FRANS
MOONEN
144y2u
ROM,
SINTI E CALON
OS
ASSIM CHAMADOS CIGANOS
1.
A Primeira Onda Migratria
2.
Polticas anti-ciganas
3.
A Segunda Onda Migratria
4.
O holocausto cigano
5.
Os ciganos na Europa comunista
6.
Os ciganos na Europa ps-comunista
7.
Imagens anti-ciganas
8.
Trs imagens errneas sobre os ciganos
Bibliografia
Selecionada
Ncleo
de Estudos Ciganos
E-Texto
no. 1
Recife,
2000
Introduo:
OS
ASSIM CHAMADOS CIGANOS. 492d50
Ciganos.
A
Histria escrita dos hoje assim chamados ciganos
no vai alm de apenas um milnio. Um dos documentos
mais antigos o de um monge grego segundo o qual,
no ano de 1050, o imperador de Constantinopla (hoje
Istambul, na Turquia), para matar uns animais ferozes,
solicitou a ajuda de adivinhos e feiticeiros chamados
Adsincani. No incio do sculo seguinte, outro monge se refere a domadores
de animais, em especial de ursos e cobras, e a indivduos
lendo a sorte e prevendo o futuro, que eram chamados
Athinganoi. No Sculo XIII, o patriarca de Constantinopla adverte
o clero contra adivinhos, domadores de ursos e encantadores
de cobras e solicita no permitir a entrada destes
Adingnous
nas casas, porque eles ensinam coisas diablicas. possvel que estes tenham
sido anteados (embora no necessariamente os
nicos) dos indivduos hoje genericamente chamados
ciganos, e neste caso j estariam na Turquia pelo
menos desde meados do Sculo XI.
Da
Turquia para outros pases balcnicos foi apenas
um pequeno o. Sabemos que vrios grupos migraram
para a Grcia. Em 1322 um frade franciscano, de
agem pela ilha de Creta, escreve sobre indivduos
que viviam em tendas ou em cavernas, chamados Atsinganoi,
nome ento dado aos membros de uma seita de msicos
e adivinhadores, e que nunca paravam mais do que
um ms num mesmo lugar. Depois disto, muitos outros
viajantes europeus, mercadores ou peregrinos a caminho
da Terra Santa, observaram a presena destes indivduos
nos arredores do porto martimo grego de Modon (hoje
Methoni), ento colnia de Veneza, onde trabalhavam
como ferreiros e sapateiros.
A
partir do incio do Sculo XV, estes ciganos migraram
tambm para a Europa Ocidental, onde quase sempre
afirmavam que sua terra de origem era o Pequeno
Egito. Hoje sabemos, com certeza, que esta era
ento a denominao de uma regio da Grcia, mas
que pelos europeus da poca foi confundida com o
Egito, na frica. Por causa desta suposta origem
egpcia aram a ser chamados egpcios ou egitanos,
ou gypsy
(ingls), egyptier (holands), gitan
(francs), gitano
(espanhol), etc. Mas sabemos que alguns grupos se
apresentaram tambm como gregos e atsinganos,
pelo que tambm ficaram conhecidos como grecianos
(espanhol), tsiganes
(francs), ciganos
(portugus), zingaros
(italiano), etc.
Na
literatura a seu respeito ainda existem outras denominaes
que em nada lembram a suposta origem egpcia ou
comprovada origem grega. Na Holanda, p.ex., a denominao
inicial de egyptier
desaparece a partir do Sculo XVI e utiliza-se apenas
a denominao heiden
(pago), denominao ento comum tambm na Alemanha.
Na Frana ficaram conhecidos tambm como romanichel,
manouches
ou bomiens. Em vrios pases foram confundidos com os trtaros,
mongis da [i]Sibria
e sia Central.
Todos estes termos so denominaes genricas
que os europeus naquele tempo deram a estes misteriosos
e exticos imigrantes. No consta como os ciganos
ento se auto-identificavam.
Conforme
se v, a origem dos ciganos sempre foi um verdadeiro
mistrio, e por isso existem, ainda hoje, as mais
diversas lendas e fantasias. Somente no Sculo XVIII
o assunto comeou a ser discutido com mais seriedade,
quando os linguistas concluiram que os ciganos deveriam
ser originrios da ndia. As provas lingusticas
surgiram por acaso em 1753 quando, numa universidade
holandesa, um estudante hngaro descobriu semelhanas
entre a lngua cigana do seu pas e a lngua falada
por trs colegas estudantes indianos. Constatou-se
assim um evidente parentesco entre as lnguas ciganas
e o snskrito. A teoria da origem indiana das lnguas
ciganas seria divulgada somente anos depois na Alemanha,
por Christian Buettner em 1771, por Johann Ruediger
em 1782, e por Heinrich Grellmann em 1783, este
o mais conhecido dos trs.
