O Sindicato do Garrancho
Brasilia Carlos Ferreira
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Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte
O Sindicato do Garrancho
Brasilia Carlos Ferreira, Segunda Edio, Coleo Mossoroense, 2000
3 – Elementos da Histria de Mossor
3.1 – A Economia
A histria de Mossor tem incio com a construo da Capela de Santa Luzia, em 5 de agosto de 1772, pelo Sargento-Mr Antnio de Souza Machado. Em seu redor surgiria aos poucos a Povoao de Santa Luzia (1).
A origem do nome – Mossor – de certo modo imprecisa, aponta para a cultura indgena a localizada, e tomada de emprstimo do rio que corta a regio. Assim que para uns um termo Tupi “amo-chor”, ou seja, rio distante. Outros situam a denominao numa certa tribo indgena, os Monxors, descendentes dos Cariris, que habitaram a regio nos primrdios da colonizao brasileira (2).
Somente a 15 de maro de 1852 elevada categoria de municpio, quando realiza as primeiras eleies municipais para vereadores e Juzes de Paz. Por iniciativa do vigrio Antnio Joaquim Rodrigues, em 9 de novembro de 1870 a vila promovida cidade (3).
Atualmente Mossor “o segundo ncleo urbano do Rio Grande do Norte, com uma populao municipal de 146.046 habitantes e uma populao urbana 118.001 habitantes. um importante centro regional, cuja rea de influncia se estende por quase toda a Microrregio Salineira, toda a Microrregio Au-Apodi e boa parte da Microrregio serrana, chegando sua influncia at os sertes do Jaguaribe” (4) no vizinho Estado do Cear.
Mossor se inicia economicamente atravs das atividades agro-pastoris, de comum acordo com outras cidades localizadas no semi-rido, voltadas para a agricultura de subsistncia, a pecuria e o cultivo do algodo. O desempenho econmico da cidade vai projetando-a para fora dos seus limites e na segunda metade do sculo VXIII, j aparece com os contornos de emprio comercial, monopolizando o comrcio abastecedor, importador e exportador numa rea que extrapolava o Estado, espraiando-se pelos Estados limtrofes, como cear e Pernambuco. A justificativa para essa ascenso.
De acordo com Lacerda, “Mossor apareceu naquele momento histrico como o ‘lugar privilegiado’, sentado na rea de transio entre a economia do litoral (o sal, as oficinas de carne seca, o peixe e o mais importante, o ‘porto de Mossor’ (...) e a economia do serto (a pecuria, algodo e peles principalmente). Mossor tornava-se o ‘lugar de troca’, recebia mercadoria de outras praas do pas e do exterior e embarcava, pelo seu porto, a produo regional que se destinava aos mercados nacionais e internacionais” (5).
Durante quase todo o primeiro sculo de existncia de Mossor a pecuria foi a sua principal atividade econmica. To importante que determinou os traos gerais da regio, no que diz respeito, por exemplo, utilizao da mo-de-obra escrava. O gado foi elemento central dessa definio. No requerendo braos numerosos para seu manejo, no utilizou o trabalho escravo seno em pequenssima proporo.
De acordo com Cmara Cascudo, “os escravos mandados para o serto transformaram-se em vaqueiros, cantadores aclamados, padrinhos de iois e derrubadores de touros” (6). O mesmo autor cita um documento Real de 1703 que diz: “O serto com facilidade se povoava de gado porque dava lucro com pouca despesa e as plantas haviam mister mais operrios e nem todos podiam ter o necessrio para eles” (7).
Esta referncia mo-de-obra escrava no foi gratuita. Ela nos leva a desmistificar toda a ideologia produzida pela classe dominante mossoroense, quando, em 1883, liberta os seus escravos. Desde ento, o 30 de setembro cultuado e ideologizado com tal intensidade que chega a ser a data maior da cidade, sobrepujando em brilho at mesmo as datas nacionais como o 7 de Setembro.
At os dias atuais, a data rene as elites dominantes locais, seus membros fixados fora da cidade e do Estado e autoridades estaduais e locais, funcionando como pretexto para que os intelectuais a seu soldo e a seu servio, construam e reconstruam a cada ano todo um imaginrio libertrio de auto-incensamento das elites. O que viria a ser transformado no marco principal da histria mossoroense teve incio em 1873 com o surgimento da Maonaria atravs da Loja Simblica “24 de Junho”.
Seus associados, retirados entre a burguesia local, 10 anos depois, em 1833, libertariam seus escravos, 5 anos antes que o governo central adotasse tal medida. Apesar do jogo de cena anualmente feito com a cumplicidade de todos, sabe-se que j quase no existiam escravos na cidade, desde que a crise, iniciada com a seca de 1877, tornara economicamente invivel a mo-de-obra escrava, ao ser confrontada com milhares de flagelados que sujeitavam-se a trabalhar por “qualquer litro de farinha”, como afirma Lacerda Felipe (8).
A pecuria, portanto, foi a primeira vocao econmica mossoroense e, somada a fatores como a existncia de sal abundante e de excelente qualidade, a presena de ventos, a proximidade do porto e ainda a baixa umidade relativa do ar, compunham as condies necessrias ativao da “indstria da carne de sol”. As charqueadas, “oficinas de carne”, surgiram no contexto comercial mossoroense. A carne de sol, com maior nvel de resistncia, podia ser enviada de navio para lugares distantes sem risco de estragar. At ento, o Rio Grande do Norte fora o responsvel por grande parte do gado consumido no vizinho Estado de Pernambuco. Quando comearam as charqueadas, esse abastecimento diminuiu a ponto de o Governador de Pernambuco, em carta datada de 27 de agosto de 1784 ao Marqus de Angeja, em Portugal, afirmar “estarem as populaes de Recife e dos engenhos, desde 1768, se ressentindo da falta de carne verde. E culpava as charqueadas de Au e Mossor” (9). A reclamao do governador, na verdade, dizia respeito queda do “subsdio do sangue”, ou seja, o imposto que era pago pela comercializao do gado em p cara significativamente, j que de “um boi de 10 arrobas resultavam apenas 2 arrobas de carne seca”, que dava um decrscimo em cada rs de 1.700 ris para 320 ris (10).
Neste perodo, o Rio Grande do Norte dependia istrativamente da Capitania de Pernambuco, cujo Governador resolveu proibir em 1788 as oficinas de Au e Mossor, a “fim de que os rebanhos do Rio Grande do Norte voltassem a ser levados e vendidos em p, vivos, para os centros consumidores da Paraba e Pernambuco” (11).
Foi um golpe duro na burguesia mossoroense. Refletiu no apenas no comrcio da carne, mas medida que a proibio atingiu as “oficinas” de Aracati, no Cear, para l foram transferidos os lucros da “indstria de carne seca”, revertendo em benefcio de toda a atividade econmica daquela cidade, que se colocava como um plo comercial importante. Como Aracati se situava mais distante das capitais de Pernambuco e da Paraba, a concentrao da charqueada no competia com o ritmo de entrega do gado em p, tal como fora denunciado no caso de Mossor. Inclusive, porque a comercializao do gado em p continuou sendo feita pelos potiguares nas feiras livres dos dois Estados vizinhos. At a primeira metade do sculo XIX, o imposto sobre a criao era a principal fonte de renda do Estado, o que comprova a importncia dessa atividade para a economia local. A partir da seca de 1847, essa participao foi decaindo e a agricultura ou a ocupar um espao maior, embora a pecuria no tenha sido de todo abandonada (12).
Aos poucos, foi se configurando a vocao comercial mossoroense. A concretizao como emprio comercial tem como marco explcito chegada dos navios da Companhia Pernambucana de Navegao que a partir de 1857 aram a fazer de Mossor “ponto de escala regular de suas embarcaes” (13). bem visvel que a partir de ento a cidade ou a exercer uma forte atrao para as capitais comerciais localizados em outras cidades da regio, bem como sobre imigrantes que chegavam ao Brasil, via Recife, aconselhados a se estabelecerem em Mossor, tal o dinamismo de seus negcios.
