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ROM, SINTI E CALON

OS ASSIM CHAMADOS CIGANOS

Introduo: Os assim chamados Ciganos

1. A Primeira Onda Migratria

2. Polticas anti-ciganas

3. A Segunda Onda Migratria

4. O holocausto cigano

5. Os ciganos na Europa comunista

6. Os ciganos na Europa ps-comunista

7. Imagens anti-ciganas

8. Trs imagens errneas sobre os ciganos

Bibliografia Selecionada

Ncleo de Estudos Ciganos

E-Texto no. 1

Recife, 2000

Introduo:

OS ASSIM CHAMADOS CIGANOS. 492d50

Ciganos.

A Histria escrita dos hoje assim chamados ciganos no vai alm de apenas um milnio. Um dos documentos mais antigos o de um monge grego segundo o qual, no ano de 1050, o imperador de Constantinopla (hoje Istambul, na Turquia), para matar uns animais ferozes, solicitou a ajuda de adivinhos e feiticeiros chamados Adsincani. No incio do sculo seguinte, outro monge se refere a domadores de animais, em especial de ursos e cobras, e a indivduos lendo a sorte e prevendo o futuro, que eram chamados Athinganoi. No Sculo XIII, o patriarca de Constantinopla adverte o clero contra adivinhos, domadores de ursos e encantadores de cobras e solicita no permitir a entrada destes Adingnous nas casas, porque eles ensinam coisas diablicas.[1] possvel que estes tenham sido anteados (embora no necessariamente os nicos) dos indivduos hoje genericamente chamados ciganos, e neste caso j estariam na Turquia pelo menos desde meados do Sculo XI.

Da Turquia para outros pases balcnicos foi apenas um pequeno o. Sabemos que vrios grupos migraram para a Grcia. Em 1322 um frade franciscano, de agem pela ilha de Creta, escreve sobre indivduos que viviam em tendas ou em cavernas, chamados Atsinganoi, nome ento dado aos membros de uma seita de msicos e adivinhadores, e que nunca paravam mais do que um ms num mesmo lugar. Depois disto, muitos outros viajantes europeus, mercadores ou peregrinos a caminho da Terra Santa, observaram a presena destes indivduos nos arredores do porto martimo grego de Modon (hoje Methoni), ento colnia de Veneza, onde trabalhavam como ferreiros e sapateiros.[2]

A partir do incio do Sculo XV, estes ciganos migraram tambm para a Europa Ocidental, onde quase sempre afirmavam que sua terra de origem era o Pequeno Egito. Hoje sabemos, com certeza, que esta era ento a denominao de uma regio da Grcia, mas que pelos europeus da poca foi confundida com o Egito, na frica. Por causa desta suposta origem egpcia aram a ser chamados egpcios ou egitanos, ou gypsy (ingls), egyptier (holands), gitan (francs), gitano (espanhol), etc. Mas sabemos que alguns grupos se apresentaram tambm como gregos e atsinganos, pelo que tambm ficaram conhecidos como grecianos (espanhol), tsiganes (francs), ciganos (portugus), zingaros (italiano), etc.

Na literatura a seu respeito ainda existem outras denominaes que em nada lembram a suposta origem egpcia ou comprovada origem grega. Na Holanda, p.ex., a denominao inicial de egyptier desaparece a partir do Sculo XVI e utiliza-se apenas a denominao heiden (pago), denominao ento comum tambm na Alemanha. Na Frana ficaram conhecidos tambm como romanichel, manouches ou bomiens. Em vrios pases foram confundidos com os trtaros, mongis da [i]Sibria e sia Central. Todos estes termos so denominaes genricas que os europeus naquele tempo deram a estes misteriosos e exticos imigrantes. No consta como os ciganos ento se auto-identificavam.

Conforme se v, a origem dos ciganos sempre foi um verdadeiro mistrio, e por isso existem, ainda hoje, as mais diversas lendas e fantasias. Somente no Sculo XVIII o assunto comeou a ser discutido com mais seriedade, quando os linguistas concluiram que os ciganos deveriam ser originrios da ndia. As provas lingusticas surgiram por acaso em 1753 quando, numa universidade holandesa, um estudante hngaro descobriu semelhanas entre a lngua cigana do seu pas e a lngua falada por trs colegas estudantes indianos. Constatou-se assim um evidente parentesco entre as lnguas ciganas e o snskrito. A teoria da origem indiana das lnguas ciganas seria divulgada somente anos depois na Alemanha, por Christian Buettner em 1771, por Johann Ruediger em 1782, e por Heinrich Grellmann em 1783, este o mais conhecido dos trs.

Grellmann criticou primeiro as teorias lingusticas at ento existentes sobre a origem das lnguas ciganas, principalmente aquelas que falavam da origem egpcia. Depois fez uma anlise sistemtica de quase quatrocentas palavras e constatou que de cada trinta palavras ciganas, doze a treze eram de origem hindi, uma lngua derivada do snskrito. Apesar de reconhecer que ainda existiam falhas em seu trabalho, acreditou que a origem indiana tinha sido suficientemente comprovada. Na segunda edio de seu livro, Grellmann cita tambm outros cientistas que na mesma poca tinham chegado a concluses idnticas.

Desde ento, a origem indiana nunca mais foi colocada em dvida e linguistas posteriores apenas tm acrescentado mais dados comprobatrios, restando hoje apenas dvidas sobre em que poca ou pocas, e em que parte ou partes da ndia estas lnguas eram faladas, itindo-se em geral que tenha sido a regio noroeste da ndia (atual Paquisto), por volta do ano 1000 da era crist.[3]

Fraser, no entanto, lembra que a lingustica histrica no pode determinar a origem racial e tnica dos indivduos que falavam Romani........ No se pode ter certeza que grupos ou povos so racialmente aparentados apenas porque falam lnguas aparentadas.[4] Ou seja, estas semelhanas lingusticas podem significar tambm, e to somente, que os assim chamados ciganos, durante muito tempo e por motivos ainda ignorados, viveram na ndia, sem serem e nunca terem sido indianos, ou que tiveram contato com indianos ou no-indianos que falavam o hindi, mas fora da ndia.

Por isso, as supostas provas lingusticas acima citadas, precisam ainda de provas complementares, sejam elas culturais, raciais, ou de outra natureza. No faltam autores que apresentam supostas provas culturais, citando semelhanas entre costumes ciganos e indianos, da mesma forma como outros autores, adeptos da origem egpcia, descobriram semelhanas com a antiga cultura egpcia da poca dos faras. Quem procura, sempre encontrar algumas semelhanas nas culturas de dois povos diferentes e geogrficamente distantes. Elementos culturais, no entanto, podem ser transmitidos tambm por via indireta, sem contato direto com os povos que os inventaram, e tambm podem ter origens independentes.

Quanto a isto, Fraser cita o caso da Grcia onde, na dcada de 80, a TV apresentou um documentrio em que era mostrada a origem indiana dos ciganos. Depois disto, jovens ciganas gregas aram a vestir os longos e coloridos sris indianos e introduziram elementos orientais nas suas danas. Ao que Fraser, maliciosamente (mas com toda razo), acrescenta: Talvez daqui a uns 50 anos, etnomusiclogos apresentem estes elementos como um vestgio cultural de sua ptria original (a ndia).[5]

Outro exemplo desta indianizao artificial foi registrada tambm na ex-Iugoslvia, aps o II Congresso da Unio Romani Internacional, no qual a primeira-ministra Indira Ghandi declarou (apenas simbolicamente, e at hoje sem quaisquer efeitos prticos!) que a ndia era a ptria-me de todos os ciganos. No h registro de nenhuma famlia cigana europia que por causa disto tenha migrado para a ndia (ou seja: ningum migrou do ruim para o pior), mas depois disto, pelo menos na ex-Iugoslvia, muitos ciganos comearam a ornamentar suas casas com esttuas e quadros de deuses indianos e bonecos em trajes indianos, jovens ciganas substituram a cala turca pelo sri indiano, msicas e filmes indianos se tornaram de repente populares, e houve at quem trocasse a religio muulmana pelo hinduismo.[6]

Ainda menos sucesso tiveram, at hoje, aqueles que tentaram provar a origem indiana atravs de comparaes biolgicas, ou raciais. J desde a chegada na Europa h notcias sobre a aparncia fsica dos ciganos: pele escura, cabelos pretos e longos, olhos pretos e grandes, nariz aquilina, etc. Posteriormente alguns cientistas notariam semelhanas sanguneas entre ciganos e indianos, mas nada disto seria suficiente para provar sua origem indiana, inclusive porque no existiam estudos suficientes sobre as caractersticas raciais dos indianos, e outros tantos povos tinham as mesmas caractersticas fsicas ou predominncia dos mesmos grupos sanguneos. Alm disto havia o problema da mistura racial que certamente ocorreu desde a sada da ndia h vrios sculos.

Na realidade, todas as teorias (e inmeras fantasias, mitos e lendas) sobre a origem dos ciganos no am de mera especulao e no tm nenhuma comprovao emprica. At hoje, apenas as semelhanas das lnguas ciganas com o snscrito parecem devidamente comprovadas, pelo que muitos ciganlogos costumam itir que os ciganos so originrios da ndia. Mas isto tambm tudo e, como j dissemos acima, somente a semelhana lingustica na realidade no comprova coisa alguma.

Existem as mais diversas teorias sobre quando saram da ndia, mas em geral ite-se que foi somente a partir do Sculo X, ou seja, apenas uns mil anos atrs. Ou ento, o que bem mais provvel, que ocorreram vrias ondas migratrias, em pocas bem diferentes, talvez at de reas geogrficas diversas, e por motivos dos mais variados. Tambm no se sabe como eles ento se identificavam a si mesmos, ou como eram identificados pelos outros, e provavelmente nunca o saberemos. Os prprios ciganos nunca deixaram documentos escritos sobre o seu ado e muitos ciganlogos informam que os ciganos, em geral, no tm a mnima idia sobre suas origens e, o que pior, nem demonstram interesse em saber de onde vieram os seus anteados.

A diversidade entre os ciganos.

Conforme vimos acima, cigano um termo genrico inventado na Europa do Sculo XV, e que ainda hoje adotado, apenas por falta de um outro melhor. Os prprios ciganos, no entanto, costumam usar autodenominaes completamente diferentes. Hoje, os ciganos e os ciganlogos no-ciganos costumam distinguir pelo menos trs grandes grupos:

(1) os ROM, ou Roma[7], que falam a lngua romani; so divididos em vrios sub-grupos, com denominaes prprias, como os Kalderash, Matchuaia, Lovara, Curara e.o.; so predominantes nos pases balcnicos, mas a partir do Sculo XIX migraram tambm para outros pases europeus e para as Amricas;

(2) os SINTI, que falam a lngua sint e so mais encontrados na Alemanha, Itlia e Frana, onde tambm so chamados Manouch;

(3) os CALON ou KAL, que falam a lngua cal, os ciganos ibricos, que vivem principalmente em Portugal e na Espanha, onde so mais conhecidos como Gitanos[8], mas que no decorrer dos tempos se espalharam tambm por outros pases da Europa e foram deportados ou migraram inclusive para a Amrica do Sul.

Estes grupos e dezenas de sub-grupos, cujos nomes muitas vezes derivam de antigas profisses (Kalderash = caldeireiros; Ursari = domadores de ursos, e.o.) ou procedncia geogrfica (Moldovaia, Piemontesi, e.o.), no apenas tm denominaes diferentes, mas tambm falam lnguas ou dialetos diferentes. Como j vimos acima, desde o Sculo XVIII costuma-se atribuir aos ciganos apenas uma nica lngua, comum a todos, a lngua romani, parcialmente de origem indiana, embora esta tenha tambm inmeras palavras de origem persa, turca, grega, romena e de outros pases por onde aram. Na realidade, j ento os ciganos falavam vrias lnguas ou dialetos que, apesar de terem aparentemente uma origem em comum, hoje apresentam profundas variaes regionais que tornam uma comunicao cigana internacional na prtica impossvel. Algo semelhante atual comunicao entre ses, italianos, espanhois, portugueses e brasileiros, que todos falam lnguas derivadas do Latim: muitas palavras podem ser entendidas por todos, principalmente quando escritas, mas a comunicao verbal na maioria das vezes difcil, quando no impossvel. Segundo Fraser no existe um romani padronizado, nico, mas somente na Europa os ciganos falariam cerca de 60 ou mais dialetos diferentes.[9]

De todos os ciganos, os Rom so os mais estudados e descritos. Isto porque estes ciganos, e entre eles principalmente os Kalderash e os Lovara - inclusive no Brasil - , costumam considerar-se a si prprios ciganos autnticos, ciganos nobres, e classificar os outros apenas como ciganos esprios, de segunda ou terceira categoria. Como antroplogos e linguistas tendem a estudar de preferncia povos autnticos, que ainda conservam sua cultura e lngua tradicional, a quase totalidade dos estudos ciganos trata de ciganos Rom, e praticamente nada se sabe dos outros grupos.

O nomadismo, aparentemente maior entre os Calon do que entre os Rom, pode ter dificultado pesquisas sobre sua lngua e seus costumes, mas no explica, nem justifica, porque foram to negligenciados pelos ciganlogos. Romn, por exemplo, informa que na Espanha ainda no foram realizadas intensivas pesquisas histricas e antropolgicas sobre os ciganos Calon, naquele pas quase todos h muito tempo sedentrios.[10] Na Frana a situao no diferente: segundo Ligeois, o grupo Rom, naquele pas com apenas alguns milhares de membros, praticamente o nico estudado, enquanto as dezenas de milhares de ciganos Sinti (Manouch) e Calon so ignoradas, fato que refora ainda mais a imagem dos ciganos Rom da Europa Oriental como ciganos autnticos.[11] Praticamente nada, tambm, sabemos sobre os atuais ciganos Sinti e Calon no Brasil.

Este rom-centrismo, dos prprios ciganos e dos ciganlogos, faz Acton falar at de romlogos que, em lugar de analisarem as diferenas existentes entre os grupos ciganos, apresentam um modelo ideal como se os ciganos formassem uma totalidade homognea. Segundo este socilogo, A grande falha da literatura sobre ciganos, oficial e acadmica, a supergeneralizao; observadores tm sido levados a acreditar que prticas de grupos particulares so universais, com a concomitante sugesto que [os membros de] qualquer grupo que no tm estas prticas no so verdadeiros ciganos.[12] Ou seja: a cultura rom a a ser considerada a autntica cultura cigana, a cultura modelo, e quem no falar a lngua como eles, quem no tiver os mesmos costumes e valores ..... , bem, estes s podem ser ciganos de segunda ou terceira categoria, ciganos esprios, inautnticos, quando no falsos ciganos.

Entende-se assim porque a quase totalidade dos livros de ciganlogos que tratam genericamente da suposta Cultura Cigana, na realidade descrevem apenas ou quase exclusivamente a cultura dos ciganos Kalderash que durante sculos viveram nos Blcs - na atual Romnia na qualidade de escravos, libertos somente em meados do Sculo XIX - onde desenvolveram uma cultura fortemente influenciada pelas diversas culturas nacionais, em especial a romena. Um exemplo clssico, entre vrios outros, o kris romani, uma espcie de tribunal cigano, sempre apresentado como algo tipicamente cigano, quando, segundo Formoso, na realidade um elemento cultural apenas dos Kalderash, que o tomaram emprestado da sociedade rural romena, e que no existiria nem entre os ciganos Rom Lovara e Curara e desconhecido tambm entre os Sinti e Calon.[13] Outros dois exemplos seriam o marim, as idias sobre pureza / impureza, que na realidade so de origem rabe e turca, e a pomana, o ritual funerrio, de origem romena. O kris, o marim e a pomana costumam ser descritas por nove entre dez ciganlogos como se fossem comuns a todos os ciganos, quando se trata apenas de caractersticas culturais Kalderash.[14] A cultura Kalderash - praticamente a nica conhecida do grande pblico no-cigano - apenas uma das inmeras sub-culturas ciganas hoje existentes em todo mundo, cada uma das quais com caractersticas prprias, resultantes de histrias diferenciadas de convivncia, quase nunca pacfica, com as mais diversas sociedades e culturas.

Porm, os ciganos no se diferenciam entre si apenas linguistica e culturalmente, mas tambm econmica e socialmente. Como exemplo podem ser citados os ciganos espanhois, cuja populao em 1993 deveria ultraar um total de 400 mil pessoas, ou seja, cerca de 1,1% da populao nacional. Garcia distingue entre eles quatro categorias sociais bem distintas, a saber:[15]

(1) uma pequena elite com alto nvel de instruo (diplomas e carreiras universitrias), geralmente indivduos de famlias integradas tambm com bom nvel de instruo, e que tm empregos assalariados e muitas vezes casam com gadj [denominao genrica usada pelos ciganos para os no-ciganos[16]]; entre eles encontram-se os ativistas polticos que, entre outras coisas, lutam pelo reconhecimento da identidade cigana;

(2) um grupo numericamente maior do que o anterior, mas ainda minoria entre os ciganos, de tradicionalistas geralmente economicamente bem sucedidos que vivem la gitane, exercendo profissies tradicionais (antiqurios, comerciantes, artistas), casam entre si e dentre de sua categoria social, e gozam de prestgio e irao entre os outros ciganos;

(3) o grupo maior formado por ciganos em mutao que vivem em bairros perifricos ou marginais das cidades, muitos deles misturados com gadj, o que exige adaptaes nos seus valores tradicionais e nas relaes sociais. As crianas frequentam a escola e a convivncia com gadj constante no trabalho, na vizinhana, nos bairros, nas instituies pblicas. Suas atividades econmicas - comrcio ambulante, ferro velho, trabalhos temporrios - esto em declnio e por isso muitas vezes am a depender da assistncia social. Para eles, hoje s h uma alternativa: ou eles se assimilam nas camadas mais baixas da populao, ou ento eles ficam margem da sociedade como grupo, e com a marginalizao individual de muitos deles;

(4) um grupo desestruturado e marginal, o segundo em importncia numrica, cujos membros vivem em favelas, no tm emprego permanente mas vivem de apanhar ferro ou papel velho, de vez em quando comrcio ambulante, atividades sempre mais difceis de exercer. Costumam ser analfabetos e seus filhos no frequentam a escola com regularidade. Em tudo dependem da assistncia pblica, e no h como sair desta situao. So considerados um grupo socialmente problemtico, gerador de conflitos e responsvel pelos esteretipos negativos sobre os ciganos. Sua cultura hoje semelhante de outros grupos sociais miserveis. Para sobreviver dedicam-se tambm mendicncia e a praticas ilegais como o trfico de drogas.

O socilogo Acton, por sua vez, apresenta uma tipologia dos ciganos ingleses, de acordo com o seu grau de integrao na sociedade gadj, e que tem algumas semelhanas com a classificao citada acima: (1) ciganos conservadores, (2) ciganos em processo de desintegrao cultural, (3) ciganos em fase de adaptao cultural e (4) ciganos assimilados ou em processo de assimilao.[17]

Inmeras outras classificaes so possveis, de acordo com os interesses tericos ou prticos de cada pesquisador. O que importa aqui, no caso, no so tanto as duas classificaes acima, mas deixar bem clara a enorme diferenciao que existe entre os ciganos, mesmo entre os ciganos de um determinado pas ou regio, para que sejam evitadas levianas generalizaes que normalmente so mais prejudicais do que benficas para as minorias ciganas. Nas palavras de Acton: [Os ciganos] so um povo extremamente desunido e mal-definido, possuindo uma continuidade, em vez de uma comunidade, de cultura. Indivduos que compartilham a ascendncia e a reputao de cigano podem ter quase nada em comum no seu modo de viver, na cultura visvel ou na lngua. Os ciganos provavelmente nunca foram um povo unido.[18]

Desconhecemos estudos detalhados sobre as diferenciaes entre ciganos em pases especficos (por exemplo, entre Kalderash e Calon no Brasil), mas mais do que provvel que em todos os pases existam ciganos ricos e pobres, conservadores e progressistas, analfabetos e outros com diplomas universitrios, politicamente ivos ou ativos, nmades e sedentrios. Cabe aos cientistas sociais documentar esta imensa variedade cultural e social, algo que at hoje ainda no foram capazes de fazer, nem na Europa, nem no Brasil, nem em outras partes do Mundo.

Ciganos 'verdadeiros' e 'outros' ciganos.

Muitos ciganlogos tm observado que os ciganos Rom, e entre eles em especial os Lovara e os Kalderash, costumam auto-classificar-se como ciganos autnticos, verdadeiros, nobres, aristocratas, de primeira categoria, sendo todos os outros apenas ciganos esprios ou falsos ciganos. Infelizmente, esta atitude discriminatria (dos prprios ciganos) assumida tambm por muitos gadj que realizam estudos ou trabalhos prticos entre os ciganos, ou por legisladores ou membros de organizaes ciganas e pr-ciganas. Sabendo disto, muitos ciganos se dizem Rom, ou Kalderash, embora sem nunca ter sido. Okely, por exemplo, informa que na Sucia

ciganos originrios da Polnia, sem prvias pretenses de serem Kalderash, adotaram nomes Kalderash quando de sua chegada na Sucia porque a estas pessoas atribudo um status extico e favorvel pela sociedade dominante. De fato, Tattares [nmades no-ciganos] so excludos de lucrativos programas sociais. Parece que tambm em outros pases da Europa, por exemplo na Blgica, Frana, Holanda e Alemanha, grupos ou tribos que se apresentam como Rom, Kalderash ou Lovari tm mais probabilidade de serem considerados de origem oriental, indiana, e de receberem status real, mesmo que s por estudiosos e representantes polticos gadj.[19]

Mas como se isto no bastasse, os ciganos ainda se discriminam mutuamente tambm por outro motivo: os ciganos sedentrios muitas vezes olham com desprezo para os ciganos nmades que persistem nesta vida primitiva, enquanto os nmades acusam os sedentrios de terem abandonado as tradies, e com isto terem deixado de ser ciganos. E com isto surgem interminveis debates, entre os ciganlogos, sobre quem cigano autntico e quem no . Debates, por sinal, estreis, porque definir quem e quem no cigano , de fato, uma tarefa praticamente impossvel porque no existem critrios objetivos universalmente aceitos ou aceitveis.

Ao chegarem na Europa Ocidental, no incio do Sculo XV, os ciganos ainda podiam facilmente ser identificados atravs de sua aparncia fsica, sendo a caracterstica mais marcante a sua pele escura. Hoje isto j no mais possvel. Apesar da ideologia da endogamia, casamentos com no-ciganos sempre ocorreram, de modo que em muitos pases hoje os ciganos fisicamente no se distinguem da populao gadj nacional. Ciganos racialmente puros hoje no existem mais em canto algum do mundo, e nunca existiram, porque nunca existiu uma raa exclusivamente cigana. Impossvel, portanto, identificar os ciganos atravs de caractersticas fsicas peculiares ou estabelecer critrios biolgicos de ciganidade.

Por sinal, j se tentou fazer isto no ado, mas sem xito. Na Alemanha nazista, por exemplo, antroplogos fsicos e bilogos tentaram descobrir, para fins prticos, quais as caractersticas raciais ciganas, j que na maioria dos casos era impossvel distinguir os ciganos do resto da populao, atravs de caractersticas fsicas, culturais ou outras. Mas mesmo os nazistas nunca foram capazes de descrever estas caractersticas. Da porque, na Alemanha daquele tempo, era considerado cigano todo indivduo com trs avs verdadeiros ciganos; mestio em primeiro grau era quem tinha menos do que trs avs verdadeiros ciganos; mestio em segundo grau era quem tinha pelo menos dois avs ciganos-mestios. Mas, acreditem se quiserem, para os cientistas (antroplogos e bilogos) nazistas, av ou av verdadeiro cigano era aquele que sempre tinha sido reconhecido, pela opinio pblica, como cigano. Ou seja, no final das contas, quando da identificao racial dos vovs e das vovs, avam a usar critrios subjetivos (sociais/culturais), e no objetivos critrios cientficos (biolgicos/raciais). Calcula-se que cerca de 500.000 ciganos europeus foram exterminados pelos nazistas antes e durante a II Guerra Mundial.

Classificar como verdadeiros ciganos todos aqueles que falam uma lngua cigana tambm no adianta, porque muitos ciganos j no a falam mais e outros a dominam muito mal, ou at j a esqueram por completo. Muitos autores, de vrias partes do mundo, afirmam que, mesmo entre si, os ciganos costumam falar a lngua do pas em que vivem e que a lngua cigana, na maioria das vezes, costuma ser usada apenas ocasionalmente, quando necessrio. San Romn, por exemplo, informa que na Espanha, excluindo os ciganos nmades, poucos conhecem [a lngua] Cal, e recorrem a ela principalmente na presena de payos [a palavra espanhola para no-ciganos] que desejam enganar, e dos quais querem distinguir-se. (...) [A lngua Cal] no tanto um meio de comunicao, mas antes um meio para excluir os payos dos assuntos ciganos. Entre si falam espanhol.[20]

Caractersticas culturais exticas, visveis externamente, tambm no servem mais para identificar os ciganos, pelo simples fato de que os ciganos no tm, e provavelmente nunca tiveram, uma cultura nica. Um exemplo, entre muitos outros possveis, o vesturio. Muitas mulheres ciganas ainda usam longas saias, alm de jias de ouro e prata, mas inmeras outras no. Os homens ciganos, ao que tudo indica, nunca tiveram uma roupa tpica, a no ser s vezes no meio artstico. Por isso, em quase todo mundo os ciganos usam a mesma roupa dos gadj do pas em que vivem, a no ser nas ocasies em que necessrio ou til ser reconhecido como cigano, o que pode ser o caso com mulheres que se dedicam quiromancia, ou com homens que exercem atividades artsticas, p. ex. msicos das populares orquestras ciganas europias, fantasiados com fardas de militares hngaros ou cossacos russos de sculos ados. No carnaval europeu (e parece que tambm brasileiro), no entanto, as fantasias ciganas populares mais usadas pelos gadj costumam ser imaginrias vestimentas ciganas ibricas, tanto para os homens quanto para as mulheres. Desnecessrio dizer que nenhum cigano e nenhuma cigana veste uma roupa desta na vida real.

Muitas vezes mulheres gadj que se dedicam a atividades esotricas costumam fantasiar-se de cigana conforme os esteretipos existentes na regio, o que d mais status e atrai mais clientes. J dissemos que o vesturio estereotipado cigano em muitos pases costuma ser uma popular fantasia carnavalesca. O problema que, s vezes, os prprios ciganos am a usar estas fantasias, como se fosse seu vesturio tradicional, o que parece ser o caso principalmente com artistas que apresentam msicas e danas ditas ciganas, e que por isso no apenas precisam ser, mas tambm precisam parecer ciganos, e de preferncia Kalderash. E para parecer um cigano, somente usando um estereotipado vesturio cigano, nem que seja uma fantasia carnavalesca. No Brasil, alguns ciganos, inclusive, adotaram nomes artsticos ou fizeram retoques nos seus sobrenomes portugueses ou italianos (que poderiam denunciar uma descendncia Calon ou Sinti, menos valorizada pelos gadj e pelos prprios ciganos) e deram-lhes uma aparncia mais balcnica, mais Kalderash, substituindo, por exemplo, os terminais -ite e ides por itch ou -icth, ou -ante por -anov, ou algo semelhante.

J vimos que este processo de kalderashizao tambm foi observado por Okely na Sucia, entre ciganos poloneses. bvio que, no Brasil, uma Orquestra Cigana Francisco Santana Filho, vestindo roupas de couro dos vaqueiros nordestinos, teria bem menos chance de obter sucesso do que uma Orquestra Cigana Ferenc Santanovitch, vestindo-se a la gitane, com carnavalescas fantasias ciganas (hngaras, russas ou espanholas), e as mulheres danando alegremente um csrds hngaro vestindo roupas de bailarina flamenca espanhola. Trata-se de uma estratgia artstica legal, adotada mundialmente.

Uma das caractersticas sempre atribudas aos ciganos tem sido seu nomadismo, sua vida errante, de modo que muitas vezes ciganos so identificados como nmades, e vice-versa. No Reino Unido, para fins legais, os juizes da Suprema Crte concluiram em 1967 que cigano era uma pessoa que leva uma vida nmade sem emprego fixo e sem domiclio fixo. Logo depois, a Caravan Sites Act de 1968 definiu ciganos como pessoas com um modo de vida nmade, qualquer que seja sua raa ou origem, excluindo artistas viajantes ou pessoas que trabalham em circos viajantes.[21] Ambas as definies jurdicas so totalmente errneas, porque na Europa, e inclusive no Reino Unido, vivem centenas de milhares de nmades que no so ciganos, no se identificam e nem querem ser identificados como ciganos, e sabe-se que, por motivos diversos, hoje apenas uma minoria cigana nmade. Por isso, para algum ser um verdadeiro cigano, no h porque exigir que ele tenha uma vida nmade. Ciganos nmades ainda existem, mas muitos hoje so semi-nmades ou sedentrios: os nmades viajam regularmente, os semi-nmades (ou semi-sedentrios) viajam somente durante parte do ano e ficam em acampamentos fixos ou em casas e apartamentos durante o resto do tempo; os sedentrios deixaram de viajar por completo ou viajam dificilmente, mas nem por isso deixaram de ser ciganos.

Um caso talvez raro, mas que certamente no ser o nico no mundo, so os ciganos que a antroploga Kaprow encontrou em Zaragoza, na Espanha. Embora auto-identificados e identificados pelos gadj como ciganos, no apresentavam nenhuma das caractersticas normalmente atribudas aos ciganos: viviam em casas, frequentavam lojas, hospitais, cinemas, como os outros espanhois, dos quais fisicamente em nada se distinguiam; falavam apenas espanhol, e no tinham atividades profissionais especiais, tipicamente ciganas. Ou seja: nenhuma caracterstica exterior possibilitava a identificao destes ciganos de Zaragoza, que no tinham tradies, valores, ideologias, rituais, culinria, etc. prprias. Mesmo assim se identificavam e eram identificados como ciganos.[22]

Quem ento cigano? Dizer, como faz Acton, que cigano toda pessoa que sinceramente se identifica como tal[23] no uma definio satisfatria, por ser unilateral, porque a identidade tnica, da mesma forma como a identidade nacional, bilateral e exige tambm que o grupo tnico, ou a nao, reconhece o indivduo como membro. A questo bastante complexa porque, como lembra Willems, em princpio esto envolvidos quatro partes: os definidos, isto , os ciganos, as autoridades (Igreja e Estado), os cientistas e o povo.[24] Cada uma destas partes pode ter opinies e definies diferentes sobre quem ou no cigano. Um bom exemplo de confuso terminolgica oferecido pela ex-Iugoslvia.

Naquele pas, em 1990 milhares de individuos tradicionalmente identificados como ciganos aram a auto-denominar-se egpcios e exigiram ser reconhecidos como narodnosti (nacionalidades, ou minorias nacionais, como os albaneses e hngaros residentes no pas) e no mais como grupos tnicos, como os ciganos. Informaram, ainda, terem sido os fundadores do Pequeno Egito, na Grcia, quatro sculos antes de Cristo. Suas atividades comerciais os teriam levado at a Macednia (na ex-Iugoslvia), onde fizeram florescer as cidades de Ohrid e Bitola, nas quais vivem h sculos. Por terem sempre adotado as lnguas dos povos com os quais faziam comrcio, teriam esquecido por completo a lngua egpcia. Somente muitos sculos depois, tambm outros imigrantes, os tais ciganos, teriam chegado ao Pequeno Egito, de onde depois se espalharam pelo resto da Europa e do Mundo. No censo anterior, de 1981, quando este movimento ainda no tinha iniciado, a maioria destes iugo-egpcios declarou ser albans, enquanto os albaneses legtimos os consideraram ciganos albanizados.[25]

Para ns no interessa aqui discutir se esta histria sobre a origem egpcia, que se baseia numa mais do que duvidosa histria oral, verdadeira ou apenas mais uma lenda, uma fantasia. O que interessa saber que de repente milhares de indivduos (eles prprios calcularam que eram 100.000), tradicionalmente denominados ciganos, de repente aram a negar esta identidade e assumiram outra, tirada de um ba de lendas, estrias e fantasias, para a qual reclamaram, inclusive, o status superior de narodnosti (nacionalidade ou minoria nacional).

Apesar de todas estas dificuldades, definimos aqui cigano como cada indivduo que se considera membro de um grupo tnico que se auto-identifica como Rom, Sinti ou Calon, ou um de seus inmeros sub-grupos, e por ele reconhecido como membro. O tamanho deste grupo no importa; pode ser at um grupo pequeno composto de uma nica famlia extensa; pode tambm ser um grupo composto por milhares de ciganos; nem importa se este grupo mantm reais ou supostas tradies ciganas, ou se ainda fala fluentemente uma lngua cigana, ou se seus membros tm cara de cigano ou caractersticas fsicas supostamente ciganas.

A identidade cigana automaticamente transmitida aos filhos quando ambos os pais so ciganos. No caso de casamentos mistos, com gadj - que, embora exceo, sempre existiram geralmente os filhos s sero considerados ciganos se os pais residam no grupo ou mantenham vnculos com o mesmo, e desde que os filhos sejam educados na tradio cigana, seja ela qual for. A identidade cigana pode ser perdida, primeiro, por opo individual, quando o indivduo se desliga consciente e voluntariamente do seu grupo e a a viver no mundo dos gadj, assimilando seu modo de vida; segundo, pelo casamento com gadj e posterior opo pela vida fora do grupo, no mundo gadj, caso em que tambm os filhos no sero mais considerados ciganos; e finalmente, por expulso, quando o indivduo, por ter infringido certas normas grupais, deixa de ser considerado membro da comunidade cigana.

Quanto suposta autenticidade e aristocracia dos Kalderash ou Lowara, subscrevemos a afirmao de Williams que considera inissvel a distino entre verdadeiros ciganos, aos quais se atribue uma origem extica e riqueza cultural, e os outros, que seriam apenas marginais no mundo cigano.[26] Ou seja: no existem ciganos autnticos e ciganos esprios: existem apenas Rom, Sinti e Calon, que possuem inmeras auto-denominaes, que falam centenas de linguas ou dialetos, que tm os mais variados costumes e valores culturais, que so diferentes uns dos outros, mas que nem por isso so superiores ou inferiores uns aos outros.

Em comum todos eles tm apenas uma coisa: uma longa Histria de dio, de perseguio, de discriminao pelos no-ciganos, em todos os pases por onde aram, desde o seu aparecimento na Europa Ocidental, no incio do Sculo XV.


[1]. Fraser, A . The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, pp.46-47

[2]. Foletier, F. de Vaux de, Le Monde des Tsiganes, Paris, Berger-Levrault, 1983, p.16; Ligeois, J.P., Los Gitanos, Mxico, Fondo de Cultura Economica, 1988, p. 30; Fraser 1992, p.50.

[3]. Ligeois 1988, pp.35-39; Fraser 1992, pp.10-22

[4]. Fraser 1992, p. 22

[5]. Fraser 1992, p. 311

[6]. Fonseca, I., Enterrem-me em p: a longa viagem dos ciganos, So Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp.129-131

[7]. Singular masculino Rom, plural Roma; feminino: Romni e Romnia. Apesar disto, como fazem muitos outros autores europeus, a seguir sempre escreveremos os Rom e no os Roma; da mesma forma os Calon, os Sinti, etc. At os ciganlogos brasileiros chegarem a um acordo sobre a grafia das (auto)denominaes ciganas, aplicaremos tambm para elas a "Conveno para a grafia dos nomes tribais" (indgenas), aprovada na 1a. Reunio Brasileira de Antropologia, em 1953, e segunda a qual "Os nomes tribais se escrevero com letra mauscula, facultando-se o uso de minscula no seu emprego adjetival", e "Os nomes tribais no tero flexo portuguesa de nmero ou gnero, quer no uso substantival, quer no adjetival" (Revista de Antropologia, vol. 2, no. 2, 1954, p. 150-152).

[8]. Principalmente na bibliografia franesa (p. ex. em Martinez, N., Os Ciganos, Campinas,, Ed. Papirus, 1989), o leitor encontrar juntos, muitas vezes at numa mesma frase, os termos tsiganos e gitanos (ciganos), e neste caso o primeiro se refere aos Rom balcnicos, e o segundo aos Calon ibricos.

[9]. Fraser 1992, p.12

[10]. San Romn, T. de, Kinship, marriage, law and leadership in two urban gypsy settlements in Spain, IN: Alcock, A., Tayler, B. e Welton, J. (eds.), The future of cultural minorities, London, 1979, p.169

[11]. Ligeois, J.P., Gypsies and Travellers, Strasbourg, Council of Europe, 1987, p. 24

[12]. Acton, Th., Oppositions thoriques entre tsiganologues et distinctions entre groupes tsiganes, IN: Williams, P. (ed.), Tsiganes: identit, volution, Paris, Syros Alternatives, 1989, p.89; Acton, Th., Gypsy politics and social change, London, Routledge & Keagan Paul, 1974, p.3

[13]. Formoso, B., Tsiganes et sdentaires, Paris, LHarmattan, 1986, p. 16-17

[14]. Martinez, N., Aspects de la pense tsigane, IN: Jacobs, A. (ed.), Encyclopdie Philosophique Universelle, Vol. I, Paris, 1989, p.1562

[15]. Garcia, J. M.., La communaut gitane en Espagne, Ethnies: Droits de lHomme et Peuples Autochtones, Vol. 8, no. 15, 1993, pp.70-74

[16]. Singular masculino: gadj; singular feminino: gadj. Existem ainda outras denominaes, quase sempre com sentido pejorativo, como gorgio, na Inglaterra, ou payo, na Espanha.

[17]. Acton 1974, pp.35-36

[18] . Acton 1974, p. 55

[19]. Okely, J., The Traveller-Gypsies, New York, University of Cambridge Press, 1983, pp.10-11

[20]. Romn 1979, pp. 171 e 191

[21]. Fraser 1992, p.3

[22]. Willems, W., Op zoek naar de ware zigeuner, Utrecht, Van Arkel, 1995, p. 7

[23]. Acton 1974, p.59

[24]. Willems 1995, p. 9

[25]. Willems 1995, pp. 3-5. Tambm Fonseca 1996, pp.89-90, faz referncia a estes supostos egpcios, conhecidos como Yevkos, e que no falam mais a lngua romani.

[26]. Williams, P., Introduction: dans le lieu et dans lpoque, IN: Williams (ed.) 1989, p.28


Captulo 1 6m4k45

A PRIMEIRA ONDA MIGRATRIA.

No incio do Sculo XV aparecem na Europa Ocidental as primeiras notcias sobre viajantes exticos, indivduos com uma pele escura ou preta e, segundo muitos cronistas, com uma aparncia horrvel, e com alguns hbitos nada agradveis.

Viajavam em bandos de tamanho varivel, de algumas dezenas at centenas de pessoas. No incio, cada bando era liderado por algum que se auto-intitulava duque, conde, voivode etc., de acordo com os ttulos de nobreza usados nos pases por onde avam. So estes exticos viajantes estrangeiros, vindos dos Balcs, os anteados dos indivduos hoje, no mundo todo, genericamente denominados ciganos (ou gitanos, tsiganes, gypsies, zigeuner, etc.), cuja pr-histria e histria antiga at hoje ainda so praticamente incognitas. No sabemos, por exemplo, por quais motivos estes bandos ciganos, provavelmente em pocas diferentes, resolveram migrar dos Balcs para a Europa Ocidental. Alguns autores afirmam que foi por causa das guerras contra os turcos, outros afirmam que foi por causa disto ou daquilo, mas na realidade ningum sabe nada com certeza. O nico fato devidamente comprovado que, a partir do incio do Sculo XV, pequenos bandos "ciganos" migraram para a Europa Ocidental.

