j6y5h
Estratgias
de Superao da Discriminao tnica e Religiosa
no Brasil 18w2y
Roseli
Fischmann*
1j45u
"No
se trata de duvidar da misria humana - do domnio que as
coisas e os maus exercem sobre o homem (). Mas ser homem
saber que assim. A liberdade consiste em saber que a
liberdade est em perigo. Mas saber ou ter conscincia
ter tempo para evitar e prevenir o momento da
inumanidade."
Emmanuel
Levinas - Totalidade e Infinito
Um tema forte e delicado
Pressupostos terico-metodolgicos
da temtica
Algumas experincias de
trabalho
Ensino
Religioso em escolas pblicas - a discusso do Estado de So
Paulo
Pluralidade
Cultural como tema curricular transversal para as escolas de
ensino fundamental
Manual
Direitos Humanos no Cotidiano, a valorizao da
diversidade e do pluralismo
Rede
Unesco das Amricas e Caribe de Cientistas para a Tolerncia
e a Solidariedade
Alguns apontamentos sobre
intencionalidade, esperana e o papel da educao, guisa
de concluso
Bibliografia
Um tema forte e delicado
k5444
Tratar
da temtica da discriminao tnica e religiosa tratar
de identidade, autonomia, alteridade, valores, tradies, smbolos,
indivduos, coletividades, singularidades, pluralidades.
tratar tambm de fronteiras, relaes intra e inter-grupos,
incluses, excluses.
O
cuidado que se pode observar, no rol de categorias
apresentadas, de no usar conectivos, aditivos ou
alternativos, devido complexidade dos vnculos que se
estabelecem entre eles.
A
propsito, a prpria categoria vnculos tem sentido
especial, assim como a idia de que se estabelecem, ou
seja, algo que um construdo e no um dado. Vnculos
entre indivduos e seus grupos - tnicos, religiosos - de
origem tm tal fora, que dificilmente se encontra quem os
conteste. Podem ser mais ou menos valorizados, plenamente
aceitos ou absolutamente rejeitados - jamais sero um dado
neutro na vida de algum.
Por
etnias e religies fazem-se guerras, como tem demonstrado a
Histria Mundial em todos os tempos. Por isso, tratar da
discriminao religiosa e tnica e tratar da possibilidade
da Paz. Como lembra Javier Pres de Cuellar, "a cultura da paz, da democracia e dos direitos humanos constitui
um todo evidentemente indivisvel, assim como os direitos
civis e polticos e os direitos econmicos, sociais e
culturais"
De
fato, absolutamente insuficiente a perspectiva da paz como
ausncia de guerra. De certa forma, a humanidade est ainda
parcialmente imersa no que Raymond Aron denomina "paz de
impotncia", onde no se d a guerra pela perspectiva
de extermnio mtuo, frente s armas de que o inimigo tambm
dispe.
Talvez
o sobressalto do Absurdo, somado barbrie quotidianamente
espalhada pelas ruas das grandes metrpoles e, mais ainda,
por todo o Terceiro Mundo traga o despertar definitivo, no
mais s de alguns, para a imperiosa necessidade de alcanarmos
a "paz de satisfao":
"as unidades polticas deveriam, antes de mais nada,
deixar de ambicionar a extenso de sua soberania a territrios
ou pases estrangeiros (...). Alm da satisfao, nascida
do respeito por um princpio de legitimidade, deve haver a
suspenso da rivalidade em termos de terras e de homens, de
foras, de idias e de amor-prprio".
interessante observar que o mundo acadmico no diretamente
relacionado s discusses referentes Poltica e ao
Direito Internacional tambm tem dado ateno a esta
problemtica, a partir de diferentes enfoques, em geral
plenos de perplexidade e indagaes. So alertas,
implantados aqui e ali, como buscando tirar aqueles que se
dedicam descoberta, elaborao e divulgao do
conhecimento cientfico, de sua rotina auto-centrada.
interessante observar que diferentes autores, de diferentes reas,
tm - e j h algumas dcadas - clamado por que se d
ateno aos rumos que a Humanidade vem tomando. Vejamos
alguns.
O
arquelogo Grahame Clark, em seu livro A Identidade do Homem
afirma: "Para uma abordagem mais positiva do futuro
necessitamos, sobretudo, de uma percepo contempornea do
que significa ser humano. S assim poderemos definir os
valores que precisamos sustentar se quisermos reter o nosso
'status' adquirido por anteados predominantemente pr-histricos,
no transcurso de muitos milhares de geraes. Da perspectiva
inaugurada pela arqueologia e suas disciplinas associadas, o
nosso problema no consiste em como absorver ou processar
mais materiais, ou mesmo como dividi-los em pores mais
iguais. , antes, como manter, em face de crescentes ameaas,
uma qualidade de vida sem paralelo para a nossa prpria espcie".
Apresentando
uma crtica postura adotada pelos cientistas, que, ao
rejeitarem religies e ignorarem preocupaes bsicas de
leigos, abandonam a questo bsica da identidade - "o
que significa ser humano" - que persegue desde sempre a
Humanidade. Afirma, assim: "Por
muito til e vlido que possa ser, para fins de laboratrio,
descrever um ser humano em termos de seus componentes qumicos
contidos numa frmula ou mesmo, em um nvel superior, como
uma organizao de protoplasma sensvel, isso totalmente
intil para uma pessoa em busca de sua identidade".
Feito
o alerta ao mundo cientfico, Clark dirige-se anlise da
organizao econmica e seus reflexos nas sociedades,
particularmente levando em conta a acelerao do ritmo de
mudana e lembrando que muitos avanos tecnolgicos, hoje
alcanados em minutos, dependeram de descobertas ancestrais,
cultivados ao longo de geraes, por culturas que, em si,
desapareceram.
Comparando
o empobrecimento do banco gentico provocado pela extino
de espcies animais e vegetais, homogeneizao da
cultura humana que hoje vivemos, a qual "desafia
a nossa prpria identidade como homens", Clark
pondera: "um dos
dilemas das sociedades ps-industriais, por enquanto s
parcialmente percebido, consiste em como reconciliar as tendncias
homogeneizantes de um mundo cada vez mais organizado na base
da tecnologia mecnica, racionalidade e cincia natural, com
a diversidade de valores humanos que sintetizam a histria
dos homens"
Como
se observa, j no se coloca a questo apenas em termos de
organizao poltica, mas h um esforo para ponderar
acerca da interferncia da organizao mundial na vida
cotidiana dos seres humanos, em especial no que se refere a
como preservam sua prpria dignidade.
