebi a informao de que deveria proceder
as buscas no cemitrio da Vrzea. Rumando para l, um coveiro
me relatou que os dois corpos haviam sido sepultados em caixes
sem tampa, e eram jovens. De posse das fotografias pude identificar,
apesar do incio da decomposio, o corpo barbarizado de Jos
Carlos da Mata Machado. A famlia de Gildo Macedo, pressionada
e atemorizada, no reivindicou a exumao.
Fui
ao IV Exrcito falar com o Cel. Crcio Neto, que colocou
toda a sorte de obstculos. Mostrei-lhe as fotografias das covas.
O Coronel, com semblante de dio, disse-me apenas que voltasse
depois. Perguntei quando. Ele ento fitou-me, impaciente, e
disse: uma pena que a senhora, to jovem, defenda terroristas.
Perguntei, nesta ocasio, se poderia sentar. Diante de sua anuncia,
respirei fundo e comecei: enterrar os mortos um direito sagrado,
coronel. Como o senhor sabe, at na guerra os exrcitos concedem
sempre uma trgua, respeitando o inimigo, e entregando os corpos
para sepultamento. Z Carlos est morto e a famlia chora o
seu corpo. O exrcito brasileiro quer agora torturar a famlia
pelo resto da vida. Visivelmente abalado, o Cel. Cursio terminou
por concordar em liberar o corpo, desde que no houvesse aviso
fnebre e a imprensa ficasse longe.
Exumamos
o corpo com muita dificuldade. O Dr. Loureno Ipiranga de Souza
recusou-se a o laudo que atestava a morte em tiroteio,
protestando veementemente. Finalmente, no dia seguinte, o Dr.
Nivaldo Ribeiro, patologista, assinou o laudo.
Quanto
a mim, a represlia no se fez por tardar. Fui sequestrada e
abandonada na zona do baixo meretrcio, bairro do Recife, s
trs horas da manh, depois de vagar sem destino, no interior
de um automvel em velocidade, sofrendo ameaas de ser jogada
na via pblica por quatro homens armados, dentre eles por Francisco
Antonio de Almeida Monteiro, vulgo Chico Monteiro, dono da Padaria
SION, e o empresrio de transportes Edson Souto, que me injuriou
fortemente com palavras de baixo calo e gestos obscenos. Fui
socorrida por uma prostituta apelidado BISCU͔, que surgiu
frente qual uma nova Maria Madalena, confortando-me e enxugando
as minhas lgrimas.
IV
2g251n
Apesar
de tudo, no conseguiram abafar por completo o senso de humor
do nosso povo.
Paulo
Pontes da Silva, lder secundarista, procurado pela polcia,
refugiou-se no velho Ginsio Pernambucano. A polcia cercou
o local. Por intermdio do Prof. Adauto Pontes consegui avisar
a Paulo, atravs do Presidente do diretrio estudantil, Joo
Olmpio. Este, num gesto ousado e politicamente inteligente,
convenceu o pai, ento deputado estadual da ARENA, Olmpio Mendona,
a ajudar Paulo Pontes, que foi colocado no piso do carro do
deputado e coberto com pes, fechando-se as janelas do veculo
para que o bblico alimento, arrumado at o teto, no transbordasse.
Paulo escapou e pode continuar lutando pelo seu ideal.
O
episdio, com a sua dimenso alegre e humorstica, reproduzia
a rica simbologia do evangelho, da multiplicao dos pes para
atender os que tem fome de alimento, ou o extremo sacrifcio
dos que expem e por vezes at sacrificam a vida pelo irmo.
V
A
opresso, o arbtrio e a prepotncia, porm, no davam trgua.
Jos
Moura, lder estudantil da Universidade Rural, proferiu discurso
no dia da bandeira do Brasil, repetindo o verso imortal do poeta
abolicionista Castro Alves:
Auriverde
pendo de minha terra,
que
a brisa do Brasil beija e balana,
........................
Antes
te houvessem roto na bandeira,
que
servires a um povo de mortalha.
Foi
o bastante para que o dio da represso se voltasse contra ele.
Com a minha ajuda e do seu colega democrata, Francisco Gadelha,
aps ser denunciado pelo Professor Cludio Selva, fugiu do Estado.
Em So Paulo foi capturado pelo Delegado Fleury e barbaramente
torturado.
Foi
um tempo verdadeiramente incrvel. O Auditor Militar, Dr. Antonio
Carlos Seixas Teles, condenou um ru nos seguintes termos:
Por
todas essas razes... resolve o Conselho de Justia da Aeronutica...
julgar procedente a denncia contra os acusados Carlos Alberto
Soares... e o acusado que atende pelo codinome de JACARɔ
pena de priso perptua, na conformidade do artigo 28 do Decreto-Lei
898/69 (Processo n. 93/70, sentena prolatada em 30 de maio
de 1972 Auditoria da 7 CJM).