As primeiras notcias realmente fidedignas datam de 1417, quando vrias vezes h registro de ciganos na Alemanha. Primeiro em Hildesheim, onde consta que duas pessoas foram pagas para limpar a casa na qual ficou hospedado um grupo de Trtaros do Egito. J em Magdeburg informa-se que durante duas semanas estiveram na cidade os Trtaros, chamados ciganos, gente preta, horrvel, tanto os homens quanto as mulheres, com muitas crianas, que foram expulsos de seu pas e desde ento vagavam pela terra. Na feira, e depois diante dos Conselheiros, se exibiram como acrobatas e saltimbancos: um danava nos ombros do outro, pelo que receberam um tonel de cerveja, um boi e po. Em outra cidade, os ciganos tiveram entre si uma violenta briga que resultou na morte de um deles; o cigano assassino foi preso e decapitado pelas autoridades locais.[1]

Um cronista alemo da poca, o frade dominicano Korner, informa que veio do Leste um grande nmero de indivduos errantes (cerca de 300), antes nunca vistos. Inicialmente apareceram em Lueneburg, visitando depois as ricas cidades martimas de Hamburg, Luebeck, Rostock, alm de outras. Segundo o frade, estes indivduos estranhos viajavam em bandos e pernoitavam fora das cidades, ao ar livre; eram feios, pretos como os Trtaros, e se chamavam Secani. Eram liderados por um conde ou um duque, aos quais obedeciam; eram grandes ladres, em especial as mulheres, e vrios deles foram presos e mortos. Korner informa ainda que eles portavam salvo-condutos fornecidos por reis, principalmente de Sigismundo, rei da Hungria e posterior Imperador do Santo Imprio Romano; os ciganos explicaram que os bispos do Leste os condenaram a peregrinar durante sete anos, como penitncia por terem abdicado a f crist e terem voltado ao paganismo. Em novembro de 1417, um cronista annimo registra a presena de ciganos na Bavria e menciona que eles tinham salvo-condutos nos quais constava que eles podiam furtar de quem no lhes desse esmolas, e por isso eles roubavam muito, e ningum podia impedir-lhes isto.[2]

No ano seguinte, a prefeitura da cidade de Munique entregou aos ciganos uma boa soma em dinheiro, po, carne e vinho, como esmola em nome de Nossa Senhora. Tambm a prefeitura de Frankfurt am Main registra gastos com ciganos e a prefeitura de Basel, na Suia, faz o mesmo para o pagamento de seis carneiros e uma meia carroa de vinho para os ciganos. Alguns dias depois, estes ou outros ciganos esto em Zurich, e nesta cidade as informaes, de vrios cronistas, so bastante confusas. Certo que na cidade estiveram dois bandos ciganos ao mesmo tempo, mas cada um com seu prprio lder, e que acamparam fora da cidade, mas em dois lugares diferentes. No consta que a prefeitura de Zurich contribuiu para a manuteno e alimentao destes dois bandos ciganos. Um cronista informa que os ciganos viviam como cristos, portavam muito ouro e prata, mas vestiam roupas pobres. Eles recebiam manuteno e dinheiro dos seus de sua ptria, no tinham falta de alimentao, pagavam suas comidas e bebidas e aps sete anos voltariam para casa. Por sinal, estes ciganos - nos documentos chamados Zaginer ou Zingri - diziam ser originrios do Pequeno Egito e de Igritz e que foram expulsos pelos turcos.[3]

Um bando cigano mencionado por um cronista que, em 1419, fala de 200 pagos batizados, em quatro cidades suias. Em Berna ficaram acampados ao ar livre, fora da cidade, mas at isto lhes foi proibido por causa dos furtos que cometiam. Os duques e condes que lideravam estes pagos (= ciganos) andavam a cavalo e tinham cintos de prata, mas os outros, os seus sditos, eram pobres; apresentavam cartas do rei Sigismundo.[4]

Nos anos seguintes os ciganos ainda merecem vrias menes: em 1422 registra-se a chegada, em Basel, do conde Miguel do Egito, com 50 cavalos; o documento fala de pagos, chamados Sarracenos; j estiveram vrias vezes antes em Basel e outros lugares; acampavam ao ar livre e apresentavam cartas do papa Martinho V, do rei Sigismundo e de outros Senhores, mas mesmo assim ningum gostava deles. E em 1424 um cronista da Bavria fala de pequenos grupos de ciganos (Cingari, ou Cigawnar), s vezes at 30 pessoas, s vezes menos - ou seja, bandos muito pequenos de apenas algumas poucas famlias, ou apenas uma famlia extensa -, nas redondezas de Regensburg, e que viviam em tendas. No foi permitida sua entrada na cidade, por causa de sua roubalheira. Ao que tudo indica, eram originrios da Hungria, mas o povo acreditava que eram espies. Em 1426, mais uma vez aparecem ciganos (Gens Ziganorum) em Regensburg, acampando em tendas, fora da cidade.[5]

Na mesma poca, a presena de ciganos registrada tambm na Holanda, na Blgica e na Frana, onde j so notcia pelo menos desde 1418, quando aparecem em Colmar trinta pagos com mulheres e crianas. Trs dias aps este pequeno grupo ter sado, chegou um grupo maior de cerca de cem pagos, que se diziam oriundos do Egito: eram pretos, e as mulheres, vestindo uma espcie de cobertor, previam o futuro lendo a mo, e ao mesmo tempo furtavam o dinheiro dos bolsos dos clientes. No ano seguinte os ciganos so vrias vezes vistos em outras regies do pas, e cada vez recebem comida e dinheiro. Em 1419 um duque cigano viaja com 200 pessoas pela Savia, enquanto o duque Andr acompanhado por "120 pessoas, ou talvez mais". Um grupo bem menor de apenas 30 ciganos observado em Arras em 1421, onde ficam trs dias, e em 1422 ciganos visitam novamente a cidade de Colmar.[6]

Na Frana, alguns chefes ciganos apresentam-se como Conde do Egito Menor na Bomia, Conde dos Bomios do Egito Menor, ou Duque da nao da Bomia (na atual Repblica Tcheca, ento parte do Santo Imprio Romano), pelo que na Frana os ciganos tambm aram a a ser chamados bomios, ou seja, oriundos da Bomia.[7]

A travessia para as ilhas britnicas levou mais tempo e somente a partir de 1505 h notcias sobre ciganos na Esccia, na crte do rei Jaime IV. Tratava-se de um bando de cerca de 60 pessoas, gente pobre e miservel, liderado por Antnio Gagino, conde do Pequeno Egito, e que foi bem recebido. Mas aps alguns meses resolveram ir para a Dinamarca, para o que o rei Jaime lhes forneceu uma carta de apresentao para seu tio Joo, rei da Dinamarca. Na Inglaterra h registro de ciganos a partir de 1513, mas logo am a ser perseguidos. Em 1540 h novamente registro de ciganos na Esccia, mas j ento no eram mais bem-vindos e o rei Jaime V ordena a sua sada do pas. O conde cigano John Faw afirma ento que pretende sair do pas e viajar para o Egito, mas treze anos depois ainda se encontram ciganos na Esccia. Na Dinamarca, a perseguio aos ciganos inicia a partir de 1554: proibido hospedar ciganos e quem mat-los pode ficar com suas propriedades; as autoridades locais que permitirem a presena de ciganos tornam-se responsveis pelos danos por eles causados.[8]

Pelo menos no incio, os bandos ciganos oriundos do Leste eram liderados por homens com algum real ou auto-atribudo ttulo de nobreza: conde, duque ou voivode, e h notcia at de alguns reis ciganos. Apresentavam-se como penitentes ou peregrinos, com cartas de apresentao e salvo-condutos de reis, prncipes e nobres, e at do papa, nas quais estes pediam que se fornecesse aos ciganos a melhor acolhida possvel, hospedagem, alimentao e dinheiro.

Fraser acredita que os ciganos aprenderam o valor destes documentos observando peregrinos e viajantes europeus nos portos de Constantinopla ou na Grcia, e resolveram imitar este exemplo para obter uma fonte de renda fcil quando decidiram migrar para a Europa Ocidental.[9] E de fato, no nicio do Sculo XV os primeiros bandos ciganos foram bem recebidos, com ou (depois sempre mais) contra a vontade das autoridades locais.

Segundo Van Kappen, uma das razes para esta boa recepo era justamente o fato de estes primeiros grupos ciganos serem liderados por homens que se apresentavam com ttulos da nobreza europeia, e que realmente o eram ou pelo menos pareciam s-lo. Consta que os chefes ciganos montavam belos cavalos - na poca privilgio dos nobres europeus -, vestiam roupas luxuosas, ostentavam grande riqueza em ouro, prata e joas, hospedavam-se nos hoteis mais caros e realmente se comportavam como nobres; o seu squito era formado por ciganos comuns, sujos e maltrapilhos, que andavam a p, avam fome e dormiam ao ar livre ou quando muito em algum miservel depsito, armazem ou prdio pblico. No h notcias sobre tais nobres ciganos na Grcia ou em outros pases, em pocas anteriores. possvel que at esta aparente diviso social, econmica e poltica tenha sido uma estratgia dos ciganos, para obter mais facilmente o sustento para todos.

Um outro motivo seria que eles se apresentaram como peregrinos (existem vrias verses sobre a motivao), categoria de pessoas que na poca merecia a piedade crist, hospitalidade e assistncia em alimentos, bens ou dinheiro.

Mas os "peregrinos" ciganos eram diferentes dos outros peregrinos europeus em pelo menos trs aspectos: (a) eram estrangeiros exticos, de outra raa desconhecida, e de uma terra longungua e misteriosa (Pequeno Egito); (b) no se dirigiam a um santurio especfico, ou Terra Santa, mas vagavam a esmo pelo Europa, aparentemente sem destino, viajando de um santurio a outro, na medida em que descrobiam a sua existncia; (c) no se tratava de penitentes ou peregrinos individuais, mas de grupos grandes, de dezenas ou centenas de pessoas.[10]

Fraser levanta dvidas sobre a identidade cigana destes duques e condes. Eles podem ter sido ciganos de verdade, mas tambm podem ter sido no-ciganos - eventualmente casados com ciganas - que na Grcia e em outros pases balcnicos foram nomeados para cuidar da istrao dos ciganos. O que explicaria talvez o poder que, comprovadamente, eles tinham sobre os outros ciganos, a sua boa aceitao por altas autoridades da poca e o seu comportamento nobre, aparentemente bem diferente do resto do grupo cigano. E da tambm porque alguns salvo-condutos e cartas de apresentao informavam que os ciganos de mau comportamento s podiam ser julgados e punidos por seus chefes, e no pelas autoridades locais.[11]

No incio do Sculo XV era comum europeus fazerem peregrinaes para lugares onde viveram ou estavam enterrados santos, ou se encontravam relquias, como na Terra Santa. Muitos deles eram penitentes que contavam com o apoio da Igreja, e por extenso das autoridades civis e dos cidados comuns. A caridade crist praticamente obrigava a todos hospedar, ou no mnimo dar assistncia alimentar e financeira a estes peregrinos e penitentes. Da porque em muitas cidades existiam at albergues especialmente construdos para hosped-los. Obviamente, muitos vagabundos e mendigos comuns se aproveitavam disto. Na maioria dos casos, os lugares de peregrinao ficavam na Europa: Compostella, Roma e muitos outros lugares hoje menos conhecidos. Porm, entre os peregrinos andavam tambm muitos nobres abastados, dirigindo-se Terra Santa. Difcil, quase impossvel, era as autoridades e o povo em geral distinguirem entre os verdadeiros e os falsos peregrinos e penitentes, entre os plebeus e os nobres.

Talvez por causa disto, j ento nem todo mundo acreditava nas estrias contadas pelos ciganos. Um cronista alemo de 1439 informa que: Eles contam falsamente que so do Egito e que foram forados ao exlio pelos deuses, e sem vergonha nenhuma fingem estar expiando, atravs de um banimento de sete anos, os pecados dos seus anteados que enxotaram a Nossa Senhora com o Menino Jesus ...... Ao que Fraser acrescenta que, se foram os prprios ciganos que inventaram esta estria, eles cometeram um ato imprudente porque os europeus ainda no sabiam que naquela poca os ciganos ainda no tinham sado da ndia, e com esta lenda forneceram aos europeus mais uma razo para odi-los, da mesma forma como o anti-semitismo se baseava na acusao de os judeus terem sido cmplices na crucifixao de Jesus.[12] Outras estrias, por sinal, tambm falam da participao dos ciganos na crucifixao de Jesus, seja como fabricantes dos pregos usados na mesma, seja como ladres do quarto prego (pelo que s sobraram trs e os ps tiveram que ser pregados com um prego s). A Bblia, no entanto, em lugar algum faz referncia a ciganos. Por isso talvez seja mais provvel que estas estrias, lendas e fantasias, que ainda tm vrias outras verses, tenham sido inventadas por no-ciganos.

Esta primeira onda cigana na Europa Ocidental, aparentemente era composta por indivduos relativamente bem comportados, e cujos lderes se apresentavam no apenas com ttulos de nobreza, mas tambm com nomes cristos - Andr, Antnio, Francisco, Miguel, Thoms etc. -, e que por isso foram bem recebidos pelas autoridades civis e eclesisticas, das quais costumavam obter cartas de apresentao e salvo-condutos (que correspondem mais ou menos aos aportes da atualidade), entre os quais do rei e posterior imperador catlico Sigismundo (1410-1437) e do papa Martinho V (1417-1431).

Nos arquivos do Vaticano nunca se encontrou referncia a uma carta de apresentao papal, pelo que muito se tem duvidado de sua autenticidade. Mas quanto a isto, Van Kappen apresenta uma explicao plausvel: tanto o rei Sigismundo quanto o recm-eleito papa Martinho V encontravam-se em 1417-18 em Konstanz, na Alemanha, onde participavam do Conclio que desde 1414 se realizava naquela cidade; o papa, eleito neste Conclio, s chegou pela primeira vez em Roma em 1420 e as cartas de apresentao teriam (ou poderiam eventualmente ter) sido escritas no em Roma, mas em Konstanz.[13] Tambm Gilsenbach fala amplamente deste Conclio, realizado justamente na poca em que aparecem as primeiras notcias sobre ciganos nos pases germnicos, e acredita que os salvo-condutos de Sigismundo, apresentados por muitos ciganos, sejam verdadeiros, inclusive porque pelo menos um deles foi assinado em Lindau, que fica perto de Konstanz, e porque as experientes autoridades de Hamburgo e de outras cidades hanseticas, onde estas cartas foram apresentadas, certamente logo teriam descoberto eventuais falsificaes. Uma carta papal foi exibida pela primeira vez pelo duque cigano Miguel, em Basel, Suia, em 1422.[14]

No foram ainda descobertos documentos sobre a presena de ciganos nas crtes do rei e posterior imperador Sigismundo, pelo que desconhecemos os motivos pelos quais ele emitia to generosamente estes documentos, mas das duas uma: ou ele gostava muito dos ciganos, ou ento expedia estes salvo-condutos para se livrar logo da presena deles. Gilsenbach apresenta uma terceira hiptese, segundo a qual Sigismundo, por volta de 1396, utilizou ciganos na sua Cruzada contra os turcos - ento uma ameaa para seu reino hngaro - , e depois da vitria os gratificou regiamente com salvo-condutos.[15]

O fato de pessoas nobres, em viagem, apresentarem cartas de altas autoridades civis ou eclesisticas era comum na poca, mas tambm existia uma florescente indstria de falsificaes. Hoje, salvo talvez em alguns casos excepcionais, no h como saber quem apresentava documentos autnticos ou falsificados. O que tambm no importa tanto. O fato que, por via das dvidas, quase sempre estes documentos eram aceitos pelas autoridades locais que, na poca, no tinham meios para conferir de imediato a sua autenticidade, e por isso atendiam aos desejos da citada autoridade superior.

Muitas cartas de apresentao parecem, de fato, ter sido falsificaes grosseiras. Algumas, como a carta do rei Sigismundo apresentada pelos ciganos em Bolonha, em 1422, autorizavam os ciganos a roubar impunemente! Outras informavam que os ciganos s podiam ser punidos por seus prprios chefes (condes, duques, voivodes e.o.) e no pelas autoridades locais. Uma outra carta, supostamente recebida do papa, informava que os ciganos tinham obtido um meio-perdo dos seus pecados e que a outra metade s conseguiriam aps sete anos de peregrinao; uma curiosa e incomum meia-lavagem da alma! difcil acreditar que alguma alta autoridade poltica ou eclesistica tenha expedida cartas deste tipo.[16]

Outro problema a grande quantidade de duques, condes e voivodes ciganos perambulando pela Europa, todos apresentando cartas de apresentao e salvo-condutos idnticos ou semelhantes. Nos documentos dos sculos XV-XVI, Gilsenbach descobriu os nomes de cerca de cinquenta deles; alguns aparecem apenas uma nica vez, outros reaparecem em pocas e lugares diferentes. Mas, explica ele, isto no quer dizer que sempre se tratava da mesma pessoa porque, enquanto um bando de ciganos possua um salvo-conduto em nome de Toms, o seu chefe sempre seria chamado Toms, seja qual fosse seu nome verdadeiro.[17]

A rica cidade holandesa de Middelburg, por exemplo, entre 1457 e 1476 foi visitada por no mnimo seis condes ciganos diferentes: 1457 - conde Constantino, com grande squito, recebeu 16 florins e prometeu no voltar mais; mesmo assim voltou em 1460 e o documento informa que seu bando era formado por gregos; 1458 - conde Nicolau com 60 seguidores (recebeu dinheiro, igualmente sob condio de no voltar mais); 1466 - conde Joo; 1473 - conde Antnio (sob condio de no hospedar-se com os seus ciganos na cidade); 1476 - sucessivamente os condes Filipe e Simo. Antes disto a cidade j tinha sido visitado por outros condes ciganos, mas cujos nomes no so mencionados. Na dcada de 90, a cidade seria visitada por ciganos nada menos do que sete vezes, e que cada vez receberam uma soma em dinheiro sob condio de no entrar na cidade e ir logo embora! [18]

No resta dvida que, por causa destas cartas e salvo-condutos, os bandos ciganos foram bem recebidos na Europa Ocidental no incio do Sculo XV. Em janeiro de 1420, um certo Duque Andr do Pequeno Egito, chefe de um bando cigano, recebeu da prefeitura de Bruxelas, na Blgica, alimentos, cerveja, vinho, uma vaca, quatro carneiros e 25 moedas de ouro. Em maro de 1420, o mesmo Andr - que estava viajando com cerca de 100 pessoas e 40 cavalos - recebeu 25 florins da prefeitura de Deventer, na Holanda, alm de alimentos, po, peixes, cerveja, capim para os cavalos e hospedagem no wanthuis, uma espcie de armazem, ao lado da prefeitura, que depois teve de ar por uma limpeza total.[19] O mesmo aconteceu em 1428 em Hildesheim, na Alemanha, onde um grupo de ciganos ficou hospedado na casa da famlia Mollemes; receberam uma pequena esmola em dinheiro, mas a prefeitura contestou depois os gastos com iluminao e cerveja; no entanto, concordou em pagar as despesas para limpar a casa dos Mollemes, porque a sujeira deixada pelos ciganos deve ter sido mais do que comprovada.[20]

Na Alemanha estes salvo-condutos continuam sendo expedidos pelo menos at meados do sculo XV: em 1442 Frederico III, Rei do Santo Imprio Romano, fornece salvo-conduto a Miguel, conde dos Czygenier, vlido em todo o territrio do reino. Um ano depois, este mesmo Miguel, Conde dos Ciganos recebe outra carta de apresentao do Conde Gerhard von Juelich und Berg, com validade de um ano, na qual este autoriza os ciganos a viajar por seu condado e comprar todas as suas necessidades, desde que pagando em dinheiro, e desde que se comportassem bem e no incomodassem ningum. Ou seja, j se trata de uma apresentao com prazo de validade, limitaes geogrficas e exigindo um comportamento adequado. Em 1448, e mais uma vez em 1454, este Conde Gerhard fornece uma carta de apresentao semelhante ao Conde Dietrich do Pequeno Egito, sempre com validade de um ano.[21]

Porm, em muitas cidades estas cartas nada valiam. Entre 1448 e 1497 os ciganos aparecem pelo menos treze vezes na cidade de Frankfurt am Main, e sempre so logo expulsos. Em 1472 alguns ciganos so at presos e somente libertos aps terem devolvidos os objetos furtados.[22] E no demoraria muito para surgirem dvidas sobre estas cartas de apresentao e as estrias contadas pelos ciganos. O cronista Aventinus (nome latino do alemo Johannes Thurmeyer), escrevendo no final do sculo, informa que em 1439 estiveram na Bavria ciganos liderados pelo Rei Zundel: afirmaram ser originrios do Egito e tinham que errar sete anos pelo mundo porque, tempos atrs, no deram hospedagem ao menino Jesus e Nossa Senhora. Aventinus considera isto uma mentira e acrescenta: Mas o Mundo cego e quer ser enganado; acham que eles so santos e que quem lhes fizer mal, ter azar; permitem que eles furtam e roubam, mentem, enganam de vrias maneiras...... . [23]

Os salvo-condutos e cartas de apresentao praticamente deixam de existir ou de ter valor, em toda a Europa Ocidental, a partir do final do sculo XVI, e com eles desaparecem tambm por serem agora inteis - os lderes ciganos com reais ou falsos ttulos de nobreza.

Os viajantes exticos que apareceram na Europa Ocidental a partir de 1400 - depois chamados ciganos- , conforme inmeros documentos histricos (e inclusive muitas pinturas e peas teatrais) da poca comprovam, tinham tambm vrios costumes um tanto exticos, e condenados na poca (como, alis, ainda hoje). Quase todas estas fontes histricas apresentam queixas sobre a mendicncia - inicialmente ainda tolerada nos pases catlicos, mas depois sempre mais severamente condenada, principalmente nos pases com predominncia da religio calvinista ou luterana, como no norte da Holanda ou na Alemanha - ou sobre furtos ou outros delitos.

Alis, as fontes histricas praticamente s tratam disto, mas quase nada informam sobre a lngua que os ciganos falavam (a maioria dos cronistas nem sequer informa que eles falavam entre si uma lngua diferente), sobre sua religio (parece que sempre adotaram logo a religio do pas no qual estavam viajando), sobre sua cultura e valores culturais (a no ser que sempre desrespeitavam escandalosamente a propriedade alheia), sobre sua organizao social (a no ser que eram liderados por nobres) e econmica (a quiromancia e a mendicncia praticadas principalmente pelas mulheres sempre so citadas, e h algumas referncias a ciganos artistas, msicos, mdicos, ferreiros, etc., mas tudo isto insuficiente para escrever um captulo sobre a economia cigana de ento), sobre a educao dos seus filhos, e sobre outros tantos assuntos mais. Por isso no h como estranhar a averso, e logo depois o dio anti-cigano, em praticamente todos os pases da Europa.

O dio contra minorias nunca nasce do absolutamente nada; sempre estas minorias - no nosso caso, as minorias ciganas - apresentam reais ou supostos motivos que para a maioria justifique o seu comportamento anti-minoritrio. No caso dos ciganos e do anti-ciganismo europeu, alguns destes motivos so mais do que documentados: a quiromancia (leitura das mos) pelas mulheres, e os eternos furtos, praticados principalmente por mulheres e crianas.

Vejamos inicialmente o caso do "duque" cigano Andr - cujo nome reaparece em vrios documentos - que em 1422 visita a cidade de Bolonha, na Itlia, onde apresenta a mesma estria que, s vezes com algumas variaes, tambm contava em outros pases: tempos atrs tinham renegado a f crist, mas quando foram vencidos pelo rei Sigismundo da Hungria, o duque e seus sditos se converteram novamente f e foram batizados; o rei ento lhes ordenou para errar pela Europa durante sete anos e visitar o papa em Roma; somente depois disto poderiam voltar sua terra; ao chegar a Bolonha, j tinham viajado cinco anos; diziam que em sua carta, o rei Sigismundo os autorizava que, nestes sete anos, obtivessem seu sustento roubando impunemente seja aonde estivessem.

Dito e feito. Os ciganos ficaram duas semanas em Bolonha, onde o duque se hospedou no luxuoso Albergue do Rei; os outros ciganos ficaram debaixo de galerias e pontes. Principalmente as mulheres ciganas, agindo em grupos, roubaram tanto de casas e lojas que as autoridades locais autorizaram aos cidados bolonheses roubar de volta tudo que lhes foi roubado. Os bolonheses roubaram ento alguns dos mais belos cavalos dos ciganos que s foram devolvidos aps a a populao local ter recuperado grande quantidade dos objetos roubados. Depois disto, os ciganos partiram em direo a Roma.[24] Obviamente, um documento detalhado deste no nasceu da fantasia de um cronista bbado, mas relata fatos que realmente aconteceram, como o caso parisiense a seguir, contado por um cronista annimo que foi excelente observador e que teve contato pessoal com os ciganos.

Segundo este cronista, a cidade de Paris foi pela primeira vez visitado por ciganos em agosto de 1427 (quando a cidade estava sob domnio ingls). Na vanguarda vieram um duque, um conde e dez homens, todos a cavalo, que se diziam procedentes do Baixo Egito. O resto do grupo, cerca de 100 a 120 pessoas, chegou alguns dias depois (mas disseram que quando saram do seu pas, eram cerca de 1000 a 1200). Em Paris contaram uma histria confusa, sobre como no ado tinham sido cristos, mas que depois foram vencidos pelos sarracenos e obrigados a renegar a f, at serem novamente vencidos pelo Imperador da Alemanha (Sigismundo?), o rei da Polnia e outros, quando voltaram a ser cristos. S que desta vez foram proibidos de possuirem terras no seu prprio pas, at o papa concordar com isto. Por isso foram a Roma, com grande sofrimento, confessaram-se ao papa e este lhes ordenou que, como penitncia, deveriam andar sete anos consecutivos pelo mundo sem parar [o cronista, na realidade diz: sem dormirem em camas]. Traziam cartas do papa em que este pedia ao clero que desse aos ciganos ajuda financeira para eles continuarem sua viagem. Ao chegar em Paris j teriam viajado durante cinco anos. Realmente, uma estria comovente!

Como no podia deixar de ser, tambm em Paris despertaram grande curiosidade do pblico, em parte por causa de sua aparncia extica. Mas isto demorou pouco. Segundo o cronista, alm de serem as criaturas mais pobres que j foram vistas na Frana, causaram alguns problemas matrimoniais porque, ao ler as mos, as ciganas informavam aos homens que tua mulher te botou chifre (ta femme ta fait coux), e s mulheres que teu marido te foi infiel (ton mari ta fait coulpe) e enquanto isto seja por magia ou por outro procedimento, seja por obra do inimigo que est no inferno ou por artifcios hbeis, outros esvaziavam os bolsos dos curiosos, segundo se dizia. O cronista afirma categoricamente ter visitado os ciganos trs ou quatro vezes para falar com eles, e nunca lhe furtaram uma moedinha sequer. Seja como for, o ento bispo de Paris no gostou nada da histria e excomungou sumariamente todos (os ciganos) que praticaram e todos (os no-ciganos) que acreditaram na tal adivinhao, e que no devem ter sido poucos. Os ciganos partiram ento para outra cidade.[25]

No seria esta a nica e ltima interveno clerical para expulsar os ciganos: em 1435, pela primeira vez os ciganos aparecem na cidade de Meiningen, na Alemanha, onde ganham seu sustento como artistas e saltimbancos; a prefeitura lhes fornece vinho, carne e po, o que prova uma recepo inicial cordial, mas aps onze dias, o proco manda expuls-los da cidade. Os motivos no so citados, mas tambm nesta cidade a ira do proco deve ter sido causada pelas atividades adivinhatrias das mulheres ciganas.[26]

Ainda na Alemanha, o historiador Krantz, que em parte repete informaes do acima citado Korner de 1417, acrescenta que os ciganos no tm ptria e vivem dos furtos cometidos pelas mulheres; viajam de pas para pas e aps algum tempo voltam. Mas como se dividiram em vrias partes, dificilmente os mesmos voltam para o mesmo lugar, a no ser aps longos intervalos. Por toda parte juntam-se a eles homens e mulheres que desejam compartilhar sua vida nas tendas; trata-se de uma estranha mistura de gente, que fala todas as lnguas, que fica importunando os camponeses. Trata-se de um documento importante porque, talvez pela primeira vez, h referncia a no-ciganos que se juntaram aos bandos ciganos.[27]

Anos depois, em 1430, na cidade de Konstanz, um cronista culpa os ciganos - que furtaram, praticaram magias, adivinharam e leram as mos - de serem os responsveis tambm pela fome e por uma epidemia, mas que, conforme o prprio cronista informa, s ocorreram oito anos depois da visita destes ciganos. Ou seja, j ento os ciganos eram usados como bode expiatrio para qualquer desgraa, mesmo ocorrida muito tempo depois de sua agem pelo local. Alguns anos depois, em 1436, registra-se a presena de cerca de 400 ciganos em Konstanz, onde um cigano ladro ia ser enforcado; os ciganos pedem clemncia para o companheiro e prometem lev-lo para o Egito (sic!); o pedido foi deferido. Certamente as autoridades municipais devem ter pensado bem as consequncias de uma eventual revolta generalizada de cerca de 400 ciganos![28]

Um documento da Bavria, de 1439, chama os ciganos uma raa de ladres, a escria e a ral de vrios povos .... (que) procura sustentar-se impunemente furtando, roubando e prevendo o futuro. E outro documento atesta que a fama de ladro-de-galinha persegue os ciganos j desde o Sculo XV: numa pea teatral de um autor suio, escrita por volta de 1475, um campons pede mulher para fechar as portas do celeiro e prender as galinhas, porque os ciganos esto chegando![29]

Salvo um ou outro assassinato (vrias vezes h registro de um cigano assassinando outro cigano e, eventualmente, toda a famlia do inimigo cigano, ou cometendo outro crime grave), quase todos os "crimes" cometidos pelos ciganos nesta poca ainda so relativamente suaves e no am de delitos leves. Em geral limitam-se ao furto de pequenos objetos carteiras, frutas e outros alimentos, ou ento objetos domsticos que costumavam ser vendidos a receptadores no-ciganos, alm de animais de pequeno porte, como galinhas, gansos e patos, excepcionalmente um porco; ou ento tirar leite de vacas pastando no campo, tirar frutas das rvores, apanhar batatas ou beterabas na roa, cortar alguma lenha, caar ou pescar ilegalmente, etc. Mas tudo isto apenas para consumo prprio e imediato. Consta, tambm, que as mulheres ciganas s vezes exageravam um pouco na sua nsia de furtar ou enganar os no-ciganos.

No norte da Holanda, a maioria dos processos citados por Van Kappen envolve mulheres ciganas, apanhadas em flagrante nas cidades, e quase nunca na rea rural. Uma das causas disto pode ter sido o fato de as mulheres, quase sempre carregando crianas, terem mais dificuldade para fugir do que os homens. Muitas ciganas presas, por sinal, escaparam de serem aoitadas pelo fato de estarem grvidas. Pelo menos na Holanda, tambm no se aplicavam punies fsicas s crianas que, no mximo, tinham que presenciar os castigos aplicados aos seus pais. Por outro lado, tambm, tudo indica que eram principalmente as mulheres que mendigavam e furtavam, com certeza porque elas inspiravam maior compaixo. Os homens, por sua vez, exerciam, na medida do possvel, profisses honestas, como artistas, msicos, domadores de animais, ferreiros, sapateiros, tratadores de cavalos, veterinrios e, inclusive, mdicos.

Mas as ciganas no costumavam mendigar pura e simplesmente, como os outros mendigos. Aproximavam-se das pessoas prometendo ler a mo e prever o futuro (quiromancia), exorcizar maus espritos, ou ento vendiam remdios para os mais diversos males, o que em si no era to grave assim. O crime costumava ser cometido depois. Encontrando donas de casa com problemas domsticos, amorosos ou de outra natureza, as ciganas ofereciam sempre sua ajuda, que quase sempre resultava na perda de uma considervel quantidade de dinheiro, joias, ouro ou prata, ingenuamente entregue cigana para afastar maus espritos, ou para multiplic-la milagrosamente, ou para recuperar um marido infiel. Ou encontrando casas com portas ou janelas abertas, aproveitavam para furtar alguns pequenos objetos. Consta que uma cigana foi apanhada em flagrante furtando na casa de um prefeito; outra cigana conseguiu explorar divinamente a ganncia financeira de uma madre superiora que lhe entregou todos os objetos de ouro e prata do convento, afim de milagrosamente multiplic-los!

Alguns processos judiciais descrevem com detalhes vrios truques utilizados pelas ciganas para enganar otrios das mais variadas espcies, desde mulheres ciumentas desejosas de recuperar seus maridos infieis, indivduos ansiosos de multiplicar sem nenhum esforo a sua riqueza, mulheres estreis querendo engravidar, moas grvidas desejosas de abortar, etc. Seja qual fosse o problema - financeiro, fsico ou espiritual - , as ciganas sempre tinham uma soluo para o mesmo. Porm, s vezes tambm os otrios no-ciganos eram punidos. Um curioso projeto de lei da municipalidade de Kampen (Holanda), em meados do Sculo XVI, estabelece que se algum otrio deixasse se enganar por um cigano e se o dinheiro ou os bens assim perdidos fossem recuperados, estes ariam a pertencer ao municpio e seriam vendidos em leilo pblico! Afinal de contas, a pessoa foi enganada porque quis, e quem teve o trabalho de recuperar o dinheiro ou os bens foi a prefeitura.

Queremos chamar a ateno ainda para uma outra estratgia para ganhar proteo e dinheiro de no-ciganos influentes e ricos. Trata-se do batismo mltiplo das crianas - quatro, cinco ou at mais batismos em lugares diferentes -, escolhendo-se para padrinhos e madrinhas pessoas ricas e influentes da sociedade no-cigana, capazes de darem bons presentes e (talvez principalmente) futura proteo para o afilhado e os compadres. O batismo mltiplo para obter vantagens foi constatado tambm pelo Snodo da Igreja Reformada Holandesa, em 1612, pelo que resolveram que crianas ciganas s poderiam ser batizadas se os padrinhos tambm fossem ciganos; proibiu-se o batismo se os padrinhos fossem no-ciganos. Consta que depois disto o nmero de batismos ciganos diminuiu consideravelmente. O assunto voltou a ser discutido vrias vezes em outros snodos.[30]

Quase nada sabemos dos ciganos honestos, mas que tambm devem ter perambulado pela Europa naquela poca. As nicas fontes histricas sobre ciganos quase sempre so processos judiciais que, por definio, tratam exclusivamente de pessoas criminosas ou supostamente criminosas e praticamente nada informam sobre as atividades profissionais das pessoas honestas. Por sinal, j ento - pelo menos na Holanda, e provavelmente tambm em outros pases - os mascates e outros que exerciam profisses ambulantes, como artistas, amoladores de facas e tesouras, sapateiros e.o., precisavam de uma licena municipal, renovvel periodicamente. E esta licena, da mesma forma como a licena para mendigar, costumava ser dada apenas aos cidados nativos e negada aos estrangeiros.

Dois documentos suios, de 1430 e 1444, falam da existncia de um sindicato (guilde) dos mendigos de Basel, com suas prprias leis, e cita nada menos do que 26 modalidades de mendicncia. Os ciganos no so mencionados, mas estes documentos provam que at a mendicncia profissional e organizada j existia na Europa daquele tempo.[31]

No havia, portanto, como um cigano exercer legalmente uma profisso honesta ou mais ou menos honesta - nem sequer a de mendigo - pelo menos no nas cidades, mesmo se o quisesse. Nos documentos holandeses existem algumas poucas referncias a comrcio e tratamento de cavalos, e vrias vezes ciganos so citados como curandeiros ou mdicos que preparavam pomadas e leos para curar pessoas e animais. Na cidade de Zwolle, em 1542, um cigano veterinrio remunerado por ter curado um cavalo. Que gozavam certa fama na rea mdica prova o fato de um mdico no-cigano ter resolvido fazer um estgio com os ciganos, para aprender melhor com eles a arte mdica. Preso, foi absolvido, por no ser cigano; se tivesse sido cigano, teria sido condenado, e talvez enforcado, o que mostra que, j ento, o que importava no era tanto o crime, mas o fato de ser cigano. Consta que outros ciganos serviram como tratadores de cavalos (veterinrios) e mdicos no exrcito onde certamente eram tolerados por causa de sua reconhecida percia nestas reas.

Outro caso amplamente documentado ocorreu na provncia de Groningen (Holanda), onde em 1706 um grupo de 21 ciganos (entre homens, mulheres e crianas), sob chefia de um certo Isaac, conhecido como Doutor, ficou algum tempo em Doccum, vendendo remdios (vrios tipos de p, pomadas e leos, para cabelo, dor de dente e febre) e praticando a medicina. O nome Isaac sugere que talvez no tenha sido um cigano autntico, mas talvez um judeu casado com uma cigana, que vivia e viajava junto com um bando cigano. Seja como for, este Isaac era um competente chirurgio, e outro cigano do grupo sabia curar epilepsia (vallende ziekte), fraturas e dores de cabea. Um charlato qualquer, com xaropes e ervas medicinais pode at curar dores de cabea, mas certamente no fraturas. Ou seja, tratava-se de uma equipe mdica cigana ambulante, mas competente. Em Doccum no surgiram problemas, mas quando se mudaram para Emden foram logo expulsos embora, como informa o documento, no tivessem praticado nenhum furto, nem tivessem causado problemas para a populao. Pouco depois foram presos e expulsos da cidade de Groningen, mais uma vez sem ter cometido nenhum crime. Nestes casos j se evidencia a perseguio aos ciganos pelo simples fato de serem ciganos.[32]


Captulo 2 9w2e

POLTICAS ANTI-CIGANAS.

Polticas anti-ciganas na Europa do Norte.

Desde o seu aparecimento na Europa Ocidental, os ciganos nunca foram imigrantes bem-vindos e amados, mas antes considerados um mal necessrio, do qual cada crte, cada cidade ou cada convento tentava livrar-se o mais cedo possvel, inclusive pagando para isto. Na maioria das vezes, as autoridades locais nada podiam fazer, por causa das cartas de apresentao e salvo-condutos de altas autoridades civis ou eclesisticas. Porm, a tolerncia dos europeus teve limites e as primeiras reaes anti-ciganas no demoraram a surgir. A tolerncia inicial aos poucos se transformou em averso, e finalmente em dio. Esta mudana de atitude ocorreu, com maior ou menor intensidade, em todos os pases europeus, embora em pocas diferentes, inclusive variando de acordo com a data da entrada inicial dos ciganos, e o seu comportamento, em cada pas.

Na Holanda, no incio do Sculo XV, o comportamento dos ciganos ainda relativamente bom, mas por onde am deixam um rastro de sujeira: os prdios pblicos nos quais so hospedados, invariavelmente precisam depois de uma limpeza geral. Os ciganos ainda no constituem um perigo, porque no vivem assaltando ou assassinando, mas de qualquer forma sempre mais se tornam uma presena incmoda por causa dos pequenos furtos que praticam. Inicialmente ainda so tolerados dentro das cidades, mas logo lhes proibida a entrada e devem ficar fora das muralhas. As doaes em dinheiro e alimentos, inicialmente dadas de boa vontade, por serem considerados peregrinos ou penitentes, no somente vo diminuindo em quantidade, mas so agora dadas para a cidade se livrar o mais cedo possvel destes visitantes sujos e maltrapilhos, muitas vezes condicionando-se a doao promessa de nunca mais voltar.

A atitude das autoridades municipais de Deventer um bom exemplo. Inicialmente, em 1420, os ciganos recebem doaes em dinheiro e alimentos e so hospedados num prdio pblico. Aparentemente com fama de ser generosa, a cidade foi novamente visitada por ciganos em 1429, 1438, 1439 e 1441. Mas j em 1445 e 1447 os ciganos foram proibidos de entrar na cidade e receberam dinheiro para ir embora, o que se repetiu mais quatro vezes at 1465, diminuindo sempre mais a quantia de dinheiro destinada a comprar o afastamento dos ciganos. J em 1454 dois ciganos foram presos, acusados de roubo, e em 1505 colocaram na priso at o filho de um auto-intitulado rei cigano, tambm por roubo. O que significa que estes ciganos aparentemente no portavam salvo-condutos, ou que as autoridades municipais no mais lhes davam valor, e que os seus ttulos de nobreza j eram considerados piada de mau gosto.

Em outras cidades da Holanda aconteceram fatos semelhantes. Nijmegen hospedou bem os ciganos pela primeira vez em 1429, mas em 1536 e 1543, foram sumariamente expulsos da cidade. Em Zutphen os ciganos foram bem recebidos em 1430, 1445, 1459 e trs anos seguidos na dcada de 90, mas em 1538 e 1542 foram expulsos. O primeiro edital anti-cigano foi publicado em 1544 pela provncia de Gelderland. Neste edital consta que perambulava um grande nmero de ciganos pela regio e que estes incomodavam a populao, pelo que todos deviam deixar a regio dentro de dois dias, sob pena de punio fsica e confisco de bens. Foi proibido, ainda, fornecer salvo-condutos aos ciganos e os ttulos de nobreza deixaram de ser reconhecidos. Consta que em 1551, na mesma provncia, duas ciganas foram aoitadas e um cigano e trs ciganas foram banidas; nove anos depois, em 1560, quatro ciganos foram marcados a ferro e depois banidos. A partir de ento, as condenaes de ciganos no param mais, em todas as provncias da Holanda. Van Kappen cita dezenas de processos envolvendo ciganos (alguns por ele transcritos, na ntegra, nos anexos). As penas de morte ainda so raras nesta poca, mas acontecem. Numa pequena cidade da provncia de Overijsel, em 1577 foram enforcados quatro ciganos pelos crimes de terem assaltado muitas casas e, principalmente, de terem falsificado moedas, coisa simples que, conforme confessavam, qualquer cigano sabia fazer. Suas mulheres e crianas foram banidas.[33] Falsificar dinheiro, alis, parece ter sido uma velha profisso cigana: j em 1442, cerca de cinquenta homens ciganos foram presos em Konstanz, sob suspeita de falsificar dinheiro. Um deles, de fato, confessou ter falsificado algumas moedas. Por causa disto, todos os ciganos foram expulsos da cidade e o falsificador foi marcado a ferro.[34]

Com tudo isto, os bandos grandes se dividem em grupos menores de uma ou algumas poucas famlias extensas. No h mais referncias a reis, duques ou condes ciganos e com eles desaparece tambm a ostentao de riqueza: os documentos deixam claro que os ciganos so pobres e am a ser includos, daqui em diante, na categoria geral de mendigos e vagabundos. E de fato, desaparecendo as antigas generosas doaes de dinheiro e alimentos aos (supostos?) nobres ciganos, os seus (tambm supostos?) sditos so obrigados a obterem o seu sustento trabalhando, mendigando ou praticando pequenos furtos de alimentos, vesturio ou objetos. Antes, os ciganos com suas autnticas ou falsificadas cartas papais e salvo-condutos imperiais ou reais, incomodavam principalmente as autoridades polticas (imperadores, reis, nobres, prefeitos) e eclesisticas (bispos, superiores de conventos, vigrios); a partir de agora am a incomodar a populao civil em geral, nas cidades e no campo.

