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MEDALHA NSIA FLORESTA

1g2312

EXMA. DRA. VILMA MAIA, DIGNISSIMA PREFEITA DA CIDADE DE NATAL,
EXMO. SR. PRESIDENTE DA CAMARA DE VEREADORES DA CIDADE DE NATAL,
SRS. VEREADORES,
AUTORIDADES PRESENTES OU REPRESENTADAS, MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES

Quantas e quantas mulheres morreram no anonimato, em nome da causa da liberdade e da Justia social neste Brasil?

So essas mulheres que eu homenageio hoje, aqui em Natal, nesta solenidade, com a permisso de vocs e a iluminao de NSIA FLORESTA, na pessoa da brava pernambucana MARIA CELESTE VIDAL, professora primria que se engajou na luta camponesa e tornou-se lder em busca da liberdade, cuja coragem o destemor honra a todas ns mulheres e cidads, mas cuja histria, infelizmente, no foi reconhecida pelas autoridades do meu Estado, permitindo-se que a nossa Celeste, a Celeste que encampou a libertao poltica como bandeira de vida, morresse praticamente mngua, deixando para ns a herana da dignidade e a lembrana de uma mulher lder, barbaramente estuprada, violentada em todos as seus direitos, pelo governo da represso e do horror: porm uma mulher forte, que enfrentou todas as dores daquela poca com a determinao de uma Nsia Floresta, de uma Clara Camaro, de uma Anatlia Melo Alves, e de milhares de mulheres que formaram o exrcito da paz contra a guerra dos ditadores militares e dos repressores sociais.

De logo, neste o, evoco a sbia reflexo de Nsia sobre liberdade e reforma social;
"Quantas somas de dinheiro, quantas vidas sacrificadas para sustentar o que chamam de honra da Nao, enquanto a educao dos povos, base principal do grande edifcio social e da felicidade pblica e particular, fica de lado como coisa secundria!"

De todas as homenagens recebidas at hoje, a medalha Nsia Floresta uma das que mais me honra e me emociona. Honra-me pela muIher-cidad, que foram Dionsia Pinto Lisboa, Dionsia Gonalves Pinto, Nsia Floresta Brasileira Augusta, Nsia Floresta, a Nsia de muitos nomes, que usou a poesia literria para espalhar idias de liberdade e plantar a semente da luta feminista no pas; a Nsia reformadora, que com sua luta e sua historia ajudou a mudar a realidade social da mulher neste Brasil de tantas desigualdades.

Emociona-me receber esta medalha na data de hoje, na data que smbolo da resistncia feminista e feminina, da resistncia contra o autoritarismo e o preconceito, da resistncia pela vida e pela igualdade.

E, ento, no poderia deixar de fazer uma referncia a uma potiguar que no sculo XVII, no seu tempo, na sua comunidade, muito antes de Nsia e de Celeste, contribuiu para a resistncia da mulher na luta pela liberdade de seu povo e de seu pas contra os holandeses, a nossa Clara Camaro, precursora do Feminismo do Brasil.

No existe histria neste pas, no existem avanos sociais, sem a participao da mulher.

Dois sculos depois de Clara, surge Nsia para continuar, no seu tempo, entre a seu povo, a mesma luta de justia e direitos iguais, to guerreira quanta Clara, revolucionria dos conceitos, escrevendo suas idias e defendendo suas bandeiras em diversas lnguas, do portugus ao francs e italiano, entre outras, expressando em cada um de seus poemas, de seus artigos, a fora da mulher nordestina, da mulher potiguar, da descendente de Clara Camaro, da militante do futuro, divulgando a dor do cotidiano da mulher vtima da opresso e do atraso cultural nascido do autoritarismo.

Nsia, com sua sensibilidade, soube captar as emoes reprimidas da mulher, soube enfrentar com determinao e coragem o machismo de sua poca, atraindo para si irao e inveja, inimigos e aliadas, cuja causa nunca temeu defender.

por essa Nsia que a homenagem de hoje tanto me toca a alma. Por ela, que percorreu o mundo segurando a bandeira da liberdade e pelo fim das discriminaes das minorias, em favor dos ndios, com o seu poema "A lgrima do caet", espelhando a realidade de uma comunidade forte, oprimida pelas desigualdades. Nsia condenava a escravido e defendia a liberdade dos negros, encarnando versos populares, como um que diz:

"Feliz na minha cabana,
sombreada de palmeiras,
eu vivia em terra da frica,
minha terra to fagueira,

l deixei mulher e filhos,
meu trabalho e meu porvir,
a esses bens me arrancaram,
para um mau senhor seguir!"

