Insurreio
Comunista de 1935
em
Natal e Rio Grande do Norte 5n5w1g
Do
Sindicato ao Catete - Memrias Polticas
e Confisses Humanas
Caf Filho, Joo
- Livraria Jos Olympio Editora, 1966
Nosso
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LEMBRAI-VOS
DE 37!
CAUSAS
DETERMINADAS DA INTENTONA COMUNISTA DE 1935 NO
RIO GRANDE DO NORTE – A ELEIO
DE RAFAEL FERNANDES E A INTERVENTORIA MRIO
CMARA – PRIMEIRO ENCONTRO COM GETLIO
VARGAS, EM PETRPOLIS – COMANDO DO
21 B.C. – INSUREIES
COMUNISTAS NO RECIFE E NO RIO DE JANEIRO –
REPERCUSSO DOS ACONTECIMENTOS NA CMARA
DOS DEPUTADOS – ESTADO DE GUERRA –
PRISES DE PARLAMENTARRES – A VIAGEM
DE VARGAS AO RIO DA PRATA – DESTITUIO
DE ANTNIO CARLOS DA PRESIDNCIA DA
CMARA DOS DEPUTADOS – PREPARAO
DO GOLPE DE ESTADO DE NOVEMBRO DE 1937 –
A CANDIDATURA ARMANDO DE SALES OLIVEIRA –
OS COMUNISTAS E A CANDIDATURA JOS AMRICO
DE ALMEIDA.
DEPUTADO Federal, pela primeira vez, em 1935,
experimentaria, de incio, os desajutamentos
de qualquer estreante, inibies
e incertezas.
Logo em seguida, acompanharia, e dele participaria,
como parlamentar, o processo poltico da
vida brasileira entre dois acontecimentos de importncia
e repercusso: a intentona comunista de
novembro de 1935 e o golpe de Estado de novembro
de 1937.
De como se formaram e eclodiram, que
arei a me ocupar dando o meu testemunho e,
correlatamente, continuando a contar a minha vida.
Estava no Rio, no desempenho do mandato, quando
ocorreu em Natal o levante de 1935, ao tomar conhecimento
da insurreio, reagi com ceticismo.
Ou a notcia era improcedente, ou havia
um equvoco na interpretao
do fato. Parecia absurdo que os comunistas do
Rio Grande do Norte, to escassos, pudessem
realizar uma faanha daquela envergadura.
Como Chefe de Polcia, por duas vezes,
observava de perto suas atividades. Cheguei, no
raro, a ter pequenos atritos com eles por causa
de suas habituais manobras subversivas.
Fra-me dado verificar, ento, que
eram muito poucos. No havia no Rio Grande
do Norte uma economia industrial, capaz de proporcionar
grandes ncleos operrios. Por isso
mesmo, a principal clula bolchevista no
era civil, porm militar, constituda
de sargentos, cabos e soldados do 21 Batalho
de Caadores.
Foi essa minoria diminuta, mas bem estruturada
e diligente, que desencadeou a insurreio
de 1935 em meu Estado, derrubando o Governo e
implantando durante quatro dias a primeira ditadura
de cunho nitidamente sovitico at
ento surgida no mundo ocidental.
Meu representante poltico em Natal era
Kerginaldo Cavalcantei. Reuniu em casa do jornalista
Sandoval Wanderley os principais responsveis
pelo nosso grupo, ficando deliberado, no primeiro
dia da sedio, que nenhum de nossos
correligionrios, participaria dela, deciso
aprovada por mim, pessoalmente, pouco depois.
Uma das causas da rebelio foi, sem dvida
o ambiente de agitao dominante
no Estado. Acabava de realizar-se uma campanha
muito violenta em torno da eleio
indireta do Governador. Sara triunfante
a faco que apoiava Rafael Fernandes,
apresentado por Jos Augusto.
Presidira o pleito, como Interventor, Mrio
Cmara, que seria anos depois Ministro da
Fazenda na fase final de minha gesto como
Presidente da Repblica. Era, ento,
ligado a Getlio, em cujo gabinete servira
durante algum tempo, tendo deixado o cargo que
ocupava no Catete para ir istrar o Rio Grande
do Norte, como representante do poder federal,
na ltima etapa do perodo discricionrio
anterior reconstitucionalizao,
que se iniciava em todo o Pas.