So perceptveis as atitudes de incentivo ao comrcio pelo poder local, incluindo-se decises em nvel legal. Em 11 de junho de 1868, surgiu Lei de n 660 que estimulava a fixao de negociantes, oferecendo-lhes 5% de iseno para os que l se instalassem, com a finalidade de desenvolver o comrcio local. A medida levava em considerao as caractersticas propcias da cidade ao desenvolvimento comercial, vocao que j se delineava: Mossor geograficamente localizada entre o serto e o litoral, dispondo de porto (14) e funcionando desde algum tempo como um lugar de troca privilegiado.
Os incentivos legais funcionaram. Atraram imigrantes estrangeiros que estavam chegando ao Brasil, via Recife. Tambm comerciantes nativos at ento estabelecidos em outros lugares do Nordeste, principalmente em Aracati, no Cear, antigo emprio comercial, que entrara em decadncia e sofria a presso da vitalidade dos negcios mossoroenses.
O suo Johan Ulrich Graf e seus irmos, que ao chegarem haviam se estabelecido na capital do Rio Grande do Norte, com a Casa Graf, casa exportadora que negociava diretamente com a Europa, transferiu-se para a vila de Mossor em 1868. L deu continuidade aos negcios de exportao. Neste mesmo ano, Joaquim da Cunha Freire, depois Baro de Ibiapaba, instalou a Casa Mossor & Cia., que comprava os produtos locais como algodo, couros, palha e carnaba e os revendia tanto para o Sul, quanto diretamente para a Inglaterra (15).
De acordo com Nonato, entre os anos 1872 e1874 numerosos estrangeiros requereram licenas para se estabelecer na praa de Mossor. No perodo a cidade chegou a registrar a presena de 8 firmas estrangeiras, entre elas: Lger e Cia., Henry Adams e Cia., Teles Finizola, Gustavo Brayner, Guines e Cia., Conrado Mayer (16). Willian Deffen, alemo que comprava algodo e couros, alardeava sua prtica adquirida “nos principais mercados do Norte do Brasil, da Inglaterra e da Alemanha” (17). Em outro anncio da poca H. Lger afirmava que:
“no armazm francs encontrar o respeitvel pblico um completo sortimento de fazendas inglesas, sas, suas e alems, assim como grande sortimento de molhados que sero vendidos a dinheiro por preos nunca vistos nessa cidade” (18).
Esses estrangeiros tiveram um papel preponderante na dinamizao do comrcio mossoroense. Chegaram trazendo seu capital e uma viso comercial mais avanada, ampliando sensivelmente o “mercado de trocas”, especialmentecom as facilidades de conhecimento com o mercado europeu. Este fator favoreceu a exportao de produtos locais, no industrializados, em troca de importao de produtos manufaturados europeus.
A emigrao do Cear foi responsvel pela chegada, em Mossor, dos Fernandes, durante a seca de 1877. Eles viriam a exercer um papel fundamental tanto na economia local, dado o vulto e a diversificao de seus empreendimentos, quanto na poltica, de vez que seus membros exerceram cargos e mandatos no apenas em Mossor, chegando a governar o Estado em 1934. Alm disso, desempenharam um papel pedaggico na construo da classe dominante local, cnscia de seus interesses, eficiente e voltada para sua realizao. Em especial quando se tratava de fazer frente a eventuais atitudes da classe trabalhadora que viessem a pr em risco a realizao dessas vantagens.
A concentrao de capitais criou a burguesia comercial responsvel pela produo de uma cultura faustosa e refinada, extremamente cosmopolita. Atravs dos navios chegavam “os melhores tecidos da Inglaterra e Frana”, tafets, sedas, tecidos finos que compunham o vesturio das filhas e mulheres dos ricos comerciantes. Mossor recebe as grandes companhias teatrais europias, tenores italianos, bartonos, que realizam gloriosas temporadas.
Clssicos da literatura chegavam em caixes ao “Porto de Mossor”, formando grandes bibliotecas individuais. Junto com os artigos manufaturados, os navios traziam fragmentos de comportamento, detalhes de modo de vida, aspectos de uma cultura que fazia eco principalmente junto aos imigrantes estrangeiros, que se espraiavam por toda a comunidade de negcios. Resulta da no apenas o farfalhar das sedas e tafets sas e inglesas, mas tambm uma dinmica cultural atpica na regio. Esse cosmopolitismo pode ser expresso, por exemplo, no fato de que, do final do sculo ado para o incio do atual, havia em Mossor cerca de 100 pianos (19).
O dinamismo econmico e cultural pode ser evidenciado tambm atravs do jornalismo local. Em 1872 fundado “O Mossoroense”, expresso do pensamento conservador, que sobrevive nos dias atuais. Nas primeiras dcadas do sculo, surgiram tambm “O Nordeste”, em 1916, e o “Correio do Povo”, em 1925, que viriam a ser porta vozes do pensamento liberal da dcada de 30.
Mossor, “emprio comercial”, tem seu apogeu em 1877 e permanece pelo menos at 1920, mesmo com alguma perda de importncia. Ano de grande seca, 1877 apareceu como o momento particular em que tal vocao econmica foi consagrada, com a conjuno de interesses entre o capital comercial que estava se fixando na regio e a atividade agro-pastoril que se mantinha desde o incio. A partir dessa aliana surgiu uma elite agrrio-comercial que se manteve slida e ativa durante o resto do sculo e o primeiro quartel do sculo XX.
Em 1877 a seca inclemente atraiu para Mossor levas e mais levas de retirantes. Vieram de toda a regio oeste em busca de meio de sobrevivncia e era l que concentravam suas esperanas, dado o destaque que a cidade tinha para as regies circunvizinhas. De to numerosos, chegaram a duplicar a populao local. Os flagelados rapidamente chegam a somar 25.000 (20).
Curiosamente, a seca funcionou como definidor do apogeu comercial mossoroense, tendo o elevado nmero de imigrantes um dos elementos vitais a essa definio. Em primeiro lugar, porque o governo concentrou em Mossor os recursos destinados a toda a regio, dada a situao da cidade, cuja fisionomia fora completamente transformada pelo excedente populacional. Em segundo lugar e em conseqncia, porque o governo ou a adquirir no mercado local gneros alimentcios necessrios ao consumo desse contingente. Terminada a seca, os comerciantes dispunham de grandes capitais, com os quais ariam a investir em outras atividades econmicas, como a Indstria do Sal.
Com efeito, data de 1877 a explorao regular das salinas locais, montada em dois pilares: os capitais concentrados a partir do comrcio e a mo-de-obra retirante que incorporada s salinas como fora-de-trabalho quase gratuita.
Esse exrcito de miserveis foi de grande importncia na concentrao da riqueza local. Acossados pela fome, sujeitavam-se a qualquer tarefa para conseguir um pouco de alimento. A seca que dizimara o meio de transporte de mercadorias comumente utilizado, o burro, coloca como alternativa de sobrevivncia para os retirantes assumir-lhes o lugar. Os comerciantes am a utilizar essa fora-de-trabalho para cumprir os seus compromissos de plo comercial, no transporte das mercadorias para as cidades vinculadas quele emprio, mantendo a regularidade nas entregas.
H registros de que, “esses gneros (...) eram conduzidas para os sertes, como Catol, em cabea de gente, recebendo cada indivduo para transportar at ali o peso de 30kg., distncia de cerca de 192 km., 32 lguas, a quantia de 4.$000” (21).