Talvez
possamos lembrar, aqui, ainda que brevemente, da anlise do
filsofo Jean Baudrillard, ao apontar a relao existente
entre aquilo que tem sido servido como "alimento
cultural", de maneira geral, propiciando o fim do social,
transformado em quase irrestrita massificao. Contudo, esse
trabalho escrito originalmente em 1979, previa que, ao contrrio
da percepo vigente que indica uma ividade extrema das
massas, as reaes que podero ainda advir so, em
verdade, imprevisveis.
Nessa anlise, Baudrillard lana mo do conceito de massa
em Fsica, mostrando, ento, que tudo que endereado s
massas humanas recebido, porm, no ivamente; d-se,
segundo sua anlise, assimilao e processamento, uma
elaborao inconsciente, no visvel, e, por isso,
incontrolvel. Alm disso, a forma de "devoluo"
dos contedos assimilados pode ser esperada: o que no
significa, claro, que se possa saber 'o que' esperar.
Assim,
o que identificado por Clark como uma busca de afirmao
de dignidade, que pode resultar, no raro, em conflitos
violentos,
complementado, por Baudrillard, analiticamente, a partir de
outra perspectiva terica, afirmando a no-ividade das
massas e, sim, a imprevisibilidade quanto ao momento e
qualidade de sua ao.
Neste
ponto, a discusso assume concretude imediata. Podemos, por
exemplo, entender a ecloso de guerras tnicas em vrios
pontos do mundo, assim como os movimentos de afirmao de
identidade tnica, em suas diversas manifestaes. Frente a
um mundo homogeneizador, onde a violncia do preconceito e da
discriminao tnica, embora injustas apenas parte do
processo, a reao possvel - em busca da dignidade dada
pela identidade definida, clara, assumida, valorizada - apenas
comea a se manifestar. Contudo, quais os rumos que tomaro,
ou podero tomar, tais manifestaes?
O
rumo da violncia e do confronto o mais direto e, de certa
forma, mais simples, porm o menos humano, no sentido em que
Grahame Clark nos relembra, em termos das conquistas alcanadas
desde nossos ancestrais pr-histricos, para nos
constituirmos como espcie.
Aqui,
um autor que oferece a contribuio mais carregada de um
forte "pathos" humanitrio Konrad Lorenz.
Considerado "pai da Etologia", cincia que estuda o
comportamento animal, prmio Nobel de Medicina em 1972,
Lorenz tem uma vasta obra, cuja contribuio mais marcante
a anlise da espcie humana comparativamente a outras espcies
animais, a qual conclui, surpreendentemente, que ns, seres
humanos, estamos em desvantagem, por nossas prprias
escolhas.
Lorenz
afirma que a espcie humana a nica, dentre as espcies,
que usa seu diferencial em relao s demais contra si
mesma, e no em busca de preservao e aprimoramento.
Assim, o raciocnio abstrato, formal, e a linguagem verbal
levaram, por um lado, a um aprimoramento tecnolgico jamais
imaginado em outros tempos pelo ser humano. Por outro lado,
concorreram para o desenvolvimento de sentimentos de posse,
promoveram deslocamentos de conscincia, disseminaram
doutrinao e ividade.
Os
resultados facilmente visveis dessa situao encontram-se
nos resultados da seleo intra-especfica, no caso humano,
dada pela concorrncia generalizada. Em outras espcies a
seleo feita pela via intra-especfica mostra-se cheia de
armadilhas para o prprio processo de evoluo, onde nem
sempre o que seria melhor para a espcie o que vence. Ora,
seres humanos dotados de razo, assistimos e, muitas vezes,
promovemos essa linha de "evoluo", em verdade
demolidora da espcie.
Frente
a uma anlise como essa, Lorenz v sada: a
imprevisibilidade caracterstica de todos os seres vivos -
inegvel, apesar da tendncia humana de procurar dominar a
teleologia - uma garantia de possibilidade de mudana de
rumo. Mais ainda, lembra que a cultura criao humana,
podendo, portanto, ser alterada por quem a desenvolveu.
Ora,
se a imprevisibilidade o que garante a liberdade,
indicando-nos, portanto, limitaes quanto ao que podemos
conhecer e prever, por outro lado essa mesma liberdade que
nos permite programar aes visando reverter o quadro em que
se encontra, ainda no momento, a espcie humana. E, para
isso, reservado papel de destaque para a educao.
Citando
Andr Malraux, Pres de Cuellar lembra que o mundo da
cultura "no o da imortalidade, o da
metamorfose".
A solido que vivemos ns, seres humanos, neste final de milnio
a de quem contempla a si; contemplando-nos, em nossas
imagens, perfeitamente adequadas s exigncias externas,
vemos esmaecer, distante, nossa identidade, nossa dignidade.
Metamorfose meno de esperana, lembrando que j
trazemos em ns o que poderemos ser. transformao que no
se faz ao acaso, mas cheia, sim, de busca e
intencionalidade, como nos ensina Lorenz. E onde a educao
instrumento privilegiado.
Nesse
sentido, a prpria acepo da educao ampliada, ao
contemplar a questo das minorias, assim como se aprofunda o
sentido universal dos Direitos Humanos. Vejamos.
A
vida humana, enquanto ao e reflexo, distingue-se de
todas as demais formas de vida. Em uma perspectiva
evolucionista, diferentes espcies desenvolveram diferentes
respostas s circunstncias do meio ambiente, como forma de
sobreviverem a elementos hostis. Os seres humanos, com sua
racionalidade, criaram sistemas de cultura, diversificando-se
entre si mais a partir de diferentes cosmologias, que a partir
de diferenas biolgicas, expressas em caractersticas fsicas,
como cor da pele, formato dos olhos, textura dos cabelos, etc.