Mrio Cmara governou, sempre contra
ns, na proximidade das eleies
comps-se com as foras da oposio,
que eu representava, ao se candidatar ao cargo
de Governador. A sua candidatura foi, mais tarde,
afastada, poltico foi mantido, ento,
no sentido de eleio, apenas, dos
deputados federais e estaduais.
A vitria de Rafael Fernandes colocar-nos-ia,
desse modo, na situao de vencidos,
a quantos nos congregvamos em torno do
Interventor.
Logo depois da eleio, criou-se
no Estado a perspectiva de que Rafael Fernandes
no tomaria posse. Esta impresso
era, em parte, justificada pelas vinculaes
pessoais de Mrio Cmara com o Presidente
Getlio Vargas.
Vim ao Rio para sondar as disposies
do Governo Federal, relativamente nossa
situao.
A Assemblia Legislativa, por eleio
indireta, deveria escolher o novo Governador do
Estado, entre os nomes de Rafael Fernandes e Elviro
Carrilho.
Estvamos, na Assemblia, em minoria
de um deputado.
Formvamos uma coligao
em torno do Interventor, cujo prestgio,
no plano federal, parecia evidente. Eram atendidas
com rapidez as suas solicitaes
no tocante transferncia e designao
de militares. Achei oportuno verific-lo,
ao vivo, em um caso de natureza poltica.
Encontrei-me, na ocasio, pela primeira
vez, com Getlio Vargas. Recebeu-me em
audincia no Palcio Rio Negro, em
Petrpolis, onde veraneava.
- Ento, voc o Caf
Filho? – perguntou-me o Presidente, acolhedor
e bem-humorado.
Declarou-me Getlio que eu no coincidia,
pessoalmente, com a idia que formara a
meu respeito.
- Pensei que voc fosse um desses nordestinos
ferozes, de dentes trincados, e estou vendo que
tem um rosto sorridente...
- Os adversrios costumam apresentar-me
sob uma imagem diferente. Mas, como Vossa Excelncia
est verificando, o retrato que apresentam
no corresponde realidade...
Depois de alguns instante de leveza no dilogo,
entrei no assunto que me levava sua presena.
Aparentemente identificado com a situao
estadual de que eu era mensageiro, Getlio
me interrompeu:
- O Mrio Cmara meu amigo.
Confio que voc no comprometer,
porm, o governo neste assunto.
A ressalva do Presidente foi cordial, e no
representou uma escusa, pois, em seguida, me informou:
- Vir hoje aqui ao Rio Negro o Deputado
Cndido Pessoa, que genro de um
dos membros do Tribunal Eleitoral. Posso falar
com ele e tambm, mais tarde, com o Ministro
Plnio Casado, que meu conterrneo
e meu amigo.
Aconselho voc a procurar o Agamemnon Magalhes,
com quem falarei sobre o assunto do Rio Grande
do Norte. O Agamemnon amigo do Ministro
Jos Linhares, que pode ajudar nesta fase
dos recursos.
Tudo naquele dilogo soava estranho
minha inocncia revolucionria; que
o Presidente da Repblica pudesse tratar
de assuntos eleitorais com os membros do Poder
Judicirio incumbido de apreci-los
e que me encaminhasse ao Ministro do Trabalho
para tratar de um assunto poltico.
E era, de fato, para estranhar; tanto assim, que
o Presidente me pedira reservas sobre as dmarches.
Ao encontrar-me com Agamemnon, no lhe
escondi a impresso da audincia
com Vargas no Rio Negro:
- O Presidente prometeu interessar-se, mas acho
que no exercer qualquer influncia
no caso do Rio Grande do Norte.
- O Presidente far o possvel –
contestou-me o Ministro do Trabalho, o qual foi,
pessoalmente, comigo casa do Ministro
Jos Linhares.
Eu tinha razo quanto s promessas
de Getlio. Ele no falou com ningum
que, direta ou indiretamente, pudesse atuar em
favor dos recursos que havamos interpostos
contra as decises da Justia Eleitoral
no Rio Grande do Norte.
Voltei a Natal sem uma soluo e
sem esperanas de alcan-la,
declarando francamente a Mrio Cmara:
- No espere nada do Rio. No senti,
em nenhuma parte, uma disposio
firme de ajuda nossa causa aqui no Estado.
Os fatos ocorreram segundo as minhas previses.
Continuamos em minoria na Assemblia Legislativa
e Rafael Fernandes foi eleito e empossado Governador
do Rio Grande do Norte.