Em rpidos traos, assim se “construiu” no perodo a riqueza mossoroense. Nada de novo no que se tange cor e ao cheiro desses capitais: moedas cheirando a suor e sangue. Capital que se converte em alavanca impulsionadora do padro de vida das elites mossoroenses. O que foi retirado diretamente de milhares de flagelados atormentados pela fome e pela sede, atravs da mais valia-absoluta, soma-se ao que foi adquirido na violenta especulao dos preos dos gneros comercializados entre os negociantes e o governo. Ou seja, desde o sculo ado a seca esse momento mgico em que alguns aumentavam violentamente seu patrimnio, enquanto milhares perdem silenciosamente qualquer possibilidade de uma vida digna.
O ciclo comercial, ou seja, Mossor como emprio comercial que importava e exportava com desenvoltura, comea a dar sinais de exausto na segunda dcada do sculo XX.
A derrocada da economia mossoroense com o xodo de comerciantes para outras praas, deu-se entre 1924 e 1926, perodo no qual podemos situar falncias em grande estilo. O que teria causado o fracasso repentino? De um lado, a ausncia de meios rpidos de locomoo, a lentido com que se fixavam os trilhos da linha frrea, enquanto outras cidades comeavam rapidamente a dispor de linhas de transportes rpidas e seguras. Assim que Campina Grande, cidade do Estado da Paraba, que j h algum tempo crescia como praa comercial, aos poucos vai ultraando Mossor. Favorecida pela rede de transportes automobilsticos, ganha a hegemonia comercial de parte significativa da regio Nordeste.
A Estrada de Ferro de Mossor era um velho sonho dos comerciantes locais. Embora o suo Ulrich Graf j em 1875 tenha conseguido do Governo Federal a concesso para sua construo, o primeiro trecho foi inaugurado somente em 1915. Junto com a corrida pela Estrada de Ferro, Mossor perdeu o privilgio de centro comercial mais importante. Os mais previdentes, percebendo a lentido com que se desenrolavam os trabalhos e principalmente o quanto s cidades que dispunham de um complexo de transporte eficiente podiam potenciar seus negcios, deixaram para trs os tradicionais comboios e as estradas de difcil trajeto. aram a se fixar em locais mais veis aos caixeiros-viajantes, a nova ttica do comrcio, hbeis em manipular as amostras de seus produtos e em providenciar a sua chegada at os clientes.
medida que os capitais retiraram-se, a praa como um todo foi abalada. Eram antigos fregueses que avam a procurar os novos centros, atrados pelas novidades e pelas condies de pagamento com os quais os comerciantes mossoroenses em incio de crise, j no podiam concorrer. Aos poucos os clientes foram se limitando a enviar para Mossor a amortizao de suas dvidas, carreando crditos para a abertura de contas em novas praas. Gradativamente, a atividade comercial local vai-se encolhendo, riquezas vo desaparecendo como por encanto. “Na grande e poderosa firma Cavalcanti e Irmos, um dos scios mais antigos tinha mais de 700 contos em 1922. Mas, dois dias depois, seus haveres na firma reduziram-se a 150 contos” (22).
Multiplicam-se casos semelhantes. Pouco a pouco a dbcle comercial se evidencia. Esgota-se assim a vocao de emprio comercial mossoroense. A pecuria e a agricultura so retomadas, enquanto que a extrao do sal, que desde 1877 comeara a ser uma atividade econmica permanente, a a ser alvo de maior ateno.
Essa referncia breve a alguns elementos construtivos da economia mossoroense informa por sua vez o surgimento de um proletariado abundante que ser absorvido pela atividade salineira, que demonstrar ser uma fecunda opo de investimento para os capitais liberados da explorao comercial.
A referncia s salinas norte-rio-grandense uma constante desde os primrdios de nossa colonizao. Uma das primeiras citaes de um documento de 1605, em que Jernimo de Albuquerque destina aos seus filhos, Antnio e Matias, salinas que se localizavam 40 lguas ao Norte, em terras onde existe sal em abundncia, naturalmente concentrado pela disposio do terreno que, de resto, no serviria para qualquer outro cultivo, que no a colheita do sal (23).
Frei Vicente de Salvador tambm se refere na 1 Histria do Brasil “as salinas onde naturalmente coalha o sal em tanta quantidade que podem carregar grandes embarcaes” (24). Data desse perodo, tambm, as comparaes entre o sal norte-rio-grandense e o sal espanhol que abastecia o comrcio internacional. Referem-se ao nosso sal como sendo melhor, mais alvo e mais forte que o de Cdiz, na Espanha.
Em 1630, Adriano Verdonck, em viagem de observao ao Rio Grande do Norte em favor dos holandeses, d conta da existncia de muito sal, “havendo depsitos extensos e naturais, alvssimos, mais forte que o espanhol que era carregado em barcas de 45 e 50 toneladas num lugar, 60 milhas para o Norte” (25).
At o sculo XIX, embora as referncias quantidade e qualidade do sal potiguar sejam constantes, a colheita e a comercializao do sal para todo o pas se realizam de maneira pouco sistemtica. A colheita intensiva do sal apenas seria iniciada durante a grande seca de 1877. Tanto assim, que apesar de concentrar significativo pedao do parque salineiro, a participao deste produto no quadro geral da economia local, somente por esta poca aria a preponderar sobre outros produtos e atividades.
Desse modo, apesar do sal vir sendo colhido e comercializado desde o sculo XVII, era uma atividade apenas parcialmente explorada. O ano de 1877 marca o momento em que a classe dominante se volta com mais interesse sobre ela, principalmente porque a quantidade de mo-de-obra disponvel, a preos baixos, favorecia a explorao intensiva das salinas. Contudo, somente no incio do sculo XX que o sal comea a participar com crescente importncia da receita do Estado.
Vale ressaltar que a produo do sal uma atividade bastante sensvel s influncias climticas. Chuvas em abundncia, as invernadas, por exemplo, alagam os cristalizadores, soterram o sal embaixo da lama e “desmancham o sal amontoado nos aterros” (26).
A relativa importncia que o sal vai assumindo na economia estadual faz com que sua colheita seja olhada com mais seriedade e que se busque resolver problemas relacionados com as intempries e – principalmente – que se recorra a processos de trabalho mais rentveis, o que vai acontecer a partir de 1915.
Durante a dcada de 20 a indstria do sal em Mossor permaneceu muito pouco produtiva, contrariando o verdadeiro “boom” registrado na dcada anterior e principalmente durante a Primeira Grande Guerra. Os mtodos de extrao do sal, considerados deficientes, eram responsveis pela produo de um sal, que embora fosse naturalmente de boa qualidade, terminava por determinar um produto com pouco rigor em seus elementos constituintes, como demonstram anlises feitas de amostras do sal, colhidas de uma mesma fonte e na mesma hora.
De outro lado, havia o problema do transporte martimo do produto, que punha em dificuldade as firmas produtoras que no eram proprietrias de navios de carga. poca, a grande demanda por sal vinha das charqueadas do Rio Grande do Sul. O transporte para varar os extremos do pas era de fato um grande problema, mas no era o nico. O baixo controle de qualidade, sem que se levasse em conta criteriosamente o tempo de “cura” do sal, fazia com que fosse rejeitado nos pampas gachos, o que forou a que se fizesse uma observao mais rigorosa da qualidade. Aos poucos, o sal melhorado ou a ser recebido com mais facilidade, o que foi vital para um novo impulso na indstria salineira. De outro lado, a crise econmica mundial que se espraia pelos anos 30, opera no caso do Brasil, no sentido de limitar as importaes. As facilidades de mercado trazem, em conseqncia, a valorizao da atividade salineira, que a a atrair inclusive grandes capitais do eixo sul e sudeste. Inaugura-se assim um novo ciclo de expanso da indstria do sal e da economia mossoroense.