Um
dado que corrobora a afirmao dessa diferenciao feita
pela cultura, refere-se aos processos de aculturao imposta
a imigrantes, em diferentes partes do planeta, em diferentes
momentos histricos. Muitas vezes, perdido o solo original, e
freqentemente deparando com sentimentos de xenofobia (ainda
que difusos, ou encobertos), o ser humano v-se na iminncia
de adaptar-se, ou fenecer, quando no lhe dada a
alternativa de evadir-se. A metfora do camaleo sobre a
manta escocesa, expressa por Woody Allen em Zelig, daquele que
capaz de se adaptar de forma incondicional, no tempo exato,
para sobreviver, fala tambm de certa esquizoidia, distante
da desejvel integridade do ser humano.
O
jogo de submeter o estrangeiro,
tem sido suficientemente forte, na histria da humanidade, a
ponto de se constituir esse termo - estrangeiro - em
referncia metafrica freqentemente adotada na literatura,
no cinema, nas artes em geral. Morte em Veneza, O Estrangeiro,
so alguns exemplos dessa referncia.
J
no apenas como metfora, encontra-se o jogo de submisso
operando sobre aquele que se encontra indefeso - a inocncia,
a ingenuidade, e, sobretudo, toda forma de excluso,
frequentemente so interpretados como fraqueza e incompetncia,
certo tipo de displacement, algum que est deslocado
como um aptrida, frente a um mundo no qual a competitividade
exacerbada ensina a tentar sempre vencer a qualquer custo -
vitria que tem, ento, o significado de sobrepor-se, de
forma autoritria, aos vencidos.
Convm
lembrar que a derrota em uma guerra significou, por diversas
vezes na histria, a vivncia da escravido, como conseqncia.
Os perdedores, vistos como mais fracos, ou supostamente menos
competentes, viam-se escravizados, em uma prtica reconhecida
e legitimada naqueles tempos. Paulatinamente, a barbrie da
escravido ganhou tal aceitao, que j no era necessrio
vencer a guerra - bastava comprar o escravo que traria o
direito ao cio e ao reconhecimento de prestgio social -
a guerra fora ganha por outros meios.
Da
mesma forma, a legitimao da desigualdade, pelas estruturas
de senhor e servo, prncipe e sdito, ou a ser matizada
pela expanso do capitalismo moderno, na definio da posse
dos meios de produo. Exacerbada a desigualdade entre indivduos
e grupos humanos, nosso sculo assistiu guerras que colocaram
o tema da dominao entre Estados, assim como a retomada
intensa e dramtica de lutas internas, por motivos tnicos
e/ou religiosos, e ainda a luta pela hegemonia sobre territrios,
na definio de fronteiras.
A
barbrie do Holocausto, de Hiroshima e Nagasaki, na Segunda
Guerra Mundial, deixaram o terrvel registro de at onde o
ser humano capaz de chegar. Com a morte de milhes no
genocdio perpetrado de forma brutal, e a criao cientfica
posta a servio da morte, a humanidade pode olhar-se a si, e
perceber quo incontrolveis so as tendncias humanas
destruio e violncia.
Barrington
Moore Jr.., em seu livro Injustia - as bases sociais da
obedincia e da revolta - lembra que necessrio haver
normas bsicas, que sobrevivam necessidade de a sociedade
estar refazendo a cada vez seu contrato social. A obedincia
a tais normas constitui-se, nesse caso, num gesto de
maturidade, pela adeso aos valores da sociedade especfica
em que se vive. Haveria, aqui, includas na normatizao e
no contrato, formas de coero social previstas, assim como
de punio, consideradas por todos como justas.
Por
outro lado, existem alguns elementos, como a opresso e a
injustia, que, uma vez surgidos, podem significar uma
ruptura do contrato social, frente a qual prprio da
maturidade no mais obedecer, mas resistir. Moore Jr.
destaca, ento, que o perigo est nas sociedades onde se
encontraram formas de controlar toda resistncia, onde a
injustia vista como inevitvel, e portanto se sufoca na
base toda indignao e ira moral geradas pelo sentimento de
injustia.
Mais
ainda, com freqncia desenvolvem-se argumentos de justificao
da situao, significativos de experincias de auto-anulao,
como na citao de Octvio Paz, ao lado de certo orgulho
na resignao ,
que de fato estratgia para tornar tolervel suas vidas.
Adorno e Horkheimer, por sua vez, tratam de certa atitude que
denominam metaforicamente de mentalidade ciclista:
aquele que calca o que est embaixo, enquanto se curva ao que
est acima.
sobretudo frente a ordens injustas ou a uma ordem opressiva
que se revelam a autonomia moral e a coragem moral. Barrington
Moore Jr. identifica trs qualidades da autonomia moral:
A
primeira qualidade pode ser chamada de coragem moral, no
sentido de uma capacidade de resistir a poderosas e ameaadoras
presses sociais para a obedincia a regras ou ordens
opressivas ou destrutivas. A segunda qualidade
a capacidade intelectual para reconhecer que as regras e as
presses so de fato opressivas. (...). A terceira
capacidade, a inventividade moral, mais rara (...). a
capacidade de criar, a partir das tradies culturais
vigentes, padres historicamente novos de condenao ao que
existe.[2]
Tratando
dos efeitos do poder de presso do grupo sobre o julgamento
expresso por um indivduo, com base em experimentos de Asch,
Moore Jr. enfatiza que um nico aliado pode fornecer
suficiente apoio para capacitar uma pessoa a elaborar um
julgamento correto. A mesma concluso
resultou do famoso experimento de Stanley Milgran, envolvendo
cobaias humanas pseudo-submetidas a choques por ordem de
pseudo-experimentadores a agentes que demonstraram sua
capacidade de resistir a ordens cruis, ou, ao contrrio, de
extrapol-las. Nesse experimento, a oferta de apoio social
foi a mais eficaz variante no solapamento da autoridade cruel
e sdica do experimentador.
Entre
outras concluses do longo e denso estudo de Barrington Moore
Jr.., a capacidade de identificar a opresso e a injustia
tratada como sendo central na busca da construo de uma
situao social mais justa a cada vez. Da mesma forma, o
desenvolvimento do sentido de inevitabilidade como sendo ilusrio
- ou seja, a compreenso de que h certas condies
desumanas, dolorosas ou degradantes das quais no se
necessitam, no se podem e no se devem ar.