Conta-se
no Cenbio portugus que os padres condenaram formigas por dizimarem
hortalias. No perdi, evidentemente, a oportunidade, e no recurso
de apelao, lembrei que o ru, deste modo inslito e grotescamente
qualificado, somente poderia cumprir a exacerbada pena de priso
perptua em algum igarap da Amaznia. Lembrei, finalmente,
que todo o brasileiro apelidado de JACARɔ ava a correr
o srio risco de terminar sua existncia nos igaraps.
O
chiste valeu-me a inimizade do Juiz Auditor, que pelo seu servilismo
chegou a ser ministro Presidente do STM.
A
homenagem que recebo agora foi uma iniciativa do nobre vereador
DILSON PEIXOTO, antigo participante destacado das lutas sindicais
e ardoroso defensor de causas sociais relevantes, dentre as
quais destaco a
iniciativa de permitir que as empregadas domsticas possam utilizar
os elevadores sociais, ressalvadas as situaes em que o uso
dos elevadores de servio seja obrigatrio para todos. Estendo
os meus agradecimentos pessoais ao ilustre vereador WALDEMAR
BORGES, filho do ex-deputado cassado pela ditadura e exilado
poltico WALDEMAR BORGES RODRIGUES, Deminha, que posteriormente
foi autor de projeto concedendo-me idntica honraria.
A
iniciativa transcendeu em apoio, significando claramente o reconhecimento
a um trabalho rduo em defesa dos direitos mais fundamentais
do ser humano, para o restabelecimento, entre ns, da primazia
da fora do Direito sobre a fora bruta.
Alm
das minhas arraigadas convices, como mulher e me sinto-me
vontade para atuar nas causas que envolvem a liberdade poltica.
Realmente,
no foi fcil. Enfrentei resistncias familiares, a incompreenso
de amigos e as aleivosias espalhadas pela represso, que pretendia
me desacreditar, e por amigos de ontem, afogados ou na prpria
mesquinhez ou nas intrigas e fofocas de pretensos militantes,
cuja atuao se restringia a falar mal da vida alheia, alcova
e mesa de bar.
Hoje
a minha saga defender os encarcerados e os excludos sociais.
H
mil formas de acreditar na vida e no somente de destru-la.
Bem aventurados os que sabem dignific-la por atos e prticas
que somente o tempo julgar em definitivo, ultraadas as
paixes geradas pela luta e pela controvrsia.
Sou
uma mulher simples do povo, igual a tantas outras. Desde menina
aprendi a lutar pelo meu espao, a defender o que julgava verdadeiro,
a reagir contra o injusto. Esses traos da minha personalidade
foram decisivos para me dar fora e determinao na defesa dos
presos e perseguidos polticos.
Apesar
de todos os horrores do meu tempo, acredito na bondade humana
e fao questo de proclamar que se no fosse esse sentimento
superior, que se sobreps em alguns a outros interesses menores,
teria sido muito pior.
Vejo
neste ato de generosidade da Casa de Jos Mariano o significado
poltico de manifestao afirmativa para que esse tempo de ditadura,
de violncia e tortura no volte nunca mais.
Recife,
cidade lendria. Aqui teve incio, na guerra holandesa, o sentimento
nativista. Aqui foram tramadas as verdadeiras Revolues Liberais.
No desses pseudos liberais que calam diante da tortura, que
fazem carreira sombra da ditadura; na verdade fascistas, gostam
do poder mas detestam a poltica, procurando silenciar a crtica,
censurar e intimidar a imprensa; falsos liberais que hoje reverenciam
FREI CANECA, mas se tivessem sido contemporneos de Frei mrtir
da libertao o teriam dedurado como subversivo.
De
par com a defesa intransigente da liberdade poltica, a ao
social para reduzir as desigualdades e promover o desenvolvimento
sempre foi uma luta presente na histria dessa cidade rebelde.
Senhoras
e Senhores:
A
poltica no coisa do diabo. Quando alicerada em princpios
ticos firmes e sentimentos superiores,, a poltica divina,
porque representa a promoo do ser humano. O homem um templo
do sobro divino, que traz a luz e renova a f e a esperana
do povo sofrido, das crianas que cheiram cola e que um dia
devero ter reconhecido o direito de viverem com dignidade.
Na
alvorada do sculo XXI, manifesto a convico de que preciso
no ter medo de ser feliz.
Senhores
Representantes do Povo:
Do
fundo do corao, lhes digo:
Muito
obrigado!
MRCIA
ALBUQUERQUE FERREIRA
05.04.2001