Grellmann
criticou primeiro as teorias lingusticas at ento
existentes sobre a origem das lnguas ciganas, principalmente
aquelas que falavam da origem egpcia. Depois fez
uma anlise sistemtica de quase quatrocentas palavras
e constatou que de cada trinta palavras ciganas,
doze a treze eram de origem hindi, uma lngua derivada
do snskrito. Apesar de reconhecer que ainda existiam
falhas em seu trabalho, acreditou que a origem indiana
tinha sido suficientemente comprovada. Na segunda
edio de seu livro, Grellmann cita tambm outros
cientistas que na mesma poca tinham chegado a concluses
idnticas.
Desde
ento, a origem indiana nunca mais foi colocada
em dvida e linguistas posteriores apenas tm acrescentado
mais dados comprobatrios, restando hoje apenas
dvidas sobre em que poca ou pocas, e em que parte
ou partes da ndia estas lnguas eram faladas, itindo-se
em geral que tenha sido a regio noroeste da ndia
(atual Paquisto), por volta do ano 1000 da era
crist.
Fraser,
no entanto, lembra que
a lingustica histrica no pode determinar
a origem racial e tnica dos indivduos que falavam
Romani........ No
se pode ter certeza que grupos ou povos so racialmente
aparentados apenas porque falam lnguas aparentadas.
Ou
seja, estas semelhanas lingusticas podem significar
tambm, e to somente, que os assim chamados ciganos,
durante muito tempo e por motivos ainda ignorados,
viveram na ndia, sem serem e nunca terem sido indianos,
ou que tiveram contato com indianos ou no-indianos
que falavam o hindi, mas fora da ndia.
Por
isso, as supostas provas lingusticas acima citadas,
precisam ainda de provas complementares, sejam elas
culturais, raciais, ou de outra natureza. No faltam
autores que apresentam supostas provas culturais,
citando semelhanas entre costumes ciganos e indianos,
da mesma forma como outros autores, adeptos da origem
egpcia, descobriram semelhanas com a antiga cultura
egpcia da poca dos faras. Quem procura, sempre
encontrar algumas semelhanas nas culturas de dois
povos diferentes e geogrficamente distantes. Elementos
culturais, no entanto, podem ser transmitidos tambm
por via indireta, sem contato direto com os povos
que os inventaram, e tambm podem ter origens independentes.
Quanto
a isto, Fraser cita o caso da Grcia onde, na dcada
de 80, a TV apresentou um documentrio em que era
mostrada a origem indiana dos ciganos. Depois disto,
jovens ciganas gregas aram a vestir os longos
e coloridos sris indianos e introduziram elementos
orientais nas suas danas. Ao que Fraser, maliciosamente
(mas com toda razo), acrescenta: Talvez daqui
a uns 50 anos, etnomusiclogos apresentem estes
elementos como um vestgio cultural de sua ptria
original (a ndia).
Outro
exemplo desta indianizao artificial foi registrada
tambm na ex-Iugoslvia, aps o II Congresso da
Unio Romani Internacional, no qual a primeira-ministra
Indira Ghandi declarou (apenas simbolicamente, e
at hoje sem quaisquer efeitos prticos!) que a
ndia era a ptria-me de todos os ciganos. No
h registro de nenhuma famlia cigana europia que
por causa disto tenha migrado para a ndia (ou seja:
ningum migrou do ruim para o pior), mas depois
disto, pelo menos na ex-Iugoslvia, muitos ciganos
comearam a ornamentar suas casas com esttuas e
quadros de deuses indianos e bonecos em trajes indianos,
jovens ciganas substituram a cala turca pelo sri
indiano, msicas e filmes indianos se tornaram de
repente populares, e houve at quem trocasse a religio
muulmana pelo hinduismo.
Ainda
menos sucesso tiveram, at hoje, aqueles que tentaram
provar a origem indiana atravs de comparaes biolgicas,
ou raciais. J desde a chegada na Europa h notcias
sobre a aparncia fsica dos ciganos: pele escura,
cabelos pretos e longos, olhos pretos e grandes,
nariz aquilina, etc. Posteriormente alguns cientistas
notariam semelhanas sanguneas entre ciganos e
indianos, mas nada disto seria suficiente para provar
sua origem indiana, inclusive porque no existiam
estudos suficientes sobre as caractersticas raciais
dos indianos, e outros tantos povos tinham as mesmas
caractersticas fsicas ou predominncia dos mesmos
grupos sanguneos. Alm disto havia o problema da
mistura racial que certamente ocorreu desde a
sada da ndia h vrios sculos.