A
reverso do sentido de inevitabilidade significa que as
pessoas possam compreender que a dificuldade na alterao de
certa situao dolorosa vigente no significa que a mesma
integre a ordem natural das coisas, sendo por isso
inevitvel, mas que essa dificuldade talvez diga respeito a
outras dificuldades, como tradies arraigadas ou outros
interesses, que no a melhoria da qualidade da vida humana.
Nesses
processos pelos quais se desenvolve a capacidade de identificao
da opresso e da injustia, e de solapamento do sentido de
inevitabilidade, a informao desempenha um papel crucial,
assim como o debate aberto e esclarecido,
que possa servir como o apoio social, de que tratou Moore
Jr.., capaz de fortalecer o discernimento facilitador do
sentimento de injustia, dando e capacidade de
resistncia.
Neste
ponto evidencia-se a relevncia da escola, seja como
favorecedora de informao, seja como facilitadora de
processos que conduzam formao da capacidade crtica,
bem como de habilidades de expresso de opinio e,
sobretudo, de resistncia opresso.
No
mbito social, as minorias tm representado a personalizao
da possibilidade de se colocar em discusso os processos
humanos de dominao, muitas vezes por seu sofrimento, como
j vimos. Theodor Adorno e colaboradores desenvolveram em sua
obra Personalidade Autoritria uma srie de reflexes com
base em pesquisas empricas quantitativas e qualitativas, que
so de extrema relevncia para essa temtica. Devido aos
limites deste trabalho, procurarei destacar alguns mais
especificamente ligados temtica educacional.
Adorno
constatou em suas pesquisas que quanto mais submisso um indivduo,
maior sua tendncia ao autoritarismo -
submete-se, porque legitima o que o outro faz, e se estivesse
em seu lugar, faria igual ou pior. Assim, constatou que
existem traos presentes na personalidade autoritria, que
tendem a apresentar atitude preconceituosa e a legitimar
formas vrias de discriminao de minorias, a includas
ns mulheres, os homossexuais, todos aqueles que integram
etnias ou religies no dominantes, alm das crianas.
Essa formas de discriminao incluem comportamentos
violentos, agressivos, excludentes.
Da
mesma forma, so personalidades que submetem-se em campo pblico
a toda e qualquer autoridade, ainda que arbitrria, enquanto
submetem, freqentemente de forma violenta, aqueles com os
quais convive no domnio privado da famlia.
Um
dos principais mritos do trabalho de Theodor Adorno
operar esse vnculo entre a temtica das minorias e o
fortalecimento da democracia. Aquilo que pareceria interesse
de alguns, na verdade coloca-se como a evidncia da relevncia
da proteo ao espao pblico, s relaes igualitrias,
as quais podemos chamar de emancipadoras, ao respeito a todo e
qualquer indivduo, como base da democracia.
interessante observar que a Declarao dos Direitos das
Minorias Nacionais ou tnicas, Lingsticas ou Religiosas
proclamada pela Assemblia Geral das Naes Unidas em
dezembro de 1992, incorpora essas concluses, destacando que
a pluralidade cultural (a incluindo todas as especificaes
citadas na Declarao) a base visvel do pluralismo poltico.
Enquanto esse pode, em algumas circunstncias, apresentar-se
de forma excessivamente vaga e abstrata, a preservao,
proteo e promoo das identidades e tradies diversas
de uma comunidade nacional podem significar o constante mirar
da pluralidade. Ou seja, de fato interesse de todos, e no de
alguns.
No
trabalho de Adorno, a questo de medidas voltadas para a
superao do racismo, da discriminao tnica e religiosa
em geral, apresentada como pauta para a sociedade que se
quer construir e manter de forma democrtica. Em especial,
uma pauta para a educao de todos, uma vez que seria, em
sua anlise, uma forma eficiente de prevenir o surgimento de
personalidades autoritrias, que viessem a fundamentar, em
suas vidas cotidianas, o surgimento do autoritarismo e do
totalitarismo, no nvel da organizao poltica.
Da
mesma forma, uma pauta para a educao a elaborao de
propostas que visem enriquecer a capacidade argumentativa .
Nesse sentido, o ponto mais fundamental refere-se
possibilidade de formao de indivduos capazes de escapar
tentao maniquesta. Novamente aqui, a existncia da
diversidade tnica, religiosa, cultural crucial, porque
ensina a relativizar afirmaes, bem como a desenvolver a
conscincia de que existem tantos sistemas humanos, quanto
nos impossvel conhec-los a todos. Ou seja, amos a
entender que nosso conhecimento - e portanto nosso julgamento
- necessariamente limitado, o que nos obriga a uma tolerncia
efetiva para com a diversidade, para com o outro, base da
negociao democrtica.
Ainda
prope Adorno, como medidas preventivas ao surgimento do
totalitarismo, mesmo reconhecendo a inutilidade de receitas
nesse campo, trabalhos que evitem clichs, to ao gosto de
ditadores, mesmo os camuflados, que falam em nome da
democracia. No mesmo sentido, desenvolver flexibilidade,
capacidade e gosto para lidar com mudanas, serviro para
evitar a rigidez e a constncia quase obsessivas, caractersticas
da personalidade autoritria. Nesse sentido, na escola,
revezar papis, a possibilidade de assimilar contribuies
da comunidade so dados essenciais para o desenvolvimento da
permeabilidade e flexibilidade.
s
propostas de Adorno podemos somar as de Barrington Moore Jr..,
do papel da educao no desenvolvimento da autonomia moral,
mesmo quando se considera que essa autonomia muito limitada
pelas circunstncias. Apoiando-se em Freud, destaca a importncia
de que as crianas tenham modelos adultos com os quais possam
assumir compromissos morais, base do adensamento da autoridade
(no autoritarismo) na sociedade. Em suas propostas
destaca-se a manuteno da capacidade de se indignar frente
injustia e opresso, portanto da capacidade de resistncia
ao arbtrio, o questionamento do consenso criado e aceito dos
processos de dominao.