Recorde-se ainda que depois de meados de 1928 com a retrao do emprio comercial, restam os capitais que se livraram da bancarrota e esto procura de novos objetos de investimento. A indstria salineira, agora mais fortalecida com a barreira s importaes, lhes parece uma promissora atividade. Tanto mais, que os sucessivos malogros dos comerciantes entre 1924 e 1927 forara seus capitais a serem subdivididos, o que imps um reordenamento na frao da burguesia que se dedicava ao comrcio.
A possibilidade de lucro mais tentadora era da indstria do sal. Os comerciantes atiram-se a ela. L, a recm-formada burguesia industrial encontrar uma mo-de-obra mal remunerada, trabalhando sob condies as mais precrias, desenvolvendo processos de trabalho totalmente manuais, um verdadeiro exrcito disposto a trabalhar duro em troca de magros salrios, produzindo alqueires e alqueires de sal alvssimo, quase incandescente, que seria despachado para todo o pas. Poderia haver perspectiva mais auspiciosa?
Como conseqncia direta desse reordenamento econmico, temos a concentrao de um expressivo contingente de trabalhadores nas salinas. Diferentemente da pecuria ou do comrcio, que demandavam escassa mo-de-obra, a produo do sal, desenvolvida de forma artesanal, de baixo teor tecnolgico, com todas as tarefas manuais, dependia de numerosa fora de trabalho para sua realizao.
Esse proletariado emergente vai expressar essa magnitude ao marcar definitivamente a histria urbanstica da cidade, tal como ressalta Felipe Lacerda: “a reorganizao do espao urbano pode ser observada pelo surgimento de bairros operrios como, Bom Jardim, Paredes e Baixinho, povoados numa fase de ocupao pelos trabalhadores de salinas” (27).
A sazonalidade da atividade salineira, provocada pela chegada das chuvas que impediam a colheita do sal, teria conseqncias na formao desse proletariado e exerceria uma influncia decisiva sobre sua trajetria. O contingente operrio diferenciava-se em 2 categorias: os chamados operrios “profissionais de salina” ou trabalhadores permanentes, e os temporrios, que combinavam essa atividade com o trabalho no campo. Esses ltimos fazem a colheita do sal e, em janeiro, com as primeiras chuvas, retornam agricultura. Limpam, plantam, colhem e entram em novo perodo de ociosidade. o tempo em que se reinicia o trabalho nas salinas e para l so atrados assalariados rurais, parceiros, meeiros e at mesmo pequenos proprietrios que buscam assegurar a sobrevivncia durante a entressafra agrcola.
Em Mossor, essa composio de jornada de trabalho era muito praticada, sendo um dos grandes fornecedores dessa fora-de-trabalho, a regio do Vale do Au, tradicional rea de cultivo de gros e de carnaba. De l, a cada setembro saa um nmero expressivo de trabalhadores que durante alguns meses trocavam as enxadas pela picareta e o bisaco pelo balaio.
3.2 – A Aliana Liberal
Ao final da dcada de 20, chegam a Mossor rumores dos embates polticos que, em nvel nacional, a sucesso presidencial suscitava. A ressonncia em termos locais era pequena. Os polticos tradicionais do Estado estavam comprometidos com o Governo Washington Luis. Na istrao estadual, o Governador Juvenal Lamartine no permitia qualquer espao oposio. Formalizada, a Aliana Liberal a a contar com o apoio de Caf Filho. Em Mossor, a adeso Aliana se d principalmente entre setores de classe mdia, jornalistas e pequenos comerciantes, j comprometidos com o cafesmo.
Mesmo de maneira tmida, a campanha da Aliana Liberal se desenrola em Mossor, chegando, inclusive, a receber por duas vezes a “Caravana Luzardo”, que percorria o Brasil levando a pregao liberal. Mesmo com os comcios, a repercusso no chega a ser significativa. O apoio Aliana Liberal permanece aos “cafestas”, no se ampliando com adeses dos polticos locais. Isso porque cada um podia ter suas preferncias em nvel nacional ou estadual, mas em Mossor, vigorava um acordo poltico pelo qual as famlias tradicionais se juntavam e decidiam quem seria o candidato a prefeito, deputado ou vereador. No havia disputa poltica.
Em primeiro de agosto de 1929 foi fundado o comit Pr-Aliana Liberal. Em fevereiro de 1930 houve o primeiro comcio da Aliana na cidade, com a participao de diversos polticos do Sul do Pas, Batista Luzardo frente (28). Em 26 de fevereiro, se d o segundo e ltimo comcio da Aliana, na Praa da Redeno. Chega o dia da eleio. Apurados os votos, das 1981 pessoas aptas a votar, votaram 801 com a oposio e 1004 se abstiveram. Os 86 votos na oposio dos “Liberais de Mossor”, vistos com distncia histrica de hoje, embora paream no ter grande significao, representam um ato de grande coragem, de herosmo at. Naqueles tempos de voto em aberto no se ficava contra o Governo, sem que isso tivesse o seu preo. E eles pagariam caro pela rebeldia.
Dado a conhecer o resultado final das eleies, as conversas de “comeo-de-noite” am a ter como assunto o “Conflito de Princesa” (29). Dizia-se que o Deputado Jos Pereira, chefe poltico de Princesa, na Paraba, homiziava cangaceiros e que estava colocando-os na luta poltica. Havia rumores insistentes de que esses cangaceiros estariam atravessando a fronteira para o Rio Grande do Norte, para aoitar pessoas que tivessem votado com o Governo da Paraba. A proximidade geogrfica entre Mossor e o cenrio desses conflitos espalhava o temor.
A situao local tambm era preocupante. A seca prolongada acrescentara populao urbana, centenas de trabalhadores rurais que, sem trabalho, corriam para a cidade em busca de uma ocupao que lhes garantisse o sustento. No dia 13 de abril de 1930, fizeram circular um manifesto, assinado “O Povo”, e saram em eata pela cidade, reivindicando trabalho (30).
O “Conflito de Princesa” continua a ressoar. A imprensa lhe dedica grande espao, principalmente pelas conseqncias que ela traz aos mossoroenses. Em julho, chegam s famlias Maia e Saldanha, “procedentes da Paraba e perseguidas pelos elementos de Princesa que do morras Aliana” (31). Quinze dias depois morria Joo Pessoa. Comoo geral. O clima fica tenso. Os jornais escrevem artigos inflamados. “O Nordeste” d destaque frase de um operrio: “Mataram o Brasil” (32).
Chega outubro e a Aliana Liberal toma o poder. Em Mossor, os liberais exultam.
“Nesse dia, o povo de Mossor vibrou de contentamento, principalmente os membros em evidncia do Comit Liberal Revolucionrio desta cidade que j vinham sendo vtimas de perseguies polticas uns e ameaas, outros. Ao anoitecer uma grande eata percorreu as ruas da cidade vivando a revoluo, entusiasticamente” (33).
Os liberais, at ento muito discretos, assumem publicamente sua posio e am a se comportar como vitoriosos. Dirigem-se em eata Prefeitura e em nome da Revoluo, Jos Otvio, um dos lderes da Aliana Liberal, recebe as chaves das mos de Saboya, o Prefeito quela poca. A Fora Pblica assumida por Joaquim Saldanha, fazendeiro tangido da Paraba, por votar em Joo Pessoa, que investido na patente de Coronel.
A vitria da Aliana Liberal traria grandes decepes aos liberais mossoroenses. Logo de incio, houve uma denncia Junta Provisria, que assumia o comando do Estado, de que, em Mossor, centenas de comunistas iriam atacar as autoridades e o comrcio. A denncia, cuja autoria deve ser creditada aos opositores da Aliana, criou na cidade um clima de grande apreenso. Chegaram a ser organizados grupos que percorreram os subrbios procura dos tais comunistas e nada encontraram.