Getlio me dissera em Petrpolis
que era amigo de Mrio Cmara. De
fato, o era. Compensou-o desse insucesso na poltica
potiguar, ao nome-lo, pouco depois, Delegado
do Tesouro Brasileiro no Exterior.
Mrio Cmara viajou para Londres;
ns, seus aliados, ficamos penando e pelejando,
entregues prpria sorte de oposicionistas,
ao desamparo de dois governos: o da Unio
e o do Estado.
Antes da posse de Rafael Fernandes, a tenso
poltica chegara a tal ponto que o General
Manuel Rabelo, comandante da 7 Regio
Militar, deslocou-se do Recife para Natal com
todo o seu Estado-Maior.
Isto no impediu que as emoes
provocadas pela investidura do novo Governo e
pelo embarque do ex-Interventor para o Rio culminassem
num conflito, de que saram feridas algumas
pessoas. Eu prprio s por um triz
no fui alvejado, achava-me bem no meio
da rea do tiroteio.
Em uma de suas ltimas viagens ao Rio,
ainda como Interventor no Rio Grande do Norte,
Mrio Cmara fora tranqilizado
por Getlio com a comunicao
de que acabava de nomear para o Comando do 21
Batalho de Caadores um coronel
gacho da sua inteira confiana,
Otaviano Pinto Soares, que se encontrava agregado.
Em Natal, o novo comandante do 21 B.C. mandou
abrir inquritos em torno de arruaas
praticadas por alguns soldados, entre os quais
predominava a indisciplina. Finda a sindicncia,
anunciou-se que aqueles elementos desordeiros
seriam expulsos do Exrcito. Mas a verdade
que continuaram no quartel at
23 de novembro de 1935 – dia da intentona.
Na antevspera, o Governador Rafael Fernandes
dissolvera por motivos polticos a Guarda
Civil, provocando o descontentamento de numerosos
homens que tinham instruo militar
e, por isso, sabiam manejar armas.
Na noite da revolta, o Comandante do 21
B.C. deixara o quartel entregue quase que exclusivamente
aos sargentos, cabos e soldados, entre os quais
figuravam os comunistas e os que iam ser eliminados.
Segundo se informou, apenas um oficial estava
ali presente na ocasio: o oficial de dia.
O tiroteio irrompeu por volta das 20 horas de
23 de novembro de 1935. O Governador assistia
despreocupadamente a uma solenidade escolar no
Teatro Carlos Gomes.
Espalharam-se logo a confuso e o terror,
naturais nas emergncias, como aquela, feitas
de surpresa e pnico.
Registrei, como me foi contado, a negligncia
do Comando do 21 B.C. no tocante s
medidas preventivas, resultando quase num convite
indisciplina e desordem, em
meio minoria comunista, organizada e
ativa, como sempre.
Fao a ressalva “como me foi contado”,
de vez que me achava no Rio e no em Natal.
Tendo divulgado no Dirio da Noite, do
Rio de Janeiro, em 1958, essa verso oral
dos acontecimentos, recebi uma carta do Coronel
Otaviano Pinto Soares contestando a situao
de abandono do quartel do 21 B.C.
Esclareceu-me aquele militar, que tomara todas
as providncias de vigilncia, no
negligenciando qualquer medida da responsabilidade
do seu comando.
Reconheo na carta do Coronel Otaviano
tanto a oportunidade de esclarecer os fatos que
o envolveram, quanto o valor de uma contribuio
a mais para definir circunstncias de interesse
para a Histria.
Circunstncias relatadas por quem delas
participou diretamente e, estando em causa, ser
fiel a si prprio e verdade de
uma hora conturbada.
Mencionei a patente daquele oficial ao tempo dos
acontecimentos de 1935. Ele agora General
da Reserva do Exrcito. Em sua carta, esclareceu
que, na poca, no se encontrava
na Reserva, porm no Quadro Suplementar,
adido ao Departamento da Guerra e encarregado
de um inqurito policial-militar, quando
foi transferido para o 21 B.C.
O dia 23 de novembro de 1935 era um sbado
– recordou o General Jos Otaviano
Pinto Soares - e o expediente fora feito na parte
da manh, como de costume, no se
encontrando a tropa de prontido.
O Comandante e seus oficiais deixaram a sede do
21 B.C. ao meio-dia e ali, noite,
quando irrompeu a revolta, no puderam
mais penetrar na praa rebelada, tendo
ido o Coronel Otaviano para o Quartel da Fora
Pblica, onde organizou a resistncia,
que s terminou com o esgotamento da munio
que era pouca, sendo diminuto, ainda, em proporo,
o nmero dos combatentes de que dispunham
as foras legais.