Retornando
a Konrad Lorenz, a base de suas propostas para a educao
ser a valorizao do ser humano, enquanto criador, como
sujeito scio-cultural, e enquanto ser dotado de capacidade
de compaixo. Atente-se que a noo de compaixo que traz
reflexo no guarda relao com a viso piegas do
termo, mas sim com seu sentido etimolgico compaixo,
a capacidade de sentir com, de mobilizar-se por.
Entende Lorenz que a educao tem o papel de desenvolver a
sensibilidade e a conscincia, de promover uma revalorizao
dos valores. Mais ainda, ao oferecer conhecimento, deve
fundamentar-se em uma perspectiva epistemolgica que se funde
na aceitao dos limites do conhecimento do ser humano,
sujeito, sempre e necessariamente, aos interesses do conjunto
da humanidade. Ao colocar esse tema tico, volta-se ao
universal kantiano, de que o limite da ao humana o de
que cada ser humano seja tratado como fim em si, jamais um
instrumento de outro ou de seus interesses.
Pressupostos terico-metodolgicos
da temtica[9]
sr3m
Diz
Levinas que "a tica, 'j por si mesma', uma ptica".
Em meu credo de pesquisadora completo: "a tica uma
ptica", instaura a conduta, define a direo metodolgica.
Trabalhar
com questes inerentes condio humana assumir um
compromisso, e em especial no caso da pesquisa educacional,
estabelece premissas metodolgicas claras: a melhoria das
condies bsicas de vida do sujeito da pesquisa a
finalidade da busca do conhecimento, no s como indivduo,
mas tambm como partcipe de uma coletividade social. Em
particular o estudo das relaes de etnia - singularidade a
ser valorizada e ampliada pela participao na pluralidade,
em um processo de construo de novos paradigmas de
relacionamento entre indivduos, entre comunidades e entre
estas e a sociedade - remete discusso do que esse
sujeito como espcie humana, ameaada de "demolio",
como dramaticamente nos ensina Konrad Lorenz.
Proponho,
ento, um trabalho que compe pesquisa e interveno
educacional. Levinas que nos traz reflexo a certeza de
que o contato com o Outro e a busca do Absolutamente Outro
o verdadeiro ensino. Assim, que melhor tema haveria para uma
interveno educacional que a busca da compreenso objetiva
de como se d a negao do Outro pelo preconceito, pela
discriminao, pela estigmatizao? Ora, trata-se de
estudar, investigar, aprender e apreender, em um processo que,
ao mesmo tempo que identifica o problema, busca alternativas
para sua superao. Nesse sentido no pode ser uma
atividade solitria, mas sim solidria, tratando-se de
indispensvel integrao entre aes tericas e aes
prticas, em uma dinmica de revezamentos.
Por
lidar com temas do cotidiano, onde h um conhecimento vulgar
estabelecido. trata-se tambm de superar obstculos
epistemolgicos arraigados, entre outros motivos, por inrcia
do esprito, pela valorizao indevida de idias, o que
acaba por se opor circulao de valores, onde
"aquilo que se julga saber claramente ofusca aquilo que
se deveria saber" .
A
proposta, ento, a participao de representantes de
movimentos e organizaes tnicas e de minorias religiosas,
em interao com o mundo acadmico, como um investimento na
possibilidade de rediscusso das fontes de autoridade na
construo do saber sobre etnias, ao mesmo tempo em que se
tecem novas relaes da prtica com a teoria.
Abrange
o levantamento constante dos "Paradigmas do Outro",
tal como se apresentam em crianas e adolescentes das
escolas, considerando o "Outro Visvel" e o
"Outro No-Visto". Este discernimento
particularmente relevante para o Brasil, cuja composio
populacional abriga cosmopolitismo peculiar e raro pluralismo,
vivido s vezes de maneira apenas virtual por parcelas da
populao.
Tal
levantamento de "Paradigmas do Outro" busca a
explicitao de caractersticas tnicas auto-atribudas e
hetero-atribudas, visando identificar a existncia de
preconceito (latente ou patente), discriminao (implcita
ou explcita) e estigma (no sentido atribudo a este termo
por Goffman).
Preliminarmente
esclareo que conceituo "Paradigmas do Outro"
apoiando-me em Thomas Kuhn e Emmanuel Levinas. O termo
"paradigma", tal como utilizado por Kuhn, tem uma
riqueza heurstica insubstituvel para nosso trabalho.
Analisando a organizao do mundo cientfico, Kuhn ressalta
que "os cientistas nunca aprendem conceitos, leis e
teorias de uma forma abstrata e isoladamente. Em lugar disso,
esses instrumentos intelectuais so, desde o incio,
encontrados numa unidade histrica e pedagogicamente
anterior, onde so apresentados juntamente com suas aplicaes
e atravs delas".
Estabelecendo
um paralelismo entre a organizao do pensamento cientfico
e a organizao do pensamento da vida cotidiana, proponho
uma hiptese segundo a qual as manifestaes de
preconceito, discriminao e estigma tm uma "unidade
histrica e pedagogicamente anterior", da qual seriam
uma aplicao. Seria, portanto, uma modalidade de
"paradigma de senso comum", que por encontrar-se
articulado traduz-se em expectativas com relao ao
comportamento do Outro, configurando o que chamarei de "sndrome
DPE", propiciando, frequentemente, condies objetivas
suficientes para sua confirmao, como nos processos de
"profecia auto-realizadora".
Lembra
Kuhn que "na cincia (...) a novidade somente emerge com
dificuldade (dificuldade que se manifesta atravs de uma
resistncia) contra um pano de fundo fornecido pelas
expectativas".
No campo da "sndrome DPE", a mudana dessas
expectativas depende - e estas so outras hipteses: (a) do
conhecimento objetivo, pelo sujeito, do "paradigma do
Outro" do qual ele portador; (b) do contato direto e
intencional com o Outro, o qual esteja ciente do
"paradigma" que norteia seu interlocutor.
De
Levinas aproveito o conceito de Outro e Outrem (em especial
Levinas, 1988), parafraseando-o, aqui, ao nomear o "Outro
visvel" e o "Outro no-visto", diferenciao
indispensvel no estudo das relaes de etnia e entre
minorias religiosas, onde freqentemente, como j foi dito,
o Outro um contato virtual, o que traz complexidade social
e analtica.