As repercusses das denncias vieram sob a forma de muitos boatos, constrangedores para os aliancistas, de que estava sendo esperada uma lista contendo o nome dos comunistas da cidade, vinda do Rio de Janeiro e incluindo pessoas de destaque. Evidentemente esses boatos tinham um endereo certo: visavam desgastar os vitoriosos perante a Junta Revolucionria e a comunidade mossoroense.
No Rio Grande do Norte, a Aliana Liberal expressava uma ntida tenso entre as duas alas que a constituam. Entre 1930 a 1934, quando afinal os “decados” retornaram ao governo do Estado com Jos Augusto, no interior da Aliana, essas duas alas, o cafesmo e a faco mais conservadora estiveram sempre empenhados numa disputa acirrada pelo poder, na qual os cafestas pouqussimas vezes conseguiram saborear pequenas vitrias.
Em Mossor, no entanto, essa disputa no se registraria. L, os cafestas eram a nica fora a apoiar a campanha liberal. A composio do cafesmo era basicamente setores de classe mdia, alm da tentativa de incorporao de setores do proletariado no qual disputavam espao poltico com o PCB. Contudo, mesmo sem ter que lutar por hegemonia, os cafestas mossoroenses sofreram duros reverses. Alm de no contarem em suas fileiras com nomes de ressonncia fora dos limites da cidade, a prtica poltica de Caf Filho, ao buscar a adeso da classe trabalhadora, atrara para seus seguidores o dio de toda a burguesia local.
Afinal, por sua escolha estava frente da Prefeitura Municipal, Saboinha, Diretor da Estrada de Ferro e notrio perseguidor do operariado, desde os tempos da Liga Operria. O recurso encontrado pelas elites locais para bombardear a vitria dos aliancistas foi coloc-los, a todos, sob suspeio como comunistas. Da os boatos e denncias que penalizaram os vitoriosos, como expressa a queixa do jornalista, um dos atingidos: “ de irar que esses perrepistas venham influir tanto na vida revolucionria em prejuzo dos liberais” (34).
Como resposta a essas denncias foi despachado de Natal um contingente policias com ordem de prender os “comunistas”, ou seja, os nomes mais expressivos entre os aliancistas locais como, Amncio Leite, Jos Otvio, Raimundo Juvino e outros. Tal ordem no se concretizou porque o jornalista Martins de Vasconcelos, tambm liberal, sendo informado antes da chegada do contingente, apressou-se a encontr-lo na entrada da cidade e desmentiu a acusao. No foram presos, mas esse episdio foi um rude golpe jamais absorvido. Durante o perodo em que a Aliana Liberal esteve no poder, sentiram-se sempre constrangidos, principalmente diante dos adversrios polticos, pelo tratamento que lhes fora dispensado pelos correligionrios liberais. Essa perplexidade seria uma constante.
Entre 1930 e 1934, se por breve perodo sentiam-se prestigiados, no momento seguinte caam em total ostracismo, chegando mesmo a serem diretamente hostilizados. Essa situao prosseguiu alternando-se de tal modo que, mesmo que em algum momento alguns de seus integrantes tenham chegado a ocupar cargos importantes, jamais puderam sentir-se no poder, o que pode ser ilustrado a partir do seguinte fato: em 1933, Getlio Vargas visitou Mossor. As elites locais planejaram a recepo em sua homenagem e toda a programao, excluindo a presena de “todos os representantes da ala cafesta, inclusive o prefeito a quem foi negado o direito de cumprimentar Getlio. S com muita relutncia, foi permitida a sua presena no encontro” (35). O prefeito, Raimundo Juvino, fora um dos iniciadores do movimento liberal em Mossor.
Essa srie de desencontros entre os aliancistas mossoroenses e a direo do movimento no Estado tivera incio quando da nomeao do primeiro prefeito revolucionrio. Estava respondendo interinamente pela prefeitura o jornalista Jos Otvio, desde quando, frente da eata comemorativa no dia da vitria, solicitou e recebeu as chaves da cidade das mos de Saboya, ficando como prefeito interino. Aguardava-se a nomeao do prefeito efetivo e a expectativa era de que a escolha recasse sobre algum dos aliancistas histricos. No entanto, foi nomeado o Cnego Amncio Ramalho, de notrias ligaes com os perrepistas, frustrando profundamente os liberais, como se depreende pelo comentrio: “consta que os membros do Comit Liberal desta cidade, que arrastaram o dio do governo decado, no receberam com simpatia a nomeao” (36).
Embora ligado localmente aos perrepistas, o Cnego Amncio Ramalho, durante o “Conflito da Princesa”, foi visto, frequentemente, rompendo as madrugadas, atravessando o serto, carregando armas para a luta de Joo Pessoa. Sua indicao, com toda certeza, deve ter partido de l, tal como a do 1 Interventor do Estado, Irineu Joffily, importado da Paraba para o Rio Grande do Norte.
Logo que Irineu Joffily tomou posse, nomeou o Cnego Amncio Ramalho prefeito de Mossor. Os liberais perplexos entraram em contato com Batista Luzardo, que enviou carta ao Interventor:
“Sem querer ferir nem suscetibilizar quem quer que seja, pediria licena ao nobre correligionrio para solicitar sua ateno para os correligionrios de Mossor, aqueles que, desde os primeiros dias da Aliana Liberal, se colocaram ao lado da nossa causa, por ela se bateram valorosamente e se identificaram em todas as suas fases. Cito nominalmente o municpio porque testemunhei pessoalmente, quando da minha excurso ao Norte, a vibrao e o entusiasmo cvico do seu povo, orientado criteriosamente pelo comit Local da Aliana Liberal, a cuja frente est o Sr. Alberto Medeiros, portador desta. Acresce que sendo Mossor, como incontestavelmente , uma cidade culta e de prspero desenvolvimento, deve, por isso mesmo, merecer os nossos cuidados, para que no seja cobiada pelos oportunistas e adesistas de todas as horas, sempre alertas para formarem frente dos verdadeiros vanguardistas” (37).
A carta prossegue com mais um pargrafo onde Luzardo insiste na questo. Foi uma carta incisiva e Irineu recuou, demitindo Amncio Ramalho, quando os “perrs” de todo o Estado j comemoravam sua escolha.
As atribulaes sofridas pelos aliancistas de Mossor depois da vitria de outubro podem ser explicadas por dois ngulos. De um lado, pelo quadro poltico do Rio Grande do Norte, onde a expressividade da Aliana era muito modesta, sobressaindo-se apenas na regio oeste, Mossor e arredores. O resultado da votao de 1930 no deixa dvidas. Os representantes da Aliana Liberal no Estado eram elementos de pouca projeo poltica fora do Estado, sem mandato, oriundos de classe mdia, a maioria dedicando-se atividade jornalstica. Caf Filho, a figura de maior densidade poltica da oposio, era conhecido como “comunista”, o que lhe valeu a desconfiana dos prceres da Aliana, extensiva a todos quantos dele se aproximassem. As elites souberam trabalhar o fantasma do anticomunismo muito bem. Os polticos, derrotados com a ascenso da Aliana, aproximaram-se dos Interventores, influram em suas istraes, mas mantiveram sempre muita reserva para com Caf Filho e seus seguidores. Assim desabafa um seu grande amigo:
“Era um homem honesto. Tudo quanto se disse a respeito da honestidade dele no foi nada mais do que intriga de seus inimigos. E ele os teve tremendos. Os piores do Rio Grande do Norte foram inimigos de Caf. Eram impiedosos. Inclusive Dinarte Mariz, no comeo. Era adversrio tremendo dele. Contratou 6 bandidos para matar Caf. Todo mundo sabe disso aqui no Rio Grande do Norte. Quem no diz porque no quer dizer” (38).