Em todo o Brasil havia ebulio
e intranqilidade. Debatia-se o Pas
em uma crise no apenas de feio
poltica, mas tambm de cunho econmico
e social, no faltando o espetculo
das greves, que degeneravam, no raro,
em conflitos entre policiais e trabalhadores.
Acentuava-se a falncia da Revoluo
de 1930.
A Aliana Nacional Libertadora fora fachada
pelo Governo Federal e ara imediatamente a
conspirar, sob o comando de Lus Carlos
Prestes.
No comeo do mesmo ano de 1935, fui solicitado
pelo Comandante Herculino Cascardo e outros a
ingressar em suas fileiras. Recusei o convite.
Embora se apresentasse como frente democrtica,
entendida que o Partido Comunista, fazendo parte
da Aliana Nacional Libertadora, e sendo
a nica fora poltica realmente
estruturada e atuante, faltamente acabaria dominando-a,
como na verdade aconteceu.
A livre expanso do integralismo, sob a
direo de Plnio Salgado,
e a votao pelo Congresso da Lei
de Segurana Nacional, instituindo novo
sistema de represso aos crimes polticos,
contriburam para a atmosfera carregada
em que vivia o Pas.
Em 11 de novembro de 1935, Deputados da Minoria
e da Maioria, fundramos o “Grupo
Parlamentar Pr-Liberdades Populares”,
lanando nessa data um manifesto assinado
por Domingos Velasco, por mim, e por Rodolfo Mota
Lima, Jlio Novais, Plnio Tourinho,
Freire de Andrade, Genaro Ponte Sousa, Jos
Patrocnio, Ablio de Assis, Fenelon
Perdigo, Demtrico Rocha, Antnio
Carvalhal, Alpio Costallat, Mrio
Chermont, Plnio Pompeu, Crisstomo
de Oliveira, Martins e Silva, Paula Soares, Martins
Veras, Augusto do Amaral Peixoto e Adelmar Rocha.
Sem a desvinculao das correntes
polticas a que pertencamos, decidiramos
organizar esse Grupo Parlamentar objetivando detender
intransigentemente as liberdades constitucionais
e populares e, em conseqncia, combater
o integralismo, arremedo do fascismo e inimigo
ostensivo daquelas liberdades.
Concitvamos, no manifesto, a quantos concordassem
com as suas diretrizes, a que organizassem nas
Assemblias Estaduais e nas Cmaras
Municipais outros grupos idnticos, para
que pudssemos, em ao coordenada
e eficaz, resguardar a democracia e servir aos
justos reclamos das massas populares.
Durante as frias parlamentares, aps
o levante de novembro de 1935, o Governo de Vargas
prendeu, de madrugada, o Senador Abreu Chermont
e os Deputados Joo Mangabeira, Otvio
da Silveira, Domingos Velasco e Abguar Bastos.
Na Sesso de 15 de maio de 1936, ocupei
a tribuna da Cmara dos Deputados para oferecer
o meu protesto contra as medidas adotadas, em
razo de provas a meu ver insuficientes,
que cercearam a liberdade desses colegas.
Findo o prazo de prorrogao do
estado de stio, Getlio decretara
o estado de guerra, autorizado que para tanto
se achava por uma emenda constitucional promulgada
pelo Congresso e, em razo disso, mandara
prender o Senador e os quatro Deputados.
O Senador Cunha Melo apresentara parecer na Seco
Permanente do Senado sobre as prises dos
parlamentares nele eu encontrara uma referncia
responsabilidade do Deputado Domingos
Velasco, a qual tocava a mim e no ao colega
preso.
Cunha Melo, em seu parecer, dissera que Domingos
Velasco, querendo resistir s medidas do
Governo, constitura na Cmara dos
Deputados um bloco parlamentar visando a tal objetivo.
Contestei a falsa imputao:
“Sr. Presidente, mentiria ao meu ado,
trairia o meu mandato, se no tivesse a
coragem precisa para declarar aos meus pares que
no pertenceu ao Sr. Domingos Velasco,
mas, sim, a mim, a iniciativa da fundao
do referido Bloco, no qual S. Exa. foi apenas
colaborador.
E por que, senhores, fundamos ns, Deputados
da Minoria e da Maioria, o “Grupo Parlamentar
Pr-Liberdades Populares”?