Na
realidade, todas as teorias (e inmeras fantasias,
mitos e lendas) sobre a origem dos ciganos no am
de mera especulao e no tm nenhuma comprovao
emprica. At hoje, apenas as semelhanas das lnguas
ciganas com o snscrito parecem devidamente comprovadas,
pelo que muitos ciganlogos costumam itir que
os ciganos so originrios da ndia. Mas isto tambm
tudo e, como j dissemos acima, somente a semelhana
lingustica na realidade no comprova coisa alguma.
Existem
as mais diversas teorias sobre quando saram da
ndia, mas em geral ite-se que foi somente a
partir do Sculo X, ou seja, apenas uns mil anos
atrs. Ou ento, o que bem mais provvel, que
ocorreram vrias ondas migratrias, em pocas bem
diferentes, talvez at de reas geogrficas diversas,
e por motivos dos mais variados. Tambm no se sabe
como eles ento se identificavam a si mesmos, ou
como eram identificados pelos outros, e provavelmente
nunca o saberemos. Os prprios ciganos nunca deixaram
documentos escritos sobre o seu ado e muitos
ciganlogos informam que os ciganos, em geral, no
tm a mnima idia sobre suas origens e, o que
pior, nem demonstram interesse em saber de onde
vieram os seus anteados.
A
diversidade entre os ciganos.
Conforme
vimos acima, cigano um termo genrico inventado
na Europa do Sculo XV, e que ainda hoje adotado,
apenas por falta de um outro melhor. Os prprios
ciganos, no entanto, costumam usar autodenominaes
completamente diferentes. Hoje, os ciganos e os
ciganlogos no-ciganos costumam distinguir pelo
menos trs grandes grupos:
(1)
os ROM, ou Roma,
que falam a lngua romani;
so divididos em vrios sub-grupos, com denominaes
prprias, como os Kalderash, Matchuaia, Lovara,
Curara e.o.; so predominantes nos pases balcnicos,
mas a partir do Sculo XIX migraram tambm para
outros pases europeus e para as Amricas;
(2)
os SINTI, que falam a lngua sint
e so mais encontrados na Alemanha, Itlia e Frana,
onde tambm so chamados Manouch;
(3)
os CALON ou KAL, que falam a lngua cal,
os ciganos ibricos, que vivem principalmente
em Portugal e na Espanha, onde so mais conhecidos
como Gitanos,
mas que no decorrer dos tempos se espalharam tambm
por outros pases da Europa e foram deportados ou
migraram inclusive para a Amrica do Sul.
Estes
grupos e dezenas de sub-grupos, cujos nomes muitas
vezes derivam de antigas profisses (Kalderash =
caldeireiros; Ursari = domadores de ursos, e.o.)
ou procedncia geogrfica (Moldovaia, Piemontesi,
e.o.), no apenas tm denominaes diferentes, mas
tambm falam lnguas ou dialetos diferentes. Como
j vimos acima, desde o Sculo XVIII costuma-se
atribuir aos ciganos apenas uma nica lngua, comum
a todos, a lngua romani,
parcialmente de origem indiana, embora esta
tenha tambm inmeras palavras de origem persa,
turca, grega, romena e de outros pases por onde
aram. Na realidade, j ento os ciganos falavam
vrias lnguas ou dialetos que, apesar de terem
aparentemente uma origem em comum, hoje apresentam
profundas variaes regionais que tornam uma comunicao
cigana internacional na prtica impossvel. Algo
semelhante atual comunicao entre ses,
italianos, espanhois, portugueses e brasileiros,
que todos falam lnguas derivadas do Latim: muitas
palavras podem ser entendidas por todos, principalmente
quando escritas, mas a comunicao verbal na maioria
das vezes difcil, quando no impossvel. Segundo
Fraser no existe um romani padronizado, nico,
mas somente na Europa os ciganos falariam cerca
de 60 ou mais dialetos diferentes.
De
todos os ciganos, os Rom so os mais estudados e
descritos. Isto porque estes ciganos, e entre eles
principalmente os Kalderash e os Lovara - inclusive
no Brasil - , costumam considerar-se a si prprios
ciganos autnticos, ciganos nobres, e classificar
os outros apenas como ciganos esprios, de segunda
ou terceira categoria. Como antroplogos e linguistas
tendem a estudar de preferncia povos autnticos,
que ainda conservam sua cultura e lngua tradicional,
a quase totalidade dos estudos ciganos trata de
ciganos Rom, e praticamente nada se sabe dos outros
grupos.