A poca, Nsia contestava: "assim canta o pobre escravo resignado a sua misria no meio da magnificncia esplndida desta riqussima nobreza no seio de um grande povo to ufano de suas livres instituies".

E torcia: "Possam os governos de todos os pases civilizados escutarem os gritos da agonia prolongoda desses desgraados, oprimidos, brancos e negros, e que se faa a libertao no novo, como no velho mundo".

Nsia era livre, defendeu a sua verdade, conquistando e ocupando a seu espao em uma poca na qual a mulher era apenas um objeto.

Era anti-escravista, difundiu as idias feministas no Brasil, na Europa e na Amrica, denunciou a discriminao social, a opresso contra os mais fracas, todo tipo de abuso ou desrespeito ao ser humano. Pedagoga, foi inovadora. Atuou na epidemia de clera, em 1852, no Rio de Janeiro como enfermeira voluntria. Nsia, cidad do mundo, no apenas Rio Grandense do Norte, nordestina, mulher de muitas ptrias por adoo. Nsia, viajante perene da liberalidade, par onde ou lanou a semente da liberdade e da cidadania.
No teve o reconhecimento em sua poca, incompreendida, criticada e isolada pela sua gerarao.
Sofreu perseguio cerrada de Isabel Gondim, sua conterrnea, tambm escritora e pedagoga, porm com talento inferior ao seu, que estabeleceu uma campanha difamatria contra a nossa Dionsia atravs de cartas. 0 professor Rodrigues Alves, comparava assim as duas escritoras: "Nsia Floresta era gnio; Isabel Gondim, geniosa".

Sobre o homem machista, dizia NISIA: "se este sexo altivo quer fazer-nos acreditar que tem sobre ns um poder natural, de superioridade, por que no nos prova o privilgio, que para isso recebeu da natureza, servindo-se de sua razo para se convencer? Tem por ventura, ele alguns ttulos para justificar o direito com que reclamam nossos servios, que tambm no o tnhamos contra ele?"

Nsia Floresta escandalizou o Brasil. Foi a primeira mulher no pas a usar a imprensa como ampliador de seus pensamentos de liberdade.

E ao escandalizar a Nao fez nascer na mulher a sede da igualdade de direitos, de felicidade, de liberdade, de conscincia poltico-social.

Nsia casou-se aos 13 anos de idade, por imposio. Deram-lhe um marido rico, proprietrio de latifndios aqui, no Rio Grande do Norte. Nsia voltou para a casa de seus pais poucos meses depois.

Mais tarde, casou-se com um advogado pernambucano, Manuel Augusto de Farias Rocha, que faleceu aps cinco anos de convivncia com ela.

Nsia potiguar. Nasceu na Vila Imperial Papary - que significa nascimento, bero da libertao da mulher brasileira. Podemos dizer que parte, grande parte da luta feminista no Brasil , nasceu aqui, em Natal, nesta cidade, que vemos hoje governada por uma mulher, Vilma Maia, cuja sensibilidade feminista traduzida nos detalhes de sua istrao. Natal da luminosidade de sol sempre posto, Natal das flores encantando cada canto da cidade, Natal da histria das mulheres destemidas, Natal que elegeu a primeira prefeita do Brasil - Alzira Soriano; a primeira deputada, Maria do Cu Fernandes, fundadora do Jornal "Galvanpolis". Foi de Natal que surgiu a primeira eleitora, Celina Guimares. Destaque, tambm, para Clara de Castro, ligada ao movimento revolucionrio de 1817, apoiando Miguel Joaquim de Almeida Castro - o Padre Miguelinho - seu irmo. Presa, posteriormente liberada, sofreu a horror do julgamento e execuo de Pe. Miguelinho; Ritinha Coelho, ao avistar o cadver do lder da revoluo de 1817, Andr de Albuquerque Maranho, despido, exposto execrao pblica, deteve a escolta e, num gesto de coragem e solidariedade, aproximou-se do corpo e o cobriu. Louvores, tambm, para Ana Floriano, que, liderando trezentas mulheres - as "trezentas subversivas", avanou contra a Junta Militar instalada na Igreja Paroquial de Mossor, na defesa dos maridos, filhos e parentes, que, vindos da Guerra do Paraguai, j se viam convocados para novo embate.
Pois bem, a histria tem mostrado que a mulher sempre lutou, em cada um de seus tempos, de suas pocas, pela sua liberdade e pelas transformaes sociais. A histria de Nsia a prova concreta de que se pode mudar atravs das idias e dos conceitos, viabilizando os sonhos de uma sociedade justa e igualitria para ambos os sexos.