J o expliquei, da tribuna quando um dos
vespertinos desta Capital aludiu ao nome de nosso
eminente colega Barros Cassal, dando-o como pertencente
a um grupo agitador no Parlamento Nacional.
Tive, ento ensejo de confessar que, como
j disse, foi de minha iniciativa a fundao
daquele Grupo, apresentando, ento, as
razes que a inspiraram.
Ora, se um dos indcios de responsabilidade
criminal imputados ao colega detido justamente
aquele que se me devia atribuir, porque, de fato,
me pertence, corre-me o dever de justificar-me,
visto como, no caso, a responsabilidade envolve
no s o Deputado preso, como a
todos que aceitaram a minha iniciativa e nela
colaboraram sincera e patrioticamente.”
Reli, ento, os termos do manifesto que
lanramos Nao,
e no qual o Governo queria apoiar a priso
do Deputado Domingos Velasco.
Crisstomo de Oliveira, representante classista,
em aparte ao meu discurso revelou que, ao ingressar
no “Grupo Parlamentar Pr-Liberdades
Populares”, eu imediatamente lhe declarara
que o mesmo no tinha nenhuma tendncia
comunista. Pretendia, porm, combater tanto
o extremismo da direta como o da esquerda, e somente
por esse motivo ele integrava a agremiao.
Agradeci o aparte de Crisstomo de Oliveira,
que reforava os meus argumentos ao trazer
ao conhecimento da Cmara os termos de uma
palestra ntima, que afirmava a sinceridade
democrtica de nossa iniciativa.
E, prosseguindo na defesa de Domingos Velasco,
citei expresses dele de repdio
tanto aos “partidrios da ditadura
fascista” quanto aos que desejavam “implantar
a ditadura proletria”, numa atitude
“de franca hostilidade tanto Ao
Integralista Brasileira quanto aos comunistas”.
Recordei, no meu discurso de 15 de maio de 1936,
que, em 16 de novembro de 1935, o “Grupo
Parlamentar Pr-Liberdades Populares”
encaminhava Mesa da Cmara dos
Deputados uma indicao no sentido
de que levasse ao Presidente da Repblica
o desejo dos representantes do povo de que a Ao
Integralista Brasileira fosse fechada, ou, ento
que, por eqidade, sustasse as medidas de
represso s atividades da Aliana
Nacional Libertadora.
Inicialmente, os elementos do “Grupo Parlamentar
Pr-Liberdades Populares” haviam
redigido essa indicao em termos
diferentes, tratando, apenas, do fechamento da
Ao Integralista, sem qualquer
aluso Aliana Nacional
Libertadora, que j tivera consumada a
sua dissoluo judicial, nos termos
da Lei de Segurana.
Mas, ao submeter a indicao ao
Deputado Artur Santos, este me ponderou que a
Minoria, de que era o lder, no
poderia apoi-la no sentido do fechamento
da Ao Integralista, porque, dias
antes, votara contra o fechamento da Aliana
Nacional Libertadora.
A restrio de Artur Santos levou-me,
com outros companheiros das Oposies
Coligadas, a estabelecer uma frmula capaz
de conseguir o seu apoio para a nossa indicao
Mesa da Cmara dos Deputados.
Ningum poderia pr em dvida
o patriotismo e a sinceridade da Minoria parlamentar,
que nos sugerira a modificao dos
termos desse requerimento, pois ela correra em
defesa das instituies e do Governo,
por ocasio do surto extremista de novembro
de 1935.
Vivia-se, de fato, entre dois fogos, entre duas
ofensivas, a da esquerda e a da direita, atravs
dos quais tinham de ar os democratas liberais;
mas na represso do perigo, comunista ou
integralista – disse eu, “evitemos
injustias que s servem para desmoralizar
as medidas que forem adotadas”, parecendo-me
que as autoridades haviam detido Domingos Velasco
apenas pelo prazer de prender um Deputado, pois
no encontrava motivos, provas nem elementos
que justificassem a privao da
sua liberdade.
Dentro desse ambiente do efervescncia nacional,
operou-se o encadeamento dos fatores locais geradores
da insurreio potiguar, apoiando-se,
em primeiro lugar, no enfraquecimento das foras
anticomunistas no Rio Grande do Norte, dilaceradas
por uma luta de vida ou morte; a irritao
dos militares que iam ser expulsos do Exrcito,
o estado de revolta dos membros da Guarda Civil
dispensados em massa e a falta de medidas preventivas
no 21 B.C. e na prpria Polcia,
completaram o desfecho do progresso de deflagrao
da luta, que permitiu, durante quatro dias, a
vitria de uma revoluo
chefiada por um sargento-msico, chamado
Quintino Barros.