O
nomadismo, aparentemente
maior entre os Calon do que entre os Rom,
pode ter dificultado pesquisas sobre sua lngua
e seus costumes, mas no explica, nem justifica,
porque foram to negligenciados pelos ciganlogos.
Romn, por exemplo, informa que na Espanha ainda
no foram realizadas intensivas pesquisas histricas
e antropolgicas sobre os ciganos Calon, naquele
pas quase todos h muito tempo sedentrios.
Na Frana a situao no diferente: segundo Ligeois,
o grupo Rom, naquele pas com apenas alguns milhares
de membros, praticamente o nico estudado, enquanto
as dezenas de milhares de ciganos Sinti (Manouch)
e Calon so ignoradas, fato que refora ainda mais
a imagem dos ciganos Rom da Europa Oriental como
ciganos autnticos.
Praticamente nada, tambm, sabemos sobre os atuais
ciganos Sinti e Calon no Brasil.
Este
rom-centrismo, dos prprios ciganos e dos ciganlogos,
faz Acton falar at de romlogos que, em lugar
de analisarem as diferenas existentes entre os
grupos ciganos, apresentam um modelo ideal como
se os ciganos formassem uma totalidade homognea.
Segundo este socilogo, A grande falha da literatura
sobre ciganos, oficial e acadmica, a supergeneralizao;
observadores tm sido levados a acreditar que prticas
de grupos particulares so universais, com a concomitante
sugesto que [os membros de] qualquer grupo que
no tm estas prticas no so verdadeiros ciganos.
Ou seja: a cultura rom a a ser considerada
a autntica cultura cigana, a cultura modelo,
e quem no falar a lngua como eles, quem no tiver
os mesmos costumes e valores ..... , bem, estes
s podem ser ciganos de segunda ou terceira categoria,
ciganos esprios, inautnticos, quando no falsos
ciganos.
Entende-se
assim porque a quase totalidade dos livros de ciganlogos
que tratam genericamente da suposta Cultura Cigana,
na realidade descrevem apenas ou quase exclusivamente
a cultura dos ciganos Kalderash que durante sculos
viveram nos Blcs - na atual Romnia na qualidade
de escravos, libertos somente em meados do Sculo
XIX - onde desenvolveram uma cultura fortemente
influenciada pelas diversas culturas nacionais,
em especial a romena. Um exemplo clssico, entre
vrios outros, o kris
romani, uma espcie de tribunal cigano, sempre
apresentado como algo tipicamente cigano, quando,
segundo Formoso, na realidade um elemento cultural
apenas dos Kalderash, que o tomaram emprestado da
sociedade rural romena, e que no existiria nem
entre os ciganos Rom Lovara e Curara e desconhecido
tambm entre os Sinti e Calon.
Outros dois exemplos seriam o marim,
as idias sobre pureza / impureza, que na realidade
so de origem rabe e turca, e a pomana,
o ritual funerrio, de origem romena. O kris,
o marim
e a pomana costumam ser descritas por nove entre dez ciganlogos como
se fossem comuns a todos os ciganos, quando se trata
apenas de caractersticas culturais Kalderash.
A cultura Kalderash - praticamente a nica conhecida
do grande pblico no-cigano - apenas uma das
inmeras sub-culturas ciganas hoje existentes em
todo mundo, cada uma das quais com caractersticas
prprias, resultantes de histrias diferenciadas
de convivncia, quase nunca pacfica, com as mais
diversas sociedades e culturas.
Porm,
os ciganos no se diferenciam entre si apenas linguistica
e culturalmente, mas tambm econmica e socialmente.