Os documentos no deixam dvida que todos os ciganos so pobres e vivem da mesma forma como os vagabundos no-ciganos, mendigando, furtando, de vez em quando assaltando. A criminalidade cigana aumenta sempre mais e so publicados editais que punem os ciganos apanhados em flagrante. Normalmente no se trata de editais exclusivamente contra os ciganos, mas de um modo geral contra pagos (isto : ciganos) e outros vagabundos, vadios, mendigos, vigaristas e bandidos. S mais tarde surgem editais que permitem punir os ciganos pelo simples fato de serem ciganos, mesmo sem terem cometido crime algum. As punies, no entanto, so pesadas: aoites em praa pblica (quase sempre at sangrar), marcao com ferro quente (geralmente nas costas), corte de partes do nariz ou das orelhas, para facilmente serem reconhecidos, tudo isto sempre seguido pelo banimento perptuo da cidade ou provncia. Em casos de reincidncia, a pena de morte, principalmente para os homens, atravs de enforcamento ou decapitao. As mulheres em geral escapam da pena capital e so apenas banidas, junto com os seus filhos, para evitar que as autoridades tivessem que sustentar depois a quase sempre numerosa prole cigana.

Cada uma das Sete Provncias Unidas dos Pases Baixos (Holanda) de ento tinham autonomia poltica e jurdica, pelo que no existia uma poltica anti-cigana unificada, nacional. Cada provncia tinha sua prpria legislao mas, apesar disto, as legislaes sempre eram semelhantes e muitas vezes uma provncia copiava ou adotava a legislao de outra. Os banimentos perptuos eram, portanto, sempre para a cidade ou a provncia vizinha (s vezes at com direito escolta at a fronteira, para que se tivesse certeza do afastamento da praga cigana). O que os vizinhos fariam com os ciganos, era problema deles. Da porque os ciganos, para mais facilmente escapar das eternas perseguies, preferencialmente se fixavam em regies de fronteira, para facilmente poderem fugir para outro municpio, outra provncia ou at outro pas.

Na Holanda, a partir do final do Sculo XVII, sem poder trabalhar, sem ter onde viver e perseguidos em todas as provncias da Holanda, os ciganos voltam a reagrupar-se em bandos maiores, muitas vezes misturados com vagabundos e bandidos no-ciganos, e em desespero am a praticar assaltos a mo armada, principalmente no campo, j que o o s cidades lhes determinante proibido. Tornam-se comuns notcias sobre assassinatos de camponeses, incndios de fazendas e outros crimes pesados cometidos por ciganos, ou por supostos ciganos. Diante disto, a perseguio tambm se torna mais violenta ainda e a pena de morte torna-se comum, aps julgamentos sumrios ou at sem julgamento algum. So organizadas caas-aos-pagos, permitindo-se matar impunemente ciganos. Ou seja, oficializado o genocdio dos ciganos na Holanda, com apoio de militares.

O combate envolvia s vezes verdadeiros exrcitos, pelo menos para os padres da poca. Na provncia holandesa de Braband foram, em 1723, mobilizados 500 soldados, p ou a cavalo, que atacaram um acampamento cigano e prenderam 60 pessoas. E na provncia de Gelderland, em 1725, foram presos cerca de 50 ciganos, entre homens, mulheres e crianas; 14 mulheres foram aoitadas, marcadas a ferro e depois banidas (certamente com seus filhos); dez homens foram torturados e depois decapitados, sendo suas cabeas espetadas em paus, para exibio pblica. Editais de 1725 e 1726 da provncia de Overijsel se referiam aos ciganos como inimigos da ptria e permitiam matar impunemente ciganos que andavam com armas de fogo ou em bandos de mais de oito pessoas; seus bens ariam a pertencer a quem os matasse; os ciganos presos seriam imediatamente enforcados. Em outras provncias foram publicados editais semelhantes. O resultado final podia ser um s: a partir de meados do Sculo XVIII praticamente no h mais notcias de ciganos em processos judiciais ou em outros documentos histricos holandeses: ao que tudo indica, todos os ciganos tinham sido expulsos do pas, ou ento tinham sido assassinados. [35]

Em outros pases, a perseguio aos ciganos foi quase idntica. Na Suia os ciganos j podiam ser caados legalmente pelo menos desde 1580 e um decreto da cidade de Berna, de 1646, autorizava qualquer pessoa matar ciganos. Na Alemanha (ou melhor, no Santo Imprio Romano Germnico), entre 1551 e 1774, foram decretadas nada menos do que 133 legislaes anti-ciganas, sendo 68 leis no perodo de 1701-50, e apenas oito no perodo 1751-74, quando a praga cigana, aparentemente, em boa parte j tinha deixado de existir, ou seja, quando j sobreviviam bem menos ciganos do que antes.

A seguir, apenas alguns exemplos de legislaes anti-ciganas: 1711 - na Saxnia foi autorizado matar ciganos se eles resistissem priso; 1714 em Mainz, todos os ciganos (homens adultos) podiam ser executados sem julgamento, apenas pelo fato de serem ciganos, e suas mulheres e seus filhos deviam ser marcados a ferro e banidos, ou ento realizar trabalhos forados; 1725 Frederico I, rei da Prssia, decreta que ciganos - homens e mulheres maiores de 18 anos podem ser enforcados sem julgamento; 1734 o duque de Hesse-Darmstadt d um ms para os ciganos deixarem suas terras; depois disto podem ser aprisionados ou caados, oferecendo-se 6 Reichsthaler para cada cigano vivo, e 3 para cada cigano morto. Consta ainda que o imperador Carlos VI ordenou em 1721 a execuo sumria dos homens ciganos e em 1737 h registro de caas aos ciganos na Austria. Ou seja, no apenas na Holanda mas em muitos outros pases existia uma poltica de extermnio dos ciganos. [36]

Alguns pases introduziram a pena de morte j bastante tempo antes. Nas ilhas britnicas, por exemplo, j em 1541 todos os ciganos deviam deixar a Esccia dentro de 30 dias, sob pena de morte; na Inglaterra j em 1530 promulgado o primeiro decreto anti-cigano e outros decretos ainda mais rigorosos seguem em 1554 e em 1562, este um decreto vlido para a Inglaterra e o Pas de Gales, e que ficou em vigor at 1783: os ciganos devem logo abandonar o pas e a imigrao de novos ciganos proibida; as punies so severas e incluem castigos corporais, priso, banimento e em ltimo caso at a pena de morte.[37]



[1]. Gilsenbach, R., Weltchronik der Zigeuner, Teil I: Von den Anfaengen bis 1599, Frankfurt am Main, Peter Lang, 1994, pp. 47-48

[2]. Gilsenbach 1994, pp. 49-52

[3]. Gilsenbach 1994, pp. 53-56; de fato existe hoje uma aldeia Igritz, na Hungria, e que j foi ocupada pelos turcos.

[4]. Gilsenbach 1994, pp. 56-57

[5]. Gilsenbach 1994, pp. 61-62, 66-68

[6]. Gilsenbach 1994, pp. 54, 57-58. 60

[7]. Fraser, A., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, pp. 94-95

[8]. Fraser 1992, pp. 112-121; Gilsenbach 1994, im.

[9]. Fraser 1992, p. 56

[10]. Van Kappen, O., Geschiedenis der zigeuners in Nederland: de ontwikkeling van de rechtspositie der heidens of egyptenaren in de noordelijke Nederlanden (1420-1750), Assen, Van Gorcum, 1965, im

[11]. Fraser 1992, p. 80

[12]. Fraser 1992, pp. 85-87

[13]. Van Kappen 1965, pp. 89-90; Fraser 1992, p. 63

[14]. Gilsenbach 1994, pp. 48-52

[15]. Gilsenbach 1994, pp. 48-49

[16]. Van Kappen 1965, pp. 93-94; Fraser 1992, pp. 64 e segs.

[17]. Gilsenbach 1994, pp. 266-267

[18]. Van Kappen 1965, pp. 424-427

[19]. Van Kappen 1965, p. 211

[20]. Gilsenbach 1994, p. 71

[21]. Gilsenbach 1994, pp. 79-82, 85, 88

[22]. Gilsenbach 1994, p. 84

[23]. Gilsenbach 1994, p. 78

[24]. Van Kappen 1965, pp. 43-44

[25]. Van Kappen 1965, pp. 49-50; para a verso original deste documento em lngua sa, veja Van Kappen 1965, pp. 561-62; traduo espanhola em Ligeois, J.P., Los Gitanos, Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1988, pp. 42-3; tambm em Bloch, J., Los Gitanos, Buenos Aires, Editorial Universitria, 1962, pp. 7-8.

[26]. Gilsenbach 1994, p. 76

[27]. Gilsenbach 1994, pp. 51-52

[28]. Gilsenbach 1994, pp. 73 e 76

[29]. Fraser 1992, 85 e 126

[30]. Van Kappen 1965, im

[31]. Gilsenbach 1994, p. 74

[32]. Van Kappen 1965, pp. 271-276

[33]. Van Kappen, O., Geschiedenis der zigeuners in Nederland: de ontwikkeling van de rechtspositie der heidens of egyptenaren in de noordelijke Nederlanden (1420-1750), Assen, Van Gorcum, 1965, im

[34]. Gilsenbach, R., Weltchronik der Zigeuner, Teil I: Von den Anfaengen bis 1599, Frankfurt am Main, Peter Lang, 1994, p. 80

[35]. Van Kappen 1965, im

[36]. Fraser, A., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, pp. 150-154; Ligeois, J.P., Gypsies and Travellers, Strasbourg, Council of Europe, 1987, pp.90 e 93

[37]. Fraser 1992, pp. 112-121, 131 e segs.

Na Alemanha, ustria, Suia e Frana, bem maiores do que a Holanda e com melhores reas de refgio (montanhas e florestas), os ciganos nunca chegaram a ser exterminados por completo, mas mais do que provvel que, por causa destas severas legislaes anti-ciganas, o seu nmero tenha sido reduzido drsticamente.

Polticas anti-ciganas na Pennsula Ibrica.[1]

Na Espanha, j em 1425 um cigano intitulado Dom Joo do Egito Menor apresenta um salvo-conduto expedido pelo rei Afonso V de Aragn; em Barcelona aparecem em 1447 um duque e um conde cigano com seus squitos; em Castelln de la Plana so registrados em 1460, 1471 e 1472. Todos apresentam salvo-condutos de Afonso V ou do seu sucessor Joo II de Aragn, alm de outros escritos por Henrique IV de Castilha. Como sempre os ciganos se apresentam como peregrinos, mencionam a penitncia imposta pelo papa, etc., como j fizeram tambm na Europa do Norte. Estes primeiros ciganos na Espanha eram comprovadamente oriundos do norte da Europa, e antes j tinham viajado pela Alemanha, Holanda e Frana, atravessando depois os Pirinus em direo Espanha. Mas segundo Fraser, a partir de 1470, teria havido ainda uma outra imigrao de bandos ciganos para a Espanha, diretamente da Grcia via o Mar Mediterrneo, cujos membros se apresentaram como fugitivos dos turcos, e que no eram liderados por duques e condes, mas por homens que eram chamados mestre, chefe, ou capito.[2]

Em vrios documentos espanhois e portugueses h referncia origem grega dos ciganos. Na Farsa das Ciganas, do escritor portugues Gil Vicente, de 1521, as ciganas dizem que so gregas e falam com forte sotaque espanhol, o que refora a hiptese de uma migrao mediterrnea de ciganos gregos diretamente para o sul da Espanha, e que de l teriam viajado para Portugal.[3]

Tambm Torrione se refere a estes ciganos gregos, que falavam o grego vulgar, e cuja migrao para o oeste teria iniciado a partir de 1463, quando Veneza, que ento colonizava partes da Grcia, entrou em guerra aberta contra os turcos otomanos. A autora cita, inclusive, versos de meados do Sculo XVI que falam da vida de unos Griegos Gitanos que van vagando por la vida humana temidos de los pobres aldeanos. Outro documento espanhol de 1618 diferencia claramente os dois tipos de ciganos e informa que alguns so do Egito e outros da Grcia ... Os Grecianos, em sua maior parte, so ferreiros, e usam mais o enganar com palavras, e fraudes, do que os furtos. Os Egipcianos so vadios, e amigos de andar a cavalo, e usam mais o furto do que os enganos e embustes.[4]

Tambm na Espanha os ciganos apresentavam salvo-condutos, mas pelo menos um destes documentos, de 1476, diferente pois alm de informar que o conde cigano Joo se encontrava em peregrinao a Compostella e Roma, acrescenta que ele era inimigo mortal dos condes ciganos Martinho, Miguel e Jaime. [5]

Conforme j vimos, os ciganos chegaram Espanha j na primeira metade do Sculo XV, vindos da Frana, e inicialmente foram bem recebidos, participando inclusive de banquetes reais e recebendo dinheiro, roupas e alimentos. As fofoqueiras palacianas de ento informam que isto se devia s qualidades sedutivas das mulheres ciganas e ao talento dos homens na procura de cavalos bonitos para os estbulos dos seus amigos...... Mas tambm naquele pas no demoraria muito para eles serem perseguidos, j a partir do final daquele sculo. As medidas legislativas anti-ciganas visavam principalmente a integrao dos ciganos sociedade espanhola, ou ento a sua expulso do pas, quando no o extermnio puro e simples.

Entre 1499 e 1534 ordena-se vrias vezes que os ciganos, dentro de 60 dias, obtenham uma profisso ou um patro e lhes proibido viajarem juntos, sob punio de cem aoites e banimento; os reincidentes sero marcados com um corte nas orelhas, ficaro 60 dias encarcerados e sero depois banidos; no caso de nova reincidncia sero escravos de quem os capturou. Em 1539 a ordem repetida sendo que o prazo de trs meses; so probidos os deslocamentos de mais de trs pessoas e s punies acrescentam-se seis anos de trabalhos forados como remadores nas gals.

A partir de 1560 so proibidos os deslocamentos de mais de duas pessoas, ou seja, um casal cigano nem sequer podia andar na rua ou viajar junto com seus filhos; os ciganos so proibidos de usarem suas roupas tradicionais; punio: at dezoito anos de gals para os ciganos a partir de 14 anos de idade (dificilmente algum sobreviveria a dezoito anos de gals); em caso de reincidncia: pena de morte para os nmades e as gals para os sedentrios.

Em momento algum a Igreja Catlica se ops a esta perseguio cruel aos ciganos, antes pelo contrrio, era justamente ela que talvez mais instigasse os governos a punir os ciganos. Paban informa que no Conclio de Tarracn, de 1591, a Igreja pediu aos poderes pblicos que castigassem os ciganos dos quais apenas consta que so cristos, mas que na realidade so uns embusteiros, ladres, vigaristas e viciosos. E no Sculo XVII o telogo Sancho de Moncada enviou ao rei um amplo documento em que solicita severa represso aos ciganos, sua deportao do pas, e defende a pena de morte, inclusive para as mulheres e crianas ciganas, porque no h lei que nos obrigue a criar filhotes de lobos. Neste texto do ento famoso telogo, os ciganos so ainda chamados: patifes, uma ral muito perniciosa, espies e traidores da cora, um povo vagabundo e preguioso, prostitutas, vadios, bisbilhoteiros, ladres, ladres de crianas, ladres de cavalos e gado, encantadores, feiticeiros, adivinhos, mgicos, quiromantes, herticos, idlatras, ateistas. O padre certamente expressava os esteretipos dos seus conterrneos. E ele no era o nico que, citando a bblia, defendia a pena de morte para os ciganos ou ento o seu banimento perptuo.[6]

Em 1611 ordena-se aos ciganos que trabalhem como servos para os latifundirios, em atividades agrcolas, uma mudana profissional radical que obviamente no teve muito xito. Da porque em 1619 novamente ordenada a expulso de todos os ciganos do reino, num prazo de seis mses, ou ento eles tm que fixar residncia em vilas ou cidades com mais de mil habitantes; so proibidos o vesturio, a lngua e os nomes ciganos; punio: pena da morte.

O resultado parece ter sido nulo, porque em 1633 as ordens so bem mais rigorosas: o nome cigano deve desaparecer do vocabulrio e fica proibido algum chamar-se ou ser chamado cigano, ou seja, uma espcie de genocdio lingustico: proibindo-se o termo cigano, acreditam ingenuamente acabar assim com os ciganos. Mais uma vez os ciganos foram proibidos de realizar encontros, de usar seu vesturio tradicional, de falar sua lngua, de morar juntos em determinados bairros, mas deviam misturar-se com os outros cidados. Ciganos nmades podiam ser escravizados e h notcias de caas a ciganos que vagavam pelos campos. Como na Holanda, tambm na Espanha somente os homens ciganos eram condenados, s gals ou morte, enquanto as mulheres eram apenas aoitadas e depois banidas, junto com seus filhos.

Entre 1633 e 1692 as ordens continuam praticamente as mesmas: so proibidas as reunies pblicas ou privadas; os ciganos devem misturar-se ao resto da populao e nada deve distingu-los; so proibidos o nome de cigano como tambm o vesturio; as punies so, para os homens 200 aoites e seis anos de gals, para as mulheres o desterro e multa financeira; encontrando-se um cigano fora do local que lhe foi designado, ser escravo de quem o encontrar; se for encontrado com uma arma de fogo, oito anos de gals.

Em 1695 realizado o talvez primeiro censo (ou melhor: tentativa de censo) cigano no mundo: todos os ciganos, num prazo de 30 dias, devem declarar sua profisso, seu modo de vida, armas, cavalos, etc. .... A seguir tm 30 dias para sair do reino ou fixar residncia num local com mais de 200 habitantes; devem dedicar-se a trabalhos agrcolas e so proibidos de ter cavalos, ou de frequentar feiras e mercados; os ciganos no podem portar armas e mais uma vez so proibidos o vesturio e a lngua; aos espanhois proibido dar proteo aos ciganos. As punies so: para os homens seis ou oito anos de gals, e para as mulheres cem ou duzentos aoites e degredo; para os espanhois nobres que protegem os ciganos uma multa de 6.000 ducados e para os outros (no-nobres) dez anos de gals, e para as mulheres cem ou duzentos aoites e degredo. No final a Lei acrescenta a talvez primeira definio de ciganos: so aqueles que se vestem como tais e falam sua lngua.

Em 1717 indicam-se 41 cidades para os ciganos fixarem residncia, em 1726 os ciganos so proibidos de apelarem a um tribunal superior e em 1731 comea a inspeo das residncias ciganas para verificar se obedecem s ordens e proibido o comrcio com os ciganos; falta de zelo na aplicao das leis pode custar uma multa de 200 ducados. Em 1745 as ordens so mais violentas: dentro de quinze dias os ciganos tm que fixar residncia nos lugares indicados, permitido disparar contra os ciganos e mat-los, e as igrejas no podem mais dar asilo a ciganos. No ano seguinte so acrescentadas outras 35 cidadas s 41 que j foram indicadas para residncia dos ciganos, mas as famlias ciganas sero distribudas na proporo de uma para cada cem habitantes e somente uma famlia cigana para cada rua. Mais uma vez lhes proibido o uso da roupa tradicional e de sua lngua. Porm, nada disto foi suficiente para acabar com a praga cigana na Espanha.

Para a perseguio aos ciganos, a Cora espanhola sempre pde contar com o apoio da Igreja Catlica, inclusive quando se tratava da elaborao de estratgias genocidas. E assim, em 1746, o Bispo de Oviedo props a primeira razia cigana a nvel nacional de que se tem notcia: numa determinada noite, todos os ciganos, em toda a Espanha, seriam presos e depois usados em trabalhos forados e seus bens vendidos. O rei aceitou o conselho do bispo e o ataque foi realizado no fim de junho de 1749, com apoio militar. Cerca de nove a doze mil ciganos foram presos; muitos deles foram assassinados.[7] O que a Igreja e a Cora no previram era o que fazer com tantos milhares de ciganos presos. Houve quem propusesse a deportao dos ciganos para as colnias, mas esta idia no chegou a ser aprovada. E assim, em pouco tempo, tudo voltou ao normal e no restou outra alternativa a no ser soltar a quase totalidade das famlias ciganas.[8]

Existia, portanto, uma desesparada e, diga-se de agem, infrutfera, poltica de integrar os ciganos na sociedade espanhola, atravs da eliminao de todas as diferenas culturais (vesturio, lngua, nome, identidade, etc.). Os que no se transformassem em bons cidados espanhois sedentrios, eram expulsos do pas ou, em ltimo caso, eliminados fisicamente. Da porque ainda em 1783 uma ordem repete apenas textos anteriores: o vesturio, o modo de vida e a lngua so proibidos; todos os ciganos devem fixar residncia dentro de noventa dias; o nome cigano proibido e deve ser tirado dos documentos; punio para os reincidentes: a morte.

Como no podia deixar de ser, muitos ciganos fixaram, compulsoriamente, residncia nas cidades e aram a exercer outras atividades profissionais. Muitos, tambm, devem ter sido condenados s gals ou morte. Mas os documentos deixam claro que muitos ciganos se refugiaram em regies inspitas da Espanha, ou ento em outros pases, como o vizinho Portugal. No entanto, a Espanha no chegou a deportar ciganos para suas colnias americanas, embora haja notcia de ciganos deportados para a frica. Antes pelo contrrio, em 1570 chegou-se at a proibir a entrada de ciganos nas Amricas, e em 1581, tendo notcia que alguns ciganos secretamente tinham conseguido emigrar e estavam perturbando os ndios, o rei mandou repatri-los. S que no conseguiram mais encontrar os ciganos.[9]

Em Portugal as primeiras referncias a ciganos aparecem no final do Sculo XV e logo comea tambm a perseguio aos ciganos. Em 1526 proibida a entrada de ciganos em Portugal e decretada a expulso daqueles que j se encontravam no pas. Em 1538, o rei, Vendo eu o prejuzo que se segue de virem a meus reinos e senhorios ciganos, e neles andarem vagando pelos furtos e outros malefcios que cometem e fazem em muito dano dos moradores..., proibe a entrada de ciganos, devendo os transgressores serem presos, publicamente aoitados e depois expulsos. Quem voltar, deve ser novamente aoitado e perder tudo que tiver e lhe for achado: a metade para quem o acusar, e a outra metade para a Misericrdia (uma instituio de, real ou virtual, caridade da Igreja Catlica) do lugar onde for preso. Em 1557 novamente proibida a entrada de ciganos em Portugal e s penas j existentes acrescenta-se a pena s gals para os homens ciganos.[10]

Em 1579, num alvar sobre os ciganos, o rei novamente ordena que os ciganos devem sair do pas num prazo de trinta dias, e acabados os ditos trinta dias qualquer cigano que for achado nos ditos meus reinos por esse mesmo feito ser logo preso e aoitado publicamente no lugar onde for achado e degradado para sempre para as gals posto que tenha proviso do dito senhor Rei meu avo ou minha para poder estar ou andar nestes reinos.... Conforme se v, havia excees e a alguns ciganos era permitido permanecer no pas, inclusive queles que vivem bem e que trabalham e no so prejudiciais, lhe podero dar licena, no permitindo que vivam juntamente em um bairro, seno em bairros apartados [separados], e que andem vestidos ao modo portugus.... Em 1592, sob pena de morte, os ciganos recebem um prazo de quatro meses para sedentarizar-se ou ento abandonar o pas.[11]

Apesar disto, havia ciganos que continuaram a perambular pelo pas, conforme prova um documento da Cmara Municipal de Elvas, de 1597, que tambm mostra que muitos crimes cometidos por portugueses eram atribudos aos ciganos:

... foi acordado que comvinha ao bem pubrico e quieta desta cidade n se comsemtirem nella os siganos que os dias pasados se vier avisinar com precatorio do corregedor do crime da Sidade de Lisboa, por quanto desde dito tempo pera ca se tinha feito muitos furtos de bestas e outras coizas e amdava a gente da sidade t escamdalizada que se temia hum mutim comtra elles, maiormente depois que ouve alguns furtos que conhesidamente se soube serem feitos por elles; posto que as testemunhas n sabem expesificaidamente quais dos ditos siganos o fizesse; e alem diso por esta cidade ser de gemte belicoza e da raia e acim de comtino acomtesem muitos crimes de diveras maneiras, os quais se emcobrem dibaicho desta capa de diserem que os fiser os siganos, pello que determinar que fossem noteficados que demtro em tres dias se saicem desta cidade..... [12]

Uma ordenao de 1603, com o ttulo: Que no entrem no Reino Ciganos, Armenios, Arabios, Persas, nem Mouriscos de Granada, proibe novamente a entrada de ciganos e prev pena de aoites e sua posterior expulso, independente de terem cometido algum crime ou no. E se no sairem, ou voltarem, como j foi dito em 1538, sero outra vez aoitados e perdero seus bens (metade para o acusador e metade para a Misericrdia). A mesma punio valia tambm para os portugueses que andavam com os ciganos, e que alm disto seriam degredados dois anos para a frica.[13]

Num documento de janeiro de 1613, o rei Dom Philipe lembra a existncia de um alvar de 1606, contra os ciganos, e que no estava sendo cumprido, da mesma forma como outras ordenaes, nem as penas que nelas se declaram so bastantes para eles sairem fora do Reino, antes continuam em roubos e danos, que fazem a meus vassalos com geral escndalo, sendo tudo em grande prejuzo seu, e dano do Reino..... Diante disto, o rei edita um novo lvar, em que solicita que suas ordens sejam rigorosamente cumpridas, e aumenta as penas para os ciganos: se presos pela primeira vez, aoites e trs anos de gals; na segunda vez, aoites e seis anos de gals; na terceira vez, aoites e dez anos de gals. O nmero de aoites aparentemente ficava a critrio dos juizes que daro [aos ciganos] tempo conveniente (que no ar de um ms) para que se saiam do Reino.[14]

Parece que, mais uma vez, pouco adiantou, porque j em setembro do mesmo ano acrescenta-se: E porque sou informado, que o dito Alvar se no cumpre e executa, e que andam muitos ciganos por este Reino vagando em quadrilhas cometendo muitos excessos e desordens .... E mais uma vez o Rei solicita que suas ordens sejam cumpridas, dando-se aos ciganos um prazo de quinze dias para deixar o pas, sem embargo de quaisquer licenas que tenham para nele residirem, posto que sejam por mim assinadas, ou que lhes fossem adas cartas de vizinhana, as quais todas anulo e as hei por de nenhum efeito. E ado o dito termo de quinze dias se executar em quaisquer ciganos, que forem achados, a pena de aoites e gals, pela maneira que no dito alvar se declara; e nas mulheres a pena de aoites somente.[15]

Conforme se v, todos os documentos oficiais portugueses ordenavam aos ciganos sair do pas. Mas abandonar o pas como, se Portugal s tem limites terrestres com um nico pas, a Espanha, onde os ciganos tambm eram perseguidos? Os ciganos portugueses simplesmente no tinham para onde fugir, e o governo portugus no tinha para onde expuls-los na Europa. Da talvez porque em 1649 seria ordenada a deportao dos ciganos para as colnias ultramarinas. Num alvar daquele ano, o Rei reconhece o fracasso das leis anteriores, pelo que manda prender os ciganos e deport-los para as colnias:

Eu El Rey ..... por se ter entendido o grande prejuizo e inquietao que se padece no Reino com huma gente vagamunda que c o nome de siganos andam em quadrilhas vivendo de roubos enganos e imbustes contra o servio de Deus e meu. Demais das ordenaes do Reino, por muitas leis e provises se precurou extinguir este nome e modo de gente vadia de siganos com prizoens e penas de asoutes, degredos e gals, sem acabar de conseguir; e ultimamente querendo Eu desterrar de todo o modo de vida e memoria desta gente vadia, sem asento, nem foro nem Parochia, sem vivenda propria, nem officio mais que os latrocinios de que vivem, mandey que em todo Reino fossem prezos e trazidos a esta cidade [Lisboa], onde serio embarcados e levados para servirem nas comquistas divididos..... . [16]

Exceo feita apenas para os mais de 250 ciganos que estavam servindo no exrcito portugus, nas fronteiras, e um dos quais um documento de 1646 elogia bastante: [O cigano] Jeronimo da Costa..... serviu a V. Majestade trs anos contnuos nas fronteiras do Alentejo, com suas armas e cavalo, tudo s suas custas, sem levar soldo algum, franca e fidalgamente ..... at que na Batalha do Campo de Montijo foi morto com muitas feridas, pelejando sempre mui esforadamente .[17] Infelizmente, o abnegado heroismo deste e de outras centenas de ciganos em defesa da ingrata ptria portuguesa - por ser uma caracterstica positiva - nunca ou a ser um esteretipo sobre os ciganos lusitanos ou os ciganos em geral. J naquele tempo, como ainda hoje, os esteretipos costumavam lembrar apenas a qualidades negativas: quando um cigano faz algo positivo, ele citado nominalmente, como caso nico, como exceo; quando algum cigano comete um crime, seu nome no costuma ser citado e trata-se apenas de um cigano, que apenas confirma a suposta regra de que todos os ciganos so criminosos, e nunca ser considerado uma exceo entre outros tantos ciganos honestos.

Inicialmente os ciganos eram deportados para as colnias africanas, principalmente para Angola e Cabo Verde, talvez por estarem geograficamente mais prximas, mas em 1686 uma Proviso muda o degredo da frica tambm para o Maranho, no Brasil:

E quanto aos que j so naturais, filhos e netos de portugueses (porm com hbito, genero e vida de ciganos), os obrigareis a tomarem domicilio certo, donde no podero sair nem mudar sem minha especial licena, nem possam andar vagabundos em quadrilhas pelo reino ..... e em aqueles que encontrarem a Lei sobre eles estabelecida a fareis executar na forma que nela se contm, com declarao que a dita Lei d para frica sejam para o Maranho .[18]

A ordem repetida em outro decreto do mesmo ano: Tenho resoluto que com os ciganos e ciganas se pratique a Lei, assim nesta Corte, como nas mais terras do reino; com declarao que os anos que a mesma Lei lhes impem para frica, seja para o Maranho. Mais uma vez, aparentemente tudo em vo, porque num documento de 1694 o Rei informa .... que os ciganos nascidos neste Reino continuam em seus excessos e delitos, sem tomarem genero de vida nem ofcio de possam sustentar-se, vivendo arranchados e juntos em quadrilhas, trazendo os mesmos hbitos e trajes de ciganos, sem terem domiclio certo .... Ordena ento que os ciganos saiam de Portugal dentro de dois meses, com pena de morte e ado o dito termo sero havidos por banidos, e se praticar com eles a pena do banimento na forma da lei, assim e do mesmo modo que tenho resoluto com os ciganos castelhanos que entraram neste Reino.... [19]

Ainda no mesmo ano, em outro documento, o rei Dom Pedro volta a falar da imigrao de ciganos espanhois, e repete praticamente as mesmas ordens do documento anterior:

... por quanto sou informado que pelas raias deste Reino tem entrado muitos ciganos castelhanos, os quais haviam cometido muitos e vrios crimes, e porque convm evitar o grande prejuizo que de homens to licenciosos e criminosos se pode seguir aos meus vassalos. Hei por bem e vos mando que ..... todos que tiverem entrado neste Reino saiam dele em termo de dois meses, com pena de morte, e ado o dito termo sero havidos e banidos e se praticar com eles a pena de banimento na forma da lei... .[20]

Em 1708, mais uma vez dito que os ciganos que se recusassem a obedecer s ordens seriam punidos com aoites e degredados pelo tempo de dez anos:

Hei por bem, e mando que no haja neste Reino pessoa alguma de um, ou de outro sexo, que use de traje, lngua, ou giringona [dialeto] de ciganos, nem de impostura das suas chamadas buenas dichas; e outrosim, que os chamados Ciganos, ou pessoas que como tais se tratarem, no morem juntos mais, que at duas casas em cada rua, nem andaro juntos pelas estradas, nem pousaro juntos, por elas, ou pelos campos, nem trataro em vendas, e compras, ou troca de bestas, seno que no traje, lngua e modo de viver usem do costume da outra gente das Terras; e o que contrrio fizer, por este mesmo fato, ainda que outro delito no tenha, incorrer na pena de aoites, e ser degradado por tempo de dez anos; o qual degredo para os homens ser de gals, e para as mulheres, para o Brasil . [21]

Ou seja, pelo menos segundo este documento de 1708, apenas as mulheres ciganas (talvez com seus filhos menores, mas certamente sem os seus maridos e filhos maiores, condenados s gals), eram deportadas para o Brasil, onde comprovadamente existia uma enorme escassez de mulheres brancas para os colonizadores portugueses que no quisessem ou, dependendo de sua posio social, no pudessem casar com uma ndia ou com uma escrava negra africana, por sinal, um casamento durante muito tempo proibido.

Em vrios documentos citados acima h referncia pena de morte. No entanto, ao contrrio da Espanha e de outros pases europeus, Portugal parece ter evitado ao mximo a pena da morte, preferindo o banimento dos ciganos para suas colnias ultramarinas, na frica ou no Brasil.

Captulo 3

A SEGUNDA ONDA MIGRATRIA.

A Segunda Onda Migratria de ciganos para o Ocidente ocorreu a partir de meados do Sculo XIX, aps a abolio da escravido cigana na atual Romnia (ento Moldvia e Walquia). No entanto, esta no pode ser considerada a nica causa desta nova onda migratria, inclusive porque muitos ex-escravos ciganos continuaram trabalhando para seus antigos proprietrios, em condies no muito diferentes das anteriores. Ainda hoje a populao cigana romena uma das maiores da Europa.

Outros fatores que certamente tambm influenciaram, foram a misria em que viviam enormes parcelas da populao rural e urbana europia no final do Sculo XIX e incio do Sculo XX, alm das duas Guerras Mundiais que provocarem enormes migraes internas e externas, e que fizeram com que milhes de europeus procurassem melhores condies de vida em outros pases, ou at em outros continentes. Entre estes migrantes com certeza encontravam-se tambm ciganos Rom, embora nunca (auto) identificados como tais, porque apresentavam aportes alemes, italianos, romenos ou de outras naes, pelo que hoje impossvel saber quantos ciganos entraram num determinado pas examinando os registros de entrada de "imigrantes estrangeiros". A declarada (suposta ou real) identidade nacional de origem uma coisa; outra coisa bem diferente a identidade tnica, nunca declarada porque nunca solicitada a ser declarada.

Na Europa Ocidental, a chegada destes milhares de novos migrantes ciganos oriundos do Leste fez com que alguns pases criassem ou repensassem suas polticas ciganas. De um modo geral, estas polticas sero anti-ciganas, culminando na Alemanha nazista com o holocausto cigano. E mesmo aps a II Guerra Mundial as minorias ciganas continuaram sendo discriminadas, apesar de inmeras recomendaes bem intencionadas a favor dos ciganos feitas por rgos internacionais como a Organizao das Naes Unidas ou o Conselho da Europa.

A Terceira Onda Migratria inicia a partir do colapso dos regimes comunistas na Europa do Leste, a partir de 1989, quando novamente dezenas de milhares de ciganos migram ou se refugiam na Europa Ocidental ou nas Amricas. E mais uma vez, na mesma proporo crescer tambm o anti-ciganismo.

Sobre o total da atual populao cigana na Europa Ocidental existem apenas estimativas. Isto em parte porque os censos demogrficos no costumam incluir perguntas sobre a identidade tnica das pessoas. E mesmo se o fizessem, com certeza muitos ciganos negariam sua identidade, com medo de posteriores discriminaes e perseguies.

Acrescenta-se ainda um outro problema: em muitos pases os censos incluem os ciganos numa categoria mais ampla de indivduos, existentes h sculos e inclusive antes da chegada dos assim chamados ciganos, que tambm tm uma vida nmade, mas que no so ciganos. Na Inglaterra estas pessoas so denominadas "viajantes", na Frana "gente de viagem" ou "pessoas sem domiclio fixo", na Holanda "moradores de trailers". Outras minorias nmades no-ciganas, existentes na Europa h sculos e que falam lnguas prprias, so os Tynker irlandeses, e os Jenisch, de origem alem, mas hoje encontrados tambm na Frana e na Itlia.

Na Frana calculou-se, em 1991, a existncia de cerca de 250.000 "gens du voyage" (gente de viagem), termo que inclue ciganos e no-ciganos sem residncia fixa. Mas, apesar do nome, apenas 70.000 eram realmente nmades, 70.000 eram semi-nmades e cerca de 110.000 eram sedentrios.[22] No se sabe quantos deles so ciganos e quantos so no-ciganos. Segundo Delamon: "No existem dados cientificamente levantados e suficientemente detalhados sobre os ciganos. Isto, porque a sociedade cigana no se apresenta de maneira homognea e no fcil determinar seus limites".[23] Da talvez porque na Frana no existem leis especficas para os ciganos, mas apenas uma ampla legislao para gente de viagem e pessoas sem domiclio fixo, legislao esta vlida tambm para os ciganos.[24]

Tambm na Holanda, os nmeros oficiais incluem, alm dos ciganos, ainda outras pessoas que levam ou levavam uma vida nmade (atualmente a quase totalidade delas sedentarizada). So os "habitantes-de-trailers" (woonwagenbewoners), pessoas de nacionalidade holandesa, que tm ou tinham uma vida nmade, geralmente devido s suas atividades econmicas (arteses, circos, parques de diverses etc.), ou que apenas moram em trailers, quase sempre por motivos econmicos (no tm casa prpria e no podem ou no querem pagar aluguel). No constituem, portanto, um grupo tnico diferenciado, mas apenas um grupo social com caractersticas prprias. A partir do incio do Sculo XX foram-lhes indicados locais especiais para acampamento na periferia das cidades e vilas, o que aumentou ainda mais a sua marginalidade. Muitas vezes so confundidos com ciganos, j que seu estilo de vida praticamente idntico. Apesar disto, no se consideram ciganos, nem so considerados ciganos pelos ciganos autnticos ou pelos holandeses em geral. A populao nmade total avaliada em cerca de 20.000 a 35.000 pessoas, das quais apenas umas 4.000 so ciganos. Os ciganos holandeses (com nacionalidade holandesa) esto sujeitos s leis comuns que valem para qualquer cidado holands; para os ciganos estrangeiros vale a legislao sobre estrangeiros; no existe uma legislao especfica para ciganos.[25]

Na Gr-Bretanha, Acton distingue nada menos do que dezoito denominaes usadas para designar ciganos e nmades, mas que hoje preferem auto-denominar-se romani, no caso dos ciganos, ou viajantes (travellers), no caso de nmades ciganos e no-ciganos, por causa da imagem negativa atribuda ao termo cigano, e a discriminao decorrente disto.[26]

E para completar as incertezas demogrficas: todos estes clculos sobre ciganos no costumam incluir os ciganos que residem em casas ou apartamentos, porque no h como obter informaes confiveis sobre eles, nem sequer em censos oficiais, pelo que normalmente se conta apenas o nmero de trailers estacionados nos acampamentos, e estima-se 3 a 5 habitantes por trailer.

Uma recente estimativa a de Ligeois que obteve seus dados atravs de renomados ciganlogos europeus. Mesmo assim, os nmeros por ele apresentados incluem viajantes ciganos e no-ciganos porque, como ele informa: "a distino entre ciganos e viajantes nem sempre clara, e a pergunta quem cigano e quem viajante no encontra resposta e em certos contextos de nenhuma importncia: grupos intermedirios podem ter-se formado h muito tempo e continuam a ser formados".[27]

Segundo Ligeois, em 1994 a populao nmade cigana e no-cigana na Europa Ocidental seria: Alemanha 110 a 130.000; Astria 20 a 25.000; Blgica 10 a 15.000; Dinamarca 1.500 a 2.000; Espanha 650 a 800.000; Frana 280 a 340.000; Holanda 35 a 40.000; Irlanda 22 a 28.000; Itlia 90 a 110.000; Noruega 500 a 1.000; Portugal 40 a 50.000; Reino Unido 90 a 120.000; Sucia 15 a 20.000; Suia 30 a 35.000.[28]

Repetimos mais uma vez: todos estes nmeros se referem no populao cigana, mas apenas e to somente populao nmade cigana e no-cigana! Sobre o total da populao cigana nmade, semi-sedentria e sedentria, na realidade ningum sabe absolutamente nada com certeza e muitos "ciganlogos" europeus apresentam nmeros completamente diferentes, maiores ou menores. Por isso, tambm as estimativas da populao cigana europia (incluindo a Europa Oriental) variam enormemente, de 2 a 15 milhes de pessoas. Para o desespero dos demgrafos, ainda hoje os ciganos so um verdadeiro enigma, uma populao na realidade impossvel de ser contada em qualquer pas do mundo. Mesmo na Europa, quase sempre as estimativas sobre a populao cigana so feitas apenas na base do 'chutmetro', adivinhando-se ou fantasiando-se um nmero qualquer, sem qualquer base emprica, sem que tenha sido realizada qualquer pesquisa demogrfica sria e confivel. Na maioria das vezes, as informaes demogrficas ciganas no am de mera fantasia, quando no de mentiras ou dados propositalmente falsificados.

Difcil, praticamente impossvel, generalizar sobre o anti-ciganismo na Europa Ocidental a partir de meados do Sculo XIX, porque as polticas e legislaes anti-ciganas diferem consideravelmente de um pas para outro. Sobre vrios pases praticamente no existem informaes. Diante da impossibilidade prtica de tratarmos aqui de todos os pases da Europa Ocidental, vejamos sumariamente o anti-ciganismo apenas na Holanda e na Frana, de meados do sculo XIX at os dias de hoje. O anti-ciganismo alemo ser visto num captulo separado.