A fuzilaria continuou durante a noite de 23 de
novembro e parte do dia seguinte, quando foi dominada
a resistncia da Polcia Militar,
depois de quase vinte horas de fogo.
As autoridades desapareceram, refugiando-se o
Governo Rafael Fernandes em um petroleiro da Air
. O Chefe de Polcia, Joo
Medeiros, e o oficial de dia do 21 B.C.,
foram presos.
Os revolucionrios instalaram-se na residncia
do Governador deposto, na Vila Cincinato, hoje
Vila Potiguar. Era um governo em moldes soviticos,
na base de comissariados do povo para os negcios
do Aprovisionamento, Defesa, Viao,
Interior e Finanas, ficando esses cargos
em poder do sapateiro Jos Praxedes de
Andrade, do sargento Quintino Barros, do estudante
Joo Galvo e dos funcionrios
Lauro Lago e Jos Macedo.
A designao de “comissrio
do povo” revelou a caracterstica
do movimento, at ento de colorido
ignorado pela populao, que nem
sequer fazia idia das origens e finalidades
da sedio.
Assumiram o comando da guarnio
federal e do 21 B.C., respectivamente, o
sargento Elisiel Dinis Henriques e o cabo Estvo.
Os revoltosos fizeram circular o jornal A
Liberdade.
Incendiaram o cartrio do meu correligionrio
Pedro Dias Guimares e, alm de
Natal, ocuparam, entre outras, as cidades de Cear-Mirim,
Baixa Verde, So Jos do Mipibu,
Santa Cruz e Canguaretama, onde depam os prefeitos
e nomearam os substitutos.
Ficaram senhores da situao at
o dia 27, quando contra eles marcharam tropas
da Paraba, alm de foras
organizadas no serto por Dinarte Mariz,
tendo havido um encontro sangrento na serra do
Doutor.
Antes da fuga, os insurretos esvaziaram os cofres
de vrios estabelecimentos por eles assaltados,
tais como o Banco do Brasil, o Banco do Rio Grande
do Norte, a Recebedoria de Rendas, alm
de firmas comerciais.
Nem todos puderam levar as importncias
partilhadas. Por precauo, talvez,
em face da perseguio que sabiam
iminente e inevitvel, preferiram deix-las
em poder de amigos e parentes.
Posteriormente, algumas pessoas ricas de Natal
eram apontadas como beneficirias daquele
dinheiro.
Um dos lderes da revolta, o motorista
Epifnio Guilherme, j terminada
a luta, matou com requintes de crueldade um alto
funcionrio da Costeira – Otaclio
Werneck.
Outro dirigente, membro do comit central,
o sapateiro Jos Praxedes de Andrade, comissrio
do povo para os negcios do Aprovisionamento,
num comcio em frente do Palcio
do Governo, pregou a incluso do meu nome
na lista dos que deveriam ser fuzilados.
Acusava-me de desviar a massa trabalhadora dos
objetivos revolucionrios.
Uma vez reposto, o Governo de Rafael Fernandes
iniciou uma poltica de represlia,
no apenas contra os comunistas, que eram
poucos, mas contra a oposio em
geral, em cujo meio estavam os meus correligionrios.
A represso ou a ser um instrumento
de perseguio e aniquilamento dos
adversrios da situao.
Sucederam-se prises em grande quantidade,
assim como as demisses, no raro,
pelo simples interesse de tomar o emprego de pessoas
que no haviam tido, nem de longe, a menor
participao no movimento.
Encheram-se os pores de alguns navios,
que depois trouxeram para o Rio legies
de culpados e inocentes. Muitos nunca tinham sequer
pensado na hiptese de serem comunistas.
Mas a revolta pela perda da liberdade e pela injustia
sofrida, alm da catequese ministrada pelos
que, como Hermes Lima, Castro Rabelo, Lenidas
de Resende, Agildo Barata e outros, tinham conhecimentos
marxistas, acabaram por transformar alguns deles
em adeptos da doutrina revolucionria.
Converteram-se, assim, os crceres em escolas
de formao marxista-lenista, para
o que contribua a experincia dos
professores.