Como exemplo podem ser citados os ciganos espanhois,
cuja populao em 1993 deveria ultraar um total
de 400 mil pessoas, ou seja, cerca de 1,1% da populao
nacional. Garcia distingue entre eles quatro categorias
sociais bem distintas, a saber:
(1)
uma pequena elite com alto nvel de instruo (diplomas
e carreiras universitrias), geralmente indivduos
de famlias integradas tambm com bom nvel de
instruo, e que tm empregos assalariados e muitas
vezes casam com gadj [denominao genrica usada pelos ciganos para os no-ciganos];
entre eles encontram-se os ativistas polticos que,
entre outras coisas, lutam pelo reconhecimento da
identidade cigana;
(2)
um grupo numericamente maior do que o anterior,
mas ainda minoria entre os ciganos, de tradicionalistas
geralmente economicamente bem sucedidos que vivem
la gitane,
exercendo profissies tradicionais (antiqurios,
comerciantes, artistas), casam entre si e dentre
de sua categoria social, e gozam de prestgio e
irao entre os outros ciganos;
(3)
o grupo maior formado por ciganos em mutao que
vivem em bairros perifricos ou marginais das cidades,
muitos deles misturados com gadj,
o que exige adaptaes nos seus valores tradicionais
e nas relaes sociais. As crianas frequentam a
escola e a convivncia com gadj constante no trabalho, na vizinhana, nos bairros, nas instituies
pblicas. Suas atividades econmicas - comrcio
ambulante, ferro velho, trabalhos temporrios -
esto em declnio e por isso muitas vezes am
a depender da assistncia social. Para eles, hoje
s h uma alternativa: ou eles se assimilam nas
camadas mais baixas da populao, ou ento eles
ficam margem da sociedade como grupo, e com a
marginalizao individual de muitos deles;
(4)
um grupo desestruturado e marginal, o segundo em
importncia numrica, cujos membros vivem em favelas,
no tm emprego permanente mas vivem de apanhar
ferro ou papel velho, de vez em quando comrcio
ambulante, atividades sempre mais difceis de exercer.
Costumam ser analfabetos e seus filhos no frequentam
a escola com regularidade. Em tudo dependem da assistncia
pblica, e no h como sair desta situao. So
considerados um grupo socialmente problemtico,
gerador de conflitos e responsvel pelos esteretipos
negativos sobre os ciganos. Sua cultura hoje semelhante
de outros grupos sociais miserveis. Para sobreviver
dedicam-se tambm mendicncia e a praticas ilegais
como o trfico de drogas.
O
socilogo Acton, por sua vez, apresenta uma tipologia
dos ciganos ingleses, de acordo com o seu grau de
integrao na sociedade gadj,
e que tem algumas semelhanas com a classificao
citada acima: (1) ciganos conservadores, (2) ciganos
em processo de desintegrao cultural, (3) ciganos
em fase de adaptao cultural e (4) ciganos assimilados
ou em processo de assimilao.
Inmeras
outras classificaes so possveis, de acordo com
os interesses tericos ou prticos de cada pesquisador.
O que importa aqui, no caso, no so tanto as duas
classificaes acima, mas deixar bem clara a enorme
diferenciao que existe entre os ciganos, mesmo
entre os ciganos de um determinado pas ou regio,
para que sejam evitadas levianas generalizaes
que normalmente so mais prejudicais do que benficas
para as minorias ciganas. Nas palavras de Acton:
[Os ciganos] so um povo extremamente desunido
e mal-definido, possuindo uma continuidade, em vez
de uma comunidade, de cultura. Indivduos que compartilham
a ascendncia e a reputao de cigano podem ter
quase nada em comum no seu modo de viver, na cultura
visvel ou na lngua. Os ciganos provavelmente nunca
foram um povo unido.
Desconhecemos
estudos detalhados sobre as diferenciaes entre
ciganos em pases especficos (por exemplo, entre
Kalderash e Calon no Brasil), mas mais do que
provvel que em todos os pases existam ciganos
ricos e pobres, conservadores e progressistas, analfabetos
e outros com diplomas universitrios, politicamente
ivos ou ativos, nmades e sedentrios. Cabe
aos cientistas sociais documentar esta imensa variedade
cultural e social, algo que at hoje ainda no foram
capazes de fazer, nem na Europa, nem no Brasil,
nem em outras partes do Mundo.
Ciganos
'verdadeiros' e 'outros' ciganos.
Muitos
ciganlogos tm observado que os ciganos Rom, e
entre eles em especial os Lovara e os Kalderash,
costumam auto-classificar-se como ciganos autnticos,
verdadeiros, nobres, aristocratas, de primeira
categoria, sendo todos os outros apenas ciganos
esprios ou falsos ciganos. Infelizmente, esta
atitude discriminatria (dos prprios ciganos)
assumida tambm por muitos gadj
que realizam estudos ou trabalhos prticos entre
os ciganos, ou por legisladores ou membros de organizaes
ciganas e pr-ciganas. Sabendo disto, muitos ciganos
se dizem Rom, ou Kalderash, embora sem nunca ter
sido. Okely, por exemplo, informa que na Sucia
ciganos
originrios da Polnia, sem prvias pretenses de
serem Kalderash, adotaram nomes Kalderash quando
de sua chegada na Sucia porque a estas pessoas
atribudo um status extico e favorvel pela sociedade
dominante. De fato, Tattares [nmades no-ciganos] so excludos de lucrativos programas
sociais. Parece que tambm em outros pases da Europa,
por exemplo na Blgica, Frana, Holanda e Alemanha,
grupos ou tribos que se apresentam como Rom, Kalderash
ou Lovari tm mais probabilidade de serem considerados
de origem oriental, indiana, e de receberem status
real, mesmo que s por estudiosos e representantes
polticos gadj.