Por outro lado, a decepo dos liberais mossoroenses encontra explicao na prpria natureza daquele movimento poltico, que em nenhum momento se disps a mudar as regras do jogo, e nisso estava includo um bom relacionamento, a no ruptura com as foras que se dizia derrotar. A resposta dos aliancistas era demonstrar publicamente o seu compromisso, na esperana de que isso lhes fosse favorvel. Assim, a 29 de dezembro de 1930, renem-se e fundam a “Legio Revolucionria de Mossor” (39). Mas, esse ato no parece autoriz-los perante os dirigentes da Aliana. Os jornais, porta-vozes do grupo, publicam sempre artigos lamurientos, onde rememoram os acontecimentos de outubro e reclamam da pouca ateno dada pelas Interventorias Estaduais aos Liberais: “em nenhum Municpio, o elemento liberal foi to decepcionado, em comeo principalmente, pelas foras do novo regime da capital, como em Mossor” (40).
Amncio Leite nomeado para suceder ao Cnego Ramalho na Prefeitura Municipal. Apesar do regozijo dos liberais, sua permanncia no cargo foi pequena. Entrou em atrito com o Interventor e pediu demisso. Ocorre que o “Correio do Povo”, jornal ao qual era ligado, publicou artigos criticando a permanncia, nos cargos de direo do Estado, de pessoas notoriamente ligadas ao perrepismo. O Interventor, irritado com o jornal, pede ao prefeito que “tenha entendimento com o diretor do mesmo jornal, evitando sejam tomadas medidas de outra natureza”. Em resposta, Amncio Leite, telegrafa dizendo: “Lastimo cumprir primeiramente indeclinvel dever de estranhar tambm atitude V. Excia. em nunca haver respondido, desde assumir Interventoria, um s despacho entre muitos que tenho endereado a V. Excia. sobre interesses desse Municpio” (41). Esta era a relao entre os Liberais mossoroenses e o Governo revolucionrio do Rio Grande do Norte.
Mais um centro aglutinador do pensamento liberal formado, em nvel estadual, a 15 de setembro de 1931, por Caf Filho e seus aliados: o Centro de Defesa dos interesses do Rio Grande do Norte. Na ocasio, os presentes repetiram o juramento: “Prometemos, pela nossa honra cvica, dar toda nossa energia em defesa dos ideais da revoluo de outubro, implantando no Rio Grande do Norte, o regime de moralidade, justia e liberdade” (42).
Em janeiro de 1932, os liberais se renem no 1 Congresso Revolucionrio do Rio Grande do Norte. O evento contou com a participao de Caf Filho, Sandoval Wanderley e Enzo Gusmo e discutiu os seguintes temas: a Constituinte e sua oportunidade, problemas do sal, problemas da seca e o prolongamento da Estrada de Ferro (43). A realizao de congressos e formao de centros pelos liberais parece ter a clara inteno de apresent-lo como o plo liberal do Estado, o que no adiantava muito, porque no obtiveram sequer o apoio dos Interventores. Dado o clima poltico tenso no Estado eles ficavam divididos entre a aproximao das elites conservadoras e o apoio ostensivo que os liberais lhes pressionavam a aceitar.
A propsito de permanncia dos perrepistas em cargos istrativos e polticos, “O Nordeste”, em longo artigo, analisa a ambigidade poltica da Aliana e cria a categoria dos Cascardistas: “gostam de Cascardo, no gostam de Caf”, lem “A Tarde”, no gostam de “O Nordeste” e “O Jornal”. O mesmo jornal comenta a recepo insultuosa de que foram vtimas Caf e sua comitiva, quando em campanha pelo Centro de Defesa do Rio Grande do Norte, estiveram em Flores e em Caic, onde “quase foram linchados pelos Prefeitos” (44).
Por essa poca, agrava-se a situao de seca. Mossor, cidade plo da regio, transforma-se mais uma vez em destino para levas e levas de flagelados, procura de qualquer trabalho, qualquer oportunidade de resolver a fome que grassava. L chegando deparavam-se com a inexistncia de trabalho. A construo da Estrada de Ferro fora paralisada e no havia nenhuma grande obra que pudesse absorver tanta mo-de-obra. As sociedades, Liga Operria, Unio dos Artistas e Centro dos Artistas, enviam telegramas aos Ministrios do Trabalho e da Viao, expondo a situao da misria e sugerindo 3 medidas para criar empregos: continuao da Estrada de Ferro de Mossor, construo de Estradas de Rodagem e construo Aude Canto da Lagoa (45).
A seca continua e os flagelados perambulam pela cidade. O Ministrio da Viao responde s solicitaes de ajuda, autorizando o prosseguimento das obras de construo da Estrada de Ferro no trecho Carabas-Boa Esperana. Rapidamente foram incorporados 2.500 homens. No mesmo documento o Ministro liberou a contratao de quantos procurassem servio nas estradas de Rodagem. O prefeito, em resposta, prope que seja construda a Estrada Mossor-Limoeiro, o Aude agem Funda e encerra o telegrama dizendo que “se reserva o direito de doar agens para as pessoas que desejam tentar a sorte noutro lugar” (46).
A Cruz Vermelha tambm convocada e chega Mossor, com a tarefa de profilaxia e demais medidas de saneamento da populao flagelada, concentrada na zona oeste de Mossor e Au. Nas cidades prximas aos trabalhos pblicos concentravam-se alguns milhares de famintos, entre os que haviam conseguido lugar nas obras e os que permaneciam desocupados. O contingente era acrescido de inmeras levas de flagelados que para l se locomoviam, atrados pela esperana de um emprego nas obras, a chance de mitigar sua fome e de sua famlia. “Muito humilhante, uma multido de seres humanos, famintos, esfarrapados, doentes a implorar trabalho para no perecer de fome” (47).
As Associaes Operrias procuram intervir telegrafando aos Interventores do Sul e aos Ministrios. Solicitam ajuda em gneros alimentcios. Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul, envia para os flagelados “3 toneladas de charque, feijo e arroz”(48), mas o aumento dirio do nmero de necessitados tornava essas medidas insuficientes. A istrao municipal a a incentivar a migrao de parte desse contingente, oferecendo-lhes transporte gratuito para a regio Norte. A partida dessa primeira leva de flagelado foi assim descrita por “O Nordeste”:
“Eram pouco menos de 900 homens e mulheres que apinhavam 6 pranchas enormes, descobertas, ao sol, sem conforto algum. Essa enorme massa era quase exclusivamente desse municpio, contando-se at uma grande parte de agricultores que deixaram a sua vivenda, onde outrora a roa lhe dava o sustento e a alegria da vida. Em Areia Branca um enorme contingente esperava, para juntos seguirem para Manaus e Par no vapor Itapag” (49).
As atividades da cidade sofrem a influncia da crise causada pela seca. A prpria fisionomia da cidade se transforma, com a presena dos flagelados. Outras pessoas que no chegam a disputar lugar nas obras pblicas procuram formas alternativas de resistir fome, como deixa perceber o trecho desse artigo:
“todos os dias perambulam pelas ruas, pobres pais de famlias e crianas, vendendo cargas de lenha, trazidas em magros jumentos, sem acharem quem as compre! Faz pena ver tanto esforo sem um apoio que lhe venha amparar. Senhores ricos vo comprando essa lenha, que vos servir ao mesmo tempo em que ireis, assim, matando a fome de nossos mseros irmos” (50).
Continuam as doaes de agens para quem quiser ir para o agreste, menos castigado pela seca. Diariamente, cerca de 60 pessoas procuram essa alternativa (51).
Com a posse de Bertino Dutra como Interventor do Estado, os cafestas so prestigiados com a nomeao de Tertuliano Ayres Dias para Prefeito de Mossor. Por essa poca, em So Paulo, o movimento constitucionalista estava efervescente e de Mossor so enviados contingentes para lutar em defesa da Aliana. Por outro lado, circulam insistentes boatos de que haveria um levante do Tiro de Guerra a sediado, em favor do movimento paulista. Foram detidos “Lauro da Escssia, Joo Marcelino, Joel Carvalho, Francisco Queiroz” (52), opositores da Aliana Liberal, sob a acusao de estarem articulando um movimento armado de apoio a So Paulo.