[1]. A parte sobre a Espanha se baseia principalmente em Borrow, G., The Zincali: an of the gypsies of Spain, Illinois, Project Gutenberg Etext 565, 1996 (1 edio 1841); Paban, F. M., Histria y costumbres de los gitanos, Barcelona, Montaner y Simon, 1915; Ligeois, J. P. Gypsies and Travellers, Strasbourg, Council of Europe, 1987; Ligeois, J. P., Los Gitanos, Mxico, Fondo de Cultura Economica, 1988; Fraser, A., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992; Alfaro, A. Gomez, Espanholes gitanos: una histria de amores y desamores, I Tchatchipen 4/1993, pp.29-37; La reducin de los nos gitanos, I Tchatchipen 8/1994, pp.27-42; Martinez, M. Martinez, Marginacion institucional de los primeros austrias sobre los gitanos del sureste peninsular, I Tchatchipen 15/1996, pp. 6-20; Gonzalez, A. Vargas, La legislacion sobre gitanos en la Espaa de los Austrias, I Tchatchipen 17/1997, pp.9-14; La legislacin sobre gitanos en la Espaa de los Borbones, I Tchatchipen 23/1998, pp. 35-40. Muitos destes autores citam documentos e fatos idnticos.

[2]. Fraser 1992, pp. 97-101

[3]. Coelho, A., Os ciganos de Portugal, Lisboa, Dom Quixote, 1995 [1 ed. 1892], pp. 150-151

[4]. Torrione, M., El traje antiguo de los gitanos: alteridad y castigo, Cuadernos Hispanoamericanos, n. 536, 1995, pp. 22-24 e 31

[5]. Fraser 1992, pp. 76 e 98

[6]. Este longo documento foi transcrito na ntegra por Borrow 1841/1996, Parte I, Cap. X.

[7]. Alfaro, A. , The great gypsy round-up, Madrid, Editorial Presencia Gitana, 1993, im

[8]. Alfaro, A. , La polemica sobre la deportacin de los gitanos a las colonias de America, Cuadernos Hispanoamericanos, n. 36, 1992, pp. 308 e segs.

[9]. Fraser 1992, p. 170

[10]. Coelho 1995, pp. 197-199

[11]. Coelho 1995, pp. 200-202

[12]. Coelho 1995, pp. 202-203

[13]. Coelho 1995, p. 204

[14]. Coelho 1995, pp. 204-205

[15]. Coelho 1995, pp. 205-206

[16]. Coelho 1995, pp. 211-212

[17]. Coelho 1995, pp. 207-208

[18]. Coelho 1995, pp. 218-219

[19]. Coelho 1995, pp. 219-220

[20]. Coelho 1995, p. 221

[21]. Coelho 1995, p. 223

[22]. Prevot, H., Faciliter linsertion des gens du voyage: un programme dactions prioritaires, Paris, 1991 (ms)

[23]. Delamon, A., La situation des gens du voyage et les mesures proposes pour lamliorer: rapport de mission, s.l., 1990, p.8 (ms)

[24]. Charlemagne, J. e Pigault, G. (eds.), Rpertoire des textes lgislatifs et rlementaires concernant les Personnes Sans Domicile Fixe, Paris, UNISAT, 1980

[25]. Willems, W. e Lucassen, L., Ongewenste vreemdelingen: buitenlandse zigeuners en de nederlandse overheid 1969-1989, Den Haag, SDU, 1990; Cottaar, A ., Lucassen, L e Willems, W., Mensen van de reis: woonwagenbewoners en zigeuners in Nederland 1868-1995, Zwolle, Waanders, 1995

[26]. Acton, Th., Gypsy politics and social change, London, Routledge & Kegan Paul, 1974, pp. 60 e segs.

[27]. Ligeois, J. P., Gypsies and Travellers, Strasbourg, Council of Europe, 1987, pp. 23-25

[28]. Ligeois, J. P., Roma, tsiganes, voyageurs, Strasbourg, Conseil de lEurope, 1994, p. 34

Ciganos na Holanda.

Somente em 1868 apareceram novamente notcias sobre ciganos na Holanda, a saber, sobre caldeireiros hngaros (Kalderash) e domadores de ursos (Ursari) da Bsnia que logo aram a ser chamados ciganos. [1] Viajavam em grupos familiares; os Kalderash dormiam em tendas, os Ursari ao ar livre. O governo central logo os classificou como indesejveis, mas as autoridades locais - prefeitos e delegados policiais - no registraram queixas, porque estes ciganos trabalhavam honestamente para ganhar o seu sustento e viviam at numa situao econmica razoavelmente boa. A maioria destes Kalderash e Ursari no se fixou na Holanda; ao que tudo indica, pelo menos uma parte deles tentou migrar para a Inglaterra (e de l certamente para os Estados Unidos), onde tambm no foram bem recebidos, pelos prprios ciganos ingleses. [2]

No incio do Sculo XX registra-se na Holanda a presena de comerciantes de cavalos (Lovara), msicos e artistas (Sinti) que, como possuam aportes de outros pases europeus, inicialmente no foram identificados como ciganos e por isso tambm no foram perseguidos. Isto porque a Lei dos Estrangeiros de 1849 permitia a entrada de estrangeiros com aportes e meios de sobrevivncia. O fato de sua entrada no pas ter sido permitida, prova que estes ciganos possuam meios honestos de subsistncia, provavelmente como comerciantes, arteses ou artistas. Em 1904, no entanto, o Ministrio responsvel por este assunto, numa circular secreta, pediu aos prefeitos para ignorar esta lei quando se tratasse de ciganos, e de expuls-los de qualquer forma do pas. A Polcia de Fronteira, subordinada ao Ministrio, recebeu ordens para agir com mais rigor contra os ciganos, que aram a ser considerados estrangeiros indesejados. Consta que a polcia de fronteira de fato agia com rigor, muitas vezes at excessivo, mas as prefeituras e suas polcias locais, de um modo geral, ignoraram a circular.

No Sculo XIX, na medida em que melhoram suas condies de vida, os vendedores e arteses ambulantes no-ciganos, como tambm os ciganos, comeam a usar carroas puxadas por cavalos para transportar suas mercadorias ou ferramentas de trabalho. Aos poucos estas carroas am a ser cobertas com lona e usadas tambm para dormir, e finalmente para morar. Estas casas-sobre-rodas (woonwagens) so inicialmente bem precrias, e os ciganos e viajantes costumam estacion-las em qualquer lugar, de acordo com suas necessidades, o que leva o governo holandes a editar uma lei, a Woonwagenwet de 1918, que, entre outras coisas, exige o emplacamento e licenciamento das carroas, regulamenta seu tamanho, divises internas, materiais de construo, etc. Mas tambm no permite mais a expulso dos viajantes e ciganos pelas autoridades municipais, como estas costumavam fazer antes, e obriga as prefeituras a indicar lugares de estacionamento fixos e a construir acampamentos devidamente equipados com energia eltrica, gua e instalaes sanitrias, escola, igreja, casa comunitria etc.

A situao piorou a partir de 1928, quando um funcionrio do Ministrio de Relaes Exteriores observou uma cigana viajando num bonde numa cidade no sul do pas, na fronteira com a Alemanha. Irritado, solicitou explicaes s polcias local e regional e exigiu a deportao da cigana e de sua famlia. Ficou ento sabendo que no havia como nem por qu expulsar estes ciganos, porque eram pacatos cidados holandeses e pertenciam a uma famlia sedentria bem conhecida e ordeira que vivia h muito tempo na regio, com todos os documentos e licenas em ordem.

Inconformado, o funcionrio iniciou ento, no Servio de Estrangeiros, o fichamento de todos os ciganos na Holanda, mesmo daqueles que tinham comprovada nacionalidade holandesa. Nasceu assim a Central Cigana que nos anos 30 reunia dados pessoais, impresses digitais e retratos de todos os ciganos conhecidos na Holanda.

Durante a II Guerra Mundial, os ciganos e viajantes foram proibidos de circular livremente pelo pas e deviam estacionar seus woonwagens em grandes acampamentos em municpios indicados pelo governo. Temendo perseguies, muitos ciganos e viajantes abandonaram por isso seus woonwagens e foram morar em casas, pelo menos temporariamente. Por causa disto, muitos ciganos escaparam da deportao para os campos de concentrao. Outros no tiveram a mesma sorte: em maio de 1944, 245 ciganos foram deportados para o campo de extermnio em Auschwitz-Birkenau; somente 31 voltaram vivos.

Terminada a guerra, estes ciganos sobreviventes do holocausto e as poucas centenas de outros ciganos ainda residentes na Holanda receberam, como uma espcie de prmio de consolao, a nacionalidade holandesa. Seus descendentes, cujo nmero em meados da dcada de 90 tinha aumentado para quase uns trs mil, ficaram conhecidos como ciganos holandeses, em oposio aos ciganos estrangeiros, ciganos do Leste que vieram a partir da dcada de 70, e principalmente na dcada de 90.

Na Holanda, na dcada de 70 h registro de ciganos oriundos da Iugoslvia, Hungria e Tchecoslovquia. A partir de ento evidencia-se uma clara poltica anti-cigana do governo holands que far todo o possvel para expuls-los do pas e evitar a entrada de outros ciganos. O maior medo das autoridades holandesas era que, se tratasse bem os ciganos, logo a notcia se espalharia pela Europa e o pas seria inundado por hordas ciganas de outros pases. Por isso a poltica geral ser tratar os ciganos apenas suficientemente bem para no causar escndalos na imprensa nacional e internacional, e suficiente mal para no transformar o pas num paraso para ciganos das origens mais diversas. Um exemplo seguido depois por muitos outros pases europeus.

Inicialmente, em novembro de 1971, h notcia de uns oitenta ciganos da famlia Hopic, em Amsterdam. Antes j tinham viajado pela Italia, Frana e Blgica, de onde sempre foram expulsos. S no foram expulsos logo de Amsterdam, porque muitos deles estavam doentes, mas j em maro de 1972 foram colocados num avio e repatriados (deportados) compulsoriamente para a Iugoslvia, seu pas de origem.

Mas a famlia Hopic deve ter gostado de Amsterdam, porque em outubro de 1973, cerca de trinta deles esto novamente na cidade e inicia-se ento uma longa discusso sobre o que fazer com estes "ciganos estrangeiros". Os Hopic recebem uma licena para permanncia temporria e so colocados num dos acampamentos fixos para ciganos e viajantes holandeses. E enquanto os burocratas holandeses, em interminveis reunies, discutem o que fazer, os "ciganos estrangeiros" tm um conflito armado com "ciganos holandeses" e em 1974 deixam o pas, para grande alvio das autoridades holandesas.

A tranquilidade no duraria muito. J no ano seguinte registra-se em Amsterdam uma nova (assim chamada) praga cigana, a saber 42 trailers com ciganos oriundos da Europa Oriental, aos quais depois se juntariam ainda outros, totalizando cerca de 400 pessoas. Queixas sobre sua conduta criminosa fazem com que um delegado da polcia de Amsterdam invente um mtodo mais rpido e menos burocrtico para livrar a cidade dos ciganos: aqueles ciganos contra os quais existem queixas, mesmo sem processo ou julgamento algum, so simplesmente colocados num caminho, junto com suas famlias e seus trailers, e transportados at a fronteira onde ingressaram no pas e, como estrangeiros ilegais, so expulsos para o pais vizinho.

Outra famlia cigana, os Romanov, com cerca de 70 pessoas, oriundos da Europa Oriental mas viajando com documentos italianos falsos, decide abandonar a Holanda por livre e espontnea vontade, e em 1976 atravessa a fronteira com a Alemanha, ao que tudo indica clandestinamente. Logo so presos como imigrantes ilegais e o governo alemo inicia um processo para devolv-los para a Holanda, que se recusa a receb-los de volta, alegando que os Romanov no possuem nacionalidade holandesa. Entretanto, devido a um acordo internacional entre ambos os pases, a Holanda, depois de muita relutncia, obrigada a receber os Romanov de volta. Era somente isto que os Romanov queriam e conseguiram![3]

Organizaes No-Governamentais pr-ciganas solicitam ento ao governo holandes a legalizao da situao no somente dos Romanov, mas ainda de outras cinquenta famlias ciganas estrangeiras, e fornecer-lhes licenas de permanncia. A proposta no agrada s autoridades que, mais uma vez, temem que isto estimularia a imigrao de outros milhares de ciganos estrangeiros. Por isso, em agosto de 1977, o governo holandes tenta ainda deportar um outro grupo de 73 ciganos para a Frana., porque a vizinha Blgica tambm no quer receber estes ciganos, mas se prontifica, gentilmente, a escolt-los at a fronteira sa (apenas para ter certeza que nenhum deles ficaria na Blgica). Na fronteira ocorre uma violenta briga com a polcia sa, e todos os ciganos so obrigados a voltar para a Holanda.

No sabemos por qu, mas de repente o governo holands tem ento uma crise de conscincia, lembra a perseguio dos ciganos durante a II Guerra Mundial e invoca motivos humanitrios. E assim, no final de 1977, 450 ciganos estrangeiros so legalizados e recebem licena de permanncia. Mas, acrescenta o Governo, esta seria tambm a ltima vez e daqui em diante no seriam mais itidos ciganos estrangeiros no pas, nem sequer os parentes dos agora legalizados, e todos os ciganos que daqui em diante conseguissem ilegalmente entrar no pas seriam imediatamente deportados.

Nada mais fcil do que entrar ilegalmente na Holanda, pelo que em 1980 registra-se mais uma vez a presena de cerca de 300 ciganos ilegais em Amsterdam. Diante das ameaas de deportao, os prprios ciganos resolvem dirigir-se at a fronteira com a Alemanha e a Blgica, sabendo que l tambm sero rejeitados, como de fato aconteceu. E assim a Holanda v-se mais uma vez s voltas com sua praga cigana.

Impossibilitado de deportar os ciganos por vias legais, j que nenhum pas vizinho quer receb-los, o governo holands apela ento para os servios de uma conhecida Organizao No-Governamental cigana que, entre outras coisas, especializada em contrabandear ciganos para dentro ou para fora do pas. Por intermdio desta organizao, composta de tradicionais ciganos holandeses, pouco solidrios com, ou at inimigos dos novos ciganos estrangeiros da Europa Oriental, e com conhecimento do Ministrio da Justia, o governo holands consegue assim deportar (contrabandear) ilegalmente pequenos grupos ciganos para a Blgica. Muitos ciganos ilegais saem por conta prpria; e outros simplesmente continuam na Holanda.

Desde ento, a poltica governamental no sofreu grandes modificaes. Aps a II Guerra Mundial voltou a vigorar a Woonwagenwet de 1918 que ainda permitia viajar livremente. Mas por causa das reclamaes da populao, resolveu-se criar uma nova lei para limitar a liberdade de movimento dos ciganos e viajantes, o que resultou na nova Woonwagenwet de 1968, que reintroduziu os acampamentos obrigatrios (conforme ex-modelo nazista, embora agora em menor escala e com alguns benefcios adicionais). Ao todo foram planejados 50 acampamentos para 50 a 80 trailers cada, com escola prpria, assistncia mdica e social, gua e energia eltrica. Viajar ainda era permitido, mas para mudar de um acampamento para outro era necessrio obter uma licena. A concentrao de muitas pessoas que se dedicavam mesma profisso, as inmeras restries legais ao comrcio ambulante e s outras tradicionais atividades dos nmades, e a localizao em reas perifricas, distantes dos centros urbanos, levou ao empobrecimento dos ciganos e viajantes.

Por isso, na dcada de 70, a Woonwagenwet sofreu vrias modificaes e iniciou-se a poltica da criao de acampamentos menores para 10 a 15 trailers, mais perto ou at dentro dos centros urbanos, com o que, inclusive, se tornaria desnecessrio ter servios especiais (escolas, igrejas, postos de sade etc.) s para os ciganos e viajantes, j que estes agora poderiam usufruir dos servios gerais. Como em 1968, os interessados - ciganos e viajantes - no foram consultados e mais uma vez reclamaram, exigindo o direito de eles prprios decidirem sobre a localizao e o tamanho dos acampamentos, j que nem para todos estes pequenos acampamentos eram os mais adequados. Nos pequenos acampamentos no havia, por exemplo, possibilidade alguma de receber visitas mais prolongadas de parentes e amigos por ocasio de enterros, batizados, casamentos ou festas. E principalmente queriam receber de volta o direito de circular livremente pelo pas, algo at hoje proibido.

Nestes acampamentos holandeses - que se destinam a cerca de 4.000 ciganos e cerca de 25.000 a 30.000 viajantes no-ciganos - os ciganos costumam ser discriminados pelos viajantes e por isso acampar juntos, num canto do acampamento, separados dos no-ciganos. Para a populao holandesa, no entanto, que observa os acampamentos apenas de longe (porque poucos holandeses tm coragem de entrar num acampamento deste), tudo as mesma coisa porque de longe, e tambm de perto, no h como saber quem cigano ou no-cigano; os trailers so idnticos e ciganos e no-ciganos tm hbitos praticamente idnticos.

Idnticas so, por exemplo, tambm as idias que ambos os grupos tm sobre a propriedade alheia. O motivo simples: ao proibir a livre circulao, o governo acabou praticamente com a economia dos ciganos e viajantes, que j no ia to bem por vrios outros motivos, como a crescente industrializao e a mecanizao das atividades agrcolas. Hoje a quase totalidade dos ciganos e viajantes na Holanda pobre e vive pendurada na assistncia social que, apesar de ser eficiente, nem sempre suficiente para satisfazer as sempre crescentes necessidades. Umas e outras levam a um maior ndice de pequenos furtos, ou "ladroagem de subsistncia", uma prtica pela qual principalmente os ciganos so famosos e temidos h sculos. E assim, mais uma vez refora-se a imagem do cigano ladro, embora seja ladro por necessidade. Da "ladroagem de subsistncia" ao trfico de drogas ou outras atividades ilegais, apenas um pequeno o, entre ciganos e no-ciganos.

Entende-se assim porque os municpios que aceitam criar acampamentos, sempre solicitam ao governo central verbas especiais para equipar melhor suas polcias. Ou seja, cigano (e viajante) continua, por definio, sendo caso de polcia, e queixas sobre sua criminalidade so constantes. Por outro lado, quando se trata de ciganos, classifica-se como crime qualquer infrao de menor importncia. Um dos municpios, para justificar a contratao de mais policiais, informava que nos primeiros dez meses de 1985 os ciganos foram 122 vezes condenados por crimes. S que uma anlise destes crimes mostrou que em quase todos os casos se tratava de simples brigas por causa de embriaguez, dirigir sem carteira de motorista, no ter atualizado os documentos do carro ou no respeitar as leis do trnsito, infraes simples normalmente punidas com uma multa financeira, mas nunca classificadas como crime, a no ser e exclusivamente quando se trata de ciganos.

Por isso, na Holanda, quem cuida dos ciganos a polcia, e no educadores ou assistentes sociais porque, para o governo, cigano um criminoso confesso ou em potencial, que precisa ser constantemente vigiado; cigano uma praga cuja entrada no pas deve ser impedida ao mximo; cigano um mal necessrio que, se possvel, deve ser expulso para os pases vizinhos. S que os pases vizinhos tm exatamente a mesma poltica anti-cigana, pelo que fazem todo o possvel para expulsar os seus ciganos para a Holanda e no aceitam que ciganos holandeses ultraam suas fronteiras.

At hoje, os ciganos continuam prias indesejados e odiados na Holanda. Basta ler a carta que a prefeitura de Amsterdam em 1994 enviou a cerca de oitenta ciganos recm chegados da ex-Iugoslvia, e na qual se informava que eles estavam na cidade temporariamente como hspedes do povo holands, e que por isso deviam ter um comportamento adequado: no era permitido furtar, bater carteiras ou cometer outros crimes, mendigar, torturar ou matar animais, destruir objetos ou jogar pedras; tambm era proibido vender mercadorias e usar o terreno para exercer atividades profissionais. Por causa dos protestos de uma organizao anti-racista, o prefeito foi obrigado a pedir desculpas aos ciganos. Mesmo assim, seis meses depois a polcia comeou a repatriao destes ciganos para a Macednia e a Crocia, negando-lhes o status de refugiados, conforme as convenes da Comunidade Europia, vlidas apenas para no-ciganos.[4]

Apesar de tudo isto, vrios autores no-holandeses costumam citar a Holanda, junto com a Sucia, como o pas que na atualidade trata melhor os seus ciganos e cujos acampamentos fixos costumam ser apresentados como modelo para os outros pases da Europa.[5] O que prova, apenas, que a situao dos ciganos em outros pases pior ainda.

Ciganos na Frana.

Numa volumosa coletnea, Charlemagne e Pigault reuniram, em 1990, 164 leis, decretos, circulares, portarias e outros documentos editados, a partir de 1912, a respeito dos ciganos e outros viajantes ses - naquele pas mais conhecidos como os SDF, ou seja, os Sans Domicile Fixe - , alm de alguns documentos da ento Comunidade Europia (hoje Unio Europia). E embora na Frana no exista uma legislao cigana propriamente dita, todos estes documentos tratam direta- ou indiretamente de assuntos de interesse cigano. Nada menos do que 27 documentos regulamentam as atividades ambulantes (e muitos ciganos so vendedores ambulantes); 22 documentos legislam sobre reas de estacionamento (frequentadas tambm por ciganos); 16 documentos regulamentam a carteira de circulao para as pessoas sem residncia fixa (entre as quais muitos ciganos); 15 documentos falam da escolarizao de crianas nmades (de interesse tambm para as crianas ciganas). Somente estes quatro itens j perfazem 80 documentos, quase a metade do total de 164. Existem ainda documentos sobre o cdigo de urbanismo, o funcionamento de ferros-velhos, trailers, estrangeiros, etc., ou seja, todos documentos que tambm dizem respeito a muitos ciganos, mas que no foram feitos exclusivamente para os ciganos. No h como acusar o governo francs de discriminar os ciganos mais do que os outros viajantes; as leis parecem ser feitas para dificultar ao mximo a vida dos cidados nomades sem domiclio fixo, ciganos e no-ciganos, mas todos so igualmente maltratados, sem distino.

A primeira Lei citada de 1912 que regulamenta o exerccio de profisses ambulantes e a circulao dos nmades e cria o odiado carnet anthropometrique didentit, uma espcie de carteira de identidade ou aporte com dados pessoais, descrio detalhada de caractersticas fsicas, retrato, impresses digitais etc. que devia ser apresentado e carimbado ao chegar num novo municpio. As carteiras eram individuais, mas o chefe da famlia devia ter ainda uma carteira coletiva para todos os membros de sua famlia. Este carnet s seria abolido em 1969.[6]

Como os ciganos, na opinio dos burocratas ses, eram um perigo para os no-ciganos, foi criada, em 1949, uma Comisso Interministerial com a misso especial de procurar os meios que permitam o desenvolvimento humano dos ciganos e de fazer desaparecer, para as populaes no meio dos quais eles vivem, os inconvenientes inerentes sua presena. Ou seja, a inteno no era tanto a de beneficiar os ciganos, mas antes a populao no-cigana. A Comisso sugere ento as seguintes medidas, obviamente sem consultar os interessados: assegurar aos nmades locais sadios de estacionamento; com a ajuda de assistentes sociais especializados integrar os ciganos ao regime da Seguridade Social; procurar-lhes um trabalho regular, que lhes permite viver normalmente (regular e normal, naturalmente, segundo os valores dos burocratas ses); dar-lhes uma instruo geral mnima e alguma formao profissional (mas aparentemente nada mais alm disto), visando principalmente as novas geraes.

A Comisso recomenda ainda que a polcia de fronteira se esfora para atravs de conselhos sensatos, vencer entre os nmades este instinto de indolncia, que apresenta graves inconvenincias para a sociedade e para eles prprios...... Mas, por outro lado, os policiais no devem ser bonzinhos demais porque certos nmades, s vezes at certos grupos pouco evoludos [leia-se: ciganos - FM], manifestam instintos associais muito graves, que devem ser severamente reprimidos.... A Instruo termina dizendo que os nmades e ciganos recebero ajuda e assistncia das autoridades pblicas, mas somente e na medida em que eles se submetam s leis gerais vlidas para toda a sociedade nacional. Ou seja, ajuda s aps a integrao na sociedade francsa.

No ano seguinte, em 1950, uma Instruo do Ministrio de Defesa Nacional polcia de fronteira, menciona especficamente os ciganos. Por incrvel que hoje possa parecer, esta Instruo informa que os ciganos representam raas diferentes, caracterizadas por um instinto comum de nomadismo.... instinto racial e que apresenta efetivamente um perigo para a sociedade. Os antroplogos francses ficaram em silncio porque nenhum deles tinha qualquer interesse em ciganos europeus, e menos ainda em ciganos ses.

Depois disto h um longo perodo de silncio, at a publicao da Circular 154, de 1964, dirigida aos Chefes de Polcia e aos Prefeitos, e que tambm cita especificamente ciganos: O analfabetismo, a ausncia de formao profissional, o apgo a tradies de uma outra era, a frequente hostilidade da populao sedentria, impedem praticamente que os ciganos ... se reclassifiquem porque eles so abandonados a sua prpria sorte. Quando eles se fixam, geralmente para continuar a levar, sem contatos com o resto da populao, uma existncia miservel em casabres na periferia das grandes cidades.

A Circular fala da j citada Comisso Interministerial de 1949 e de sua poltica integracionista e sugere algumas mudanas na tica e na metodologia daqueles que esto em contato com ciganos: os policiais no devem se limitar represso pura, mas tambm devem ajudar e aconselhar. Por isso, devem levar em considerao que os ciganos ainda mantm certos costumes ancestrais, que devem ser tolerados, desde que no sejam ilegais. Seguem ainda vrios outros conselhos para o tratamento policial dos ciganos. No sabemos se algum policial, cujo nvel de instruo, tambm na Europa, costuma ser baixo, entendeu os conselhos, e chegou a "ajudar e aconselhar" algum cigano.

Seja como for, pouco depois os ciganos deixam de ser preocupao de segurana nacional e am a ser considerados um problema interno. Em 1966, o Ministrio do Interior envia aos Prefeitos a Circular 128, na qual informa ter conhecimento que alguns municpios proibem de forma permanente e absoluta o estacionamento dos nmades, e que muitas vezes os lugares indicados so insalubres ou praticamente inutilizveis (terrenos perto de lixes) ou sujeitos a inundaes, ou ento distantes de gua potvel. Por isso informa aos prefeitos que ilegal proibir de maneira geral o estacionamento de nmades em territrio municipal, e que para estes estacionamentos devem providenciar locais com suficiente salubridade.

Esta Circular complementada pela Circular 546, tambm de 1966, na qual o Ministrio do Interior solicita aos prefeitos que estes locais sejam no apenas salubres e providos, se possvel, de um mnimo de equipamentos, mas tambm situados perto de escolas pblicas. Alm disto, a Circular solicita que a Polcia seja instruda sobre a necessidade da escolarizao das crianas, pelo que uma famlia de forasteiros ou de nmades nunca deve ser expulsa do territrio de um municpio no horrio escolar, quando as crianas desta famlia se encontram na escola. O fato de o Ministro mencionar este fato, e ainda grifar no texto, mostra que casos de expulses semelhantes devem ter de fato ocorrido. Porm, aparentemente, conforme a Circular, a mesma famlia cigana podia ser expulsa do municpio logo aps as crianas terem voltado da escola! Algo que muitos prefeitos ses devem ter ordenado a seus comissrios de polcia.

Numa Circular de 1968, o Ministrio do Interior trata dos acampamentos para pessoas que vivem em trailers. Todas as prefeituras devem criar dois tipos de acampamentos: (1) acampamentos de agem, para estadias curtas, mas nunca inferiores a 24 horas; estes acampamentos devem ser localizados perto de uma escola, deve ter abastecimento de gua e recolhimento de lixo; os municpios pobres podem cobrar uma pequena taxa de estacionamento; (2) acampamentos para morada (terrain de sejour), para estadias mais longas, de algumas semanas ou meses, geralmente no inverno quando na Europa as condies para viajar so pssimas. No final a Circular adverte as prefeituras de que elas no tm poderes para regulamentar o estacionamento em terrenos privados cedidos, arrendados ou adquiridos pelos prprios viajantes, salvo em caso de ameaa sade pblica. E lembra que uma Lei de 1963, sobre o uso do solo, foi feita para evitar o surgimento de favelas e por isso no pode ser usada para impedir o estacionamento de ciganos e outros viajantes, como acontecia em vrios municpios.

No ano seguinte, o Ministrio do Interior volta a tratar deste assunto na Circular 69/58. Nesta o ministro informa ter tomado conhecimento da expulso injusta de nmades de terrenos privados pelo que insiste que os nmades no podem ser obrigados a deixar o municpio, a no ser no caso excepcional de ameaa para a sade pblica ou de atentados extremamente graves contra a ordem pblica. Fora disto, eles tm o direito de ficar o tempo que o proprietrio lhes ceder o usufruto do terreno.

O governo francs, talvez pressionado pelas autoridades municipais, resolve em 1972 editar uma circular, com nada menos do que dez pginas, e que limita drasticamente as reas de estacionamento para os nmades. Esta circular enumera vrias zonas interditadas para estacionamento, tais como reservas naturais, terrenos em redor de monumentos histricos, zonas sensibles et pittoresques (no se explica o que uma zona sensvel e pitoresca) e todos os lugares onde o camping constituiria um atentado paisagem: zonas de ecologia fraca e florestas, dunas litorneas, zonas com espcies de flora e fauna ameaadas, etc. Alm disto, os projetos para zonas de estacionamento devem ser aprovados pelos Departamentos de Turismo, ou seja, no devem incomodar os turistas! Resta ento saber quais lugares sobram para os estacionamentos dos ciganos e viajantes: provavelmente apenas os lixes, pntanos, desertos, etc. No final, a circular trata at da permisso para as pessoas guardarem seus trailers no quintal ou na garagem da prpria casa. Com uma circular desta, qualquer prefeito ou comissrio de polcia, na prtica, poderia expulsar os ciganos e viajantes de qualquer lugar do municpio, menos do depsito do lixo municipal.

Em 1978 o Ministrio do Interior volta a solicitar, mais uma vez, a construo de reas de estacionamento para nmades, mas desta vez menores, com capacidade para at 15 trailers, e no mais 60 como antes. De nada adiantou, conforme provam documentos publicados na dcada seguinte, alegando os municpios quase sempre falta de recursos. Mas o que no os impedia de construirem ou autorizar a construo de luxuosos campings tursticos para no-ciganos, de preferncia em reas pittoresques, por exemplo nas montanhas, em florestas, junto a cachoeiras ou nas margens de lagoas, ou seja campings luxuosos para o estacionamento de trailers, mobil-homes e barracas dos turistas e que, como os hotis, so classificados em campings de 1 a 4 estrelas, conforme os atrativos ecolgicos, equipamentos e confortos que oferecem, mas todos determinantemente interditados aos ciganos. Os regulamentos internos destes campings tursticos costumam ser elaborados de tal forma que impedem, legalmente, a entrada de ciganos e outros viajantes.

Esta resumida anlise de apenas alguns documentos governamentais prova, portanto, que na Frana os famosos ideais [ou apenas idias?] da liberdade, igualdade e fraternidade existem apenas para os cidados ses sedentrios, mas nunca para os ciganos e outros nmades que preferem viver de acordo com valores culturais prprios.

Boas intenes e sugestes, por sinal, no faltam. Num documento oficial de 1990, Delamon destaca a necessidade de melhorar as comunicaes entre os prprios ciganos, e sugere quatro medidas prticas: (1) instalao de telefones pblicos nos acampamentos ciganos; (2) identificao exata dos acampamentos pelos Correios, para que os ciganos possam receber correspondncia; (3) uma espcie de "Disque Cigano" com informaes variadas; (4) programas de rdio especialmente para os ciganos; (5) sinalizao e indicao de acampamentos ciganos nas rodovias. No sabemos, mas duvidamos muito, que alguma destas sugestes tenha se tornado realidade.[7]

E no ano seguinte, Prevot, por sua vez, cita como seis objetivos prioritrios: "1) melhorar o status especfico dos viajantes; 2) assegurar uma poltica efetiva de habitao; 3) garantir o direito ao ensino e formao profissional; 4) reforar a proteo social por medidas apropriadas; 5) estimular que sejam levadas em conta as diferenas lingusticas e culturais; 6) desenvolver a qualidade das relaes dos viajantes com os poderes pblicos e o conjunto dos habitantes". Obviamente, nada disto se tornou realidade. A seguir Prevot fala vagamente de algumas medidas que esto sendo tomadas ou que sero tomadas, e que tratam de assuntos fiscais (pagamento de impostos, taxas, emplacamento dos carros e trailers), licenas de circulao, estacionamentos e acampamentos ciganos, servios telefnicos e postais para nmades, assistncia social, escolarizao de crianas nmades.[8]

No final, o bem intencionado Prevot afirma que essential esclarecer melhor os cidados ses sobre a realidade dos viajantes, para que substituam sua desconfiana, absteno e indiferena por acolhimento, compreenso e solidariedade. Belssimas palavras, e nada mais, porque em momento algum explica como tornar isto realidade. Porm, dirigindo-se aos jornalistas, acrescenta que estes: "podem, a este respeito, ter uma ao determinante na sensibilizao da comunidade nacional, para que ela se conscientize da presena no territrio nacional de uma comunidade igualmente de nacionalidade franesa, mas com uma cultura diferente[9]. Parece que os jornalistas ses no entenderam, ou no quiseram entender, o recado.

Por causa disto, entende-se porque, apesar de todas estas belas palavras, at hoje a Frana no resolveu satisfatoriamente a questo dos ciganos e de outros viajantes, que continuam sendo enxotados de um lugar para outro, de um municpio para outro, de uma favela para outra, como cidados indesejveis de quinta categoria. Nestas condies, falar de direitos culturais, polticos, econmicos ou educacionais para ciganos e outros viajantes, como fazem outros documentos, apenas piada de mau gosto. Para os turistas europeus o luxo; para os ciganos ses o lixo.


Captulo 4

O HOLOCAUSTO CIGANO.

A mais selvagem e brbara perseguio aos ciganos de que se tem notcia, em toda a Histria da Humanidade, ocorreu no em sculos ados, entre povos ento ditos primitivos ou selvagens, ou no Brasil, mas em pleno Sculo XX, na Alemanha, pas (pelo menos at ento) considerado civilizado. As nicas vtimas do terror nazista que costumam ser lembradas, no entanto, so apenas os judeus, e quase nunca os ciganos. Enquanto hoje a bibliografia sobre o holocausto judeu imensa, no faltando inclusive museus e memoriais especialmente construdos para lembrar este triste genocdio, o holocausto cigano sempre foi considerado um fato de menor importncia. Os documentos histricos provam que no foi bem assim e que, lamentavelmente, ao lado de cerca de seis milhes de judeus, nos mesmos campos de concentrao, nas mesmas cmaras de gs, nos mesmos crematrios, ou ento fora deles num lugar qualquer da Europa, foram massacrados tambm cerca de 250 a 500 mil ciganos. S recentemente comearam a ser publicados ensaios, inclusive por autores alemes da gerao ps-guerra, sobre este holocausto esquecido, o holocausto cigano, que os intelectuais ciganos de hoje preferem chamar de poraimos, para diferenci-lo do holocausto judeu.[10]

Gilsenbach cita trs fatores que facilitaram a perseguio aos ciganos na Alemanha antes e durante a II Guerra Mundial: (1) o j tradicional dio dos alemes e de outros europeus aos ciganos, existente j desde o Sculo XV; (2) os arquivos desde o final do Sculo XIX existentes sobre ciganos na polcia criminal e (3) as teorias de antroplogos, psiquiatras e mdicos sobre higiene racial e biologia criminal. O tradicional dio aos ciganos j foi visto anteriormente; os outros dois fatores, e principalmente o ltimo, precisam de alguns comentrios. [11]

No incio do Sculo XX, as polticas (anti)ciganas alems no foram idnticas em todo o pas, mas cada Estado ou Provncia [Land] inventava as suas. Em Munique, na Bavria, j em 1899 criou-se um Servio de Informao Cigana que registrava todos os ciganos do Estado. Em 1905 o seu diretor, Alfred Dillmann, publicou os primeiros resultados no Zigeunerbuch [O Livro Cigano, tambm vendido nas livrarias] que continha o registro, com uma dezena de dados pessoais, de 3.350 ciganos e que se destinava a ajudar a polcia na erradicao da praga cigana.

Em 1925/26 a Bavria editou uma lei que tornou obrigatria a vida sedentria e condenou a dois anos de trabalhos forados ciganos no regularmente empregados, lei que em 1929 ou a ser vlida na Alemanha toda. Mas j em 1927, todos os ciganos alemes foram obrigados a andarem sempre com um documento de identidade, com retrato, impresses digitais e outros dados pessoais.[12] Alguns anos depois foi criado o Servio Central de Combate Praga Cigana, rgo nacional que incorporou o Servio de Munique e outros semelhantes ento existentes, e ou a ser dirigido pelo mesmo Dillmann, que em pouco tempo reuniu informaes sobre mais de trinta mil ciganos alemes. Este Servio anti-cigano foi extinto em 1947, mas recriado em 1953, embora com outro nome; definitivamente extinto foi somente em 1970, vinte e cinco anos aps o trmino da II Guerra Mundial! [13]

O Servio alemo de Combate Praga Cigana, sem dvida alguma, foi o mais eficiente do mundo e poucos ciganos devem ter escapado de seus registros. No entanto, tambm em outros pases foram realizados recenseamentos ciganos, foram criados cadastros permanentes da populao cigana e criadas leis para evitar ou, pelo menos, controlar a sua presena no pas. At a famosa Interpol (na poca chamada Comisso Internacional de Polcia Criminal) criou em 1936, em Viena, um Centro Internacional para a Luta contra a Praga Cigana, cujos arquivos foram destrudos em 1945.[14] Ou seja, quando em 1933 os nazistas chegaram ao poder, tanto na Alemanha quanto em vrios pases vizinhos (p.ex. Frana e Holanda) que depois seriam ocupados, a maioria dos ciganos j estava devidamente registrada e identificada, e j existiam polticas anti-ciganas.

A diferena era que agora os ciganos aram a ser perseguidos - e depois exterminados - tambm por motivos raciais, e no apenas por serem considerados associais ou criminosos natos. Embora os alemes tenham negado isto aps a II Guerra Mundial, quando foram obrigados a pagar indenizaes s vtimas perseguidas por motivos raciais (itindo-se como caso nico os judeus), e embora tenham sempre afirmado que os ciganos foram perseguidos por serem associais, e no por serem de uma raa diferente, no resta a menor dvida que ambos os fatores pesaram na perseguio. Muitos documentos e ensaios cientficos da poca comprovam, sem sombra de dvida, que no somente os judeus, mas tambm os ciganos eram considerados membros de raas diferentes consideradas perigosas, porque poderiam contaminar a pureza racial ariana. Para esta justificativa racial, a Alemanha pde contar com vrios mdicos, bilogos e antroplogos.[15]

J em 1904 o antroplogo Alfred Ploetz fundou um Arquivo para Raciologia e Biologia Social, que no ano seguinte virou Sociedade para Higiene Racial. Anos depois, os antroplogos Bauer, Fischer e Lenz publicaram um manual sobre Gentica Humana e Higiene Racial, que foi lido por Hitler quando, prisioneiro em 1924, escreveu Mein Kampf, a futura biblia nazista.[16] No pretendemos citar aqui todos os institutos alemes na poca considerados cientficos, ou todos os biologos, antroplogos e outros cientistas que na poca se dedicaram a pesquisas raciais, eugenticas e ciganas, porque estes dados encheriam algumas dezenas de pginas. Dois nomes, no entanto, merecem destaque, porque so citados por praticamente todos os autores que tratam desta poca: o mdico psiquiatra Robert Ritter e sua assistente, a enfermeira Eva Dustin, entre os ciganos Sinti mais conhecida como Lolitschai, a moa ruiva. [17]

Em 1937 Ritter se tornou diretor do Centro de Pesquisa para Higiene Racial e Biologia Populacional, com sede em Berlim, onde se dedicou intensivamente s pesquisas ciganas. Somente o nome deste Centro j suficiente para provar que os ciganos eram considerados uma raa diferente. Neste Centro, entre outras coisas, Ritter investigava uma suposta relao entre hereditariedade e criminalidade, elaborando complicadas rvores genealgicas de ciganos para medir o grau de mistura racial, para o que utilizava inclusive os dados do j citado Servio de Informao Cigana de Munique, que foram transferidos para Berlim.

Ritter e os membros de sua equipe eram defensores da eugentica, ou higiene racial, segundo a qual devia ser evitada a procriao de elementos nocivos sociedade. Entre as pessoas nocivas estavam no apenas os deficientes fsicos e mentais, mas tambm os associais hereditrios (mendigos, vagabundos, prostitutas, alcolatras, homosexuais, desempregados crnicos, e.o., como se estas caractersticas fossem transmissveis hereditariamente!), e as minorias raciais nocivas, como os ciganos e os judeus. Para limpar a raa humana, Ritter e outros tantos eugenticos da poca inicialmente propunham a esterilizao destas pessoas (a total eliminao fsica s seria proposta alguns anos depois). Estima-se que na Alemanha nazista cerca de 400.000 pessoas foram esterilizadas, entre as quais muitos ciganos.