Mas
como se isto no bastasse, os ciganos ainda se discriminam
mutuamente tambm por outro motivo: os ciganos sedentrios
muitas vezes olham com desprezo para os ciganos
nmades que persistem nesta vida primitiva, enquanto
os nmades acusam os sedentrios de terem abandonado
as tradies, e com isto terem deixado de ser ciganos.
E com isto surgem interminveis debates, entre os
ciganlogos, sobre quem cigano autntico e quem
no . Debates, por sinal, estreis, porque definir
quem e quem no cigano , de fato, uma tarefa
praticamente impossvel porque no existem critrios
objetivos universalmente aceitos ou aceitveis.
Ao
chegarem na Europa Ocidental, no incio do Sculo
XV, os ciganos ainda podiam facilmente ser identificados
atravs de sua aparncia fsica, sendo a caracterstica
mais marcante a sua pele escura. Hoje isto j no
mais possvel. Apesar da ideologia da endogamia,
casamentos com no-ciganos sempre ocorreram, de
modo que em muitos pases hoje os ciganos fisicamente
no se distinguem da populao gadj
nacional. Ciganos racialmente puros hoje no existem
mais em canto algum do mundo, e nunca existiram,
porque nunca existiu uma raa exclusivamente cigana.
Impossvel, portanto, identificar os ciganos atravs
de caractersticas fsicas peculiares ou estabelecer
critrios biolgicos de ciganidade.
Por
sinal, j se tentou fazer isto no ado, mas sem
xito. Na Alemanha nazista, por exemplo, antroplogos
fsicos e bilogos tentaram descobrir, para fins
prticos, quais as caractersticas raciais ciganas,
j que na maioria dos casos era impossvel distinguir
os ciganos do resto da populao, atravs de caractersticas
fsicas, culturais ou outras. Mas mesmo os nazistas
nunca foram capazes de descrever estas caractersticas.
Da porque, na Alemanha daquele tempo, era considerado
cigano todo indivduo com trs avs verdadeiros
ciganos; mestio em primeiro grau era quem tinha
menos do que trs avs verdadeiros ciganos; mestio
em segundo grau era quem tinha pelo menos dois avs
ciganos-mestios. Mas, acreditem se quiserem,
para os cientistas (antroplogos e bilogos) nazistas,
av ou av verdadeiro cigano era aquele que sempre
tinha sido reconhecido, pela opinio pblica, como
cigano. Ou seja, no final das contas, quando da
identificao racial dos vovs e das vovs, avam
a usar critrios subjetivos (sociais/culturais),
e no objetivos critrios cientficos (biolgicos/raciais).
Calcula-se que cerca de 500.000 ciganos europeus
foram exterminados pelos nazistas antes e durante
a II Guerra Mundial.
Classificar
como verdadeiros ciganos todos aqueles que falam
uma lngua cigana tambm no adianta, porque muitos
ciganos j no a falam mais e outros a dominam muito
mal, ou at j a esqueram por completo. Muitos autores,
de vrias partes do mundo, afirmam que, mesmo entre
si, os ciganos costumam falar a lngua do pas em
que vivem e que a lngua cigana, na maioria das
vezes, costuma ser usada apenas ocasionalmente,
quando necessrio. San Romn, por exemplo, informa
que na Espanha, excluindo os ciganos nmades, poucos
conhecem [a lngua] Cal, e recorrem a ela principalmente
na presena de payos [a palavra espanhola para no-ciganos] que desejam enganar,
e dos quais querem distinguir-se. (...) [A lngua
Cal] no tanto um meio de comunicao, mas antes
um meio para excluir os payos dos assuntos ciganos. Entre si falam espanhol.
Caractersticas
culturais exticas, visveis externamente, tambm
no servem mais para identificar os ciganos, pelo
simples fato de que os ciganos no tm, e provavelmente
nunca tiveram, uma cultura nica. Um exemplo, entre
muitos outros possveis, o vesturio.
