Texto 5 - Indito 2v662g

A
las Barricadas
O
tempo a, dezenas de anos, certas
lembranas no se afastam de mim, como
se fossem um ato contnuo. s vezes
ocorre ao contrrio, procuro as lembranas
e no as encontro est tudo escuro,
a memria me trai.
Sempre
recordo a priso do Amaral. Um amigo
comum pediu-me para ir ao DOPS averiguar
o que havia acorrido; era o ano de 1973.
Conversei com o escrivo Edsio Holanda,
que confirmou a priso e apresentou-me
o acusado, que no sabia o motivo da
priso.
Havia
sido recolhido no dia 23 de janeiro
daquele ano. O sujeito estava preso
faltava o motivo.
Dirigi-me
ao delegado Dr. Redivaldo Oliveira
Acioly delegado do DOPS, que me informou
que o meu protegido trabalhava em
uma barbearia na Rua dos Pescadores,
n. 90, ou Padre Muniz, 144, bairro
de So Jos, e fora preso em sua residncia,
na Rua Miriti, 49, Vila Cohab Vrzea,
porque os clientes dele jovens comunistas
iam para a barbearia discutir sobre
Cuba, Rssia...
Depois
verifiquei que a priso de Joo Barbosa
fora feita pelo exrcito, e posteriormente
encaminhado Secretaria de Segurana
Pblica, acompanhado do Of. 26/D Ministrio
do Exrcito IV Exrcito Estado Maior.
Agradeci
ao delegado e retornei sala de Holanda
e certifiquei ao cliente o motivo da
priso. Logo pediu-me que procurasse
Beatriz, no Tquio Lanche e comunicasse
que se encontrava preso.
No
dia seguinte, logo cedo dirigi-me ao
Tquio Lanche, procurei me informar
quem era Beatriz; pedi-lhe um suco de
laranja; fui para a ponta do balco.
Quando se aproximou com o suco, disse-lhe
baixinho: Sr. Joo est preso. Um
pouco nervosa, perguntou-me onde ele
estava. Respondi: No DOPS, por motivos
polticos. Gritou: Padinho Cio, coisa
de comunista coisa do tinhoso! Quem
mesmo que a senhora falou? Disse Joo
Barbosa Amaral? Danou-se eu no conheo
esse homem; a senhora est doida; o
Joo que eu conheo outro, no do
partido da besta fera; pode ir embora,
no precisa pagar o suco.
Eu
rindo s gargalhadas, disse-lhe: Se
a polcia descobre que a senhora pagou
um suco para mim, advogada da partido
da besta fera, a senhora est frita.
Tirei
o dinheiro, coloquei em cima do balco.
Ela: V embora pelo amor de Deus!.
Eu no continha o riso. O pnico tomou
conta de Beatriz, comeou a chorar,
a baba escorria pela boca, e eu continuava
rindo, mas quando observei um lquido
saindo por baixo do balco, virei-me
para uma colega de Beatriz e disse-lhe:
Baixou um santo na moa. E sai apressada,
em direo ao local de trabalho de Joo.
Fui bem recebida. Um senhor lamentou
a priso e disse que Joo no tinha
envolvimento poltico. Ensinou-me o
local de trabalho do filho do preso;
disse-me: Vindo da cidade, tome a Rua
de Santa Rita, sentido subrbio, direita,
a segunda ou terceira casa comercial
que coloca mercadorias no meio da rua,
trabalha um filho dele; a esposa dele,
Dona Maria do Carmo, uma pessoa boa.
Encontrei o rapaz, conversei com ele,
saiu comigo delegacia. Holanda comeou
um discurso, com mais autoridade que
o Secretrio. Coloquei em cima da mesa
o equivalente a R$20,00. Perguntei:
seu escrivo! Voc j leu Rubiyt
de Omar Khyyn?. Rindo da estupidez
daquele homem, imerso nas sombras. Disse-lhe:
Lembra-te de que a vida fugaz e que
breve voltars ao p.
Filho
e pai se abraaram ternamente, conversaram;
quando o rapaz saiu, disse a Joo que
Beatriz de quem falou com tanta ternura
no lhe conhecia mais. Ficou silencioso.
Afastei-me em sinal de respeito tristeza
daquele homem.
Preso
em 23 de janeiro. Identificado em 29
de janeiro. Posto em liberdade em 14
de fevereiro, depois de um depoimento
que no prestara.
Serviram
de testemunhas Vanderlino Bezerra de
Lima e Florenildo Monte da Cunha, ambos
funcionrios do DOPS.
O
crime de Joo era ter clientes jovens,
que falavam sobre Rssia, Cuba, liam
a Voz Operria e Novos Rumos.
Com
interferncia de amigos meus e da famlia
de Joo, foi libertado o barbeiro comunista,
e nunca mais o vi.
O
ado um cadver que deves enterrar
(Rubiyt Khyyn).