Algumas experincias de
trabalho
4z1h18
Os
protagonistas desses trabalhos que temos desenvolvido so
movimentos sociais, por meio de ativistas e lideranas,
terceiro setor, universidade, mdia, governo, agncias
internacionais. Para facilitar relatos e anlises do que tem
sido realizado com base nesses paradigmas, esses
interlocutores aparecem um a um, assim como na sistematizao
de resultados alcanados tratamos evento por evento. Contudo,
na prtica, tudo se entrelaa e se compe em um processo de
interao rico e dinmico.
Ou
seja, sem a interveno, a pesquisa teria sido menos
instigante e menos exigente, com relao preparao terica,
definio metodolgica e busca de resultados. Sem a
pesquisa, a interveno poderia reduzir-se a empirismo.
A
urgncia da temtica, gerando uma atitude de prontido
desses interlocutores - universidade, comunidades, mdia,
governo -, assim como a consolidao de vnculos de apoio
internacional tm sido cruciais para que atender os
compromissos ticos assumidos com as comunidades, entre ns
que partilhamos a proposta e com agncias financiadoras.
emos
a um brevssimo relato de algumas experincias mais
significativas, em nvel nacional e internacional, do
trabalho desenvolvido com base no referencial terico e
metodolgico citado, onde a valorizao, respeito e presena
direta de diversos grupos de minorias, e em particular tnicas
e religiosas, tem sido central.
Ensino
Religioso em escolas pblicas - a discusso do Estado de So
Paulo
174t1a
Em
1995, o tema do ensino religioso em escolas pblicas
constituiu-se em fonte de cooperao entre nosso trabalho e
o Governo Estadual. Tal cooperao foi to mais
significativa, quanto mais sria a crise suscitada pela
Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - Seo So
Paulo. O Governo do Estado de So Paulo no aceitou sua
proposta de impor ensino religioso, alegando exigncia
constitucional, porm, de fato, dentro de certa concepo
que feria os direitos das minorias religiosas e de todos os
alunos, por impedir a livre escolha, o que se encontra
previsto na Constituio.
A
Secretaria de Educao pediu-me a cooperao, dela
resultando a proposta e efetiva criao de uma Comisso
Especial do Governo do Estado, com representantes de diversos
setores governamentais, para a qual fui nomeada como um dos
membros, no caso, representante da Universidade Pblica.
O
trabalho da Comisso estendeu-se de julho de 1995 a janeiro
de 1996, envolvendo ampla participao das comunidades de
minorias religiosas, mobilizadas por intermdio das
comunidades que participavam de nosso projeto. Foi uma lio
de cidadania, pela seriedade e prontido das comunidades que
estiveram presentes em defesa de todas as crianas e
adolescentes que estudam em escolas pblicas, reafirmando o
direito de respeito e valorizao, como na Declarao das
Minorias da ONU.
A
mobilizao significou a dedicao de muitos, que se
empenharam em divulgar a importncia da liberdade de religio,
da laicidade do Estado, como presente na Constituio
Federal, e, assim, a reafirmao da importncia do respeito
liberdade de conscincia e de pensamento.
A
imprensa e os meios de comunicao, de maneira geral, foram
parceiros ativos e decisivos para aquela que foi uma vitria,
embasada em parecer jurdico da professora Anna Cndida da
Cunha Ferraz, da Faculdade de Direito da USP, preparado por
nossa solicitao.
Essa
vitria repetiu-se na promulgao da Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional, em dezembro de 1996, quando essa
abordagem da temtica foi vitoriosa, aps debate acirrado no
Congresso.
Contudo,
lei complementar posterior, de julho de 1997, deu nova redao
ao artigo referente ao ensino religioso, criando uma situao
de ambigidade e ameaa aos direitos fundamentais, que, sem
dvida, o tempo j demonstra o desacerto. Essa nova situao,
gerada como resultado de presso da CNBB na fase preparatria
da visita do Papa Joo Paulo II ao Brasil em outubro de 1997,
dever ser corrigida em prol da cidadania, uma vez que a
mobilizao havida em So Paulo em 1995, demonstrou
exausto os perigos desse tipo de exposio compulsria de
crianas religio - sem garantias s minorias - no
ambiente da escola pblica.
Pluralidade
Cultural como tema curricular transversal para as escolas de
ensino fundamental
2ul4s
O
documento Pluralidade Cultural, do qual fui redatora e
especialista junto equipe geral, integrante dos temas
transversais dos Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs.
inovador, em nvel nacional, porque pela primeira vez temos a
temtica da pluralidade e da diversidade tnico-racial
presente como poltica pblica de educao para todo o
territrio nacional, em uma perspectiva que privilegia a voz
dos sujeitos desse processo, valorizando, portanto, as populaes
brasileiras. Foi redigido com base em toda a experincia que
desenvolvemos em nosso projeto, com a participao de
lideranas das comunidades como pareceristas da proposta
preliminar, fato indito na histria da educao
brasileira.
proposto, tambm, em interao com os demais temas
transversais, a saber, Sade, Educao Sexual, tica, Meio
Ambiente, colaborando para entrela-los na abordagem que
faz dos direitos humanos, da liberdade de conscincia, de
opinio, dos direitos da criana e do adolescente, da temtica
da igualdade entre homens e mulheres, em uma proposta que toma
em considerao a realidade da sala de aula, portanto vivel,
apresentada para ser efetivada. Prope, alm disso, estratgia
didtica de intercmbio, cooperando para o adensamento
dos projetos pedaggicos das escolas, pela via da interao
com a sociedade e comunidades, voltando-se para o conhecimento
da diversidade regional, cultural e poltica brasileira.
Os
valores que so ali trabalhados voltam-se para o
fortalecimento da auto-estima de professores e professoras,
pessoal auxiliar e istrativo e, de forma central, alunos
e alunas, voltando-se para a valorizao das origens de
todos, ao mesmo tempo em que afirma a inviolabilidade do
direito individual de escolha dos rumos que cada um escolha
dar sua vida. Trata, tambm, da urgncia da disseminao
do conhecimento dos direitos humanos e do respeito mxima
que estabelece todos os direitos humanos para todos.