A ateno da cidade, voltada para o movimento do Sul se volta para a notcia de saque nos Armazns da Estrada de Ferro, que abasteciam os operrios absorvidos no trecho Mossor-Porto Franco:
“eram operrios e exploradores segundo verificou a polcia que j aprisionou mais de 40 pessoas. Houve luta e foram baleados 2 meninos flagelados que se acham no hospital. A grande maioria de atacantes ps fuga os guardas, dando ensejo execuo do saque” (53).
Isso demonstra a natureza das relaes entre a Aliana Liberal e os trabalhadores. iniciativa dos flagelados premidos pelo desespero da fome, os liberais respondem jogando a polcia em cima de hordas famintas e maltrapilhas. Onde est a diferena entre esse comportamento e o do Governo anterior a 1930?
nessa conjuntura de crise social que tem incio o trabalho de organizao sindical em Mossor, sob orientao do Partido Comunista. Os liberais, na condio de agentes de sindicalizao do governo Vargas, incentivam a iniciativa dos trabalhadores, abrindo espao em seus jornais para artigos sobre o tema:
“Opera-se neste municpio um verdadeiro ressurgimento do direito das classes com a criao de sindicatos (...) sindicalizam-se os pedreiros, outras classes e as diversas sociedades locais” (54).
Esse apoio, no entanto, perderia em intensidade medida que os trabalhadores, em sua prtica sindical, aram a lutar contra a super explorao a que estavam submetidos, transformando o sindicato em instrumento de interesses de classe.
Muda novamente a istrao municipal. Com a renncia de Tertuliano Ayres, assume Raimundo Juvino de Oliveira, membro do “Club 3 de outubro”. No incio de sua gesto, ocorre a primeira greve dos salineiros, que se deslocam em comisso at o Prefeito, pedindo “melhorias de trato e salrio”. O prefeito convida os proprietrios de salinas para discutirem a questo. No encontro, que contou com a presena de poucos proprietrios, no se chegou a um acordo. O jornal “O Nordeste” porta-voz da istrao assim se referiu ao fato:
“No se pode, porm agora dizer que nas salinas os operrios estejam trabalhando pela hora da morte, como nas obras pblicas de rodagem, que mal ganham para ar miseravelmente. A padronizao das medidas do sal, a higiene, a regulamentao de preos nos fornecimentos e outras medidas, so de fcil viabilidade e incontestvel valor para a boa marcha da organizao do prprio trabalho, para a boa vontade do operrio e para a aprovao do pblico”(55).
Ou seja, o apoio do poder liberal reivindicao salarial foi insignificante, embora tivesse “dourado a plula”, apoiando outros pleitos como melhoria das condies de trabalho e a regulamentao dos pesos. A primeira sada compar-los aos flagelados, desgraadamente sobrevivendo s custas das esmolas do poder. A superexplorao das salinas no comove os coraes liberais, do mesmo modo que no comove os coraes de seus proprietrios.
Comea o ano de 1933 e o inverno abundante escancara mais uma vez a verdadeira razo de produo e reproduo de tanta misria. A chegada do inverno no modificou a existncia dos milhares de flagelados, pois at os que tm terra no dispem de recursos para a compra de sementes e outros insumos que lhes possibilitem dinamizar uma produo mesmo que de subsistncia.
Em abril deste ano, fundado em Natal o PSN – Partido Social Nacionalista – Caf Filho frente, que conta com a adeso dos liberais mossoroenses. Compe o Diretrio, alm de Caf Filho, Padre Jos Calazans, Tenente Srgio Marinho, Dr. Anbal Martins Ferreira, Rodopiano Azevedo, Joaquim Saldanha e Pedro Dias Guimares. Receberam o apoio de 2 prefeitos, tambm da regio oeste: Benedito Saldanha, de Apodi e Jonas Gurgel, de Carabas. Como se v, desde outubro de 30, at abril de 33, a corrente liberal do Estado, teoricamente no poder, no fora acrescida pela adeso de qualquer dos membros polticos locais, o que nos leva a supor que o PSN, fundado logo depois de outubro, contaria com a mesma constituio.
Aproximam-se as eleies de 1933 e o Partido recm-fundado, atravs de jornais, seus porta-vozes, am a convocar os operrios do Estado a votarem no PSN. A propaganda no chega a sensibilizar as massas, que se mantm margem do processo eleitoral. “O Nordeste”, findo o processo eleitoral, comenta a ingratido dos que no votaram no PSN, e critica os padres que “trabalharam na mais desenfreada cabala, contra o Partido que tinha como candidato entre outros catlicos. Dr. Ricardo Barreto, Presidente da Liga Eleitoral Catlica no Estado” (56).
Findas as peroraes sobre o fracasso eleitoral do PSN, Mossor e todo o Estado so surpreendidos pela notcia do atentado contra Caf Filho. O elemento desencadeador foi priso de Gentil Ferreira, por ter escrito um artigo violento contra a istrao estadual no jornal conservador “A Razo”. Caf, chefe de Polcia na poca, suspende o jornal e manda prender o jornalista. Em conseqncia, agredido pelo Capito Everardo Vasconcelos do 29 BC, sendo ferido bala. O acontecimento enche de nuvens escuras o horizonte poltico estadual e tem como conseqncia imediata transferncia do 29 BP para o Recife em meados de junho (57). Caf permanece afastado do cargo em licena de sade e reassume ao final de julho, depois de noticiada a nomeao de Mrio Cmara, novo Interventor.
Comea um perodo de intensas articulaes polticas, entremeados de muitas presses e de violncia. Mrio Cmara, ao assumir, trata de fazer aliana com os conservadores aglutinados em torno do recm-fundado PP (Partido Popular). No chegando a um acordo, volta-se para o PSN e junto com o grupo liderado por Caf Filho fundam a Aliana Social, para concorrer s eleies de 1934. As divergncias existentes somaram-se ao clima agitado pela disputa eleitoral, gerando um perodo de graves turbulncias em todo o Estado e especialmente na regio Oeste, onde as duas foras se digladiaram violentamente.
Foi a primeira eleio realmente disputada no Estado. Para Jos Augusto e seus correligionrios, tratava-se da volta direo do Estado, de onde o movimento de outubro os afastara. Entraram na campanha para ganhar, recrutando os possveis aliados e marchando pelo interior do Estado, em busca de votos. Mrio Cmara tenta a todo custo negociar com o PP um acordo poltico. Frustrado em seus esforos, restou-lhe a Aliana com o grupo cafesta. Formalizada a Aliana Social, foram demarcados os campos: era a situao e a oposio enfrentando-se. O Interventor e aliados assumiram a proposta liberal e progressista, ou seja, “revolucionria” em contraponto proposta conservadora de seus opositores, junto dos quais as elites proprietrias cerraram fileiras.
A classe trabalhadora mossoroense foi muito solicitada durante a campanha. Ao incorporar o cafesmo, a Aliana Social ganhou a adeso do sindicalismo praticado nos limites da legislao varguista, do qual Caf Filho era o agente mor no Estado. Os setores do operariado, sob influncia do PCB negaram-se a apoiar a coligao de Partidos, preferindo conquistar espao poltico atravs de candidatos prprios, inscritos na chapa “Unio Operria e Camponesa do Brasil” que lanou alguns nomes do Partido ao Legislativo estadual e federal.