A final, o que difere o homem da mulher nos campos intelectual, profissional e social? Nsia, Clara Camaro e Celeste Vidal, cada uma no seu tempo, mostram claramente que todos ns, homens e mulheres, podemos avanar juntos, crescer juntos, trabalhar juntos por um mesmo objetivo.

Longo e difcil foi a caminhada at os dias atuais, na nossa sociedade, para atingirmos o estgio duramente conquistado, vindo a exercer, em diversos setores, direitos polticos e sociais igualitariamente com os homens, podendo a mulher escolher o seu status profissional, exercer a sua liberdade sexual e competir normalmente no mercado de trabalho com o homem, dividindo com o parceiro os seus sonhos e suas fantasias femininas, debatendo as questes domsticas e polticas de igual para igual com o homem. Na Roma antiga, a mulher era identificada pelo nome de pai, sem direito a uma existncia civil. Hoje, mesmo quando casa, a mulher no mais obrigada a usar o nome do marido como um carimbo de propriedade.

Mas, para chegarmos aqui e seguir adiante, foi preciso um oito de maro trgico, foram necessrias prises, torturas e mortes de mulheres que usaram a sua coragem contra o autoritarismo, a nazismo, a ditadura e a desigualdade imposta por uma sociedade machista. Quantas lgrimas foram derramadas por mes e mulheres em busca de filhos e maridos desaparecidos na ditadura militar? Nos campos de concentrao de Hitler? Quanta dor, quanto medo e quanta resistncia no precisamos ar, todos ns, participantes e herdeiros das ditaduras polticas e socais, para que possamos estar aqui, nesta solenidade, referenciando a coragem e a participao da mulher ao longo dos tempos?

Quantas Claras, quantas Nsias, no existiram para que hoje possamos manter a nossa bandeira de igualdade com o homem e a nossa luta pelas transformaes sociais?
E se formos enumerar nome por nome, mulher por mulher, que grande exrcito de fora e bravura no tivemos?
A nossa Maria Quitria de Jesus Medeiros, a nossa Joana d'Arc brasileira, que combateu a autoritarismo e as desmandas do General Madeira; Sror Joana Anglica, heroina baiana que enfrentou os militares numa invaso ao seu convento; Anita Garibaldi, herona de duas ptrias, na defesa do Brasil e da unificao da Itlia; Carlota Corday, que libertou a Frana de Marat, apunhalando-o; Pblia Hortncia de Bastabo, a portuguesa que vestiu-se de homem para ingressar numa universidade, a nossa Leila Diniz que usou a voz e a coragem para mostrar que homem e mulher no podem ter direitos e deveres desiguais; Maria do Carmo Tomz, presa pelas militares, confundida com outra militante, aguentou as dores e pancadarias em nome da causa e nunca delatou a companheira; enfim, so milhares, milhes de mulheres que de uma maneira ou de outra, esto aqui, neste espao, mostrando que possvel construir, que possvel mudar, que ns brasileiros, juntos, poderemos refazer a nossa Nao sob o plio da igualdade.

A mulher, ao longo do tempo, tem ensinado ao homem sonhar. E, ao longo desse tempo, a mulher tem ajudado, participado e construdo, com a homem, a realidade da liberdade, da democracia, da cidadania, da igualdade social.

Hoje, em nome de Maria Celeste Vidal, de Nsias e Claras, de Leilas e Garibaldis, de Marias, Antnias, Joaquinas, qualquer seja o nome de tantas conhecidas e tambm annimas heronas brasileiras, agradeo o recebimento desta medalha, a carinho desta homenagem, a hospitalidade com que Natal tem me recebido, como mulher e como participante desta caminhada, que ainda longo, na defesa permanente dos direitos humanos, luta essa em que, graas a Deus, tenho contato com centenas, milhares de Nsias Florestas e Claras.
Muito obrigada..

Mrcia Albuquerque Ferreira

Natal, 08 de maro de 2002.

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