O mesmo aconteceu, por sinal, tambm em outros pases, inclusive nos Estados Unidos, onde at 1939 comprovadamente cerca de 30.000 pessoas indesejveis foram contra a sua vontade esterilizadas.[18] Mas estes tristes episdios, como tambm os vergonhosos campos de concentrao para japoneses e seus descendentes nos Estados Unidos, durante a II Guerra Mundial, os historiadores americanos preferem esquecer, principalmente nos livros didticos e, oficialmente, nunca aconteceram.

Foi nesta poca que os bilogos alemes tentaram deseperadamente descobrir, com fins prticos, quais eram as caractersticas raciais ciganas, j que na maioria dos casos era impossvel distinguir os ciganos do resto da populao alem atravs de caractersticas fsicas especficas. Mas mesmo Ritter e seus colegas nunca foram capazes de descrever estas caractersticas. Da porque, na Alemanha daquele tempo, era classificado como Z (de Zigeuner), ou seja cigano puro todo indivduo com quatro ou trs avs verdadeiros ciganos; como ZM+ ou mestio em primeiro grau era classificado quem tinha menos do que trs avs verdadeiros ciganos; ZM- era o mestio em segundo grau que tinha pelo menos dois avs ciganos-mestios; av ou av verdadeiro cigano era aquele que sempre tinha sido reconhecido, pela opinio pblica, como cigano. Ou seja, no final das contas tratava-se de critrios subjetivos, e no cientficos. Ritter chegou a classificar racialmente cerca de 25 a 30 mil ciganos alemes, mas a quase totalidade era, segundo ele, formada por mestios, ou seja, eram candidatos esterilizao, confinamento em campos de concentrao e, finalmente, extermnio.

No incio dos anos 40 alguns nazistas intencionavam ainda conservar para a posterioridade uma amostra de Sinti puros, melhor dito, oito famlias Sinti e uma famlia Lalleri, que seriam confinadas numa espcie de reserva cigana a ser criada na Hungria e istrada pelo Instituto do Patrimnio Histrico. Esta reserva cigana nunca chegou a se tornar realidade; no final, tambm estes ciganos puros terminaram nos campos de concentrao ou de extermnio.[19] Em 1940, Ritter escreveu num relatrio:

Fomos capazes de provar que mais do que 90% dos assim chamados ciganos nativos so mestios...... Outros resultados de nossas investigaes permitem-nos caracterizar os ciganos como um povo de origens etnolgicas totalmente primitivas, cujo atraso mental os torna incapazes de uma real adaptao social..... A questo cigana s pode ser resolvida reunindo o grosso dos mestios ciganos associais e imprestveis em grandes campos de trabalho e mantendo-os trabalhando, e parando para sempre a futura procriao desta populao mestia.[20]



[1]. Salvo indicao ao contrrio, todas as informaes sobre os ciganos na Holanda a partir de 1868 baseiam-se em Willems & Lucassen 1990 e Cottaar, Lucassen & Willems 1995. Sobre os "woonwagenbewoners" no-ciganos, veja tambm Cottaar, A ., Kooplui, kermisklanten en andere woonwagenbewoners, Amsterdam, Het Spinnehuis, 1996 e Wernink, J., Woonwagenbewoners: sociologisch onderzoek van een marginale groep, Assen, Van Gorcum,1959.

[2]. Fraser, A ., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, pp. 229-231

[3]. Willems e Lucassen 1990, pp.23-46

[4]. Brabants Dagblad/Eindhovens Dagblad de 17.08.94 e 03.02.95 (via Internet)

[5]. Fraser 1992, p. 288

[6]. Sobre este carnet, veja tambm Cannizo, M., Dou viens-tu gitan? Ou vas-tu?, s.l., s.ed., 1988, pp. 71-84

[7]. Delamon 1990, im

[8]. Prevot 1991, im

[9]. Prevot 1991, im

[10]. Sobre o poraimos cigano, veja, entre outros: Reemtsma, K. , Sinti und Roma: Geschichte, Kultur, Gegenwart, Muenchen, Beck, 1996; Ayass, W. et alii, Feinderklaerung und Praevention: Kriminalbiologie, Zigeunerforschung und Asozialenpolitiek, Berlin, Rotbuch Verlag, 1988, pp. 16 e segs.; Schenk, M., Rassismus gegen Sinti und Roma, Frankfurt am Main, Peter Lang, 1994; Wippermann, W., Wie die Zigeuner: Antisemitismus und Antociganismus im Vergleich, Berlin,. Elefanten Press, 1997.

[11]. Gilsenbach, R., Die Verfolgung der Sinti ein weg der nach Auschwitz fuerte, IN: Ayass, W. et alii, Feinderklaerung und Praevention: Kriminalbiologie, Zigeunerforschung und Asozialenpolitiek, Berlin, Rotbuch Verlag, 1988, pp. 16 e segs.

[12]. Gilsenbach 1988, p. 20

[13]. Winter, M., Kontinuitaeten in der deutschen Zigeunerforschung und Zigeunerpolitik, IN: Ayass et alii, 1988, p. 145

[14]. Kenrick, D. e Puxon, G., The destiny of Europes gypsies, London, Sussex University Press, 1972, p. 70

[15]. Lembramos que na Alemanha de ento, como muitas vezes ainda hoje, o termo antroplogo significava antroplogo fsico, e no antroplogo cultural ou social, ento chamado etngrafo ou etnlogo.

[16]. Gilsenbach 1988, p. 21

[17]. Para maiores informaes sobre Robert Ritter, veja Schenk 1994, pp. 39-62; Willems, W., Op zoek naar de ware zigeuner: zigeuners als studieobject tijdens de Verlichting, de Romantiek en het Nazisme, Utrecht, Van Arkel, 1995, pp. 191-285. Sobre Eva Justin, veja Schenk 1994, pp. 77-84, Willems 1995, im e Gilsenbach, R., Wie Lolitschai zur Doktorwuerde kam, IN: Ayass e alii 1988, pp. 101-134. Sobre as pesquisas raciais em geral na Alemanha nazista, veja Schenk 1994, pp. 37-106.

[18]. Willems 1995, p. 214

[19]. Gilsenbach 1988, pp. 32 e segs.

[20]. Fraser, A., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, p. 260

Para cada cigano, Ritter emitia ento um Certificado, assinado por ele pessoalmente ou por sua assistente Eva Justin, no qual constavam alm do nome e dados pessoais, o grau de ciganidade. Quase sempre o diagnstico era: mestio cigano, o que na prtica correspondia a uma condenao esterilizao ou deportao e internao (e posterior extermnio) em campos de concentrao.

Eva Justin, na poca, era apenas uma simples enfermeira, sem qualquer formao acadmica, mas que apesar disto sonhava com o ttulo de Doutor, e para obt-lo escreveu uma tese sobre a suposta inadaptabilidade social de crianas ciganas, estudando durante apenas seis semanas um grupo de crianas ciganas internadas numa espcie de orfanato, sem contato com seus pais ou outros ciganos adultos. Obviamente chegou concluso que a boa educao recebida neste internato de nada adiantou e que as crianas continuaram to associais como antes; para ela, crianas ciganas eram simplesmente incorrigveis, eram associais e criminosos natos.

A tese foi defendida em 1943, na Universidade de Berlim. Poucos dias aps a obteno do diploma, as 39 crianas ciganas do orfanato, as cobaias de sua pesquisa e que at ento tinham sido poupadas, foram deportadas para Auschwitz; somente quatro sobreviveram.[1]

A partir de 1942 os mtodos eugenticos (esterilizao e confinamento) foram substitudos por outro, considerado mais eficiente: o genocdio, ou seja a eliminao fsica destas pessoas, nos campos de concentrao e fora deles. Em dezembro de 1942, Himmler ordena enviar todos os ciganos alemes para Auschwitz-Birkenau, ento dirigida por Josef Mengele, onde foi instalada uma seo com 40 barracas s para ciganos, ordem depois repetida nos territrios ocupados. Dos 23.000 ciganos internados no campo de extermnio de Auschwitz, cerca de 20.000 morreram e uns 3.000 foram transferidos para outros campos. Os ltimos ciganos de Auschwitz, conforme a metdica contabilidade alem exatamente 2.897, foram todos enviados para as cmaras de gs na noite de 2 de agosto de 1944.[2]

Tambm outros campos de concentrao receberam ciganos, embora em nmero menor do que Auschwitz. Bernadac publica quase trs centenas de pginas com testemunhos de ciganos internados em vrios destes campos de concentrao.[3] Nem todos eram campos de extermnio e possuam cmaras de gs e crematrios, mas nem por isto eram menos desumanos. Em Bergen-Belsen, por exemplo, os internos, entre os quais muitos ciganos, eram lentamente assassinados por inanio, sendo os mortos enterrados em enormes valas perto do campo. Quando Bergen-Belsen foi tomado pelos ingleses, em 1945, encontraram cerca de 10.000 corpos ainda insepultos, e cerca de 40.000 pessoas ainda vivas, das quais pouco depois ainda morreram umas 13.000, em parte por causa dos maus tratos e doenas anteriores (em especial o tifo), em parte tambm por causa da super-alimentao logo dada pelos bem intencionados ingleses, mas que muitos dos subnutridos j no conseguiram mais digerir.[4] Fatos semelhantes foram registrados tambm em outros campos de concentrao. Exrcitos no costumam levar tambm nutricionistas, e por isso, na poca, ainda no se sabia ou pelo menos os soldados e oficiais ainda no sabiam - que pessoas altamente subnutridas tambm podem morrer por causa de repentina super-alimentao.

Na Frana existiam at campos de concentrao somente para ciganos, istrados pelas prprias autoridades sas. No se tratava de campos de extermnio, mas quase sempre de campos de trabalhos forados e por serem campos em geral pequenos, para uma centena at alguns poucos milhares de pessoas, as condies de vida eram, em geral, melhores do que nos campos istrados pelos alemes. Bernadac chama estes campos, apropriadamente, as antecmaras sas de Auschwitz, porque principalmente no final da guerra, muitos dos 30 mil ciganos internados nestes campos ses foram deportados para os campos de extermnio existentes na Alemanha e em outros pases.[5]

O tratamento desumano, as terrveis experincias mdicas, as cmaras de gs e os crematrios, e outros tantos horrores cometidos pelos alemes nestes campos de concentrao, supomos suficientemente conhecidos por todos. Estima-se que 250 a 500 mil de ciganos foram assassinados pelos nazistas. Os nmeros exatos nunca sero conhecidos, mas todos os documentos provam que os judeus no foram as nicas vtimas da perseguio racista pelos nazistas. A nica diferena que o holocausto judeu, e com justa razo, at hoje sempre costuma ser relembrado e no faltam memoriais para lembrar isto, inclusive em Auschwitz. O holocausto cigano, no entanto, costuma ser varrido debaixo do tapete, costuma ser simplesmente ignorado ou esquecido, como algo de menor importncia, ou pior ainda como algo que nunca aconteceu, e praticamente no existem monumentos que lembram o holocausto cigano.

A II Guerra Mundial terminou h pouco mais de meio sculo. Centenas de milhares de judeus receberam indenizaes do governo alemo, e o povo judeu recebeu uma Ptria nova (Israel 1948). Os ciganos nunca foram indenizados e nunca receberam nada, sob a alegao de que foram perseguidos e exterminados no por motivos raciais, mas por serem associais e criminosos comuns; outros tiveram seus pedidos de indenizao negados porque no conseguiram apresentar os testemunhos necessrios.

Todas as pesquisas de Ritter e outros sobre as caractersticas raciais dos ciganos, suas medies fsicas, suas amostras de sangue, as crueis experincias biolgicas de Mengele com ciganos em Auschwitz, foram de repente esquecidas. Preferiu-se esquecer ainda circulares oficiais como uma j de 1938, sobre O combate praga cigana, que afirmava: A experincia at agora acumulada no combate praga cigana e os resultados da pesquisa biolgica-racial mostram que recomendvel abordar a regulamentao da questo cigana do ponto de vista racial, como de fato aconteceu depois.[6]

O famoso Tribunal de Nuremberg, institudo pelos aliados logo aps a II Guerra Mundial para condenar europeus que cometeram crimes contra a Humanidade, concentrou suas atividades em crimes contra judeus, mas no h registro de criminosos de guerra condenados por crimes cometidos contra ciganos. Inmeros judeus e com toda a razo tiveram oportunidade para apresentar seus depoimentos e suas denncias, mas nenhum cigano foi convocado ou aceito para depor ou para denunciar.

Antes pelo contrrio, alguns conhecidos e comprovados criminosos anti-ciganos (mas no anti-judeus!) foram at promovidos: Robert Ritter e Eva Justin, por exemplo, foram considerados inocentes e aps a guerra viveram ainda um bom tempo exercendo tranquilamente a profisso! Em sua defesa foi alegado que os dois nunca mataram pessoalmente um cigano! Que comprovadamente mandaram dezenas de milhares de ciganos para a morte com seus pseudo-cientficos Certificados de Ciganidade, no foi levado em considerao. Em 1947 a prefeitura de Frankfurt contratou Ritter como psiquiatra infantil, e no ano seguinte Eva Justin foi contratada como psicloga criminal e infantil, para cuidar - imaginem s! - da re-educao de crianas associais e desajustadas, muitas das quais certamente vtimas da guerra.[7]

Ainda hoje o holocausto cigano pouco conhecido do grande pblico.[8] Tambm em documentrios e em comemoraes das vtimas do holocausto nazista, ou em monumentos construdos em sua homenagem, sempre so lembrados apenas os judeus, e nunca os ciganos. Pelo contrrio, mesmo depois da guerra os ciganos continuaram sendo discriminados da mesma forma, ou talvez at pior do que antes. Atualmente, no entanto, em livros e revistas que tratam do holocausto, est se tornando politicamente correto falar no apenas dos judeus, mas tambm dos ciganos, enquanto tambm o nmero de livros e artigos que tratam do assunto est aumentando sempre mais.[9]

Mesmo depois da guerra, os ciganos continuaram sendo discriminados da mesma forma, ou talvez at pior do que antes. Principalmente nos crculos policiais, todas as antigas ideologias e imagens anti-ciganas continuaram existindo, pelo que nada mudou tambm nas atitudes anti-ciganas, excluindo-se apenas o genocdio. Os ciganos continuaram pessoas indesejadas e odiadas em toda a Alemanha.[10] At vrios dos assim chamados ciganlogos alemes continuaram publicando ensaios nitidamente anti-ciganos.[11]

Ainda hoje, mais de cinquenta anos depois da II Guerra Mundial, pouca coisa mudou. Na decada de 90, aps a reunificao das duas Alemanhas (Ocidental e Oriental) e o fim da Unio Sovitica, a Alemanha se tornou o pas preferido por dezenas de milhares de refugiados e migrantes do Leste, entre os quais muitos ciganos, principalmente da Romnia e da ex-Iugoslvia. Jansen informa que: "de 1989 a 1990, o nmero de refugiados vindos da Romnia cresceu mais de dez vezes, de cerca de 3.000 para 35.000. Dois teros deles so Roma. Somente no ms de outubro de 1992, foram registrados na Alemanha 15.000 refugiados da Romnia".[12] Em 1992/93 o governo alemo pagou ao governo romeno mais de 25 milhes de marcos para receber de volta cerca de 50.000 cidados romenos, a maioria dos quais Rom. Ningum perguntou aos Rom se eles realmente queriam voltar, e a sua repatriao foi compulsria.

Diga-se de agem que esta repatriao teve a aprovao tambm de muitos Sinti, ciganos com nacionalidade alem e h muito tempo residindo no pas e quase todos bem integrados na sociedade nacional, porque temeram que a populao os identificasse com os Rom do Leste, segundo eles responsveis por todos os esteretipos e preconceitos anti-ciganos. J vimos anteriormente que tambm na Holanda os ciganos holandeses tradicionais (com nacionalidade holandesa) no gostaram nada da repentina imigrao de Rom do Leste, pelo que inclusive ajudaram o Governo a contrabandear ilegalmente muitos destes ciganos estrangeiros de volta para algum pas vizinho. Comprovadamente, pelo menos na Europa, os ciganos no somente so odiados pelos no-ciganos, mas tambm e o que bem mais grave - se odeiam mutuamente.

Inclusive na Europa do Leste. Segundo Gozdziak, aps 1989 muitos Rom romenos migraram tambm para a Polnia, um pas no qual tambm, h muito tempo, existe uma forte discriminao anti-cigana, apesar da qual muitos antigos ciganos poloneses conseguiram integrar-se no pas. Para estes tradicionais ciganos polonses, a chegada de milhares de ciganos romenos apenas piorou ainda mais a situao: "Os Rom poloneses no se relacionam com os ciganos romenos..... Eles no so meus irmos, diz um rom polons, ... ns somos muito diferentes deles, ns no pedimos esmolas nas ruas. Ns no somos dependentes de nngum, Ns conquistamos aqui nosso espao. Nossas mulheres so limpas, e as crianas tomam banho. Ns construimos casas e no dormimos no cho. Os ciganos romenos nos envergonham ".[13] O fato de este Rom identificar os ciganos poloneses como 'Rom', e os ciganos romenos - sem dvida alguma Rom - apenas como 'ciganos', apenas mais uma manifestao de discriminao cigana anti-cigana, e que, lamentavelmente, existe e foi registrada em praticamente todos os pases.

Vergonha: talvez seja esta a palavra chave que explique o anti-ciganismo dos prprios ciganos em pases nos quais h sculos residem e que, bem ou mal, j conseguiram integrar-se na sociedade nacional, que so sedentrios, exercem alguma profisso perfeitamente legal, cujos filhos estudam, e que no so identificados ou identificveis como 'ciganos', e por isso tambm no so perseguidos e discriminados.

Entende-se que a chegada repentina de centenas ou milhares de rom orientais maltrapilhos, famintos, imundos, analfabetos e que, para sobreviver, vivem mendigando, enganando ou furtando, ou at envolvendo-se em atividades ilegais como contrabando e o trfico de drogas, um pesadelo e uma ameaa para os tradicionais ciganos no somente na Europa Ocidental, mas tambm em alguns pases da Europa Oriental, como a Polnia.

Se at os prprios Rom pensam assim sobre os imigrantes e refugiados Rom romenos, (ex) iugoslavos, (ex) tchecoslovacos, albaneses ou outros, no se pode estranhar opinies e atitudes ainda piores entre a populao no-cigana. Numa pesquisa de opinio pblica realizada na Alemanha em 1992, os ciganos obtiveram o mais alto ndice de rejeio: 64%. A rejeio de outras conhecidas minorias era: muulmanos 17%, indianos 14% e judeus 7%.[14]

Grande tambm o nmero de imigrantes e refugiados da ex-Iugoslvia. Milhares de ciganos iugoslavos, que desde 1989 tentaram em vo obter asilo na Alemanha, foram depois compulsoriamente "repatriados" - eufemismo para "deportados" [15]

compreensvel que estas massas de refugiados no sejam bem-vindas na Alemanha, como alis em nenhum outro pas europeu. Afinal de contas, por causa de tratados internacionais, todos eles devem receber alimentao, hospedagem, assistncia social, assistncia mdica, etc., ou seja, devem ser mantidos s custas dos contribuintes no-ciganos. E tudo isto justamente numa poca em que tambm a quase totalidade dos pases europeus a por profundas crises econmicas e tm altos ndices de desemprego.

Alm disto, por causa dos preconceitos j existentes, os ciganos migrantes ou refugiados do Leste quase nunca recebem a devida assistncia, e por isso so obrigados a mendigar, furtar, vender drogas, etc. pelo que os preconceitos aumentam mais ainda. Porque, obviamente, muitos deles so presos e terminam nas pginas policiais dos jornais, nas quais costumam ser identificados como 'ciganos', embora os jornalistas no costumem informar nada sobre a nacionalidade ou identidade tnica dos outros milhares de criminosos presos por causa de 'crimes' idnticos ou semelhantes.

Da porque a imprensa no se cansa de noticiar incndios de residncias ciganas e outras violncias contra ciganos e contra outras minorias tnicas na Alemanha (e em vrios outros pases europeus), cometidas por neo-nazistas, skinheads e outros grupos ultra-direitistas, ou a repatriao forada, pelo Governo, de milhares de ciganos para seus pases de origem. Na Alemanha de hoje, apesar das belas recomendaes pr-ciganas da Unio Europia, da qual o pas faz parte, a vida dos ciganos ainda difcil, e os tradicionais preconceitos e as centenares discriminaes continuam existindo, como antes.


Captulo 5.

CIGANOS NA EUROPA OMUNISTA.

Populao cigana na Europa do Leste.

J a partir do Sculo XII muitos ciganos migraram da Turquia em direo ao norte. Principalmente aqueles que migraram para a Transilvnia, Valquia e Moldvia (nas atuais Romnia e Moldvia) tiveram um destino nada agradvel: dezenas de milhares deles foram capturados e escravizados, e isto at meados do Sculo XIX .

A origem desta escravido cigana nos Blcs ainda no est devidamente esclarecida: podem ter sido prisioneiros de guerra, ou servos que se transformaram em escravos, ou pessoas famintas que se venderam para sobreviver. Seja como for, j desde o Sculo XIV h notcias nestes principados de escravos ciganos, a servio da Cora, de mosteiros, nobres, fazendeiros ou cidados abastados.[16]

Consta que os escravos domsticos viviam em condies melhores do que os escravos do campo, mas mesmo assim, em 1839, um jornalista francs escreveu: A misria est to claramente estampada nos seus rostos que, se avistar um, voc perde o apetite. Os proprietrios costumavam abusar sexualmente das jovens ciganas e os filhos resultantes disto tambm eram considerados escravos.[17] E naturalmente, sendo escravos, podiam ser vendidos. Um anncio num jornal de 1845 informa que os filhos e herdeiros de N.N., de Bucarest, vendiam 200 famlias ciganas, em lotes de no mnimo cinco famlias de cada vez; facilitava-se o pagamento.[18] E em 1852 anuncia-se a venda, pelo mosteiro de Santo Elias, de um lote de escravos ciganos, a saber 18 homens, 10 rapazes, 7 mulheres e 3 moas, todos em boas condies, in conditie fina.[19]

O movimento abolicionista que surgiu na Europa do Sculo XIX preocupava-se antes de tudo com a abolio da escravido negra nas Amricas, porque sempre mais cmodo preocupar-se com problemas ecolgicos, sociais, de direitos humanos, de violncia urbana, de torturas, fome, etc. em continentes e pases distantes, e esquecer problemas idnticos existentes no prprio continente ou at no prprio pas como, por sinal, acontece ainda hoje. Por isso ningum deve estranhar que a escravido cigana na prpria Europa s era lembrada por alguns poucos autores. Segundo um deles, o abolicionista Kogalniceanu: Os europeus esto organizando sociedades filantrpicas para a abolio da escravido na Amrica, mas no seio do prprio continente da Europa, existem 400.000 ciganos que so escravos, e outros 200.000 que so igualmente vtimas de barbaridades.[20]

Mas aos poucos as idias abolicionistas penetraram tambm na Romnia. A primeira libertao em massa de escravos ciganos ocorreu na Valquia, em 1837, quando a Cora libertou quatro mil famlias, seguindo-se a libertao de escravos ciganos da Igreja (dos mosteiros), em 1842 na Moldvia e em 1847 na Valquia. Na dcada de 40, escravos ciganos da Cora, e depois tambm de mosteiros, foram libertados na Moldvia. A escravido cigana foi declarada ilegal, em 1855 na Moldvia e em 1856 na Valquia. Por completo a escravido cigana seria abolida somente em 1864, quando os dois principados foram unidos e aram a constituir a ento Romnia (em 1944 a Moldvia ou a pertencer Unio Sovitica e atualmente um pas independente).[21]

Quase todos estes escravos ciganos eram Kalderash, cujos descendentes hoje, compreensivelmente, tentam de qualquer forma esconder e esquecer (ou esqueceram de fato) este seu comprovado e bem documentado ado de 500 anos de escravido. Os ciganos escravos conseguiram conservar - mais do que os ciganos livres em outros pases - alguns poucos elementos culturais, e principalmente sua lngua, em parte porque eram escravos e portanto sedentrios, em parte tambm porque casamentos e relaes sexuais entre livres e escravos eram proibidas (o que no significa que no tenham ocorrido).

Mas outros tantos elementos e valores culturais - hoje considerados tipicamente 'ciganos', rom ou 'kalderash' os escravos ciganos assimilaram da populao rural romena, como o 'kris' (uma espcie de tribunal cigano) ou a 'pomana' (ritual funerrio) que na realidade no so de origem cigana, mas comprovadamente de origem balcnica.

A partir de meados do Sculo XVIII, milhares de Rom migraram para a Europa Ocidental e para as Amricas, mas a maioria deles ficou morando na Europa Oriental e Central.

Aps a II Guerra Mundial forma-se na Europa do Leste o assim chamado "bloco dos estados socialistas", composto pela Unio Sovitica e seus pases satlites: Albnia, Bulgria, Hungria, Iugoslvia, Polnia, Romnia, Tchecoslovquia e a Repblica Democrtica Alem (Alemanha Oriental). J em 1948 a Iugoslvia se separa deste bloco e a Albnia faz o mesmo em 1961; as tentativas de separao da Hungria em 1956, e da Tchecoslovquia em 1968, foram frustradas pelas tropas soviticas.

Com o fim da Unio Sovitica, simbolizado pela destruio do Muro de Berlim em 1989, o mapa poltico da Europa do Leste muda novamente. Os pases blticos recuperam sua independncia e renascem a Litunia, a Letnia e a Estnia. A Polnia, Hungria, Romnia e Bulgria dissolvem seus partidos comunistas e realizam eleies democrticas; a Tchecoslovquia se divide na Repblica Tcheca e a Eslovquia; a Iugoslvia, que unia artificialmente sete povos diferentes, aps uma sangrenta guerra civil, se divide na nova Iugoslvia (Srvia, Montenegro e Kossovo), a Bsnia-Herzegvina, a Eslovnia, a Crocia e a Macednia.

na Europa Central e Oriental que, ainda hoje, reside a maioria da populao cigana mundial. Segundo Ligeois, em 1994 a populao cigana nestes pases seria: Albnia 90 a 100.000; Belarssia 10 a 15.000; Bosnia-Herzegovina 40 a 50.000; Bulgria 700 a 800.000; Crotia 30 a 40.000; Eslovquia 480 a 520.000; Eslovnia 8 a 10.000; Estnia 1.000 a 1.500; [Grcia 120 a 140.000]; Hungria 550 a 600.000; Iugoslvia (Srvia e Montenegro) 400 a 450.000; Letnia 2 a 3.500; Litunia 3 a 4.000; Macednia 220 a 260.000; Moldvia 20 a 25.000; Polnia 40 a 50.000; Repblica Tcheca 250 a 300.000; Romnia 1.800.000 a 2.500.000; Rssia 220 a 400.000; Turquia 300 a 500.000; Ucrnia 50 a 60.000.[22]

Como sempre, estes nmeros so apenas aproximados. Druker, falando dos ciganos na Europa do Leste, informa que quase impossvel saber com certeza quantos ciganos vivem nestes pases pelos seguintes motivos: a) a inexistncia ou inconfiabilidade de censos oficiais; quando existem, a populao rom (cigana) geralmente subestimada; durante o perodo comunista os ciganos nem sequer eram reconhecidos como minorias tnicas; b) muitos ciganos tm mdo de se identificarem como tais, por causa da secular discriminao e perseguio pela populao local/nacional, e entre os velhos ainda sobrevive a lembrana da perseguio nazista; c) enquanto isto, os lderes das organizaes ciganas e pr-ciganas tendem a superestimar a populao rom, para tirar disto vantagens polticas ou financeiras.[23]

Falar genericamente de "ciganos" ou "Rom" nos pases do Leste, praticamente impossvel, porque a diversidade entre os ciganos enorme, talvez ainda mais do que entre os ciganos na Europa Ocidental.

A populao cigana atual da Romnia estimada em 1.410.000 pessoas, ou seja cerca de 6% da populao nacional. Segundo outros autores, a populao cigana seria aproximadamente 10% da populao nacional, ou seja 2.500.000 ciganos pertencentes a no mnimo 40 grupos diferentes, com auto-denominaes prprias; 30% destes ciganos vivem nas cidades e 70% na rea rural. A maioria - cerca de 90% - sedentria e estima-se que uns 10% ainda viajam, mas apenas durante a primavera e o vero. Cerca de 60% dos ciganos romnos falam ainda o Romani, mas muitos falam apenas romno ou hngaro.[24]

Em 1995 Fox estimou a populao cigana da Bulgria em 500.000 pessoas, ou seja quase 6% da populao nacional, composta de 60% de cristos e 40% de muulmanos. Outras estimativas variam de 288 mil a 1 milho de ciganos (ou seja: 12% da populao nacional). Um relatrio do Helsinki Watch, de 1991, apresenta nmeros que variam de 400 mil a 1 milho, sendo este ltimo nmero uma estimativa, certamente exagerada, da Democrtica Unio Roma Blgara que alega que muitos ciganos tm medo de se identificarem como tais e se declaram blgaros. Alm de variaes da lngua romani, parte destes ciganos fala blgaro e outra parte fala turco. Entre si existem enormes diferenas quanto s origens histricas, lngua e cultura o que na realidade torna no somente difcil falar genericamente de "os ciganos blgaros", como tambm responsvel pelo fracasso de muitos projetos governamentais que no levam em conta estas diferenas.[25]

A populao cigana da Hungria estimada em 600.000 pessoas, cerca de 5,7% da populao nacional. Outras estimativas, no entanto, variam de 143.000 a 1.000.000 de ciganos.[26] Estes ciganos so divididos em pelo menos trs grandes grupos. O maior (70%) formado pelos "Ciganos Hngaros" que vivem espalhados por todo o pas; a maioria fala apenas o hngaro. Outro grupo (10%) formado pelos "Ciganos Boyash", originrios da Romnia e da Srvia. O terceiro grupo (20%) de ciganos que a partir de meados do sculo XIX migraram da Transilvnia e Romnia, sendo a maioria de ciganos Vlach (oriundos da Moldvia e Valquia); falam vrios dialetos romani. Alm disto ainda existem diferenas internas: "Deixando de lado as diferenas lingusticas e histricas, de um ponto de vista sociolgico nenhum destes grupos ciganos forma uma populao homognea. Existem variaes na organizao familiar e na cultura.......". Por isso Stewart acrescenta que: "A variao entre grupos ciganos significa que no possvel contar a histria de todos os ciganos hngaros sob o comunismo num livro nico".[27] Quanto menos a histria de todos os ciganos do Leste em apenas um nico captulo como, da melhor maneira possvel, tentaremos fazer a seguir.

Principalmente a partir de 1989, com a reestruturao poltica do Leste, inicia o que poderia ser chamada a Terceira Onda Migratria Cigana, quando dezenas de milhares de Rom migram em massa para vrios pases do Ocidente, e inclusive para as Amricas. Aumenta ento tambm na Europa Ocidental a violncia anti-cigana. Vejamos mais detalhadamente a situao dos Rom do Leste, inicialmente na era comunista ps-guerra (1945-1989), e depois a nova situao no perodo ps-comunista (1989-hoje).

Os ciganos na era comunista.

As informaes sobre os ciganos nos pases comunistas a partir de 1945 so escassas, em parte por causa do carter autoritaritrio dos seus governos, em parte tambm porque a partir de ento os ciganos no so mais considerados uma minoria nacional ou tnica, mas am a ser cidados como quaisquer outros. Pelo menos em teoria, embora na prtica nem tanto. Por isso, na literatura e nos documentos oficiais quase no h mais referncias a ciganos. Mas como identidades tnicas ou nacionais no podem repentinamente ser abolidas por decreto, obviamente os ciganos continuaram existindo, com suas lnguas e seus costumes diferentes. E como leis e decretos tambm no podem, de um dia para outro, eliminar esteretipos, preconceitos e discriminaes existentes h sculos, tambm o anti-ciganismo continuou existindo.

Nos pases do Leste, a poltica geral quanto aos ciganos deve ter sido semelhante adotada pelo Partido Comunista Blgara, expressa num documento, de 1962:

"Em suas polticas com respeito s minorias nacionais o Partido Comunista Blgaro sempre foi guiado pela teoria marxista-leninista sobre a questo nacional. Assegurando uma completa igualdade poltica e social de direitos para todos os trabalhadores sem distino de lngua, religio ou nacionalidade, o Partido e o governo do povo tomaram vrias medidas especiais para a rpida eliminao do grande atraso econmico e cultural da populao turca e cigana. (...) Esta correta poltica do Partido teve resultados positivos. Quase todos os trabalhadores capazes desta parte da nossa populao participam na construo do socialismo, sua situao material est rapidamente melhorando, seu nvel cultural est aumentando, intelectuais locais so formados, as crianas frequentam a escola, eles tm direito a servios mdicos gratuitos, etc. " (grifo nosso - FM).[28]

Esta apenas a verso oficial; resta conhecer a verso cigana, que bem diferente. Em resumo, as principais mudanas foram:

- Todos os cidados, inclusive os ciganos, tm que trabalhar, e o Estado providenciar trabalho para todos, nas cidades ou no campo. O cidado comum vira um assalariado do Estado, mas acontece que a maioria dos ciganos, tradicionalmente, sempre preferiu trabalhar por conta prpria, em atividades artesanais (fabricando ou consertando objetos de madeira, vime ou de metal), ou comerciais (vendendo artesanato ou negociando cavalos), ou atividades consideradas ilegais (mendicncia, quiromancia, contrabando e atividades afins). O desemprego deixa de existir, embora apenas por decreto e no na realidade - e quem no trabalhar considerado um "parasita" e pode ser punido por lei e mandado para alguma fbrica ou fazenda coletiva. Mendigar no considerado "trabalho" e a a ser proibido.

- Ningum (a no ser o Estado) pode mais explorar os cidados, ou seja, as tradicionais atividades rurais, industriais, comerciais ou de prestao de servios so proibidas, so estatitizadas, sejam elas ciganas ou no-ciganas. Com isto acabam, por exemplo, o tradicional comrcio cigano com cavalos e produtos artesanais, ou a prestao de servios, principalmente nas atividades agrcolas, em pocas de colheita ou plantio. Todos os ciganos devem sedentarizar-se, no campo ou nas cidades.

- O Estado promete trabalho, habitao, educao, assistncia mdica, alimentao, etc. para todos, e todos so iguais e tm direitos iguais, pelo menos em teoria. Na prtica, os ciganos, como sempre, so os menos iguais, conforme testemunham documentos da poca.

Estas mudanas, no entanto, no ocorreram de um dia para outro porque a burocracia comunista era extremamente lenta. Segundo Stewart: "Era uma caracterstica de campanhas oficiais na Europa Oriental que uma deciso pelo partido podia levar trs a cinco anos para ser implantada numa poltica governamental. No caso dos ciganos ...... o governo central em Budapest implementou nenhuma poltica cigana at 1968, e em Harangos nada foi formalmente iniciado at 1977".[29] Ou seja, mais uma vez no h como generalizar levianamente sobre os ciganos do Leste. Vejamos alguns poucos pases em particular.

a) Romnia.

Em 1947 o rei romeno foi deposto e os comunistas tomaram o poder. Logo o governo comunista proibiu o (semi-)nomadismo e, como garantia, confiscou os cavalos e as carroas dos ciganos, evidentemente sem indeniz-los. Mas a quase totalidade dos ciganos j era sedentria, por causa da antiga escravido cigana neste pas; somente uma minoria era semi-nmade, viajando principalmente na primavera e no vero e procurando um abrigo fixo no outono/inverno quando viajar se tornava praticamente impossvel por causa dos rigores climticos.

Visando facilitar a integrao, grupos maiores de ciganos foram dispersos e distribudos sobre as aldeias e cidades. As casas que lhes foram atribudas geralmente eram situadas na periferia, ou at fora dela, sem a necessria infraestrutura como estradas de o, gua e energia eltrica, coleta de lixo, transportes pblicos, etc.

A poltica oficial era assimilar os ciganos na sociedade romena, e isto significava acabar tambm com um outro "mau hbito" cigano, o seu modo de vida "parasita", esta mania dos ciganos de, aparentemente, se recusarem a trabalhar, ou de exercerem atividades autnomas, como ferreiros, ourives, artesos, artistas ou comerciantes. Todas estas atividades foram proibidas e declaradas ilegais (tambm para os romnos no-ciganos) e agora todos aqueles que antes exerciam honestamente estas profisses, ciganos e no-ciganos, tinham que trabalhar como operrios nas fazendas coletivas ou nas fbricas. Quem se recusava a trabalhar, mendigava ou era desempregado, era considerado "parasita" e podia ser punido por lei.

O resultado no podia ser outro: o sempre crescente nmero de ciganos somente agora proletarizados, desempregados ou, em ltimo caso, tentando sobreviver atravs de atividades a partir de ento consideradas "ilegais" ou criminosas". E assim milhares de ciganos e outros tantos no-ciganos, antes trabalhadores honestos e que no eram proletrios no perodo pr-comunista, viraram agora, e somente agora no perodo comunista, miserveis sub-proletrios, ou criminosos, ou parasitas. Os Governos Comunistas do Leste talvez tenham, em parte, conseguido resolver os problemas dos proletrios de fato ento existentes mas, por outro lado, criaram outros tantos novos proletrios, entre os quais principalmente os ciganos.

Neste perodo comunista no existia propriamente dita uma poltica anti-cigana oficial e conflitos entre ciganos e a populao civil, como tambm entre ciganos e policiais eram relativamente raros. Isto porque 'oficialmente' e pelo menos em teoria, no existiam mais 'ciganos' na Romnia. Como era a situao na realidade, difcil saber. Um relatrio do Comit Central, de 1983, informa: "muitos deles [ciganos] abandonaram seu modo de vida parasitria e gradualmente mudaram para atividades que beneficiam a sociedade. Apesar disto, existiu uma srie de dificuldades para implementar medidas para a integrao social de ciganos. Grande nmero deles, persistindo em tradies e mentalidades retrgadas, tende a levar um modo de vida parasitria, se recusa a trabalhar, vive em precrias condies, e recusa a tomar parte em atividades para o bem-estar da sociedade".[30]

A maior parte dos casos de perseguio policial trata de ciganos sem trabalho, ou trabalhando em atividades 'ilegais'. Os ciganos informaram aos pesquisadores do Helsinki Watch que, de um modo geral e apesar de tudo, sua situao durante o perodo comunista no era boa e existia discriminao e perseguio, mas era melhor do que na atualidade ps-comunista. O socilogo e ativista cigano Nicolae Gheorghe at afirma que: ".... basicamente o governo estava tentando melhorar as condies de vida dos ciganos", embora muitas vezes (quase sempre) errando nos mtodos para alcanar este fim.

Por causa desta poltica assimilacionista, no perodo de 1956 a 1966 pelo menos uns 40.000 indivduos deixaram de identificar-se como 'ciganos' e preferiram ser identificados apenas como 'romenos', uma identidade que significava menos discriminao e menos perseguio, e mais benefcios materiais, educacionais, mdicos, salariais e outros a serem obtidos do Estado. Outros ciganos apenas tinham medo de se identificarem como tais, e mais outros simplesmente foram compulsoriamente declarados no-ciganos, como aconteceu na dcada de 80 numa aldeia onde viviam 483 ciganos: durante um censo apenas oito famlias totalizando 45 pessoas assumiram sua identidade cigana (menos de 10%), mas o prefeito, por conta prpria, mudou estes nmeros para duas famlias com 11 pessoas. O caso de um outro recenseador cigano ainda mais esclarecedor: "Muitos ciganos tinham mdo de dizer que eram ciganos. Eu os encorajei a se declararem ciganos, mas as autoridades do censo depois se recusaram a inclu-los nas estatsticas. Eu insisti de ser includo no censo como cigano e assim, conforme o censo, existia apenas um nico cigano na minha aldeia".[31] Ou seja, no h como confiar nas 'estatsticas oficiais' sobre a demografia cigana do perodo comunista.

b) Bulgria.

Tambm na Bulgria comunista a poltica oficial era a assimilao dos ciganos. A Constituio de 1947 fala ainda de "minorias nacionais", mas na Constituio de 1971 os ciganos e outros minoritrios viraram simplesmente "cidados de origem no-blgara". Em 1958 o nomadismo cigano foi proibido e pela ensima vez na Histria tentou-se sedentarizar os ciganos por decreto, com os mesmos resultados negativos de sempre. Na realidade, esta proibio s atingiu pequena parte da populao cigana, porque a maioria absoluta j era sedentria. Porm, a poltica era segregar os ciganos o mais longe possvel da populao no-cigana, na periferia, e assim foram criados guetos ciganos em 160 das 237 cidades e em 3.000 das 5.846 aldeias blgaras.[32]

Um documento do Partido Comunista Blgaro, de 1959, inicialmente atribue todos os problemas ciganos ao anterior capitalismo burgus, e informa:

"Depois de 09.09.1944, junto com todo o povo blgaro, a populao cigana recebeu liberdade e uma grande oportunidade ganhar o seu sustento e devolver culturalmente. A vitria do socialismo na Bulgria, a reconstruo socialista da indstria, a reconstruo da agricultura numa base socialista, e a profunda revoluo cultural que est ocorrendo em nosso pas causaram uma mudana na vida de parte considervel desta populao. Grande parte da populao cigana ou a participar da cultura material e espiritual socialista do povo blgaro. (...) Uma parte considervel da populao cigana participa da produo industrial, a construo e das cooperativas de construo, trabalho e produo, eles receberam qualificaes tcnicas, se transformaram em bons operrios, e se tornaram parte da classe trabalhadora blgara. (...) Ontem viajantes e mendigos sem lar e sem terra que eram escravizados pelos fazendeiros e os ricos nas aldeias, eles se tornaram prsperos membros de fazendas cooperativas, e construtores conscientes do socialismo".