Muitas mulheres ciganas ainda usam longas
saias, alm de jias de ouro e prata, mas inmeras
outras no. Os homens ciganos, ao que tudo indica,
nunca tiveram uma roupa tpica, a no ser s vezes
no meio artstico. Por isso, em quase todo mundo
os ciganos usam a mesma roupa dos gadj
do pas em que vivem, a no ser nas ocasies em
que necessrio ou til ser reconhecido como cigano,
o que pode ser o caso com mulheres que se dedicam
quiromancia, ou com homens que exercem atividades
artsticas, p. ex. msicos das populares orquestras
ciganas europias, fantasiados com fardas de militares
hngaros ou cossacos russos de sculos ados.
No carnaval europeu (e parece que tambm brasileiro),
no entanto, as fantasias ciganas populares mais
usadas pelos gadj
costumam ser imaginrias vestimentas ciganas
ibricas, tanto para os homens quanto para as mulheres.
Desnecessrio dizer que nenhum cigano e nenhuma
cigana veste uma roupa desta na vida real.
Muitas
vezes mulheres gadj
que se dedicam a atividades esotricas costumam
fantasiar-se de cigana conforme os esteretipos
existentes na regio, o que d mais status e atrai
mais clientes. J dissemos que o vesturio estereotipado
cigano em muitos pases costuma ser uma popular
fantasia carnavalesca. O problema que, s vezes,
os prprios ciganos am a usar estas fantasias,
como se fosse seu vesturio tradicional, o que parece
ser o caso principalmente com artistas que apresentam
msicas e danas ditas ciganas, e que por isso no
apenas precisam ser,
mas tambm precisam parecer
ciganos, e de preferncia Kalderash. E para parecer
um cigano, somente usando um estereotipado vesturio
cigano, nem que seja uma fantasia carnavalesca.
No Brasil, alguns ciganos, inclusive, adotaram nomes
artsticos ou fizeram retoques nos seus sobrenomes
portugueses ou italianos (que poderiam denunciar
uma descendncia Calon ou Sinti, menos valorizada
pelos gadj
e pelos prprios ciganos) e deram-lhes uma aparncia
mais balcnica, mais Kalderash, substituindo,
por exemplo, os terminais -ite
e ides
por itch ou -icth, ou -ante
por -anov,
ou algo semelhante.
J
vimos que este processo de kalderashizao tambm
foi observado por Okely na Sucia, entre ciganos
poloneses. bvio que, no Brasil, uma Orquestra
Cigana Francisco Santana Filho, vestindo roupas
de couro dos vaqueiros nordestinos, teria bem menos
chance de obter sucesso do que uma Orquestra Cigana
Ferenc Santanovitch, vestindo-se a
la gitane, com carnavalescas fantasias ciganas
(hngaras, russas ou espanholas), e as mulheres
danando alegremente um csrds hngaro vestindo
roupas de bailarina flamenca espanhola. Trata-se
de uma estratgia artstica legal, adotada mundialmente.
Uma
das caractersticas sempre atribudas aos ciganos
tem sido seu nomadismo, sua vida errante, de modo
que muitas vezes ciganos so identificados como
nmades, e vice-versa. No Reino Unido, para fins
legais, os juizes da Suprema Crte concluiram em
1967 que cigano era uma pessoa que leva uma vida
nmade sem emprego fixo e sem domiclio fixo. Logo
depois, a Caravan
Sites Act de 1968 definiu ciganos como pessoas
com um modo de vida nmade, qualquer que seja sua
raa ou origem, excluindo artistas viajantes ou
pessoas que trabalham em circos viajantes.
Ambas as definies jurdicas so totalmente errneas,
porque na Europa, e inclusive no Reino Unido, vivem
centenas de milhares de nmades que no so ciganos,
no se identificam e nem querem ser identificados
como ciganos, e sabe-se que, por motivos diversos,
hoje apenas uma minoria cigana nmade. Por isso,
para algum ser um verdadeiro cigano, no h porque
exigir que ele tenha uma vida nmade. Ciganos nmades
ainda existem, mas muitos hoje so semi-nmades
ou sedentrios: os nmades viajam regularmente,
os semi-nmades (ou semi-sedentrios) viajam somente
durante parte do ano e ficam em acampamentos fixos
ou em casas e apartamentos durante o resto do tempo;
os sedentrios deixaram de viajar por completo
ou viajam dificilmente, mas nem por isso deixaram
de ser ciganos.
Um
caso talvez raro, mas que certamente no ser o
nico no mundo, so os ciganos que a antroploga
Kaprow encontrou em Zaragoza, na Espanha. Embora
auto-identificados e identificados pelos gadj
como ciganos, no apresentavam nenhuma das caractersticas
normalmente atribudas aos ciganos: viviam em casas,
frequentavam lojas, hospitais, cinemas, como os
outros espanhois, dos quais fisicamente em nada
se distinguiam; falavam apenas espanhol, e no tinham
atividades profissionais especiais, tipicamente
ciganas. Ou seja: nenhuma caracterstica exterior
possibilitava a identificao destes ciganos de
Zaragoza, que no tinham tradies, valores, ideologias,
rituais, culinria, etc. prprias. Mesmo assim se
identificavam e eram identificados como ciganos.