Encontra-se
em aplicao em todo o territrio nacional, no ensino
fundamental (oferecido no Brasil a crianas e adolescentes de
7 a 14 anos).
Manual
Direitos Humanos no Cotidiano, a valorizao da
diversidade e do pluralismo
4qt26
A
repercusso de diversas iniciativa do projeto que
coordenamos, assim como do documento de Pluralidade Cultural,
levaram a outra experincia formidvel de entrelaamento
teoria-prtica. O Secretrio Nacional de Direitos Humanos,
Dr. Jos Gregori, convidou nosso projeto a colaborar com a
Secretaria Nacional de Direitos Humanos - SNDH, pedindo que
concebssemos projeto de elaborao de um manual de
direitos humanos para a sociedade, como estabelecido no
Programa Nacional de Direitos Humanos.
A
familiaridade e envolvimento do Terceiro Setor, a consolidao
de uma abordagem de valorizao da voz dos sujeitos do
processo social, a ampliao temtica da perspectiva da
diversidade - tudo se constitui em fortalecimento de estratgias
de superao da discriminao tnica e religiosa - em ao.
Assim, processo que no se interrompe, porm gera
produtos a cada novo desafio surgido, realimentando-se,
consolidando-se e diversificando formas de presena no cenrio
acadmico, social, cultural e poltico.
O
manual, que envolve mais de 30 artistas das artes visuais,
mais de 50 personalidades, como escritores, jornalistas,
artistas, religiosos, mais de 60 ONGS, alm da equipe do
projeto. Expressa uma abordagem efetivamente em prol da
pluralidade, apresentando, na prtica, a diversidade que
tanto valorizamos.
Rede
Unesco das Amricas e Caribe de Cientistas para a Tolerncia
e a Solidariedade
2a4a6t
Em
novembro de 1997, realizou-se o Seminrio Internacional Cincia,
Cientistas e a Tolerncia, em cooperao com a UNESCO,
Unidade da Tolerncia e da Paz, envolvendo quase todas as
unidades da Universidade de So Paulo, por intermdio de
seus Programas de Ps-Graduao, trazendo cientistas de
diversos pases das Amricas e Caribe, assim como da Europa.
Foi patrocinado pela USP, UNESCO, FAPESP, Fundao Alexandre
de Gusmo, do Itamaraty, Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento,
por intermdio do Coordenador do Sistema da ONU no Brasil e
pelo Consulado-Geral dos Estados Unidos da Amrica em So
Paulo - USIS.
Estruturou-se
em Grupos de Trabalho e englobou processo do qual resultou a
Criao da Rede das Amricas e Caribe para a Tolerncia e
Solidariedade, associada s demais redes regionais da UNESCO.
A Rede das Amricas encontra-se em fase preliminar de
organizao, porm anuncia-se como uma grande oportunidade
de trabalho, que h de florescer. Traz a possibilidade de
envolvimento e participao efetiva de colegas de diversas
reas cientficas, discutindo a temtica da tolerncia,
dos direitos humanos, da tica e da cincia, na perspectiva
de constituir-se em ncleo disseminador de novas iniciativas.
Alguns apontamentos sobre
intencionalidade, esperana e o papel da educao, guisa
de concluso
1u6g2d
Frente
situao em que se encontra a humanidade, onde a misria
de muitos faz a riqueza de poucos, onde a ameaa da guerra
persiste, e se efetiva em vrios pontos do planeta, com os
riscos de aniquilao fsica total da espcie, onde os
valores culturais tm sido homogeneizados gradativamente, em
prejuzo da preservao de tradies s quais se liga a
prpria dignidade humana, o caminho ditado pela
racionalidade, pela intencionalidade e, sobretudo, pela tica,
aquele que conduz construo de um mundo livre, porque
justo e fraterno, pela via da solidariedade.
O
que poderia ser proposto, ento, como relevante, quando se
pensa na educao como fator de transformao dos rumos da
espcie humana? Um primeiro aspecto destacar, do conceito
amplo e de fato indivisvel de educao, a sua acepo de
Educao para Direitos Humanos, pauta que est plenamente
assimilada como parte fundamental da formao e consolidao
de uma Cultura da Paz, solidificadora de laos internacionais
como os propostos na constituio das Naes Unidas. Quais
as relaes entre a educao assim concebida, a temtica
das minorias e a possibilidade da consolidao dos direitos
humanos? Tomemos algumas sugestes de Lorenz, combinando-as
s experincias decorrentes de nosso trabalho.
Um
primeiro aspecto liga-se possibilidade da criana e do
jovem experimentarem o prazer da criao. Para tanto, uma rea
privilegiada a das Artes, pelo que oferece em termos de
possibilidades criativas e de fruio do belo, elemento
recomendado por Lorenz.
De
fato, o desenvolvimento do senso esttico pode estar ligado,
segundo esse autor, tanto percepo de harmonias e
desarmonias, e o papel desempenhado pelo ser humano no
estabelecimento das mesmas, quanto ao desenvolvimento da
sensibilidade.
Aqui,
Lorenz oferece-nos algumas das mais belas pginas de esperana
na educao e no ser humano. Limitando seu argumento,
objetiva e declaradamente, ao mundo material - no por
renegar crenas, mas por considerar ser essa a nica forma
de se atingir o que h de universal no ser humano - Lorenz
aplica-se em explicar o valor da compaixo para a espcie
humana. Afirma, por exemplo:
"No
reneguemos as dores que nos so causadas pela compaixo.