O documento apenas no informa que os ciganos se transformaram em bons camaradas trabalhadores no por livre e espontnea vontade, mas compulsoriamente, por imposio governamental, porque de outra maneira terminariam numa priso ou morreriam de fome, j que as tradicionais atividades econmicas tinham sido proibidas e eram consideradas ilegais. Mesmo assim, o documento reconhece que no conseguiu ainda domar e dominar todos ciganos:

"O problema com os ciganos viajantes [srio]. Existem cerca de 14.000 deles na Bulgria. A maioria deles no tem casa, eles viajam de uma cidade para outra, e praticam a mendicncia, ler a sorte, furto, etc. Esta a parte mais atrasada da populao cigana. Eles aceitam a cultura socialista lentamente, difcil re-educ-los, os velhos costumes e tradies so profundamente neles enraizados, os vestgios do ado capitalista deixaram marcos profundos na sua conscincia, eles ainda continuam vivendo na maneira antiga. (...) .... hoje nas condies do socialismo, este modo de vida nocivo e vergonhoso. Na Repblica popular da Bulgria no existem e no podem existir condies para desemprego, mendicncia, e nomadismo. Cada cidado pode obter o seu sustento atraves de trabalho honesto".[33]

Este documento critica ainda o fato de muitos ciganos se registrarem como turcos e de mandarem seus filhos para escolas turcas, como tambm o isolamento dos ciganos em distritos e bairros separados (os guetos ciganos), o que dificultaria sua assimilao na sociedade blgara.

Para acabar com a influncia turca, considerando-se perigoso principalmente o seu fanatismo religioso, o governo iniciou a partir de 1960 campanhas para os ciganos mudarem seus nomes turcos por nomes blgaros, o que depois se tornou praticamente obrigatrio. Segundo um ativista cigano [antes Mustafa Aliev Demerov; depois Manush Romanov], cerca de 400 mil ciganos foram forados a mudarem seus nomes (um nmero certamente exagerado; antes disto, o prprio governo estimou o nmero de "ciganos turcos" na Bulgria em 130 mil). Seja como for, em 1985 praticamente todos os ciganos tinham nomes blgaros. Nos documentos de identificao, a designao "cigano" foi substituda por "blgaro". Em 1984/85, no combate anti-turco (e no anti-cigano!) prticas religiosas islmicas foram proibidas e mesquitas foram fechadas. Acontece que muitos ciganos eram muulmanos.

Muito antes disto, j nas dcadas de 50/60, peas e companhias teatrais, como tambm msicas e orquestras ciganas tinham sido proibidas. Uma proibio que agravou muito a situao econmica de milhares de artistas ciganos que nesta atividade tinham seu nico sustento. Mas por incrvel que possa parecer, tambm foram proibidos clubes de futebol com nomes ciganos. Quando os clubes ciganos ento adotaram nomes de famosos herois blgaros, isto tambm foi proibido porque foi considerada uma ofensa aos herois nacionais! Alm disto, o governo exigiu que sempre pelo menos cinco jogadores fossem no-ciganos! Os ciganos preferiram ento extinguir seus clubes de futebol. Tambm foi proibido falar publicamente a lngua romani.[34]

Ou seja, a inteno do governo blgaro era transformar os ciganos, a maioria ou quase totalidade dos quais (no importa se sedentrios ou semi-nmades) com comprovadas "tendncias capitalistas ou parisitrias", em bons cidados blgaros socialistas/comunistas. Uma tarefa praticamente impossvel, mesmo se o governo blgaro de ento tivesse sido democrtico. Isto em parte por causa da j citada enorme diversidade entre os tais genericamente denominados "ciganos blgaros" mas que, na realidade e pelo menos naquele pas, tm poucas coisas ou quase nada em comum - nem histria, nem lngua, nem cultura.

c) Hungria.

Tambm na Hungria o anti-ciganismo existe h sculos e mesmo o regime comunista no foi capaz de acabar com ele. Os antroplogos hngaros Fl e Hofer, na dcada de 50, realizaram pesquisa na comunidade camponesa tny e constataram que as casas ciganas ficavam no dentro, mas fora da aldeia, numa rea pblica. Isto porque, segundo os camponeses, os ciganos so de uma espcie inferior, "eles so criados de maneira diferente, no so nem hngaros, nem camponeses". As casas ciganas eram inferiores s casas camponesas e a maioria tinha apenas um quarto; no tinham quintais nem construes externas, "porque os ciganos no tinham animais", nem sequer cavalos (porque foram proibidos de ter cavalos!). Os ciganos no trabalhavam no campo; alguns eram msicos e os outros exerciam apenas profisses de baixo prestgio. Os ciganos no eram itidos nas casas dos hngaros, nem nas igrejas (os hngaros desta comunidade eram protestantes e os ciganos eram catlicos), nem nos bares, e nem suas crianas nas escolas. Em 1964 viviam na aldeia 182 ciganos, e destes apenas 12 trabalhavam regularmente nas cooperativas agrcolas, e cerca de 10 em fbricas.[35]

No muito longe de tany fica a cidade Harangos, com mais de mil ciganos, que em 1984/85 foram estudados pelo antroplogo ingls Stewart. Segundo ele, os ciganos no possuam cavalos porque as pessoas que viviam do comrcio de animais, como os ciganos, foram proibidas de possuir animais. Em 1976 o governo confiscou muitos cavalos ciganos, sem pagar indenizao.[36] Ao que tudo indica, os cavalos j tinham sido confiscados outra vez j na dcada de 50, e houve um novo confisco em 1976.

Mesmo naqueles tempos comunistas, o anti-ciganismo continuava existindo, e at estava aumentando porque os no-ciganos achavam que o governo estava jogando dinheiro fora nestes infrutferos projetos ciganos.[37]

As condies de vida dos ciganos nesta poca podem ter sido melhores do que hoje, no perodo ps-comunista (conforme veremos a seguir), mas mesmo assim ainda deixavam muito a desejar. Conforme Stewart: "de 1965 at 1985, os Rom de Harangos sofreram um verdadeiro processo de proletarizao....... Dia aps dia os Rom tinham que fazer coisas que eram un-rom [que contrariavam as tradies rom]". Inclusive tinham que trabalhar como operrios assalariados mas, acrescenta Stewart, para os ciganos, na realidade, o trabalho significava pouco ou nada, e era apenas uma obrigao. Somente aps sua volta Inglaterra, o antroplogo descobriu que praticamente no tinha informaes sobre trabalho, um assunto sobre o qual os ciganos nunca falavam.[38]

Segundo um relatrio do Helsinki Watch, nos anos 60, milhares de ciganos foram recrutados para trabalharem nas minas, na indstria pesada e na agricultura, onde geralmente ocupavam os cargos mais perigosos e com remunerao mais baixa. Em 1971 cerca de 90% dos homens ciganos e 40% das mulheres estavam plenamente empregados.[39]

Naqueles tempos de governos comunistas autoritrios, os ciganos, alm de no falarem sobre suas novas 'profisses' compulsrias, certamente tambm no falaram, e menos ainda tiveram oportunidade ou coragem de fazer denncias sobre as perseguies e discriminaes das quais, com certeza, eram vtimas tambm no perodo comunista.


[1]. Gilsenbach 1988, pp. 112-118

[2]. Fraser 1992, p. 266; vrios outros autores j citados neste ensaio tambm tratam do assunto.

[3]. Bernadac, C., LHolocauste oubli: le massacre des tsiganes, Paris, Empire, 1979, pp. 145-410

[4]. Gunther, W., Sinti und Roma im KZ Bergen-Belsen, Hannover, SOAK, 1990, p. 112

[5]. Bernadac 1979, im. Um destes campos especialmente para ciganos, o de Montreuil-Bellay, foi amplamente descrito por Sigot, J., Un camp pour les tsiganes .... et les autres, Bordeaux, Wallada, 1983. Um livro mais recente, mas que ainda no tivemos oportunidade de consultar, Lvy, P., Un camp de concentration franais: Poitiers 1939-45, SEDES, 1995, trata de um campo misto, uma parte para judeus, outra para ciganos. A revista tudes Tsiganes, 1995, no. 2, dedicado ao tema: 1939-1946 en : linternement des Tsiganes, com artigos principalmente de J. Sigot.

[6]. Ligeois , J.P., Gypsies and travellers, Strasbourg, Council of Europe, 1987, p. 96

[7]. Gilsenbach 1988, p. 118

[8]. Para uma bibliografia complementar (em lngua inglesa) sobre o holocausto cigano, veja tambm Milton, S., Nazi policies toward Roma and Sinti, 1933-1945, Journal of the Gypsy Lore Society, Vol. 2, no. 1, 1992, pp. 1-18; Klamper, E., Persecution and annihilation of Roma and Sinti in Austria, 1938-1945, Journal of the Gypsy Lore Society, Vol. 3, no. 2, 1993, pp. 55-65.

[9]. Veja Supple, C., From prejudice to genocide: learning about the Holocaust, Staffordshire, Trentham Books, 1993, que inclue um captulo sobre os ciganos, e Asseo, H., Countre-point: la question tsigane dans les camps allemands, Annales: conomies, Societs, Civilizations, no. 3, 1993, pp. 567-587, um artigo publicado num nmero especial dedicado aos judeus durante a II Guerra Mundial.

[10]. Reemtsma 1996, pp. 124 e segs.

[11]. Schenk 1994, pp.173-220; Wippermann 1996, pp. 195 e segs.

[12]. Jansen, M., Sinti und Roma: na ethnic minority in , IN: Packer, J. & Myntii, K. (eds.), The protection of ethnic and linguistic minorities in Europe, Abo/Turku, Abo Akademi University, 1995, p. 177

[13]. Gozdziak, E., Needy guest, reluctant hosts: the plight of Rumanians in Poland, The Patrin Web Journal Romani Rights [original em Anthropology of East Europe Review, Vol. 13, no. 1, 1995]

[14]. Margalit, G., Antigypsyism in the Political Culture of the Federal Republic of , The Patrin Web Journal Romani Rights, 1996 [original em ACTA, no. 9, 1996]

[15]. Jansen 1995, p. 168

[16]. Hancock, I., The Pariah Syndrome: an of gypsy slavery and persecution, Ann Arbor, Karoma Publishers, 1987, im; Crowe, D., A History of the gypsies of Eastern Europe and Russia, New York, St. Martins Press,1995, pp. 107-149.

[17]. Hancock 1987, p. 21

[18]. Ligeois, J.P., Los Gitanos, Mxico, Fondo de Cultura Economica, 1988, p. 139

[19]. Hancock 1987, p. 46

[20]. Hancock 1987, p. 33

[21]. Hancock 1987, pp. 34-35; Fraser, A., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, pp. 224-26

[22]. Ligeois, J.P., Roma, tsiganes, voyageurs, Strasbourg, Conseil de lEuropa, 1994, p. 34; veja tambm Romani Populations in Central and Eastern Europe, The Patrin Web Journal Romani Customs and Traditions, 1997. .

[23]. Druker, J., Present but uned for, The Patrin Web Journal Romani Customs and Traditions.

[24]. Helsinki Watch, Destroying ethnic identity: the persecution of gypsies in Romania, New York, Human Rights Watch, 1991b, pp. 5-7; Fox, J., Minorities at Risk Project, University of Maryland, The Patrin Web Journal Minorities at Risk Project, 1995

[25]. Helsinki Watch, Destroying ethnic identity: the gypsies of Bulgaria, New York, Human Rights Watch, 1991a; Marushiakova, E. & Popov, V., The gypsies of Bulgaria, The Patrin Web Journal Romani Customs and Traditions, 1995

[26]. Fox 1995. O Relatrio no. J/3670 do Governo da Repblica Hngara, enviado Assemblia Nacional, calcula a populao cigana em 450 a 500.000 (embora no Censo de 1990 menos de 143.000 se registrassem como tal), e apresenta informaes mais detalhadas sobre a sua distribuio geogrfica. Cfr. The Patrin Web Journal Romani Rights.

[27]. Stewart, M., The time of the gypsies, Boulder, Westview Press, 1997, pp. 10-11.

[28]. Helsinki Watch 1991a, p. 69

[29]. Stewart 1997, p. 127

[30]. Helsinki Watch 1991b, pp.19-20

[31]. Helsinki Watch 1991b, p. 34

[32]. Crowe 1996, p. 22

[33]. Helsinki Watch 1991a, pp. 61-63

[34]. Helsinki Watch 1991a, pp. 11-13, 64-65, 69-73

[35]. Fl, E. & Hofer, T., Proper peasants: traditional life in a hungarian village, Chicago, Aldine, 1969, pp. 227, 247, 294.

[36]. Stewart 1997, P. 124

[37]. Stewart 1997, p. 131

[38]. Stewart 1997, pp. 240-41

[39]. Helsinki Watch, Struggling for ethnic identity: the gypsies of Hungary, New York, Human Rights Watch, 1993, p. 6

Captulo 6.

CIGANOS NA EUROPA PS-COMUNISTA.

Conforme vimos acima, durante o perodo comunista a partir de 1945, a situao dos ciganos na Europa do Leste piorou, embora os documentos oficiais dos respectivos Partidos Comunistas, por motivos bvios, sempre afirmem o contrrio. A partir de 1989, os governos comunistas do Leste ruiram, um aps o outro. Infelizmente, esta histrica mudana poltica trouxe nenhum benefcio para os ciganos, antes pelo contrrio: desde j pode ser dito que a situao dos ciganos piorou ainda mais no perodo ps-comunista.

Stewart informa que "Mais ciganos tiveram suas casas incendiadas, foram expulsos de suas aldeias, e foram assassinados em ataques racistas entre 1989 e 1996 do que em todo o perodo aps a II Guerra Mundial".[1] Talvez seja um exagero, porque de 1945 a 1989 os pesquisadores e defensores de direitos humanos simplesmente no tinham o a estes pases e somente uns poucos casos de anti-ciganismo se tornaram pblicos. Enquanto isto, hoje vrias organizaes no-governamentais ciganas e no-ciganas (Unio Romani Internacional, Helsinki Watch, European Roma Rights Center e outras) vigiam constantemente os direitos ciganos nestes pases e divulgam seus resultados, inclusive pela Internet.[2] Todos os relatrios, livros e ensaios tratam, basicamente, de pogroms, skinheads, violncia policial e discriminao em geral.

Pogroms.

Pogroms, ou movimentos anti-ciganos populares, tornaram-se comuns na Europa Oriental ps-1989. Segundo um relatrio do Helsinki Watch sobre a Romnia, depois de 1989 a situao dos ciganos muda drasticamente, e para pior. Aumentam assustadoramente os problemas econmicos, com as falncias de indstrias estatais sucateadas ou de fazendas coletivas que voltam para a propriedade privada ou simplesmente so fechadas; aumenta o desemprego e surgem problemas em inmeras outras reas econmicas, para no falar das reas de sade, educao ou assistncia social. Um dos resultados ser o desemprego cigano, porque sero eles os primeiros a serem demitidos. E mais uma vez, como tantas outras vezes na sua Histria, os ciganos - e agora apenas eles - sero considerados os bodes expiatrios para todos os inmeros males que afligem a populao romna na era ps-comunista. Desempregados, muitos ciganos, para sobreviver, tm de recorrer novamente a meios no tanto legais, e assim aumenta mais ainda o anti-ciganismo.

Conforme este relatrio do Helsinki Watch "Antes de 1990, os sentimentos anti-ciganos eram expressos de maneira mais sutil. Agora, raras vezes a um ms sem uma aldeia cigana ser atacada". O Helsinki Watch, no entanto, reconhece que:

"O tratamento dos ciganos tem melhorado em vrios aspectos. Os ciganos agora tm mais direitos culturais e polticos do que em qualquer poca anterior. Eles agora podem criar partidos polticos e associaes culturais, como tambm ter suas prprias revistas e jornais. (...) Porm, para a maioria dos ciganos pouca coisa um-dou. Pobreza, analfabetismo e desemprego continuam sendo srios obstculos para o seu progresso. Alm disto, estas condies, que so o resultado de sculos de polticas discriminatrias governa-mentais, nem to cedo sero erradicadas". [3]

A seguir, o Helsinki Watch analisa a violncia anti-cigana em onze aldeias/cidades, ocorrida em 1990/91, e que resultou na morte de vrios ciganos, no incndio ou na destruio de dezenas de casas, na expulso de ciganos e a proibio de voltarem para as aldeias. Em Turu Lung (janeiro de 1990), a discordncia dos ciganos com mudanas polticas locais fez com que cerca de mil aldees se reunissem para atacar a parte cigana da aldeia, na qual incendiaram ou destruiram 36 das 41 casas ciganas; uma criana morreu queimada. Em Lunga (fevereiro de 1990) quatro ciganos foram mortos e seis casas foram incendiadas ou destrudas por uma multido de cerca de 250 pessoas; os ciganos abandonaram a aldeia e apenas uma famlia retornou. Num outro lugar, em outubro de 1990, foram incendiadas 25 e destrudas 8 casas ciganas. E em abril de 1991, o assassinato de um estudante romeno por um cigano (que logo foi preso), fez com que uma multido de alguns milhares de pessoas, instigada pelo padre e pelo prefeito, atacasse os ciganos, incendiando 22 e destruindo 5 outras casas; os ciganos foram expulsos da cidade e fugiram para aldeias vizinhas. Em maio, fatos semelhantes ocorreram em duas outras aldeias, onde 21 casas ciganas foram incendiadas ou destrudas. Em junho, em mais outra aldeia, 27 casas ciganas foram incendiadas. Outros casos poderiam ser citados e em todos eles as autoridades e as polcias locais nada fizeram para impedir estes ataques, nem depois prenderam ou puniram qualquer dos no-ciganos.[4]

A assim chamada Justia, infelizmente e ao que tudo indica em qualquer pas do Mundo, costuma ser extremamente lenta e benevolenta quando os rus so polticos, poderosos ou ricos (e que tm como pagar os milionrios honorrios dos seus advogados), e extremamente rpida e rigorosa quando se trata de processos envolvendo pretos, pobres ou ciganos que no tm como pagar um advogado.

Skinheads anti-ciganos.

O movimento skinhead neonazista que existe bem organizado em muitos pases europeus e no-europeus tambm existia na Europa do Leste j no perodo comunista e hoje mais ativo do que nunca em vrios pases, principalmente na Repblica Tcheca, Eslovquia, Bulgria, Hungria e Yugoslvia.[5] Nestes pases, por falta de um alvo melhor, o bode expiatrio preferido dos skinheads costumam ser os ciganos.

O European Roma Rights Center (ERRC), num amplo relatrio de 1997, documenta dezenas de casos de ciganos assassinados ou feridos por skinheads na Eslovquia. Estes ataques quase sempre ficaram impunes e na maioria dos casos a polcia at se recusou a registrar e investigar os ataques alegando que os ferimentos foram causados porque a vtima se feriu ao cair porque estava bbado, ou porque os agressores foram apenas alguns jovens menores, ou porque foram os prprios ciganos que provocaram a briga, etc. [6]

Chabanov registra vrios ataques de skinheads na Yugoslvia. Em 1997 um jovem cigano de 14 anos foi morto por quatro skinheads. Os skinheads, atacando em grupos, costumam espancar barbaramente suas vtimas ciganas, quase sempre jovens, mulheres ou velhos, ou ento ciganos que, noite ou de madrugada, trabalham em servios de limpeza urbana. Em muitos casos as vtimas precisam ser hospitalizadas; algumas vezes morrem, como no caso do jovem cigano acima que teve seu pescoo quebrado. Neste caso, somente por causa da grande repercusso na imprensa e uma eata de milhares de Rom reclamando por justia, dois skinheads, ambos de 17 anos, foram presos e condenados a dez anos de priso. Na maioria das vezes, no entanto, os skinheads ficam impunes. A polcia nada costuma fazer e muitas vezes at acusa as vtimas de terem provocado os skinheads, pelo que os ataques a ciganos tm se tornado sempre mais frequentes.[7]

Em outros pases a situao semelhante. Helsinki Watch registra ataques de skinheads na Hungria; somente em 1992 teriam ocorrido cerca de 200 ataques.[8] Outro relatrio cita numerosos ataques de skinheads na Repblica Tcheca e na Eslovquia.[9]

Violncia policial.

Conforme vimos acima, aps 1989 era comum ocorrerem revoltas populares, atacando a populao no-cigana a comunidade rom local, destruindo ou incendiando suas casas, expulsando-os da rea, e em muitos casos assassinando vrios rom. O motivo (ou o pretexto) podia ser o fato de um rom qualquer ter ofendido, enganado, furtado, ferido ou morto um no-cigano. Ou seja, em lugar de prender e processar este cigano, a vingana costumava ser imediata e contra a comunidade rom em sua totalidade. A violncia anti-rom era, portanto, da populao civil no-cigana, e a polcia local na maioria das vezes apenas assistia a tudo sem interferir, ou s vezes at participando da violncia anti-cigana.

Aps 1989, esta violncia se institucionaliza e a a ser praticada tambm pela prpria polcia. Tornam-se comuns batidas policiais em comunidades rom. Quase sempre de madrugada, com os ciganos ainda dormindo, as comunidades rom so cercadas pela polcia, as casas so invadidas, os moradores - incluindo velhos, mulheres e crianas - so levados para as delegacias policiais onde durante horas so interrogados, espancados, torturados e finalmente libertados, muitas vezes aps o pagamento de multas ou fianas (sem recibo), mesmo sem nunca terem cometido nenhum delito.

Um relatrio do ERRC de 1996 documenta umas duas dezenas de casos ocorridos entre 1990 e 1996 em vrias aldeias e cidades romenas. Em todos os casos, os policiais agressores ficaram impunes. Esta impunidade, por sua vez, gera violncia sempre maior. E entre os Rom esta violncia oficializada gerou antes de tudo medo e a descrena na justia: "enquanto [antes] as vtimas no hesitavam em contar suas histrias para quem quisesse ouv-las, agora sempre mais se fecham atrs de uma cortina de silncio. Romani [ciganos], vtimas de violaes aos direitos humanos, sempre menos so inclinados a confiarem em organizaes de defesa dos direitos humanos". Em uma das aldeias, o lder rom chegou at a proibir a presena dos pesquisadores, "para no criar problemas" com a polcia local. Uma outra consequncia a desesperana, o desnimo. Pelo menos na Romnia e certamente tambm em muitos outros pases - quase nenhum cigano acredita mais nestas Organizaes em Defesa dos Direitos Humanos, nacionais ou internacionais, de fato bem intencionadas e que denunciam, mas que na prtica nada resolvem, nem melhoram a vida de nenhum cigano.[10]

Tambm h inmeros registros de violncia policial na Eslovquia[11], mas pior ainda a situao na Ucrnia, pas independente desde 1991. Um relatrio do ERRC, de 1997, documenta dezenas de casos de ciganos arbitrariamente presos e torturados por policiais ucranianos. A polcia chama isto de "poltica profiltica" que se destina a 'prevenir o crime'. Como os ciganos, na opinio da polcia, so criminosos potenciais, com inatas e hereditrias "caractersticas anti-sociais", nada melhor do que regularmente prender grupos inteiros de ciganos e levar para a delegacia, onde so devidamente fichados, humilhados, espancados e depois libertados. Os preconceitos dos policiais ps-1991 so expressos em frases como: "Ns fazemos prises coletivas porque eles [os Rom] cometem crimes em grupos", "Todos os ciganos so bastardos" ou "O melhor lugar para os ciganos o cemitrio".[12]

Alm destas prises coletivas, o ERRC registra inmeras prises individuais. Ciganos, inclusive menores, costumam ser presos na rua ou em casa, levados para a delegacia onde so torturados at confessarem um "crime" que nunca cometeram, como, p.ex., o furto de uma bicicleta. Depois da "confisso" so fichados como criminosos. Com alguma sorte, depois de eles ou seus parentes pagarem algum suborno, so depois libertados, mas muitos tambm, embora inocentes, terminam durante anos numa priso. Conforme o ERRC: "A poltica policial, portanto, mais parece ser criar do que encontrar criminosos; a penitenciria um lugar excelente para [os ciganos] serem socializados no crime, e a polcia parece fazer questo que todos os homens romani experimentem a priso logo cedo na sua vida, e que sejam periodicamente novamente presos, para refrescar a sua memria.

Embora tenha amplamente documentado esta violncia policial, o ERRC no encontrou um nico caso de policiais punidos por, comprovadamente, torturarem ou extorquirem ciganos. As autoridades policiais superiores, por serem tambm anti-ciganas, obviamente sempre negam esta violncia anti-cigana e informam cinicamente que nunca cigano algum apresentou queixas por escrito (a quase totalidade dos ciganos analfabeta). E mesmo nos casos de denncias escritas (inclusive pelo ERRC), nunca nada foi resolvido. Advogados ucranianos contatados pelo ERRC recusaram-se a defender ciganos e processar policiais. Um deles, talvez falando em nome de todos, informou: "Processar a polcia uma boa maneira para arruinar a sua carreira ..... Tericamente possvel processar a polcia, mas no quando as vtimas so ciganos ou gente pobre ou um professor, por exemplo. Realmente, somente uma pessoa rica ou uma pessoa com conexes polticas pode fazer isto".

O ERRC lembra que em 1993 a inflao anual ucraniana foi em torno de 5.000%, e que por isso os salrios dos funcionrios pblicos estavam miseravelmente baixos (mdia de 50 dolares por ms), e que por causa disto no era difcil subornar membros do judicirio ou outras autoridades pblicas.

Tambm foram documentados detalhadamente inmeros casos estarrecedores de violncia policial anti-cigana na Albnia[13] e na Bulgria, onde somente na primeira metade de 1997 foram registrados 528 casos de abusos policiais.[14]

Na Macednia que antes fazia parte da Iugoslvia praticamente todos os Rom foram demitidos aps a privatizao das fazendas e fbricas e o ndice de desemprego enorme. Por causa disto muitos tentam sobreviver como vendedores ambulantes. Na Macednia a violncia policial dirigida principalmente contra estes vendedores ciganos que so espancados, tm seus produtos apreendidos, e ainda so obrigados a pagar multas, e tudo sem recibo, e sem qualquer processo judicial.[15]

Helsinki Watch registrou amplamente esta violncia policial na Hungria, na Repblica Tcheca e na Eslovquia.[16]

Os casos citados acima no so exceo, mas a regra, em praticamente todos os pases ps-comunistas do Leste Europeu. Tudo indica que na Europa do Leste a violncia policial anti-cigana aumenta na mesma proporo em que diminuem os salrios dos policiais e aumentam as dificuldades econmicas. Sempre mais os Rom tornam-se ento os bodes expiatrios por excelncia, inclusive porque por causa de sua pele mais escura so facilmente identificveis. Nada melhor para descarregar a agressividade e a frustrao do que torturar e massacrar ciganos. Alm disto, estes constituem uma excelente fonte de renda complementar para os policiais, atravs do confisco de bens e a extorso de dinheiro.

Em praticamente todos os pases da Europa Oriental, os ciganos quase sempre aceitam a violncia policial sem resistncia porque, como explica a cigana blgara Marushiakova: "quando a polcia decide combater algum, sero os ciganos porque eles no conhecem seus direitos, e no [costumam] reclamar. Os ciganos precisam ser instrudos sobre os seus direitos. Nunca vi um cigano que sabia que a polcia no tinha direito de bat-lo .... Ciganos so bodes-expiatrios e so acusados pela polcia porque eles nunca protestam, nunca denunciam. O problema , primeiro, que os ciganos no tm suficiente informao e segundo, que eles pensam que a Lei no se aplica a eles que eles no tm direitos quaisquer porque sempre lhes disseram o que fazer".[17]

Discriminao.

Educao.

Relatrios do Helsinki Watch sobre Romnia, Bulgria, Hungria e Tchecoslovquia indicam que, de um modo geral, a educao cigana melhorou desde 1945: mais crianas ciganas comearam a frequentar escolas, o analfabetismo cigano diminuiu, alguns poucos ciganos at chegaram a obter ttulos acadmicos. E esta tendncia continuou aps 1989. No entanto, a discriminao na rea educacional ainda muito forte e vrios problemas continuam existindo, ou at se agravaram.

Um relatrio do Helsinki Committee da Srvia enumera os seguintes problemas: - o pobre conhecimento da lngua nacional usada nas escolas; uma pesquisa revelou que 37% das crianas ciganas nada sabiam, e 46% sabiam apenas um pouco da lngua srvia quando entraram na escola; - o reduzido vocabulrio da lngua materna (cigana) na qual as crianas so socializadas; - o baixo nvel cultural (educacional) dos pais geralmente analfabetos; - falta de preparao pr-escolar (jardim de infncia); - a pobreza dos pais, que no tm dinheiro para comprar o material escolar, ou roupas adequadas para seus filhos; - a baixa valorizao da educao escolar pelos ciganos; - a discriminao dos ciganos pelos no-ciganos.

Disto tudo resulta, entre outras coisas, que em testes de inteligncia, nos quais so usados critrios iguais para ciganos e no-ciganos, muitas crianas ciganas obtm ndices baixos e so classificadas como inaptas para as escolas normais, e por isso so matriculadas em escolas especiais para retardados mentais.[18] Em quase todos os outros pases, a situao idntica.

As dificuldades comeam porque o ensino em lngua nacional, mas que muitas crianas ciganas falam mal, ou no falam de modo algum. J vimos acima o caso das crianas ciganas na Srvia. Tambm na Bulgria, por exemplo, muitos ciganos falam apenas romani e turco, e seus filhos tm por isso enormes dificuldades de acompanhar o ensino em blgaro. Um diretor de uma escola em Sliven (Bulgria) estimou que 90% das crianas ciganas que se matriculavam na escola no sabiam expressar-se em blgaro. Por isso, muitas vezes estas crianas so colocadas em classes "especiais", o que no caso quer dizer, classes para crianas "excepcionais", para retardados mentais.

Esta poltica, por sinal, tambm j existia na era comunista. Stewart informa que na aldeia hngara Harangos em 1985 um quarto das crianas ciganas frequentava uma Escola para Educacionalmente Subnormais, popularmente tambm conhecida como "a Escola dos Ciganos", ou "a Escola dos Doidos".[19] E esta poltica continua existindo hoje: na Repblica Tcheca, em 1996/97, apenas 4,2% das crianas tchecas estavam nestas escolas especiais para retardados mentais, mas entre as crianas ciganas o ndice era 62,5%.[20]

Um problema adicional que no existem livros didticos em romani, e em parte tambm seria quase impossvel editar estes livros, porque em cada pas os ciganos falam diversos dialetos romani. Na Srvia, por exemplo, existem dois dialetos romani mutuamente ininteligveis: o Gurbet falado pelos ciganos ortodoxos com forte influncia da lngua srvia, e o Arli, falado pelos ciganos muulmanos com influncias albanesas e turcas.[21] No existe um romani padronizado, alm de existirem ciganos que no falam mais o romani.

O relatrio do Helsinki Watch sobre a Hungria relata os mesmos problemas para as crianas ciganas hngaras: embora atualmente 60 a 75% consigam concluir o primeiro grau, somente uns 3% ingressam no ensino de segundo grau, e destes apenas 1% chega at o ensino superior.[22]

Vrios ensaios e relatrios documentam a discriminao de crianas ciganas nas escolas mistas: os professores do pouca ou nenhuma ateno aos alunos ciganos, considerados "casos perdidos e irrecuperveis", que por isso so colocadas nos bancos trazeiros da sala. Os alunos ciganos so ridicularizados por seus colegas no-ciganos, por causa de seu vesturio mais pobre, por causa de sua aparncia fsica (mais escura), por serem supostamente sujas ou cheias de piolhos, pelo fato de no saber falar direito a lngua nacional, por serem supostamente ladres ou filhos de ladres, por no saberem comer direito, etc.

Por isso h quem defende escolas ciganas separadas, com professores ciganos ensinando em romani, porque somente desta forma as crianas ciganas poderiam aprender tambm sobre sua prpria histria, cultura e lngua, que so ignoradas no ensino tradicional. Em vrios pases existem escolas de primeiro grau separadas para ciganos, o que primeira vista parece ser uma boa soluo, mas nem todos os ciganos querem isto, inclusive porque aumenta ainda mais a marginalizao, o abismo entre ciganos e no-ciganos. E dificilmente estas escolas preparam adequadamente os alunos para depois ingressaram em escolas normais de segundo grau ou de nvel superior.

A polmica nem to cedo terminar e sempre existiro pessoas que condenam ou defendem escolas separadas ou escolas mistas. Tudo indica, no entanto, que pelo menos na Europa Oriental, os resultados de escolas separadas tm sido negativos. Em parte, sem dvida alguma, porque os professores destas escolas quase sempre foram no-ciganos, que no falavam romani, e nada sabiam ou ensinavam sobre lngua, cultura e histria cigana. Ou ento porque desconheciam os valores culturais e os problemas especficos dos seus alunos ciganos.

Na Hungria, a Fundao Soros mantm duas escolas em Budapest e Pcs, onde os alunos, alm de lngua, cultura e histria cigana, tambm aprendem ingls e computao, entre outras disciplinas. Mas estes so casos excepcionais, e no a regra. E mesmo assim, a Fundao prefere contribuir para melhorar a situao dos estudantes ciganos em escolas mistas normais porque, conforme o coordenador do programa, Ferenc Arato: " perigoso separar crianas de acordo com sua lngua ou cr. perigoso para elas porque isto cria uma situao virtual. Elas no so separadas na sociedade e precisam saber como comunicar-se com no-ciganos, elas tm que aprender sobre outras culturas da mesma forma como sobre a sua."[23]

A regra, na Hungria, parece estar mais perto do caso da escola primria Ferenc Pethe, em Tiszavasvri, com quase 15.000 habitantes, 17% dos quais ciganos. Nesta cidade os alunos ciganos assistem aulas na mesma escola, mas em prdios separados: os ciganos em precrios prdios auxiliares sem a mnima infra-estrutura educacional, construdos a cerca de 300 metros do prdio principal, no qual nada falta para os alunos no-ciganos. Os alunos ciganos so proibidos de frequentar a cantina da escola, como tambm de usar o ginsio de esportes. No final, a direo da escola introduziu ainda formaturas em separado para concluintes ciganos e no-ciganos.[24]

Na Eslovquia o governo editou em 1996 uma Resoluo "para resolver os problemas de cidados que necessitam de cuidados especiais", um novo eufemismo para "ciganos". Na parte que trata da educao das crianas destes cidados - e no h dvida alguma que se trata de crianas ciganas, porque o adjetivo romani constantemente usado - analisam-se os problemas e so propostas medidas para: "crianas de familias com motivao baixa", "de pais sem interesse na educao dos seus filhos", "crianas de famlias disfuncionais (pais desempregados, refugiados, imigrantes), crianas de instituies sociais especiais, crianas e adolescentes de famlias socialmente patolgicas, crianas dependentes de lcool, drogas e jogos, etc. Ou seja, os culpados pela falta de educao entre as crianas ciganas so os prprios pais. Com tantos preconceitos, como esperar algum resultado positivo da "educao especial" proposta para estas crianas?[25]



[1]. Stewart, M., The time of the gypsies, Boulder, Westview Press, 1997, p. 232

[2]. European Roma Rights Center <www.errc.org>, Unio Romani <www.unionromani.org> que todos indicam vrios outros 'sites' ciganos ou sobre assuntos ciganos, como o excelente The Patrin Web Journal, entre outros tantos mais. A partir desta pgina do nosso ensaio, a maior parte (quase totalidade) da bibliografia citada foi obtida pela Internet.

[3]. Helsinki Watch 1991b, p. 36.

[4]. Helsinki Watch 1991b, pp. 37-72 ; Haller, I., Lynching is not a crime: mob violence against Roma in post-Ceausescu Romania, Roma Rights, Spring 1998, pp. 35-42; ERRC, Hadanari case indictment, Roma Rights, Spring 1998, pp. 43-53; Danova, S. & Russinov, R., Field report: the ERRC in Croatia, Roma Rights, Summer 1998, pp. 49-57.

[5]. Petrova, D., Spotlights on civilian violence, Roma Rights, Spring 1998, p. 4. Para outros casos concretos veja, alm dos ERRC-Country Reports, tambm a seo Snapshots from around Europe, na revista Roma Rights, do ERRC.

[6]. ERRC, Time of the Skinheads: denial and exclusion of Roma in Slovakia, Country Reports Series no 3, Budapest, january 1997.

[7]. Chabanov, S., Skinhead violence targeting Roma in Yugoslavia, Roma Rights, Spring 1998, pp. 25-34

[8]. Helsinki Watch, Struggling for ethnic identity: the gypsies of Hungary, New York, Human Rights Watch, 1993, pp. 48-52.

[9]. Helsinki Watch, Struggling for ethnic identity: Cxechoslovakias endangered gypsies, New York, Human Rights Watch, 1992, im e 147-150

[10]. ERRC, Sudden rage at down: violence against Roma in Romnia, Country Reports Series no. 2, Budapest, september 1996.

[11]. ERRC 1997 no. 3

[12]. ERRC, The misery of Law: the rights of Roma in the Transcarpathian Region of Ukraine, Country Reports Series no. 4, Budapest, april 1997

[13]. ERRC, No record of the case: Roma in Albania, Country Reports Series no. 5, Budapest, june 1997

[14]. ERRC, Profession: Prisoner Roma in detention in Bulgaria, Country Reports Series no. 6, Budapest, december 1997, p. 22

[15]. ERRC, A Pleasant Fiction: the Human Rights situation of Roma in Macedonia, Country Reports Series no 7, Budapest, july 1998, pp. 43-73. Para uma verso abreviada deste relatrio, veja Written Comments of the European Roma Rights Center concerning the former Yugoslav Republic of Macedonia, for consideration by the European Comission against Racism and Intolerance in Strasbourg in 4 June 1998 <www.errc.org/advocacy>.

[16]. Helsinki Watch 1992, pp. 91-109; 1993, pp. 27-39.

[17]. Helsinki Watch 1991a, pp. 46-47

[18]. Helsinki Committee for Human Rights in Serbia, Report on the state of the Romany national minority in Serbia <http://helsinki.opennet.org>

[19]. Stewart 1997, p. 130

[20]. ERRC, Written Comments concerning the Czech Republic for consideration by the United Nations Committee on the Elimination of Racial Discrimination at its fifty-second session, 6-9 March, 1998 <www.errc.org/advocacy>; verso abreviada em Roma Rights, Spring 1998, pp. 59-63. Sobre a educao das crianas ciganas na ex-Tchecoslovqui, veja tambm Helsinki Watch 1992, pp. 37-51.

[21]. Report do Helsinki Committee for Human Rights in Serbia.

[22]. Education: a study in prejudice, The Patrin Web Journal Romani Customs and Traditions (original: Helsinki Watch, Rights denied: the Roma of Hungary, New York, Human Rights Watch, 1997)

[23]. Evans, S., Separate but superior?, The Patrin Web Journal Romani Customs and Traditions , 1996. Sobre problemas especficos na escola em Pcs, j a partir do segundo ano de seu funcionamento, veja Hermann, D., The Gandhi School: seeds of cross-cultural conflict, Journal of the Gypsy Lore Society, Vol. 8, no. 2, 1998, pp. 133-143 [Hermann era professora de ingls nesta escola para crianas ciganas, em regime de internato, na Hungria, que iniciou suas atividades em 1994].

[24]. ERRC, The submission against the principal of the Ferenc Pethe Primary School, Tiszavasvri, Hungary, Roma Rights, Spring 1998, pp. 56-58

[25]. ERRC 1997, no. 3; veja tambm Cahn, C. et alii, Roma in the educational systems of Central and Eastern Europe, Roma Rights, Summer 1998, pp. 30-36

Economia.

Hoje, na era ps-comunista, sem dvida alguma existe mais liberdade econmica do que na era comunista, e velhas profisses ciganas foram novamente permitidas. Mas isto no significa que a situao econmica dos ciganos melhorou. Antes pelo contrrio.

Segundo Evans, aps 1989 a situao dos ciganos hngaros piorou ainda mais, porque as fazendas coletivas e indstrias, que empregavam tambm ciganos, agora faliram ou os ciganos foram os primeiros a serem demitidos. Hoje so desempregados ou ocupam os empregos com os mais baixos salrios.[1] Varredores de rua e lixeiros, por exemplo, so preferencialmente recrutados entre os ciganos.