Os erros e excessos cometidos na reao
contra o comunismo, no s no Rio
Grande do Norte, como em todo o Pas, envolvendo
muita gente pelo simples fato de pertencer
oposio e repetindo-se numa srie
de torturas e violncias contra a dignidade
humana, levaram-me a assumir, ao lado de outros
deputados, e, s vezes sozinho, uma posio
contrria a tais exageros, alis
contraproducentes.
Familiares dos presos polticos procuravam-me
na Cmara, portadores de mensagens escritas
contando os maus tratos e violncias a que
eles eram submetidos.
Servia-me das informaes para denunciar
da tribuna a barbaridade da polcia. A
documentao dos casos mais revoltantes,
sensibilizava-me do ponto de vista humano, como,
mais tarde, h de ter impressionado a quantos
leram as Memrias do Crcere, de
Graciliano Ramos (4 vols. Publicados em 1953 pela
Livraria Jos Olympio Editora.)
Exercia, entretanto, uma grande vigilncia
sobre os textos que recebia, em forma de cartas.
Os comunistas costumavam intercalar a pregao
doutrinria descrio
dos vexames.
Para produzir os meus discursos, base
dos relatos que me forneciam, precisava desprezar
sistematicamente os elementos da filosofia poltica,
com que no me solidarizava, para limitar-me
aos episdios gritantes de violncia,
e protestar contra a sua prtica e abuso.
A 26 de novembro de 1935, em sincronizao
com o levante de Natal, estourou a luta armada
no Recife, sob o comando de Silo Meireles.
Nesse dia, noite, encontrei-me na Cinelndia
com Mrio Cmara, que estivera no
Catete e me disse: - O Governo espera para a madrugada
uma revoluo no Rio.
Na manha seguinte, telefonou-me o Deputado Domingos
Velasco, informando-me que se haviam sublevado
e estavam combatendo o 3 Regimento de Infantaria
e a Escola de Aviao.
Transmitiu-me a impresso inicial de que
o movimento no era comunista, mas democrtico.
Fomos os dois juntos percorrer as ruas, onde era
sensvel o ambiente contrrio
rebelio.
Atravs do Jornal A Manh, de Pedro
Mota Lima, os comunistas haviam lanado
uma proclamao revolucionria.
Resolvemos, Velasco e eu, ir ao encontro de Pedro
Ernesto, Prefeito do Distrito Federal, apontado,
ento, como um dos chefes potenciais de
uma insurreio que se esperava
contra o Governo de Vargas.
Existia, em verdade, naquele tempo, duas conspiraes
paralelas: uma das foras democrticas
da oposio, outra de carter
comunista. O situacionismo, por ao
ou omisso, parecia estimular as duas,
talvez para justificar depois um regime forte.
No gabinete de Pedro Ernesto, estavam, entre as
pessoas, o Deputado Francisco Rocha e o jornalista
Geraldo Rocha.
Recebeu-nos logo o Prefeito carioca, declarando
que se encontrava em seu posto e contava com o
ento Major Zenbio da Costa no
Comando da Polcia Militar.
Durante a manh – revelou-nos Pedro
Ernesto – fizera um eio pela cidade
em companhia de Getlio, acrescentando
que este no o “engoliria”.
Quando ao mais, foi muito reticente, no
deixando clara a sua posio.
Seguimos, Velasco e eu, para a Cmara, onde
as ltimas notcias eram comentadas
em meio de uma tenso aguda.
O bombardeio da aviao e as descargas
dos canhes haviam provocado o incndio
do Quartel do 3 Regimento de Infantaria
, na Praia Vermelha. O General Eurico Dutra, no
Comando da 1 Regio Militar e o ento
Coronel Eduardo Gomes, no Comando do Campo dos
Afonsos, atuaram decisivamente na defesa da legalidade.
Eduardo Gomes fora ferido em uma das mos
durante a resistncia na Escola de Aviao.
Alguns oficiais e soldados tinham morrido na luta.
J estava sufocada a revolta quando se
comeou a votar na Cmara o estado
de stio solicitado pelo Governo de Getlio
para todo o Pas.
De minha parte, entendia que o Poder Federal dispunha
de meios e foras suficientes para enfrentar
o comunismo sem necessidades da medida excepcional.
Mas esta foi aprovada, quase por unanimidade,
sem o meu voto. Tendo-o recusado a Pedro Aleixo,
lder do governo, que pedira a minha adeso,
no me limitei a combater o estado de stio.
Ante a deciso da maioria, renunciei ao
lugar que tinha na Mesa da Cmara.