(...) O sofrimento incomparavelmente mais antigo do que a
compaixo; o sofrimento surgiu, e nisto no h o que se
possa mudar, juntamente com a vivncia subjetiva de uma
criatura, juntamente com a inevitvel morte de um indivduo
qualquer que ele seja - muitos milhes de anos antes de
surgir a compaixo. (...) Essa caracterstica de
compartilhar dos sentimentos de outra pessoa s existe, com
absoluta certeza, quando um indivduo se sente ligado a outro
por laos de amor. O amor por seres vivos uma emoo
importantssima, imprescindvel. Pois esta emoo que
transfere ao homem, a este ser que tudo domina, a
responsabilidade pela vida no planeta. A pessoa responsvel no
pode 'alijar de si' nem 'reprimir em si' os sofrimentos de
outras criaturas, sobretudo em se tratando de outras criaturas
humanas, suas semelhantes. Assim, no nada fcil sua
tarefa".[14]
Neste
sentido, Lorenz acentua que uma das formas com as quais se
evita a compaixo "desviando o olhar" - como se
diz popularmente, "o que os olhos no vem, o corao
no sente". Nesse sentido, Lorenz prope que a educao
aponte os obstculos que se colocam reverso do quadro de
auto-demolio em que se encontra a humanidade,
desenvolvendo nas crianas e jovens a capacidade de resposta
a esses obstculos. Talvez possamos complementar com a
abordagem do historiador Barrington Moore Jr.., que d
educao o papel, que me parece complementar a essa proposta
de Lorenz, de desenvolver nos indivduos imunidades quanto a
perda da capacidade de se indignar. Com base nesses valores, a
discriminao que leva excluso a a ser encarada,
sempre, como alvo de indignao, enquanto todos aqueles que
sofrem a excluso so percebidos com compaixo, ou seja,
com a capacidade de sentir como o Outro e mobilizar-se por
ele.
No
mesmo sentido, podemos propor, com Lorenz, uma revalorizao
dos valores, onde se comece, por exemplo, por revalorizar a
verdade, em contraposio a uma linguagem que adotou a
mentira como forma de obter vantagem na competio.
Sobretudo, que se possa revalorizar o ser humano, cada ser
humano que vive sobre a face do planeta, colocando a servio
da vida humana, digna e autnoma, todos os esforos de
reorganizao jurdica internacional e internamente, em
cada nao.
Ao
tratar desses valores que aos poucos a Humanidade viu serem
perdidos no horizonte do desenvolvimento tecnolgico e do
ritmo frentico de mudana, Lorenz assemelha-se a Allen
Wheelis, autor que prope retomarmos o contato com as geraes
adas, para recapturarmos o senso de tempo - tema no qual
as tradies religiosas, em particular de minorias, tm prtica
acumulada.
As
propostas de Lorenz podem tambm ser compostas com as do j
citado Grahame Clark - mostrando que a preservao de
valores das diversas tradies indispensvel preservao
da prpria espcie humana. Clark quem alerta, ainda, que
se uma mo carrega a preservao, a outra deve levar o
esforo de preserv-la de si mesma, evitando a fossilizao,
o que se faz, apenas, com a permeabilidade a outras tradies
e adaptabilidade aos diferentes momentos. Um desafio,
portanto.
Destacamos,
ainda, com Lorenz e outros autores, como Bachelard, a
necessidade de uma atitude epistemolgica de humildade,
frente aceitao dos limites do conhecimento humano. A
transformao da espcie humana e a transformao do
indivduo colocam-se, assim, como renovao, tanto para sua
investigao, quanto para sua prtica da agenda educacional
- algo to antigo quanto a prpria humanidade.
preciso lembrar que esse aspecto ligado sensibilidade e
afetividade, complementa-se com uma perspectiva tica. Nesse
sentido, a anlise de Emmanuel Levinas muito oportuna,
porque rene, analiticamente, o que indissocivel
eticamente, ou seja autonomia e alteridade. Sua reflexo
sobre tal indissociabilidade segue assim:
"a
coletividade em que eu digo 'tu' ou 'ns' no um plural
de 'eu'. Eu, tu, no so indivduos de um conceito comum.
Nem a posse, nem a unidade do nmero, nem a unidade do
conceito me ligam a outrem. Ausncia de ptria comum que faz
do Outro - o Estrangeiro; o Estrangeiro que perturba o 'em sua
casa'. Mas o estrangeiro quer dizer tambm o livre. Sobre ele
no posso 'poder', porquanto escapa ao meu domnio num
aspecto essencial, mesmo que eu disponha dele: que ele no
est inteiramente no meu lugar. Mas eu, que no tenho
conceito comum com o Estrangeiro, sou, tal como ele, sem gnero.
Somos o Mesmo e o Outro. A conjuno 'e' no indica aqui
nem adio, nem poder de um termo sobre o outro".[15]
Nessa
proposio que rene, em uma mesma prioridade -
porque interseco ontognese e filognese -
autonomia, alteridade, compaixo, em resumo, tica e
sensibilidade, expressa como compaixo, que podemos
depositar esperana no papel a ser desempenhado pela educao
para o nosso tempo e do lugar central desempenhado pelas
minorias, em particular tnicas e religiosas, como conscincia
da riqueza cultural que a diversidade humana.
Bibliografia
6n3r37
Adorno,
T. et alii - The Authoritarian Personality, New York, Harper
and Brothers, 1950.
Adorno,
T. & Horkheimer, M. Dialtica do esclarecimento, 2 ed.,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985.
Arendt,
Hannah. Origens do Totalitarismo, So Paulo, Perspectiva,
1982.
Baudrillard,
Jean. sombra das maiorias silenciosas - o fim do social e o
surgimento das massas. So Paulo, Brasiliense, 1985.
Bobbio,
Norberto. A era dos direitos, Rio de Janeiro, Campus, 1992
Castoriadis,
Castoriadis. A instituio imaginria da sociedade, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1982
Habermas,
Jrgen - Cincia e tcnica como ideologia, in Pensadores
XLVIII, So Paulo, Abril, 1975
Lafer,
Celso. A reconstruo dos direitos humanos, 1 reimpr., So
Paulo, Companhia das Letras, 1988.
Lorenz,
Konrad. A demolio do homem - crtica falsa ideologia
do progresso, So Paulo, Brasiliense, 1988.
Marcuse,
Herbert - A ideologia da sociedade industrial - O homem
unidimensional, 6 ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1982
Moore-Jr..,
Barrington. Injustia -
as bases sociais da obedincia e da revolta, So Paulo,
Brasiliense, 1987
Weber,
Max. Ensaios de Sociologia, 5 ed., Rio de Janeiro,
Guanabara, 1982.
|