Tambm o antroplogo Stewart afirma: "O sofrimento cigano no tem sido causado somente pela violncia racial. (...) Os ciganos muitas vezes sofreram mais pela desintegrao social e econmica que afetou toda a regio desde 1989. Na Hungria em 1994, 65% dos homens ciganos estavam desempregados, chegando numa determinada regio a 90%.[2]

A Hungria, citada pelos dois autores acima, obviamente, no um caso excepcional, mas apenas um exemplo da regra geral nos pases do Leste. Quando se trata de empregos assalariados, os ciganos sempre so os ltimos a serem itidos, e os primeiros a serem demitidos. Aps 1989, muitas fbricas foram fechadas, mas nas cidades, dificilmente os ciganos conseguiram obter terrenos para construirem suas oficinas, algo necessrio principalmente para os ferreiros. Outras foram privatizadas e logo demitiram os ciganos. O que aconteceu, por exemplo, numa cervejaria em Kocani, na Macednia, que em 1990, dias aps a privatizao demitiu uma centena de ciganos, e logo recontratou para os mesmos cargos outros tantos no-ciganos. Numa outra cidade duas fbricas foram fechadas, sobrevivendo apenas uma terceira que desde 1990 no contratou um ncio cigano.[3]

Tambm foi quase impossvel obter terras para atividades agrcolas. Pelo menos na Bulgria, quando foram distribudas ou devolvidas aos antigos proprietrios as terras das antigas fazendas coletivas, dificilmente tambm ciganos conseguiram obter um lote, porque poucos possuam terras antes de 1944, e mesmo estes - quase sempre sem a documentao necessria dificilmente foram capazes de provar que ento as possuiam. Sem terrenos nas cidades e sem terras no campo, tambm ficou difcil retomar o antigo comrcio com cavalos, alm de os cavalos serem sempre mais desnecessrios nas atividades agrrias, sendo substitudos por tratores e outras mquinas agrcolas.

Aqui bom lembrar que h muito tempo os ciganos do Leste no so mais nmades, e precisam de empregos assalariados. Conforme Stewart, falando dos ciganos no perodo comunista:

"Na Europa Ocidental normalmente se pensa que nomadismo uma caracterstica essencial dos ciganos. Mas na Europa Oriental, onde vive a maior parte dos ciganos do mundo, muito menos do que 1% dos ciganos viaja. Da mesma forma, a rejeio de trabalho assalariado pelos ciganos na Europa Ocidental tem sido considerada, tanto por eles prprios quanto por seus etngrafos, uma marca vital de sua identidade. Mas na Hungria e outros pases comunistas, praticamente todos os ciganos trabalham por salrios. De modo que os ciganos podem ser sedentarizados e proletarizados eles podem abandonar o que parecem ser as caractersticas definidoras de sua identidade sem que isto leva a sua extino cultural".[4]

Na era ps-comunista o nomadismo foi novamente permitido, mas nos tempos modernos este modo de vida dificilmente ainda pode sustentar milhares de famlias.

Na j citada Resoluo eslovaca de 1996 para "cidados que precisam de cuidados especiais", o segundo pargrafo trata de empregos e cita como problemas a falta de qualificao dos ciganos, sua baixa tica de trabalho, o seu desinteresse em empregos no servio pblico.[5] Este desinteresse, por sinal, fcil de entender quando se sabe que em muitos pases os nicos empregos pblicos disponveis para ciganos so os de varredor de rua ou lixeiro.

Habitao.

Na Europa do Leste, a quase totalidade dos ciganos nunca foi nmade ou j h dezenas de anos sedentria. O mito, a imagem do "cigano nmade", no entanto, persiste at hoje, principalmente na Europa Ocidental, e mais ainda nos livros e ensaios de supostos ou reais "ciganlogos". Sendo sedentrios, os ciganos precisam de residncias, como qualquer outro cidado.

No h como negar que vrios governos possuem projetos habitacionais, j desde a era comunista, e que muitos ciganos tenham sido beneficiados. Porm, as condies habitacionais ciganas continuam inferiores s dos cidados no-ciganos. As casas ciganas costumam ser menores, de acabamento inferior, localizadas em reas perifricas com precrio fornecimento de energia eltrica e gua encanada, muitas vezes sem instalaes sanitrias e de difcil o, sem transportes pblicos, sem coleta de lixo, etc. Os bairros ciganos tornam-se assim verdadeiras favelas, ou guetos, bairros separados para, e habitados por determinadas minorias, no nosso caso pelas minorias ciganas.

Quando os ciganos vivem dispersos no meio dos no-ciganos, estes em geral preferem-nos distncia, e so comuns abaixo-assinados e movimentos (muitas vezes pogroms) para expulsar ciganos da aldeia, da rua ou da casa ou do apartamento em que moram, alegando-se que os ciganos no sabem viver 'civilizadamente', que arrancam os ladrilhos do piso e com eles fazem fogueiras dentro dos apartamentos, que levam seus cavalos para dentro dos apartamentos, mesmo quando situados no segundo ou terceiro andar. Ou ento que eles so barulhentos demais, fazem festas demais, brigam demais, sujam demais, fedem demais, tm piolhos demais, furtam demais, etc. Pretextos para reclamar contra a presena cigana nunca faltam. Sempre eles fazem "algo demais", algo condenado pelos hipcritos valores da populao no-cigana nacional, seja de que pas for, na Europa Ocidental ou Oriental.

Cidadania.

Conforme j vimos, aps 1989 a Europa do Leste redesenhou suas fronteiras nacionais e surgiram ou renasceram muitos pases novos. Os casos mais dramticos talvez sejam a ex-Iugoslvia e a ex-Tchecoslovquia. Por causa disto, muitas pessoas mudaram repentinamente de nacionalidade; muitas outras, e entre elas principalmente ciganos, ficaram sem nacionalidade alguma. Por causa da violncia anti-cigana aps 1989, muitos ciganos migraram ou procuraram asilo poltico em outros pases, mas em nenhum pas eles foram bem-vindos. Os governos costumam recusar asilo poltico ou vistos de permanncia a ciganos, que logo quando possvel so repatriados (deportados). E isto inclusive em pases como a Holanda, Frana e Alemanha. A criatividade dos governos quando se trata de leis anti-ciganas s vezes tem sido espantosa.

A Austria um caso exemplar. O governo deste pas editou em 1992 uma nova Lei de Asilo Poltico que contm uma clusula, conhecida como "a clusula-do-terceiro-pas", segundo a qual asilo poltico negado a quem antes de chegar Austria ou por um outro pas. Na prtica isto significa que somente pessoas de pases vizinhos como a Repblica Tcheca, Eslovquia, Hungria e Eslovnia teriam possibilidade de obter asilo poltico, sendo automaticamente excluidas pessoas de pases balcnicos que, viajando por terra, sempre teriam que atravessar um destes pases. Viajar de avio diretamente do pas de origem para a Austria tambm no adianta porque, segundo as autoridades austracas, quem for capaz de tranquilamente embarcar num aeroporto de seu pas, sem ser preso pela polcia, por definio no pode ser um perseguido poltico. Esta lei tem sido usada para recusar asilo poltico e vistos de permanncia no somente a ciganos balcnicos, como tambm a curdos, turcos, indianos e outros 'estrangeiros indesejados' que, com sua aparncia extica e costumes estranhos, podem 'poluir' o ambiente e com isto afugentar os preciosos turistas, a talvez principal fonte de renda austraca. Desde 1992, somente pouco mais de 7% das pessoas que procuram asilo poltico so itidos no pas; as outras so imediatamente deportadas ou presas enquanto se prepara a sua deportao. Tambm existe uma nova Lei de Imigrao que praticamente impossibilita a concesso de vistos de permanncia a estrangeiros (principalmente quando ciganos) que, como imigrantes, pretendem viver e trabalhar no pas, enquanto antigos vistos de permanncia, quando expiram, dificilmente so renovados. O ERRC registrou casos de ciganos nascidos na Austria, filhos de antigos imigrantes, que tiveram sua nacionalidade austraca anulada e junto com seus pais, foram deportados para a Hungria. Motivo: aps mais de 20 anos de permanncia contnua na ustria, o visto de permanncia dos pais tinha expirado! Na Hungria estes ciganos ficaram aptridas, ou seja sem nacionalidade alguma - porque perderam a nacionalidade austraca e nunca possuram a nacionalidade hngara - alm de no saberem falar hngaro.[6]

Criatividade anti-cigana no faltou tambm na Repblica Tcheca. Depois da diviso da Tchecoslovquia na Repblica Tcheca e na Eslovquia, seus cidados tiveram que assumir ou a nacionalidade tcheca ou a nacionalidade eslovaca, em parte dependendo da regio em que moravam. A Repblica Tcheca, no entanto, inovou ao estabelecer que s teria nacionalidade tcheca quem: a) falava fluentemente a lngua tcheca, b) residia no pas h pelo menos dois anos consecutivos, e c) no tinha cometido nenhum crime nos ltimos cinco anos.[7] Muitos ciganos tiveram seu registro de nacionalidade tcheca negado, ou porque no falavam checo mas apenas o romani ou o eslovaco ou uma outra lngua 'estrangeira', ou porque no podiam provar residncia contnua no pas durante dois anos, ou ento porque muitos deles, no antigo regime comunista, tinham sido fichados como 'criminosos' por causa de suas atividades econmicas ento consideradas 'ilegais', como mendigar, comerciar cavalos ou produtos, trabalhar em prestaes de servios particulares ou ento no aceitar os trabalhos impostos pelo governo. Milhares de ciganos perderam assim sua nacionalidade tcheca e foram deportados para a Eslovquia, que tambm no quis receb-los.

O mesmo aconteceu na Macednia, onde os critrios ainda foram mais rigorosos. Antes de 1992, a Macednia fazia parte da Iugoslvia, ento uma Federao de vrias Repblicas. Todos seus habitantes tinham, portanto, a cidadania iugoslava. A partir de 1976 cada Repblica editou ainda leis de cidadania complementares, introduzindo assim tambm uma cidadania repblicana, uma cidadania simblica que na prtica nada significava. Na ento Repblica Socialista da Macednia isto foi feito em 1977, mas muitos ciganos, por desinteresse, ou porque naquele momento no estavam no pas ou por outros motivos, no se registraram ou no conseguiram ser registrados como cidados macednicos. Em 1993, quando a nova Repblica da Macednia editou uma nova Lei de Cidadania, s foram considerados cidados da Macednia todos aqueles (e seus descendentes) que se tinham registrados como tais em 1977, e todos os outros, mesmo habitando h dezenas de anos no pas, entre os quais muitos ciganos, foram considerados estrangeiros. Para os estrangeiros se tornarem cidados macednicos deveriam satisfazer oito exigncias, entre as quais: ter residncia contnua no territrio da Repblica da Macednia durante os ltimos 15 anos, ter sade fsica e mental, dispor de fontes permanentes de renda, no ter ficha criminal, falar a lngua nacional, alm de pagar uma considervel soma em dinheiro para os custos istrativos. Poucos ciganos foram capazes de satisfazer todas estas exigncias. Dezenas de milhares de rom macednicos, antigos cidados iugoslavos, ficaram agora aptridas.[8] O mesmo ocorreu tambm na Repblica da Crocia, que se recusou a dar cidadania a inmeros ciganos.[9]

A Terceira Onda Migratria.

Diante de tamanha perseguio e discriminao, novamente inmeros Rom do Leste procuram melhores condies de vida em outros pases. J vimos, no entanto, que tambm no so bemvindos na Europa Ocidental, onde hoje praticamente impossvel um cigano obter asilo poltico ou licena de permanncia. Na dcada de 90, dezenas de milhares de Rom do Leste foram repatriados para seus pases de origem, principalmente pela Alemanha e a Frana. Resta como talvez nica esperana o caminho para as Amricas.

s vezes documentrios na TV fazem milagres. Em 6 de agsto de 1997, uma TV tcheca exibiu um programa no qual o Canad foi apresentado como uma espcie de paraso para os ciganos, e onde todos viveriam 'como reis', sem problemas financeiros, onde haveria empregos para todos, e onde finalmente estariam livres de perseguies e discriminaes. Logo depois comeou o xodo j que para entrar no Canad, na poca, no era exigido visto de entrada para europeus. Cerca de mil ciganos voaram logo para o Canad, antes que a festa acabasse, e muitos outros seguiriam, porque at outubro de 1997 todos os vos para Toronto j estavam lotados.

A prefeita de uma cidade tcheca onde moram cerca de 16 mil ciganos, prometeu a todos pagar duas teras partes da agem area (cerca de 600 dolares, mas apenas para a agem de ida!). A prefeita cinicamente justificou sua generosidade da seguinte maneira: Aqui vivem dois grupos, Roma e brancos, e a situao no satisfaz a nenhum dos dois. Eles no desejam viver juntos. Porque ento um no pode fazer um gesto amigvel para o outro? Este no um ato racista. Pelo contrrio, ns desejamos ajudar os Rom. Este um gesto amigvel...... Agora, pagar a agem toda seria imoral.[10]

Em Toronto esta repentina invaso cigana causou alguns transtornos e todos foram provisoriamente alojados em motis. Canad talvez seja o pas mais liberal do mundo quanto imigrao e concesso de asilo poltico. Mil ciganos, na realidade, quase nada significam nas estatsticas imigratrias canadenses, porque em 1997, at a chegada dos ciganos, imigraram ou solicitaram asilo poltico mais de 18 mil chineses, 14 mil indianos e 8 mil paquistaneses, alm de milhares de pessoas de outras nacionalidades. A maioria dos quais, provavelmente, com algumas centenas de milhares de dolares previamente depositados em bancos canadenses (250 a 350 mil dolares a serem investidas na economia canadense garantem logo um visto de imigrao!), ou ento devidamente qualificados profissionalmente, muitos com ttulos universitrios, e portanto pessoas que logo tero sua situao devidamente regularizada.

O mesmo no acontece com os ciganos que na maioria das vezes chegam apenas com a roupa do corpo, sem um nico dolar canadense no bolso, e sem qualquer qualificao profissional, alm de no entender, falar ou ler ingls ou francs, as lnguas oficiais do Canad. E os tradicionais preconceitos anti-ciganos existem tambm no Canad. Muitos ciganos que antes sofreram ataques de skinheads tchecos, no demoraram a sofrer ataques tambm de skinheads canadenses. Ainda no se sabe qual ser o destino dos ciganos tchecos que a partir de 1997 migraram para o Canad, ou solicitaram asilo poltico naquele pas.[11]

Na mesma poca, e ao que tudo indica atrados pelo mesmo documentrio ou outro semelhante, centenas de ciganos tchecos procuraram asilo poltico tambm na Inglaterra. Segundo o Christian Science Monitor, de 22.10.1997, nos trs meses anteriores, cerca de 800 ciganos haviam chegado em Dover, onde foram provisoriamente abrigados em barracas do exrcito. Outras centenas estariam a caminho. Acontece que desde 1 de setembro estava em vigor uma nova regulamentao da Unio Europia que proibia a deportao de refugiados que antes tinham ado por outro pas (a famosa 'clusula-do-terceiro-pas', que j vimos acima no caso da ustria). E isto se aplica tambm para refugiados de pases que no pertencem Unio Europia. Portanto, para desespero do Servio de Imigrao, a Inglaterra agora no podia mais expulsar os ciganos tchecos que antes tinham ado pela Alemanha, Frana ou Holanda, por exemplo. Como era de se esperar, no somente a populao de Dover, mas praticamente todos os ingleses reagiram negativamente a esta repentina invaso cigana.

Na realidade, a maioria destes ciganos foi para a Inglaterra no com pretenso de ficar, mas apenas para obter maiores facilidades para de l, por via martima ou area, emigrar para as Amricas, principalmente para os Estados Unidos, o Canad ou outros supostos parasos ciganos. Tambm os pases sul-americanos devem ter recebido imigrantes Rom, mas em todos estes casos no dispomos de dados sobre o nmero de ciganos que procuraram e de fato obtiveram asilo poltico ou um visto de permanncia. O motivo simples: os ciganos entram ou tentam entrar nestes pases como imigrantes, apresentando aportes (verdadeiros ou falsos) de algum pas da Europa Ocidental ou Oriental, e nunca declarando a sua identidade cigana.

Infelizmente, mesmo quando refugiados ou asilados polticos, em todos os pases, seja na Europa, seja nas Amricas, os ciganos, quando identificados como tais, costumam ser mal recebidos, quando no rejeitados e deportados de volta para seus pases de origem, por causa das tradicionais imagens anti-ciganas.


Captulo 7

IMAGENS ANTI-CIGANAS.

As primeiras imagens anti-ciganas.

Os ciganos apareceram na Europa Ocidental somente a partir do incio do Sculo XV. Os documentos histricos deixam claro que muitos destes ciganos aparentemente tinham uma conduta pouco compatvel com os valores culturais europeus da poca, pelo que j no Sculo XV comearam a ser formados os primeiros esteretipos, segundo os quais os ciganos: 1) eram nmades, que nunca paravam muito tempo num mesmo lugar; 2) eram parasitas, que viviam mendigando ou aproveitando-se da credulidade do povo; 3) eram avessos ao trabalho regular; 4) eram desonestos e ladres; 5) eram pagos que no acreditavam em Deus e tambm no tinham religio prpria.

Por causa disto, em todos os pases europeus, sem exceo alguma, os ciganos aram a ser violentamente perseguidos, e em alguns pases foram at exterminados. Cigano virou palavro; ser cigano virou crime.

Mas por que tanto dio aos ciganos, j desde o incio do Sculo XV? Quais as causas deste anti-ciganismo, que perdura at hoje? So perguntas ainda impossveis de serem respondidas satisfatoriamente. A seguir apenas algumas das explicaes apresentadas por vrios autores.

dio aos ciganos por atos condenveis supostamente cometidos quando do nascimento ou da crucificao de Jesus Cristo, conforme contam vrias lendas. possvel que este tenha sido um dos motivos, mas no sabemos - e nunca saberemos - quantos europeus, na poca, tinham conhecimento destas estrias e lendas sobre a nunca comprovada presena de ciganos no Egito ou na Palestina no incio da era crist, e menos ainda na crucificao de Jesus Cristo. Teria assim nascido um anti-ciganismo, semelhante ao anti-semitismo, baseado apenas numa vaga e confusa histria oral, inventada e contada no sabemos se pelos prprios ciganos ou por no-ciganos, ou seja, baseado apenas em lendas e fantasias.

dio aos ciganos por serem, comprovadamente, pedintes e mendigos. Uma explicao pouco convincente porque na poca a Europa era infestada de vagabundos e mendigos no-ciganos, muitos deles inclusive apresentando-se como peregrinos ou penitentes, que viviam explorando a caridade crist. Os ciganos, quando migraram para a Europa Ocidental, sabiamente apenas copiaram e adotaram este modelo econmico, uma profisso j existente entre os no-ciganos.

dio aos ciganos porque muitos deles, conforme comprovam inmeros documentos histricos, serem no muito respeitadores da prpriedade alheia ou, em palavras mais simples, por serem ladres. Acontece que, na poca, outras tantas centenas de milhares de europeus no-ciganos tambm sobreviviam exercendo a mesma profisso. E consta que os ciganos, na quase totalidade das vezes, somente praticavam pequenos furtos de subsistncia, usando apenas a astcia e nunca a violncia fsica, ao contrrio dos ladres e assaltantes europeus no-ciganos que muitas vezes assassinavam famlias inteiras ou incendiavam propriedades rurais.

Bem mais plausveis so dois motivos citados por San Roman, num artigo sobre ciganos na Espanha: as ameaas de concorrncia poltica e econmica.[12]

Os primeiros bandos ciganos que apareceram na Europa eram liderados por condes e duques, ou seja, pessoas nobres ou supostamente nobres, mas que, de qualquer forma, se comportavam como tais. Acontece que estes nobres ciganos no tinham terras prprias e, embora afirmassem estarem apenas de agem, em peregrinao, aparentemente eles vieram para ficar, ou seja, ameaando ocupar para sempre parte das terras de um outro nobre no-cigano qualquer. Os documentos atestam que os ciganos dificilmente saam de um determinado lugar por livre e espontnea vontade, mas apenas quando pressionados ou obrigados para tal. Enquanto lhes era fornecido sustento, ficavam. Com isto, evidentemente, os ciganos se tornavam uma ameaa poltica para a classe dominante local, seja rural ou urbana, que desejava ver-se livre deles o mais rpido possvel. Na Alemanha e na Holanda as autoridades municipais pagavam para que os ciganos no entrassem na cidade, ou para que nunca mais voltassem.

Algumas cartas de apresentao fornecidas aos ciganos por nobres, prncipes e reis podem ter tido origem no desejo de eles se livrarem o quanto antes da incmoda presena destes nobres ciganos e seus s vezes centenas de seguidores, os sem terra, sem teto, sem emprego e sem salrio de ento, antes que ocuem definitivamente uma parcela do territrio.

Os ciganos no eram agricultores, simplesmente porque no possuam terras, mas consta que eram bons comerciantes de equinos e tambm de objetos fabricados por eles mesmos, ou eventualmente furtados. Exerciam tambm atividades que concorriam com as profisses urbanas, como as de ferreiros, caldeireiros e arteses de um modo geral, profisses ento ainda controladas pelas corporaes locais (semelhantes aos sindicatos de hoje) que dificilmente aceitavam concorrncia econmica de pessoas de fora, e menos ainda de estrangeiros exticos que aparentemente vieram para ficar.

Muitos ciganos, tambm, eram exmios artistas, msicos, danarinos e acrobatas, ou ento apenas mendigos. Assim sendo, os ciganos constituam uma ameaa de concorrncia econmica tambm para os artistas e at para os mendigos no-ciganos que, na poca, pelo menos nas grandes cidades, tambm costumavam ter seus sindicatos corporativistas para defender os seus interesses.

Acrescenta-se a tudo isto ainda a sua cor de pele escura (segundo vrios documentos: preta), seu aspecto sujo, sua lngua incompreensvel, sua origem desconhecida, o fato de aparentemente no terem religio, os poderes mgicos das mulheres que sabiam prever o futuro e jogar pragas, tudo isto fatores adicionais que, em qualquer povo e em qualquer poca, costumam provocar medo.

Infelizmente, xenofobia - o medo, averso e dio a estrangeiros, principalmente quando constituem uma suposta ou real ameaa vida ou ao bem-estar da populao - , parece ser um fenmeno universal, difcil e em muitos casos at impossvel de ser combatido. Esta xenofobia anti-cigana consta em inmeros documentos histricos a partir do incio do Sculo XV, e dela no ficaram isentos tambm os ciganlogos europeus.

A construo da imagem anti-cigana na ciganologia europia.

Somente a partir de meados do Sculo XVIII foram publicados os primeiros livros sobre os ciganos europeus, e quase todos os autores reforaram ainda mais os esteretipos negativos j existentes. Dois pioneiros dos estudos ciganos merecem ser citados: o alemo Heinrich Grellmann (1753-1804) e o ingls George Borrow (1803-1881), que at hoje costumam ser citados por muitos ciganlogos.

Grellmann conhecido principalmente por seu livro Os Ciganos..... na Europa, um verdadeiro sucesso editorial, que foi traduzido em vrias lnguas.[13] Consta que Grellmann s teve contatos espordicos com alguns poucos ciganos e que, em lugar de realizar pesquisa de campo, preferiu citar outros autores, inaugurando assim uma prtica que tornar-se-ia comum entre os ciganlogos, at hoje. A parte etnogrfica, por exemplo, foi quase toda ela transcrita de uma srie de pequenos artigos originalmente publicados nos Wiener Anzeigen, em 1775/76, de autor annimo, mas provavelmente de um certo Samuel Ab Hortis, um hngaro judeu, que assim teria sido o primeiro a escrever uma etnografia sistemtica dos ciganos, no caso dos ciganos da Hungria e de Siebenburgen (na ustria, fronteira com a Hungria). Os artigos de Hortis so s vezes literalmente transcritos por Grellmann, que os cita em 103 notas de roda-p.

Alm disto, Grellmann costumava citar fontes jornalsticas sensacionalistas. Num captulo sobre Comidas e Bebidas Ciganas, por exemplo, transcreveu a notcia de jornais de 1782 que acusava os ciganos de serem antropfagos, ou seja, canibais, comedores de carne humana. Na poca, 84 ciganos foram presos como suspeitos de terem assassinado e depois comido algumas pessoas desaparecidas: 41 ciganos foram decapitados, enforcados ou esquartejados.

Em 1783, logo aps a publicao do livro, que se tornou um best-seller mundial com edies em vrias lnguas, ficou provado que esta acusao no teve o menor fundamento e que os 41 ciganos mortos (e os outros ainda presos) tinham sido inocentes: as pessoas que supostamente tinham virado churrasco cigano, reapareceram mais vivas do que nunca.

Mas o mal j estava feito: no somente 41 ciganos j tinham sido injustamente e cruelmente executados, como tambm, atravs de Grellmann, os europeus tinham sido informados, e agora acreditavam piamente, que um dos pratos preferidos dos ciganos era carne humana.[14]

Para Grellmann, se os ciganos vieram da ndia, s podiam ser da casta mais baixa, dos prias, dos intocveis. Por isso tentou ainda provar semelhanas raciais e culturais entre os ciganos e os prias indianos. Segundo ele, os prias indianos e os ciganos teriam em comum: uma pele escura e baixa estatura, nudez das crianas, moradia em tendas, preferncia por roupas encarnadas, uma lngua secreta, danas sensuais, endogamia; os indivduos de ambos os grupos eram sujos e horrorosos, medrosos e covardes, ladres, mentirosos, e sem noo de pecado; gostavam de bebidas alcolicas; as mulheres e moas tinham uma conduta imoral; eram indiferentes quanto religio, etc. etc. Quanto cultura: os hbitos alimentares dos ciganos no eram dos melhores, a cozinha era pouca higinica, no tinham horrios para comer e beber, e comiam gado morto por doena ou acidentes, ou carne considerada imprpria para consumo; homens e mulheres gostavam de fumar cachimbo. Usavam vesturio pobre, bem colorido, de mau gosto, principalmente as mulheres, alm de muitos brincos e aneis. Suas habitaes eram primitivas, mesmo entre os sedentrios; viviam em barracas, cavernas e tocas subterrneas, como animais selvagens. Os casamentos eram precoces, entre 12 a 14 anos, no importando que fosse com parentes. Sempre casavam com membros do prprio grupo (endogamia). Tratavam bem as crianas, que eram mimadas demais; tudo lhes era perdoado, e desde cedo aprendiam a danar e roubar, mas no frequentavam escolas.

Viajavam em bandos liderados por chefes denominados voivode, duque, conde ou rei, numa imitao ridcula de ttulos do mundo civilizado. No tinham religio prpria, mas sempre adotavam a religio dos pases por onde avam; batizavam suas crianas vrias vezes para deste modo obter sempre presentes dos padrinhos, escolhidos preferencialmente entre os gadj ricos ou poderosos.



[1]. Evans 1996; cfr. tambm o Report do Helsinki Committee for Human Rights in Serbia.

[2]. Stewart 1997, p. 3

[3]. ERRC, Written comments concerning the former Yugoslav Republic of Macedonia..... 1998.

[4]. Stewart 1997, p. 13

[5]. ERRC 1997, no. 3; sobre a discriminao profissional na ex-Tchecoslovquia, veja tambm Helsinki Watch 1992, pp. 75-90.

[6]. ERRC, Divide and deport: Roma & Sinti in Austria, Country Reports Series no. 1, Budapest, 1996

[7]. Fox 1995; Auzias, C., Le statut des Roms en Europe, IN: Les Tsiganes, Paris, Ed. Michalon, 1995, pp. 86-90; ERRC, Written Comments concerning the Czech Republic .... 1998.

[8]. ERRC 1998, no. 7, p. 24

[9]. Danova, S. & Russinov, R., The ERRC in Croatia field report, Roma Rights, Summer 1998, pp. 49-57

[10]. ERRC, Written Comments concerning the Czech Republic ...... 1998.

[11]. Veja vrios artigos no The Patrin Web Journal Canada as Haven for Roma e Roma Exodus from Czech Republic, como tambm ERRC, Written Comments concerning the Czech Republic..... 1998. Em abril de 1997, pela primeira vez uma famlia de vinte Rom tchecos os pais, 3 filhos e suas esposas e 12 netos receberam asilo poltico, o que abre um precedente para outros mais de mil Rom tchecos e 500 Rom hngaros que solicitaram asilo; cfr. Roma Rights, Spring 1998, pp. 14-15

[12]. San Roman, T., Culture traditionelle et transformation de lidentit ethnique chez les gitans espagnols en voie dintgration, IN: Williams, P. (ed.), Tsiganes: identit, volution, Paris, tudes Tsiganes/Syros Alternatives, 1989, pp. 203-211

[13]. H.M. Grellmann, Die Zigeuner. Ein historischer Versuch uber die Lebensart und Verfassung, Sitten und Schicksale dieses Volks in Europa, nebst ihre Ursprunge, Dessau/Leipzig 1783; 2a. edio ampliada Gottingen 1787; tradues em ingls (1787 e 1807), francs (1788 e 1807), holands (1791) e polons (1824). Infelizmente no foi possvel obter qualquer edio deste livro pelo que as informaes a seguir sobre H. Grellmann baseiam-se principalmente em W. Willems, Op zoek naar de ware zigeuner: zigeuners als studieobject tijdens de Verlichting, de Romantiek en het Nazisme, Utrecht, Van Arkel, 1995, pp. 23-90.

[14]. Fraser, A., The Gypsies, Oxford, Blackwell Publishers, 1992, pp. 195-196; Willems 1995, pp. 27-28. O nmero dos ciganos presos e condenados varia um pouco de um autor para outro.

Quanto as atividades econmicas, os ciganos seriam pobres por causa de sua preguia e seu comodismo; desde h muito eram em muitos pases conhecidos como ferreiros (mas os seus produtos no tinham qualidade) e criadores e comerciantes de cavalos (principalmente de cavalos com defeitos fsicos, mas que eles com inmeros truques escondiam, no hesitando tambm em roubar cavalos). Em alguns pases tambm eram contratados como torturadores e carascos, ou exerciam outras profisses infames que combinavam com seu carter cruel. As mulheres praticavam a quiromancia, enganando os crdulos e incautos. Apesar de tudo, eram bons msicos e danarinos. Na Walquia e Moldvia eram ainda garimpeiros de ouro, mas produziam pouco por causa de sua preguia.

A concluso final de Grellmann era que entre os ciganos predominavam o cio e a preguia, e que se sustentavam principalmente mendigando e roubando, e para isto inventaram os mais diversos truques. Mas, acrescenta Grellmann, como os ciganos eram medrosos e covardes, evitavam roubos perigosos e o uso da violncia, e normalmente s furtavam coisas pequenas. Sobre o carter dos ciganos ele informa ainda que eles tinham uma inteligncia infantil e uma alma rude e selvagem, eram guiados mais pelo instinto do que pela razo e usavam seu crebro apenas para satisfazer suas necessidades primrias, animalescas. Eram ainda tagarelos, inconstantes, infieis, ingratos, medrosos, submissos, crueis, orgulhosos, superficiais, preguiosos, sem sentimento de vergonha ou honra.

Desnecessrio dizer que Grellmann no realizou nenhuma pesquisa entre os ciganos para saber se tudo isto era verdade ou apenas fantasia ou inveno. Nem tampouco perguntou aos ciganos porque, eventualmente, eles agiam desta ou daquela maneira, numa tentativa de entender melhor o seu comportamento e sua personalidade. Numa atitude pouca cientfica, Grellmann apenas reproduziu os esteretipos que em sua poca existiam sobre os ciganos.[1]

Apesar de tudo, de um modo geral as crticas ao livro foram positivas, mas um dos crticos, J. Bietser, escreveu: ... aqui, como em vrias outras agens, pode-se duvidar se o Sr. Grellmann alguma vez na vida viu ciganos; observar e pesquis-los, pelo menos, ele no pode ter feito. O mesmo autor, depois de criticar vras agens do livro, lamenta ainda a falta de qualquer simpatia de Grellmann para com as pessoas sobre as quais ele escreveu.[2] Ou seja, o primeiro livro cientfico sobre a origem, a histria, a lngua, a cultura e o carter dos ciganos foi, na realidade, um livro anti-cigano. Fato que provavelmente tenha at contribudo para o seu enorme sucesso editorial. E lamentavelmente, este livro anti-cigano seria a fonte principal em que se baseariam, diretamente ou indiretamente, inmeros ciganlogos posteriores, do Sculo XIX e at ainda do Sculo XX, muitos dos quais pesquisadores de gabinete que tambm nunca viram um cigano em sua vida, e que assim retransmitiram e reforaram os velhos esteretipos e preconceitos originalmente difundidos por Grellmann, no final do Sculo XVIII.

Outro importante formador da opinio pblica e cientfica foi George Borrow, um ingls com um extraordinrio dom para a aprendizagem de lnguas estrangeiras, pelo que em 1833 foi contratado pela British and Foreign Bible Society, uma organizao que se dedicava traduo e divulgao da Bblia nas mais diversas lnguas.

Inicialmente Borrow ou dois anos em So Petersburgo, na Rssia, para coordenar a traduo da bblia para o manchu (chins). Foi nesta poca que teve contato com ciganos russos - msicos, cantores e danarinos - que ento gozavam de muita popularidade. Depois Borrow foi transferido para a Espanha, para divulgar a bblia naquele pas e para traduzir parte da bblia (traduziu o Evangelho de So Lucas) para a lngua cigana. De volta na Inglaterra, em 1840, casou com uma viva rica, o que lhe possibilitou dedicar-se suas atividades de escritor. Para ns interessa principalmente seu primeiro livro, The Zncali[3], que trata dos ciganos na Espanha; o segundo, The Bible in Spain[4] descreve sua vida de pregador e distribuidor de bblias naquele pas, mas contm poucas informaes sobre ciganos. [5]

Borrow fez questo de auto-atribuir-se o ttulo de romany rye (romani rai), ou seja, um no-cigano que conhece bem e goza da amizade ntima dos ciganos que, por isso, facilmente lhe contam todos os seus segredos. Est fora de dvida que ele teve contatos com ciganos na Inglaterra, Espanha, Rssia e Hungria, mas sempre se tratava de contatos de curta durao, quando muito de algumas semanas.

Em The Zincali Borrow apresentou uma imagem altamente negativa e estereotipada dos ciganos espanhois: degenerados, vigaristas, ladres, que precisavam ser civilizados, iguais aos selvagens de outras partes do mundo. Logo no segundo captulo de The Zincali, ele informa que os ciganos chegaram na Espanha com uma predisposio para qualquer espcie de crime e vilania .... sua presena era uma maldio e uma desgraa seja para aonde eles se dirigiam.....A verdade que eles no hesitariam em atacar ou at ass os viajantes desarmados e indefesos desde que estivessem seguros de poderem pilhar sem muito risco para si mesmos .... (os ciganos, em qualquer parte) exibem as mesmas tendncias ... como se no fossem de espcie humana mas antes animal, e em lugar de razo so dotados de um tipo de instinto que lhes auxilia at um certo limite e nada mais.[6]

Em outro captulo Borrow acha que ningum pode desejar a continuidade de qualquer seita ou associao cujo princpio fundamental parece ser odiar todo o resto da humanidade, e viver enganando-a, como a prtica dos ciganos.[7] Alm disto, em nenhuma parte do mundo os ciganos dariam o mnimo valor ao asseio, pelo que at j foram acasados de terem espalhados a peste, e ainda hoje eles so igualmente repugnantes.[8]

Apesar de The Zincali tambm conter informaes positivas sobre os ciganos, difcil acreditar que algum leitor tenha ficado com uma positiva imagem cigana, porque no decorrer do livro todo predominam os esteretipos negativos: inmeras so as referncias a ciganos ladres e assaltantes, como tambm a ciganos vigaristas, principalmente no comrcio de equinos. Um extenso captulo trata do suposto e imaginrio canibalismo cigano. Apesar de Borrow expressar suas dvidas sobre este canibalismo, para o leitor comum certamente ficar a certeza que os ciganos sempre foram e ainda so canibais. A leitura de Borrow evidencia ainda que entre os ciganos viviam muitos profissionais honestos, como msicos, artistas, toureiros, arteses, tratadores de cavalos, ferreiros, aougueiros, hoteleiros e outros, mas apesar disto, o que predomina nos seus livros a imagem negativa dos ciganos, principalmente dos ciganos espanhois.

Antes de publicar este livro, Borrow j tinha escrito que ... os ciganos espanhois so o mais vil, degenerado e miservel povo na terra.[9] Segundo Borrow, os ciganos j tinham este carter criminoso ao chegarem na Europa e foram eles que introduziram a atividade de ladro profissional no Continente Europeu, sendo seu exemplo depois seguido por no-ciganos; roubavam mulas e cavalos, assaltavam e assassinavam, mas como eram covardes, evitavam situaes perigosas. Os ciganos mais fracos, e que no prestavam para esta vida criminosa, produziam artesanato ou vendiam os cavalos roubados nas feiras.

As mulheres ciganas no mereceram um tratamento melhor: dedicavam-se quiromancia, uma prtica para enganar os crdulos e supersticiosos, e na qual utilizavam inmeros truques sujos. Para Borrow, as ciganas eram umas verdadeiras bruxas, capazes de artes diablicas, peritas em venenos e poes afrodisacas ou abortivas. Eram ainda cantadoras de canes obscenas, batedoras de carteiras e furtavam nas lojas. Mas nem tudo era negativo: as ciganas valorizam a castidade antes do casamento e a fidelidade conjugal; prostituio, nem pensar, e cigana que casasse com no-cigano seria expulsa do grupo. Borrow cita at o caso de uma cigana que foi enterrada viva por causa disto, o que seria mais uma prova da crueldade inata dos ciganos.

Os livros de Borrow provam ainda que tambm ele da mesma forma como Grellmann - no tinha a mnima simpatia pelos ciganos e que, na realidade, at os detestava. Um agravante que anos depois, em 1874, o ciganlogo Groom descobriu que Borrow plagiou descaradamente muitas informaes sobre os ciganos espanhois e hngaros de um livro de viagem pouco conhecido de Richard Bright, publicado em 1818. Groom, antes um irador confesso de Borrow, depois chega a cham-lo de impostor, mas apesar disto o auto-proclamado romani rai e amigo dos ciganos Borrow ficou famoso como a maior autoridade em assuntos ciganos na Europa do Sculo XIX. O problema que muitos ciganlogos e pseudo-ciganlogos posteriores, poucos dos quais tiveram qualquer contato pessoal com ciganos, se basearam em Borrow, e plagiaram descaradamente seus livros. Ou seja, plagiaram o que j era plagiado!

A perpetuao do anti-ciganismo ciganolgico.

No pretendemos, e nem ser possvel, tratar aqui de todos os ciganlogos ou pseudo-ciganlogos europeus ps-borrovianos. Por isso, vejamos a seguir apenas alguns ciganlogos mais recentes, como F. Paban (1915), que durante trinta anos foi diretor de vrias penitencirias espanholas, nas quais conheceu muitos ciganos.

A primeira parte do livro de Paban contm boas e ainda hoje aproveitveis informaes sobre a origem dos ciganos, suas diversas denominaes, seu aparecimento na Europa, as perseguies na Europa em geral e na Espanha em particular, sua Histria moderna, suas caractersticas fsicas, seu modo de vida e cultura. At a, tudo bem, mas a coisa piora no captulo que trata das qualidades morais, no qual se l as seguintes afirmaes, entre muitas outras de semelhante teor: os ciganos so eternos ladres, uma raa de prias, cheia de defeitos e com escassas virtudes; desconhecem o teu e o meu, e tm uma natural inclinao pelo roubo; mas como geralmente so covardes, evitam assaltos a mo armada em pleno dia e preferem o roubo tmido, furtivo, quase sempre noite. Os ciganos tm uma vida sexual em comum; so uma raa indolente voluptuosa, sem moral quanto s relaes sexuais, sendo frequentes o incesto e o estupro. Ainda segundo Paban, os ciganos seriam vigaristas, embusteiros, mendigos e velhacos, alm de vadios e preguiosos ao extremo.[10]

Depois disto, no se pode acusar os cidados espanhois de racismo culposo: h sculos, e inclusive ainda em pleno Sculo XX, desde que nascem, estes absurdos e infames esteretipos anti-ciganos so constantemente martelados nas suas mentes, numa verdadeira lavagem cerebral. A ciganologia teria lucrado mais se Paban, em lugar de publicar as supracitadas calnias anti-ciganas, como diretor de presdios tivesse feito uma anlise sria e mais detalhada da suposta e da real criminalidade cigana, porque matria prima cigana, conforme ele prprio informa, no faltava nas prises por ele dirigidas. Infelizmente, em lugar disto, ele preferiu estudar a lngua cigana. Se os prisioneiros ciganos informaram corretamente, ningum sabe!

Outros dois ciganlogos que merecem ser citados so o linguista romeno Popp Serboianu e o antroplogo (?) portugus Olmpio Nunes. No livro Les Tsiganes, publicado em 1930, Serboianu lembra aos leitores que os ciganos so canibais: depois de informar que viu um grupo de ciganos Netotsi comer carne de animais j em estado de putrefao, conta que no ano anterior, em Praga, vinte e dois Netotsi foram acusados de terem assassinados doze pessoas, que depois teriam comido. Ele no informa que, pouco depois, as acusaes foram consideradas improcedentes. O conhecido linguista conclue ento: tenho a convico que os Netotsi foram e ainda hoje so canibais, mas acrescenta que os outros ciganos, embora algum dia possam ter sido canibais, hoje no o so mais.[11] Mais uma vez os ciganos so injustamente apresentados como canibais!