A Aliana Social reuniu os operrios que lhes emprestavam apoio em caravanas que foram para Mossor disputar no interior dos sindicatos o voto dos trabalhadores. As dificuldades de relacionamento com a Aliana Liberal no poder, bastante presentes para os trabalhadores, era um obstculo a ser ultraado. Nos discursos as Caravanas Operrias apelavam pelo apoio a um genrico “partido dos pobres do Rio Grande do Norte” (58) buscando superar o ime ao se confrontar com a campanha dos candidatos do PCB, que afirmavam representar os interesses da classe operria. Para no ficarem atrs, os liberais pediam voto do operrio, em nome de Marx e Lenin:
“ princpio fundamental da doutrina marxista que os trabalhadores se organizem ao lado do partido mais prximo de suas idias, quando no tenham seu partido organizado. No Rio Grande do Norte atualmente, d-se uma luta de morte. De um lado, os velhos burgueses exploradores do operariado; de outro, a pequena burguesia composta de homens de poucos recursos, artistas, comerciantes, agricultores e a massa dos pobres e humildes (...). O operariado consciente no pode ficar ao lado dos que lhe surraram, quebraram seus sindicatos, violaram suas filhas, roubaram o seu suor, pagando salrio de fome (...) E falta de partidos genuinamente de classe, s lhe resta um caminho: ajudar a pequena burguesia a alijar o seu inimigo maior! Marx e Lnin, assim orientam os trabalhadores (...) marchai s urnas de 14 de outubro contra os oligarcas assim como Lnin combateu os tiranos de sua ptria” (59).
Os liberais apelavam para Marx, Lnin e o “voto til”. Os populistas contra-atacavam propondo “tolerncia e harmonia”. A Unio Operria e Camponesa, cuja chapa foi registrada quase ao final da campanha, no conseguiu sair da obscuridade e atuar como uma alternativa concreta para os trabalhadores.
Pela primeira vez, desde o movimento de 1930, os campos polticos se diferenciaram, mostrando o Governo do Estado em oposio s figuras tradicionais que dominavam a poltica estadual desde a Repblica Velha. Pela primeira vez Caf Filho e seus correligionrios participaram de uma contenda poltica, no como uma terceira fora, combatida pelos elementos ligados ao poder, quanto pelos que haviam sido destitudos em 1930.
O clima tenso, a disputa acirrada, qualquer fato era pretexto para um dos lados exorbitarem. O Interventor no tinha a lealdade da oficialidade da polcia, a maioria ligada por laos de amizade a Jos Augusto e Lamartine, sendo fiis a eles. Mrio Cmara sentiu-se inseguro, e pediu ao Exrcito que lhe cedesse alguns oficiais para integrarem a polcia. Completou o quadro com a nomeao de outros elementos no militares, escolhidos entre pessoas de confiana da Aliana Social. Da espalhou-se histria de que ele havia incorporado cangaceiros polcia (60).
A violncia da campanha aparece em todos os depoimentos sobre o perodo, seja de um ou do outro lado. Dinarte Mariz, um dos lderes do Partido Popular, afirma: “Foi uma das lutas mais renhidas que j houve politicamente neste pas. Perdemos cerca de 11 companheiros assassinados pela polcia. A campanha se desdobrou num ambiente quase de guerra civil” (61).
Na zona Oeste, a eleio foi muito tumultuada. Benedito Saldanha, ligado Aliana Social, fazendeiro, tinha fama de cangaceiro e era muito ligado a Mrio Cmara. Como todo “Coronel”, dispunha de um numeroso contingente de homens s suas ordens. Colocou todo o seu efetivo para pressionar os eleitores do PP no dia das eleies, em Au.
“Caminhes de cangaceiros chegaram na cidade e se espalharam por todo o lugar. Todos de “ligeira”, um rebenque largo, para dar no povo. No cabo, tinha uma fita encarnada. Eles avam primeiro de casa em casa, botavam a polcia para tomar todas as armas. Eles chegaram em Carnaubais, ficaram bebendo cachaa e dizendo que noite iam fazer um baile com as filhas dos perrs. O pessoal do lugar se afugentava dentro do mato, eles iam nas casas que estavam na estrada, mas no mato eles no entravam porque no tinham confiana. O povo conhecia a regio, eles no. Foi uma coisa horrvel, foi muito pior do que o movimento de Manoel Torquato. Foi uma coisa incrvel, de muito mais horror pra gente, pode voc ficar certa” (62).
No dia da eleio Areia Branca foi sacudida pelo impacto da morte de Chico Bianor, um feitor de salina, famoso como torturador de trabalhadores. O Partido Popular, do qual ele era membro, explorou o acontecimento, responsabilizando o governo Mrio Cmara, criando assim um grande escndalo poltico. Os jornais liberais reagiram criticando a ao:
“No temos dvidas em afirmar que os nossos trabalhadores no comungam dessas idias terrveis e lamentam que alguns companheiros fossem arrastados a essa aventura sinistra encabeada pelo agitador Z Mariano. O Correio do Povo, que advoga para o operariado regalias a que tm direito para viver como homens teis a sociedades, (...) incita todos os trabalhadores luta dentro da ordem, pela conquista dos seus direitos e a protestar contra os crimes de natureza do que foi cometido em Areia Branca” (...) (63).
A polarizao entre as duas chapas transformou a eleio num momento de violncia poltica incomum. As queixas pela presena de piquetes nas estradas impedindo o o de eleitores, aoitamentos, presses, violncias as mais diversas, permearam o pleito que acabou por ser anulado em grande nmero de cidades. Posteriormente foram realizadas eleies suplementares garantidas pelo Exrcito.
A Aliana Social foi, no Rio Grande do Norte, o que os liberais de Mossor esperaram inutilmente que acontecesse desde a queda de Lamartine. Mas, deu-se um pouco tarde demais, essa aliana tempor. Como conseqncia, apesar do esforo hercleo dos seus integrantes, foram fragorosamente derrotados. Foram graves as conseqncias para os que se empenharam na luta. Muitos pagariam caro o crime de terem afrontado as tradicionais elites proprietrias, as quais, no futuro prximo, aproveitariam os acontecimentos de 1935 para revidarem a afronta.
O clima da campanha e da eleio permeou a apurao dos votos, que foi cercada de boatos, ameaas, tentativa de impugnao e recursos judiciais, culminando com a proclamao da vitria do Partido Popular. Voltaram aos postos de comando do Estado, todos os que haviam sido deslocados com o movimento de 1930.
Mesmo a definio do Partido vitorioso, no encerra os conflitos entre os adversrios polticos. Comea a circular pelo Estado boatos de sublevao no interior para impedir a posse de Rafael Fernandes. No dia da posse, diz-se que no alto oeste iniciou-se uma rebelio liderada por um proprietrio rural vinculado Aliana Social, tendo sido prontamente debelada.
O clima de agitao vivido durante a campanha permaneceu aps a posse. As mgoas, os desentendimentos, os rancores suscitados nesta disputa explodiriam com redobrada violncia em 1935. O processo eleitoral de 1934 uma das pistas para se entender os acontecimentos da desforra, quando os conservadores pretendiam destruir a oposio, mesmo j derrotada, no que ela pudesse representar em termos de ameaa sua hegemonia.
O ambiente no Estado ficou to tenso que, no movimento de 1935, muitos maristas e cafesta entraram no movimento acreditando estarem lutando pela volta de Mrio Cmara e at mesmo alguns Z-Augustistas pensavam tratar-se de um novo movimento para depor Getlio Vargas. Apenas os comunistas sabiam exatamente do que se tratava. Mas, a represso no distinguiu os envolvidos, pelo grau de comprometimento, ou pelo nvel de entendimento dos fatos. Pelo contrrio, alm de nivelar, como se fossem homogneas, todas as participaes, ainda procurou-se envolver pessoas no participantes, a partir da vaga denncia de simpatia aos liberais. Assim, limpou-se o Estado de quase todos os elementos oposicionistas e sepultou-se, pelo menos por algum tempo, os movimentos sociais. As elites conservadoras puderam, enfim, varrer do horizonte qualquer ameaa de quebra de sua hegemonia e de alterao de seus privilgios.
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