Algum tempo depois, no exlio em Buenos
Aires, em conversa com emigrados comunistas e,
mais tarde, na Constituinte de 1946, em o
com a bancada dirigida por Lus Carlos
Prestes, no consegui uma explicao
satisfatria do movimento de 1935.
Nem mesmo o chefe da revolta de Natal, sargento
Quintino Barros – que me procurou em Aragaras
durante uma visita que fiz ao Brasil Central –
me forneceu esse esclarecimento.
Minha impresso era que, dentro das condies
propcias a que me referi, o Governo Federal
tinha incentivado, indiretamente, os acontecimentos,
no s por inadvertncia,
mas tambm por clculo e talvez
pelo empenho de desmontar, atravs da precipitao
de levantes isolados, a conspirao
que era do seu conhecimento.
No desejo insistir na negligncia
historiada do Comandante do 21 Batalho
de Caadores, aceitando as explicaes
e argumentaes de sua carta, inclusive
quanto sua promoo logo
depois da quartelada, quando todos os seus colegas
dos batalhes que se amotinaram no Rio
e no Recife, acusados de omisso, foram
punidos com a reforma.
Antes da rebelio, por solicitao
do Interventor Mrio Cmara, haviam
sido transferidos de Natal vrios oficiais
do Exrcito argidos de atividades
polticas desfavorveis ao Governo
do Estado.
Mas nunca nenhum dos sargentos daquela guarnio
foi removido, embora houvesse entre eles uma clula
comunista.
Se este e outros aspectos constituem para mim
um enigma, havia nos episdios de 1935
muita coisa bastante clara, tal como o perigo
resultante destes trs fatores: o divisionismo
das foras democrticas, a atuao
das minorias comunistas e a sua capacidade de
operar de surpresa.
Em 1946, em face de certas atitudes do Governo
e da sua maioria parlamentar, lancei o grito de
advertncia:
Lembrai-vos de 37!
Na verdade, o golpe de novembro de 1937 havia
sido em grande parte uma conseqncia
dos acontecimentos de novembro de 1935, cujas
lies jamais deveriam ser esquecidas
pelos democratas brasileiros.
Getlio fizera em 1935 uma viagem
Argentina e ao Uruguai, ando antes o Governo
ao Presidente da Cmara dos Deputados, Antnio
Carlos, que nomeou provisoriamente para a chefia
do Gabinete Militar o General Newton Cavalcanti,
pois o titular do cargo seguira na comitiva presidencial
para o Rio da Prata.
Espalhou-se depois a verso de que, durante
a ausncia de Vargas, o Presidente da Cmara,
no exerccio da Presidncia da Repblica,
visitara quartis e mantivera os
com militares. O General Newton Cavalcanti, que
exercia, ento, a liderana de um
grupo dentro do Exrcito, emprestara a
sua colaborao a essas visitas.
A atitude de Antnio Carlos, segundo se
dizia, irritara Getlio que, em seu estilo
habitual, ou a promover, lenta mas decididamente,
o enfraquecimento poltico do prcer
mineiro.
Figurava Antnio Carlos, nas primeiras especulaes
sobre a sucesso presidencial, como um
candidato quase certo, o que, sem dvida
contribua para que lhe fosse escasseando
o prestgio, cada vez mais, junto a Vargas,
ento no auge da carreira, cioso do poder
e frtil em dons de destruio
do adversrio, do concorrente ou de quem
ousasse a aspirar-lhe a herana poltica.
J no eram boas, portanto, as relaes
entre ambos, quando se verificou uma interveno
direta de Getlio para precipitar a “degola”
de Antnio Carlos, antes da eleio
da Mesa da Cmara em 1936.
O Ministro da Justia, Vicente Rao, comunicou
aos governadores que dois colegas deles –
Benedito Valadares e Armando de Sales Oliveira,
de Minas Gerais e So Paulo, respectivamente
– haviam concordado com a substituio
imediata de Antnio Carlos por Raul Fernandes,
ento lder da Maioria. Pedia-lhes
o Ministro Rao que apoiassem essa soluo.
O Deputado Lemgruber Filho levou-o Cmara
e exibiu o texto do telegrama recebido pelo Governador
do Estado do Rio de Janeiro, Almirante Protgenes
Guimares. Tratava-se de uma interferncia
de Vargas, contra a qual deveria haver uma reao
– assinalou Lemgruber Filho, acrescentando
que Raul Fernandes se recusava a servir de instrumento
de execuo do plano, arquitetado
sua revelia.
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