Mais adiante Serboianu inclue um captulo sobre Os costumes dos ciganos, no qual afirma que os ciganos so mentirosos e no contato com estranhos so prudentes e nunca dizem a verdade; so ladres que fazem do roubo uma arte, ajudados por seus filhos e suas mulheres; roubam preferencialmente cavalos e carroas necessrias para sua vadiagem; os sedentrios tambm roubam, mas muito menos; quando no podem roubar, todos pedem esmolas e fazem todo o possvel para sensibilizar os gadj; para isto; antes da [Primeira] Guerra Mundial, eles aleijavam cruelmente crianas que eles roubavam, ou que lhes eram dadas por viuvas ou mulheres pobres; cortavam-lhes uma mo, ou os dedos, mutilavam braos ou pernas, arrancavam um ou ambos os olhos e depois obrigavam-nas a mendigar; utilizando lato e outras ligas metlicas banhadas a ouro, falsificavam com perfeio as moedas de ouro de vrias nacionalidades que as camponesas romenas portavam em forma de colar, conforme uma velha tradio nacional, e depois aram at a falsificar a moeda romena; eram alcolatras e fumantes inveterados, desde a infncia; os ciganos sedentrios adotaram dos romenos a virtude da castidade, mas entre os nmades o incesto comum e suas filhas e mulheres so prostitutas que se entregam ao primeiro que oferecer dinheiro.

Em vo o leitor procurar neste captulo algum costume avaliado positivamente. Mesmo quando, no final, Serboianu cita como positivo que eles entre si so solidrios, no furtam, no mentem e no trapaceiam, est subentendido que nada disto vale quando esto em contato com os gadj. Ou seja, segundo este conhecido e muito citado linguista e ciganlogo romeno, na dcada de 30 aparentemente os ciganos romenos no tinham qualquer costume que prestasse para alguma coisa positiva, nenhum costume que pudesse ser julgado igual ou (imaginem s!) at superior aos costumes civilizados romenos ou europeus.[12]

Parece inacreditvel, mas cinquenta anos depois, este infame captulo de Serboianu sobre os costumes ciganos seria em sua quase totalidade plagiado pelo antroplogo (!?) portugus Olmpio Nunes, que d a entender que se trata de costumes dos ciganos portugueses, por ele observados em suas pesquisas de campo. Nunes mantm at o mesmo ttulo e os mesmos sub-ttulos de Serboianu, e na mesma ordem. Algumas frases sofreram pequenas modificaes, mas a quase totalidade uma fiel traduo plagiada do livro de Serboianu. Vejamos alguns exemplos:

A mentira. Nas suas relaes com estranhos, os Ciganos so muito prudentes e desconfiados e raro dizem a verdade. Quando se trata de um crime, as autoridades dificilmente conseguem lev-los a confessar, mesmo utilizando a tortura. Eles mentem constantemente e empregam todos os meios para obstruir as investigaes. (..) Enganam rapidamente os camponeses com toda a espcie de mentiras, sobretudo as mulheres, s quais garantem pelos seus bruxedos satisfazer-lhes todos os desejos, a cura de todos os males, a felicidade nos amores, etc.

O roubo. Pem tal habilidade e inteligncia no roubar, que fizeram do roubo uma arte. As mulheres e os filhos so os seus auxiliares, porque eles recolhem por todo o lado informaes preciosas a tal respeito, introduzindo-se em todos os escaninhos e nas famlias, como mendigos ou como bruxas. No roubam enquanto esto acampados numa povoao, mas sim mais tarde, quando os seus vestgios j desapareceram. (..) Procuram sobretudo roubar muares que precisam para a sua vida de vagabundos. (..)

A mendicidade. Nos locais onde no podem roubar, entregam-se mendicidade ( especialmente mulheres e crianas). Este hbito est de tal modo enraizado neles que difcil dissuadi-los de tal, apesar do rigor das leis. Todos exercem esta prtica, usando de manhas para excitar a piedade dos antes.

Confessou-nos um cigano responsvel, de grande confiana que alguns chegam a deformar crianas (torcendo-lhes as pernas ou braos) para com aquele aleijo excitarem a prtica da caridade. Disto temos ns visto frequentes vezes, mesmo com mendigos no-ciganos.

Referem alguns autores (e era voz da tradio) que nalguns pases desapareciam crianas; o que se atribua aos ciganos. Entre ns no h certeza de roubos de crianas pelos ciganos; no entanto, diz-se que algumas gadji, mes desnaturadas ou vivas em precrias condies vendiam crianas ou davam-nas aos ciganos. Estas crianas sofriam os piores tratos e at aleijes e com estas se serviam para explorar a caridade pblica. Assim estropiadas essas crianas eram ensinadas e obrigadas a mendigar. (..)

A vida privada dos ciganos. (...) [As mes] do completa liberdade s crianas, no as impedem de cometer qualquer desacato nem lhes ensinam qualquer moral, deixando-as aprender por si mesmas, pela prpria experincia. Ningum as impede de se baterem com outras crianas, nem prestam qualquer ateno s suas lgrimas, aos seus gritos ou ferimentos. Muitas vezes sofrem a fome, para as obrigar a mendigar e a roubar; roubam at os pais. a nica moral que lhes do, como preparao para a vida difcil. Pelos 6 anos j adquiriram uma rica experincia na arte de mendigar, e medida que vo crescendo, preparam-se para o roubo e rapinagem. [13]

As pessoas que nunca tiveram oportunidade de ler o livro de Serboianu - ou seja, a quase totalidade dos leitores portugueses e brasileiros - s podem pensar que Nunes observou tudo isto pessoalmente em Portugal, no final da dcada de 70, como ele prprio insinua. Na realidade, ele apenas plagiou descaradamente um captulo inteiro de um livro anti-cigano sobre ciganos romenos, de 1930! O que certamente levanta dvidas sobre os verdadeiros autores de outros captulos do seu volumoso livro. Em 1989, Nunes foi agraciado com um prmio internacional atribudo, na Espanha, a no-ciganos que contribuem para a defesa da causa cigana e pelo respeito de seus direitos e liberdades.[14]

E assim, os esteretipos, as calnias e as difamaes sobre os ciganos se perpetuam eternamente nos livros de inescrupulosos autores, inclusive de "ciganlogos" ou pseudo-ciganlogos que, por preguia ou incapacidade intelectual, se contentam em plagiar, sem o menor esprito crtico, antigos autores que supem desconhecidos ou esquecidos pelos leitores. este, sem dvida alguma, um dos motivos pelos quais, at hoje, as imagens anti-ciganas persistem at na assim chamada ciganologia, que na verdade, na maioria das vezes, no a de uma fajuta pseudo-ciganologia.

No entanto, temos que itir que apenas poucas pessoas lem livros e artigos sobre ciganos, pelo que no h como atribuir a culpa do anti-ciganismo popular somente aos ciganlogos anti-ciganos. Na realidade, eles apenas reproduzem o anti-ciganismo j existente, porque tambm eles tiveram uma socializao anti-cigana. Pelo menos na Europa, em quase todos os pases, o anti-ciganismo faz parte da educao das crianas: no v brincar muito longe, porque tm ciganos na redondeza que raptam crianas, isto quando no comem crianinhas, cozinhando-as em grandes caldeires ou assando-as em espetos; coma direito, seno chamo os ciganos para ti levar!, ou seja, o cigano vira bicho-papo para muitas crianas europias que noite espiam debaixo da cama para ver se no tem um malvado cigano escondido, com um punhal na mo, pronto para atacar.

As crianas tambm se tornam anti-ciganas ouvindo conversas em casa ou na rua, ou lendo sobre ciganos criminosos nas pginas policiais de jornais e revistas, ou assistindo notcias semelhantes na TV. Ou ento, o que em muitos pases da Europa quase inevitvel, j tiveram contatos pessoais desagradveis ou prejudiciais com ciganos.

Uma nova mentalidade mais cientfica e pr-cigana s ser introduzida no final do Sculo XX, mais precisamente a partir da dcada de 70, com os livros de historiadores e cientistas sociais no ciganos, como Vaux de Foletier, Ligeois, Fraser e Acton, alm de livros scritos por intelectuais ciganos, como Hancock e Ramrez-Heredia. At hoje, no entanto, as imagens negativas persistem na Europa, como tambm no Brasil.

As imagens anti-ciganas, no mundo inteiro, so muitas e no pretendemos analisar todas elas neste ensaio. Vejamos apenas aquelas que consideramos as principais e mais nocivas, ou seja, as imagens do cigano ladro, trambiqueiro e vagabundo.


Captulo 8

TRS IMAGENS ERRNEAS SOBRE OS CIGANOS.

A imagem do cigano ladro.

Talvez nenhuma imagem dos ciganos seja mais antiga, mais divulgada e por isso mais difcil de ser modificada do que aquela de que o cigano sempre foi, ainda , e sempre ser um ladro, quando no apanhado em flagrante, pelo menos um ladro em potencial. A fama de serem ladres persegue os ciganos desde a sua chegada na Europa, no incio do Sculo XV.

No resta dvida de que entre os ciganos de ento, como ainda hoje, havia quem, por motivos dos mais diversos - mas principalmente para a famlia, a mulher e os filhos no morrerem de fome ou de frio - , furtava pequenas quantidades de animais, frutas, legumes ou tubrculos, ou lenha para cozinhar e se aquecer. Os animais preferidos eram aqueles que serviam para a alimentao daquele dia, ou seja animais pequenos que cabem facilmente numa a ou no espeto, como galinhas e gansos. Os documentos histricos no registram o roubo e a matana de gado bovino, embora s vezes um leitozinho ou um bode tambm no eram desprezados. Mais tarde surgiu ainda a fama de eles serem ladres de cavalos e de crianinhas. Hoje em dia, pouca coisa mudou e os ciganos continuam temidos como ladres de galinhas e at a lenda de eles roubarem crianinhas continua viva.

Obviamente, nem tudo pura inveno ou fantasia. Quanto ao furto de alimentos e de pequenos objetos, os prprios ciganos no negam que, quando necessrio, o praticam e que suas idias sobre a propriedade privada divergem um pouco das idias dos gadj, mas que tambm existem algumas regras bsicas.

Em primeiro lugar, os ciganos s furtam quando obrigados a isto por necessidade. Yoors, um belga no-cigano, que conviveu uns dez anos com ciganos Lowara na Europa, explica isto melhor: Por fora de circunstncias adversas, alguns ciganos so forados a praticarem ladroagem de subsistncia [subsistence thieving] - isto , obter suas necessidades dirias mnimas da terra ou de seus proprietrios legais: capim para seus cavalos, lenha, batatas ou frutas, e naturalmente a proverbial galinha perdida. De um modo geral, eles consideram todo o mundo gajo [no-cigano] como um domnio pblico. [15]

Diga-se de agem que a maneira mais comum de os ciganos obterem estes bens atravs da compra. Mas o que fazer quando no possuem dinheiro para isto ou, o que tambm muito frequente, quando o proprietrio ou o comerciante simplesmente se recusa a fazer negcios com ciganos? No ser por causa disto que os ciganos deixaro seus filhos ar fome, ou de alimentar seus animais. E neste caso, apropriar-se de tudo que produzido pela Natureza (gua, capim, lenha, ovos, galinhas etc.) no crime. Uma galinha ciscando num lugar deserto propriedade de quem? Por acaso, pode ser proibido tirar leite de uma vaca pastando livremente na beira de uma rodovia, ou seja num pasto pblico? Da mesma forma, como que cortar lenha para cozinhar pode ser crime, mesmo quando o matagal intil est numa rea cercada com arame farpado? E encontrando uma fruteira, ser que crime tirar algumas frutas para consumo prprio? Na tica de muitos ciganos tudo isto permitido, e por isso conflitos e mal entendidos entre ciganos e gadj so s vezes inevitveis.



[1]. Willems 1995, pp.53-66.

[2]. Willems 1995, p.83

[3]. Borrow, G., The Zincali an of the Gypsies of Spain, Champaign, Illinois, Benedictine College, Project Gutenberg Etext 565, 1996 (1a. edio 1841).

[4]. Borrow, G., The Bible in Spain, Champaign, Illinois, Benedictine College, Project Gutenberg Etext 415, 1996; La Bible en Espagne, Paris, ditions Phbus, 1989 (1a. edio 1843).

[5]. Esta parte sobre Borrow baseia-se em The Zincali (edio via Internet de 1996, acima citada), e em Willems 1995, pp. 91-1658. O Project Gutenberg divulga ainda, gratuitamente, vrios outros livros de G. Borrow.

[6]. Borrow 1996 (1841), Parte I, cap. 2

[7]. Borrow 1996 (1841), Parte II, cap. 3

[8]. Borrow 1996 (1841), Parte II, cap. 5

[9]. Willems 1995, p.109

[10]. Paban, F. M., Histria y costumbres de los gitanos, Barcelona, Montaner y Simon, 1915, pp. 52-57

[11]. Serboianu, P., Les Tsiganes, Paris, Payot, 1930, pp. 37-38

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[15]. Yoors, J., The gypsies, Prospect Heights, Waveland Press, 1987, p. 7

A segunda regra furtar apenas aquilo que, naquele momento, necessrio para seu sustento, e no para enriquecer. Yoors acrescenta que Putzina me explicou que furtar dos gadj no era realmente um crime desde que fosse limitado a tomar necessidades bsicas, e no em quantidades maiores do que necessrias para aquele momento. O que tornava furtar ruim, era a introduo de um senso de cobia, porque esta tornava as pessoas escravas de anseios desnecessrios ou do desejo de possuir bens.[1] Da porque a quase totalidade dos furtos atribudos aos ciganos se refere a alimentos.

Uma terceira regra nunca usar a fora fsica, mas apenas a esperteza. Segundo a antroploga brasileira SantAna:

com relao ao roubo, um informante [cigano] frisou que nunca se ouviu dizer que um cigano usasse armas para assaltar algum e nem que fosse noite nas casas para roubar: Ele usa de esperteza tanto em seu trabalho como em seus negcios; se algum se deixa enganar, bobo dele!. Alm disso, como disse um cigano, quem que no rouba? Esses comerciantes por a, esses donos de lojas da cidade, todos usam de esperteza em seus negcios; que cigano j marcado e por isso tem fama de ladro.[2]

Por outro lado, sabe-se tambm que cada vez que algo furtado ou algo de ruim acontecer, e se tiver ciganos na redondeza, a culpa sempre logo atribuda aos ciganos em geral, raras vezes a um cigano em particular. No entanto, os supostos crimes praticados pelos ciganos, e no pelo cigano A ou B, somente em rarssimos casos costumam ser comprovados. Alm disto, como Yoors tambm ressalta, as estrias sobre os furtos cometidos por ciganos costumam sempre ser exagerados: Como acontece com todas as lendas, aquelas dos ciganos como ladres tm sido exageradas. Se eles fossem culpados de todos os roubos dos quais tm sido acusados, eles teriam que viajar com caminhes de mudana ou ento envergariam sob o peso de suas propriedades .[3]

Quanto a isto, o cigano espanhol Ramrez-Heredia conta um fato ocorrido na cidade de Lorca e que, em resumo, a seguinte: na poca natalina, duas pobres crianas ciganas esto olhando uma vitrina cheia de brinquedos, para elas apenas um sonho. Um senhor fica com pena das crianas, entra na loja e compra uma boneca para a menina e uma bola para o menino. Felizes, as crianas voltam para casa, mas logo so pegas por uma pessoa que as obriga a devolver os brinquedos na loja, cujo dono confirma o furto e manda chamar a polcia. Ainda bem que o doador observou a cena e no somente mandou soltar as crianas e devolver os presentes, como tambm providenciou um policial para escolt-las at sua casa, para que no fossem presas outra vez. Acontece que o bondoso Papai Noel era o chefe da polcia local.[4]

Este apenas um exemplo, e um dos poucos com um final feliz. A sequncia sempre a mesma: cigano com muito dinheiro no bolso ou portando um objeto relativamente caro, s pode ser ladro, pelo que - sem acusao formal e menos ainda julgamento - costuma ser preso, seu dinheiro e bens so confiscados e pouco depois, com alguma sorte, ele solto, desde que seus parentes paguem a fiana. Assim, a polcia costuma lucrar (melhor dito: roubar) duas vezes: primeiro, confiscando, ou seja, apropriando-se indevidamente do dinheiro e dos bens ciganos, e depois ainda embolsando a fiana paga, geralmente por fora e sem recibo, pelos parentes da vtima que, obviamente, no tm dinheiro ou no sabem como contratar um advogado. O que provavelmente tambm no faria muita diferena. Defender um cigano inocente no rende, no d lucro, e no promove nenhum advogado!

Ramrez-Heredia, no entanto, ite que a criminalidade entre os ciganos espanhois parece estar aumentando. Da mesma forma como tambm acontece em outros pases nos quais as tradicionais atividades econmicas ciganas sempre mais esto ficando difceis ou impossveis. Muitos ciganos no conseguem, ou no tm o preparo profissional necessrio para exercer outras atividades. Bancos, indstrias, supermercados ou lojas no costumam contratar ciganos. E assim a populao cigana vai empobrecendo, sendo sempre mais empurrada para as favelas suburbanas, onde vivem miseravelmente, junto com no-ciganos que vivem nas mesmas condies subumanas. E qualquer indivduo que for obrigado a viver nestas condies - seja ele cigano ou no-cigano - mais cedo ou mais tarde termina apelando para meios no-convencionais e alternativos (isto : criminosos) para sobreviver e garantir o sustento e a sobrevivncia de sua famlia.

Apesar disto, nem na Espanha, nem em qualquer outro pas europeu, existem provas de que a criminalidade entre os ciganos miserveis seja proporcialmente maior do que entre os no-ciganos miserveis. Ningum nega que a criminalidade cigana existe, e ningum pretende transformar todos os ciganos em inocentes santinhos. O problema apenas que, quando se trata de um criminoso cigano, os jornais, revistas e a TV costumam divulgar: Um cigano cometeu este ou aquele crime, e com isto todos os ciganos se tornam cmplices deste crime; quando o mesmo crime cometido por um no-cigano, menciona-se apenas seu nome - por exemplo, Jos da Silva - e no a sua origem tnica, nacional ou regional.

Bem mais grave - porque sem fundamento algum e sem qualquer comprovao em parte ou em poca alguma do Mundo - a acusao de que os ciganos so ladres de indefesas e inocentes crianinhas. Ao que tudo indica, este mito literrio do rapto de crianas por ciganos foi iniciado por Miguel de Cervantes (o famoso autor de Don Quixote) no livro La Gitanilla (1612). E desde ento nunca faltou quem seguisse o seu infame exemplo, entre os quais outros escritores famosos como Molire, De Foe, Goethe, Victor Hugo, e outros tantos mais.[5]

Esta lenda talvez tenha sido originada pela presena de crianas 'brancas' no meio dos ciganos, mas quanto a isto, a cigana brasileira Aristicht observa:

"... sempre levamos a fama de ladres de crianas, quando, na verdade, os acampamentos dos nossos anteados, durante muitos sculos, serviram de orfanato da poca, j que eram utilizados para ocultar atos julgados vergonhosos, desmoralizadores e desonrosos praticados pelas jovens da nobreza. Muitas dessas jovens - segundo relatos dos nossos anteados - aps darem luz, atravs de seus responsveis .... entregavam as crianas s velhas ciganas ... Os ciganos ficavam com as crianas porque as amavam .... sem, no entanto, sequestr-las, violent-las ou estupr-las ..." . [6]

Os ciganos adoram crianas e j desde o Sculo XV temos notcias histricas, devidamente comprovadas, de mes gadj solteiras, ou casadas adlteras, entregando seus filhos indesejados s ciganas. Enquanto isto, os documentos histricos provam, sem qualquer sombra de dvida, que em muitos pases, e ainda em pleno Sculo XX, milhares de crianas ciganas foram violentamente arrancadas do lar paterno para serem entregues a pais adotivos no-ciganos.

Na Europa, o caso mais escandaloso o da organizao catlica e beneficiente (sic!) Pro Juventude, na Suia, que de 1926 at 1973 - ou seja, durante quase meio sculo - arrancou fora milhares de crianas ciganas de suas famlias para educ-las em internatos ou para entreg-las a famlias no-ciganas, sem nunca mais permitir ou possibilitar qualquer contato com suas famlias ciganas de origem. Por serem os criminosos bons e catlicos cidados suios, e suas vtimas apenas miserveis, humildes e pobres ciganos, nenhum membro da Pro Juventude foi condenado ou est numa penitenciria de segurana mxima. O que confirma que a Justia no somente cega, mas tambm surda e muda, pelo menos quando as vtimas so ciganos.

A imagem do cigano trambiqueiro.

Uma acusao que sempre reaparece, desde o Sculo XV, a de algum ter sido enganado por um cigano vigarista, ao realizar algum negcio com o mesmo, ou por uma cigana trambiqueira, quase sempre ao ler a mo ou prever de outra maneira o futuro da suposta vtima. Em parte tudo isto verdade, em parte no, dependendo do ponto de vista de quem se analisa a questo.

Os homens ciganos costumam ser acusados de serem vigaristas, desonestos, enganadores e seja l o que for mais, em suas transaes comerciais com os gadj. Mal-afamado especialmente seu comrcio com cavalos, jumentos e burros. Cavalos decrpitos so milagrosamente recauchutados; pangar desbotado aparece repintado; uma gua anmica se torna fogosa; um manga-larga bem brasileiro, com alguns retoques, travestido num verdadeiro campeo rabe. O nico conselho que neste caso se pode dar que, se a pessoa no entender nada de equinos, melhor no fazer negcio com um cigano, porque at muitos peritos perceberam, embora tarde demais, que os ciganos eram mais peritos ainda.

Porm, tranquilizador que nem todos os animais vendidos pelos ciganos tm defeitos, da mesma forma como nem todo carro usado vendido por ciganos ou no-ciganos necessariamente precisa ser um carro com motor batido, que j sofreu uma duzia de acidentes ou tem uma centena de multas penduradas no Departamento de Trnsito, algo que o inocente comprador normalmente s descobre depois.

As mesmas acusaes costumam ser feitas por pessoas que compram jias (aneis, brincos, colares etc.) feitas de metais geralmente encontrados no lixo mais prximo e que so vendidas, como se fossem de ouro 18, a espertinhos gadj que pensam estar enganando os ciganos pelo fato de estes ignorarem a cotao do ouro. Ou ento por gadj que se consideram espertos ao comprarem baratinho tapetes persas de ciganos que aparentemente no sabem o valor das preciosidades que esto vendendo. Descobrindo-se depois a etiqueta Made in China, os ciganos costumam ser acusados de serem vigaristas, e nunca o comprador que quis lucrar s custas dos ciganos ite que ele prprio no a de um otrio.

Quanto aos supostos trambiques praticados pelas mulheres ciganas, o problema (ou a sorte) delas que a terra habitada por uma incrvel legio de pessoas com algum problema mental, fsico, amoroso ou financeiro, e que por causa disto acreditam em horscopos, astrologia, quiromancia, cartomancia, pedras runas, bolas de cristal, duendos, buzios e outras tantas esquisitices mais, a maioria das quais, por sinal, absolutamente nada tem a haver com as tradies ciganas, embora muitas vezes costumem ser praticadas por mulheres enfeitadas como se fossem ciganas num baile de carnaval.

Os ciganos, ao contrrio de muitos gadj, costumam ser mentalmente sadios, e por isso no acreditam em nada disto; nenhuma cigana l a mo de outro cigano, nem de amigo no-cigano, e nestes casos tambm no reza, nem acaba com um suposto mau olhado, nem consulta um baralho, cristais ou pedras runas. Estas, ao que tudo indica, foram apenas recentemente acrescentadas ao repertrio cigano, na medida em que a clientela mentalmente desequilibrada assim o desejar. Afinal de contas, na rea esotrica, as ciganas sempre procuram atualizar-se, o que significa sempre satisfazer os gostos dos fregueses, por mais exticos ou idiotas que sejam.

Antigamente, as ciganas costumavam por causa disto ser consideradas bruxas. Em 1427 o bispo de Paris mandou excomungar todos os parisienses que tinham consultado as ciganas. Hoje, os bispos costumam ser um pouco mais tolerantes, e consultar uma cigana no mais motivo para excomunho, embora muitos padres e pastores ainda o considerem um pecado. Na realidade, as ciganas fazem nada mais nada menos (embora bem mais barato) do que fazem os psiclogos e psicanalistas nos seus luxuosos consultrios, como bem explicou a Yoors uma cigana extremamente inteligente, provavelmente analfabeta e que nunca estudou psicologia:

Keja disse que a avidez por quiromancia tem sua origem na inabilidade da pessoa de vencer suas aflies. Em lugar de satisfazer, ela cria uma avidez auto-perpetuadora por profecias, semelhante ao jogo compulsivo, apenas mais prejudicial porque a pessoa no perde dinheiro mas introviso. Ela cega a pessoa para as causas dos seus problemas, e isto loucura. [A quiromancia] uma procura intil e auto-destruidora de solues adequadas para problemas de integridade moral, causada por uma falta de vontade de encarar a vida como . A maioria das pessoas consulta quiromantes antes de tudo para procurar confirmar seus temores, mais do que suas esperanas. Medo pode originar um desejo, porque muitos inconscientemente desejam que acontea aquilo que eles dizem que mais temem. (...) De um ponto de vista prtico, a essncia tangvel de quiromancia a habilidade de escutar com infinita pacincia todas as asneiras humanas .[7]

A mesma Keja contou depois o caso de um fazendeiro na Srvia, que consultou um mdico depois de outro, em vrios pases, e todos diziam que ele no tinha absolutamente doena alguma. Em desespero consultou ento uma cigana que imediatamente confirmou suas suspeitas e, aps um longo e caro tratamento, o curou de sua imaginria doena mortal.

O cigano Ramrez-Heredia lembra que as ciganas costumam prever apenas coisas boas, pelo que a quiromancia tambm conhecida como a buena dicha ou buenaventura, que sempre tem no mnimo uma parte agradvel que satisfar os desejos do cliente e que a perspiccia de nossas ciganas ter adivinhado mais no gesto e na atitude do solicitante do que na leitura mesma das linhas de sua mo. E acrescenta:

A prtica da buenaventura [quiromancia] realmente uma atividade inocente. (...) Nossas ciganas distribuem iluso, prevem o nascimento de muitos filhos, prometem que vamos ganhar na loteria ou na sena, ou nos dizem que vamos encontrar um amor .... tudo isto sem esquecer a herana que logo vamos receber de um parente distante de cuja existncia nem tinhamos conhecimento..... As artes adivinhatrias [so] resduo daquilo que em outros tempos foi uma atividade mais histrinica do que qualquer outra coisa. (...) Portanto, no se deve interpretar o fenmeno das artes adivinhatrias dos ciganos como uma disposio natural para o engano. Deve ser visto apenas como um meio de ganhar a vida, embora para isto tenhamos que usar muita comdia, muito palavrrio e muita espontaneidade.

Como exemplo Ramrez-Heredia cita uma cigana que costumava prever que um caminho te vai trazer dinheiro; trs vezes vais ganhar na loteria; a mulher que mais desejas vai ser tua; e tua sogra ser atropelada por um bonde, alm de outras coisas boas.[8] Ou seja, a quiromancia um belo e divertido teatro, e nada mais. E divertimento custa dinheiro, em qualquer parte do mundo, e s se diverte quem quiser.

A imagem do cigano vagabundo.

Tradicionalmente, os no-ciganos acreditam que os ciganos no gostam de trabalhar, que so uns vagabundos, uns desocupados preguiosos. Os fatos histricos, no entanto, mostram uma realidade bem diferente: os ciganos trabalham sim, e trabalham duro para ganhar o seu sustento. O problema que, como costuma acontecer frequentemente na Europa, muitas vezes os ciganos so legalmente proibidos de trabalhar ou suas atividades profissionais so dificultadas ao mximo. Pelo menos na Europa Ocidental, os ciganos, tradicionalmente, tm sido trabalhadores autnomos e no operrios assalariados. Uma classificao ou tipologia, entre vrias outras possveis, de suas atividades econmicas, documentadas j desde o Sculo XV, poderia ser a seguinte:

Primeiro: o comrcio ambulante de produtos artesanais fabricados por eles mesmos (as, cestas de vime, escovas, vassouras, colheres e cabides de pau, amuletos, remdios homeopticos, etc.), ou o conserto destes produtos ou de outros produtos artesanais ou industrializados (guarda-chuvas, cadeiras de palha/vime, amolar tesouras e facas, etc.). Desde meados do Sculo XX, sempre mais estes artefatos foram substitudos por produtos industrializados similares, mais baratos e facilmente encontrados no comrcio local. Hoje s resta aos ciganos o comrcio ambulante de produtos industrializados. Os tradicionais utenslios de cozinha (tachos, as, canecos, etc.), fabricados pelos ciganos de cobre, estanho ou outras ligas metlicas, no somente foram substitudos por produtos de alumnio, vidro ou plstico, mas hoje so inclusive condenados (s vezes at proibidos) pela sade pblica. E pelo menos na Europa Ocidental, h muito tempo ningum manda mais empalhar uma cadeira ou consertar um guarda-chuva, ventilador, aspirador de p, mquina de lavar roupas, rdio, televiso ou geladeira, porque o custo da mo-de-obra + peas, com certeza ser superior ao preo de um modelo novo e mais sofisticado, com garantia de vrios anos. Hoje estes produtos, quando apresentam algum defeito fora da garantia, vo logo para o lixo.

Segundo: vrios grupos ciganos se tornaram afamados como comerciantes de equinos, principalmente de cavalos. Na medida em que, na segunda metade do Sculo XX, sempre mais os cavalos desapareceram do cenrio rural e urbano, muitos destes ciganos perderam seu emprego, ou tiveram que adaptar-se a uma nova realidade. Muitos deles se tornaram comerciantes de automveis, novos ou usados, como antes competindo neste ramo com os ja tradicionais negociantes no-ciganos.

Terceiro: a prestao de servios, geralmente os servios sujos, pesados, insalubres ou perigosos que normalmente so detestados e evitados pela populao no-cigana como, por exemplo, o asfaltamento de entradas de veculos, pavimentao de caladas, derrubada e poda de rvores, limpeza de chamins, reparo de telhados, etc. Na Europa, os ciganos tambm foram sempre bem-vindos nas fazendas como trabalhadores sazonais, na poca da colheita de frutas, de cereais ou de tubrculos, atividades nas quais costumavam ser empregados todos os membros da famlia cigana. Hoje quase todas estas tarefas costumam ser realizadas por mquinas.

Em alguns pases da Europa os ciganos ficaram famosos como msicos, ou artistas de circo, e na Espanha ainda como toureiros. E desde o Sculo XV h notcia de ciganas ganhando honestamente o sustento da famlia com a leitura da mo de crdulos gadj. As ciganas no tm culpa de existirem tantos otrios gadj que acreditem piamente em sua buena-dicha, e so dispostos a pagar por isto.

Quarto: empregos assalariados. De um modo geral, os ciganos, sempre quando possvel, parecem ter preferido os trabalhos autnomos, sem vnculo empregatcio, mas tambm h registro de muitos ciganos sedentrios em empregos assalariados, em lojas, fbricas, reparties pblicas. O problema, neste caso, parece ser no tanto a falta de vontade dos ciganos de empregar-se, mas a m vontade dos gadj de empregar ciganos.

De fato, muitas vezes os ciganos so recusados por no possuirem a formao profissional necessria, mas o mesmo vale tambm para os ciganos e as ciganas que frequentaram a escola de primeiro e segundo grau, ou at possuem diploma universitrio. Qual Banco, por exemplo, empregaria um cigano? Qual supermercado contrataria uma cigana como caixa ou um cigano para tomar conta do depsito? Qual lavandaria empregaria uma cigana? Qual empresa contrataria um vigia cigano? Qual dona de casa contrataria uma cigana para ser cozinheira ou bab? Portanto, os ciganos no costumam ser operrios assalariados apenas porque dificilmente so contratados pelo simples fato de serem ciganos. Mais um motivo para muitos ciganos esconderem ou negarem sua identidade cigana quando se candidatam a um emprego assalariado.

Vrias das atividades profissionais citadas acima - comrcio ambulante, prestao de servios - exigem uma vida itinerante, ou seja, muitos ciganos so ou eram itinerantes (ou nmades) por livre e espontnea vontade, no por causa de um misterioso instinto migratrio, mas por simples necessidade econmica. Mas vimos tambm que j desde o Sculo XV, os ciganos, como estranhos estrangeiros indesejados, tm sido e ainda hoje so enxotados de uma cidade para outra, de um pas para outro. Ou seja, muitos ciganos eram ou so itinerantes compulsrios, e por isso exercem atividades profissionais ambulantes compatveis com esta vida errante, que no escolheram mas lhes imposta pela populao gadj.

Os ciganos itinerantes, justamente por causa de sua vida errante, nunca foram acumuladores de bens materiais, que s atrapalham as viagens. Eventuais riquezas eram acumuladas em forma de ouro, prata ou joias, facilmente transportveis. Sempre faltou-lhes, portanto, um esprito capitalista que d valor ao trabalho para a acumulao de bens materiais. Como informa Yoors:

Os Lowara no acreditam em acumular coisas, nem atribuem poder a propriedades. Para eles, a alegria de propriedades estava somente em gast-las. Anos atrs encontrei um Rom da tribo Tshurara..... Todos chamavam-no o milionrio.... Keja me explicou que ele era um milionrio porque ele gastou um milho..... Ele era rico no porque possua uma fortuna, mas porque tinha gasto uma.[9]

Entre os itinerantes, acumular muitas coisas - alimentos, roupas, objetos domsticos, capim ou rao para os cavalos, etc. - simplesmente impossvel e deve ser reduzido ao mnimo necessrio. Por isso, comum os itinerantes darem a impresso de viverem de um dia para outro, de nunca planejar nada para o futuro. Quando um cigano itinerante faz um bom negcio, o dinheiro costuma ser gasto logo e durante um ou dois dias h fartura de comida e bebida para todos, ou organiza-se uma festa. Os problemas de amanh se resolvem amanh. Para um cigano itinerante, portanto, no tem sentido trabalhar em excesso, somente para acumular bens ou dinheiro que ele no pode carregar em suas viagens. Por isso, s costumava trabalhar quando necessrio. No se trata de preguia, mas apenas de uma sbia adaptao vida itinerante.

Alm disto, os ciganos precisam de muito tempo para outras atividades no-econmicas altamente valorizadas na sociedade cigana, mas sempre menos na sociedade gadj, principalmente na Europa, e que seriam quase impossveis se exercessem uma profisso assalariada ou um trabalho regular que absorvesse todo o seu tempo disponvel. Segundo Ligeois:

[Para o cigano] trabalho uma necessidade, no um objetivo. O trabalho deve proporcionar um tempo livre para tratar de assuntos sociais (encontros, visitas familiares, festas, visitas aos doentes), para desenvolver e manter relaes sociais. Isto s pode ser feito se existir independncia econmica, um dos elementos mais marcantes da identidade de ciganos e viajantes, e um fator para manter esta identidade. No estar empregado torna possvel no ficar envolvido num mundo estranho e inaceitvel, torna possvel evitar contato regular com este ambiente.... Por isso o que importa num emprego, a maneira como pode ser exercido.[10]

Sculos de perseguio tornaram a vida itinerante no apenas uma necessidade, mas tambm uma tradio, a tal ponto que muitas pessoas, e inclusive muitos ciganos, identificam ciganos com itinerantes (ou nmades), embora apenas poucos itinerantes sejam ciganos e hoje apenas uns 10%, ou menos ainda dos ciganos sejam itinerantes. Em vrios pases, principalmente nos Blcs, os ciganos nunca foram itinerantes; em muitos outros pases os ciganos foram obrigados a sedentarizar-se e foram lhes indicados lugares fixos para residncia em determinadas ruas ou bairros; em mais outros pases, como na Holanda e na Frana, a vida itinerante em teoria permitida, mas existem acampamentos fixos obrigatrios que na prtica tornam esta vida impossvel. Ou seja, da mesma forma como existem ciganos itinerantes voluntrios e compulsrios, tambm existem ciganos sedentrios voluntrios e compulsrios.

Problemas costumam surgir na ltima categoria, dos sedentrios compulsrios, porque neste caso as tradicionais atividades econmicas normalmente se tornam inviveis e quando o cigano no consegue substitu-las por outras, o resultado ser o desemprego, o cio forado e em consequncia disto, a misria. Nas palavras de Ligeois: Quando viajar se torna apenas um sonho distante para os Viajantes, comea o desespero e seus efeitos: doena, desintegrao familiar, agressividade e delinquncia.[11]

Os documentos histricos provam que, quando lhes era permitido, os ciganos, sedentrios ou nmades, sempre exerceram atividades profissionais honestas das mais diversas e em algumas se tornaram at especialistas afamados, por exemplo, os homens como ferreiros, caldeireiros, tratadores de animais e artistas, e as mulheres como quiromantes. Somente quando a sociedade gadj lhes proibia ou impedia de trabalhar honestamente, o que ainda hoje ocorre frequentemente, os ciganos se viam forados a uma vida ociosa ou a profisses alternativas nem sempre to honestas assim. Os gadj, no entanto, parecem enxergar apenas os ciganos que no trabalham, e nunca os inmeros ciganos que trabalham normalmente, como outro cidado qualquer.

Infelizmente, nada mais difcil de mudar do que idias preconcebidas sobre outros povos ou grupos de pessoas, por mais infundadas que sejam. Enquanto estas e outras imagens anti-ciganas continuarem a existir ser difcil, quando no impossvel, uma convivncia harmoniosa dos ciganos com a sociedade gadj. Antes de tudo, portanto, ser necessrio corrigir e eliminar, na medida do possvel, estas imagens negativas.

Rose observa, com toda razo, que a ignorncia a base dos preconceitos e que:

"Uma das causas que explicam que um grupo seja mal conhecido o isolamento social em que ele se encontra, mesmo se est em contato permanente com o resto da populao. (..) O preconceito origina, muitas vezes, medidas de segregao material e social que, por seu lado, favorecendo a ignorncia, contribuem para arraigar o preconceito. [Mas] a) a ignorncia provm tanto da ausncia de conhecimentos, como da presena de idias falsas; b) a ignorncia em si no faz nascer o preconceito, mas condiciona ou favorece o seu desenvolvimento em graus diversos conforme os grupos de que se trata. Quando a ignorncia representa um papel importante no aparecimento dos preconceitos, estes podero ser eficazmente combatidos pela informao, que vir completar os conhecimentos ou combater as idias falsas" .[12]

Da porque uma das medidas propostas tem sido o esclarecimento da opinio pblica sobre os grupos minoritrios, suas maneiras de viver e de pensar, seus valores culturais, sua histria. Rose, por exemplo, prope: Divulgar, a respeito dos grupos que so vtimas dos preconceitos, informaes exatas de forma a destruir os esteretipos. Fazer conhecer as causas das diferenas que existem entre os grupos minoritrios e o grupo dominante. Faz-lo no somente pelos livros, jornais e pela palavra, mas utilizando tambm as relaes pessoais e os contatos amigveis.[13] A questo como fazer isto.

O socilogo Hendriks lembra que um prejulgamento pode ser corrigido por nova informao; um preconceito no. A seguir cita os resultados de uma srie de sete documentrios na TV holandesa sobre "operrios-hspedes" turcos, e imigrantes molucanos e surinameses (imigrantes ou refugiados de ex-colnias holandesas). Os documentrios visavam diminuir os preconceitos contra estes grupos fortemente marginalizados e discriminados naquele pas, mas as pesquisas revelaram que o resultado foi justamente o contrrio: aps a exibio dos documentrios o preconceito at aumentou![14]

O mesmo foi constatado por Banton: A publicao da descoberta de que muitas pessoas discriminam no precisa provocar uma reao corretiva, mas pode ativar o efeito reforo e encorajar os discriminadores a continuar discriminando, confortados pela sabedoria que tantos outros fazem a mesma coisa.[15] Ou seja, um documentrio ou um livro sobre ciganos - por mais bem elaborado que seja - no garante automaticamente tambm uma diminuio nos preconceitos contra os ciganos.

Finalmente h quem defende medidas legislativas porque estas diminuiro o respeito que se dedica ao preconceito, suprimindo completamente algumas das suas piores consequncias. Este um dos meios mais eficazes para se lutar contra os preconceitos tradicionais".[16] Nos captulos anteriores vimos que no bem assim, nem na Europa Ocidental nem na Europa do Leste. Em todos os pases europeus existem as mais belas leis que se possa imaginar sobre direitos humanos, direitos civis, direitos polticos, leis anti-discriminao, etc., mas que nada valem para os ciganos. Trata-se apenas de belas palavras, e nada mais. Portanto, no basta um eminente jurista elaborar, o Congresso aprovar e o Presidente sancionar uma belssima legislao que condena a discriminao de minorias (inclusive das sempre esquecidas minorias ciganas), mas deve-se lutar tambm para que esta legislao seja, de fato, aplicada na prtica.

Alm disto, as leis anti-discriminao sempre existem porque, de fato, a discriminao existe. Ou seja, como lembra Allport, as leis atacam sintomas, no causas.[17] Leis anti-discriminao so necessrias e at podem ajudar a diminuir um pouco a discriminao.

Porm, para acabar com o preconceito e a discriminao, antes de tudo ser necessrio acabar com a ignorncia que existe sobre os ciganos, sua histria, seu modo de vida, seus valores culturais e seus problemas. Na luta contra o anti-ciganismo existe um enorme campo de trabalho ainda inexplorado para cientistas das mais diversas reas. Porque a ciganologia, geral e brasileira, est apenas dando seus primeiros os, e aparentemente sem qualquer oriento terica e prtica. A nossa ignorncia ainda enorme.


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tudes Tsiganes 5x1p1

Interface 216c3

A bibliografia acima citada, difcil ou impossvel de ser encontrada em qualquer biblioteca universitria brasileira, est disposio dos ciganos e dos pesquisadores no-ciganos no

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50670-370 Recife Pe.

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