Quem
ento cigano? Dizer, como faz Acton, que cigano
toda pessoa que sinceramente se identifica como
tal
no uma definio satisfatria, por ser unilateral,
porque a identidade tnica, da mesma forma como
a identidade nacional, bilateral e exige tambm
que o grupo tnico, ou a nao, reconhece o indivduo
como membro. A questo bastante complexa porque,
como lembra Willems, em princpio esto envolvidos
quatro partes: os definidos, isto , os ciganos,
as autoridades (Igreja e Estado), os cientistas
e o povo.
Cada uma destas partes pode ter opinies e definies
diferentes sobre quem ou no cigano. Um bom
exemplo de confuso terminolgica oferecido pela
ex-Iugoslvia.
Naquele
pas, em 1990 milhares de individuos tradicionalmente
identificados como ciganos aram a auto-denominar-se
egpcios e exigiram ser reconhecidos como narodnosti
(nacionalidades, ou minorias nacionais, como os
albaneses e hngaros residentes no pas) e no mais
como grupos tnicos, como os ciganos. Informaram,
ainda, terem sido os fundadores do Pequeno Egito,
na Grcia, quatro sculos antes de Cristo. Suas
atividades comerciais os teriam levado at a Macednia
(na ex-Iugoslvia), onde fizeram florescer as cidades
de Ohrid e Bitola, nas quais vivem h sculos. Por
terem sempre adotado as lnguas dos povos com os
quais faziam comrcio, teriam esquecido por completo
a lngua egpcia. Somente muitos sculos depois,
tambm outros imigrantes, os tais ciganos, teriam
chegado ao Pequeno Egito, de onde depois se espalharam
pelo resto da Europa e do Mundo. No censo anterior,
de 1981, quando este movimento ainda no tinha iniciado,
a maioria destes iugo-egpcios declarou ser albans,
enquanto os albaneses legtimos os consideraram
ciganos albanizados.
Para
ns no interessa aqui discutir se esta histria
sobre a origem egpcia, que se baseia numa mais
do que duvidosa histria oral, verdadeira ou apenas
mais uma lenda, uma fantasia. O que interessa
saber que de repente milhares de indivduos (eles
prprios calcularam que eram 100.000), tradicionalmente
denominados ciganos, de repente aram a negar
esta identidade e assumiram outra, tirada de um
ba de lendas, estrias e fantasias, para a qual
reclamaram, inclusive, o status superior de narodnosti
(nacionalidade ou minoria nacional).
Apesar
de todas estas dificuldades, definimos aqui cigano
como cada
indivduo que se considera membro de um grupo tnico
que se auto-identifica como Rom, Sinti ou Calon,
ou um de seus inmeros sub-grupos, e por ele reconhecido
como membro. O tamanho deste grupo no importa;
pode ser at um grupo pequeno composto de uma nica
famlia extensa; pode tambm ser um grupo composto
por milhares de ciganos; nem importa se este grupo
mantm reais ou supostas tradies ciganas, ou se
ainda fala fluentemente uma lngua cigana, ou se
seus membros tm cara de cigano ou caractersticas
fsicas supostamente ciganas.
A
identidade cigana automaticamente transmitida
aos filhos quando ambos os pais so ciganos. No
caso de casamentos mistos, com gadj
- que, embora exceo, sempre existiram geralmente
os filhos s sero considerados ciganos se os pais
residam no grupo ou mantenham vnculos com o mesmo,
e desde que os filhos sejam educados na tradio
cigana, seja ela qual for. A identidade cigana
pode ser perdida, primeiro, por opo individual,
quando o indivduo se desliga consciente e voluntariamente
do seu grupo e a a viver no mundo dos gadj,
assimilando seu modo de vida; segundo, pelo casamento
com gadj e posterior opo pela vida fora do grupo, no mundo gadj,
caso em que tambm os filhos no sero mais considerados
ciganos; e finalmente, por expulso, quando o indivduo,
por ter infringido certas normas grupais, deixa
de ser considerado membro da comunidade cigana.
Quanto
suposta autenticidade e aristocracia dos Kalderash
ou Lowara, subscrevemos a afirmao de Williams
que considera inissvel a distino entre verdadeiros
ciganos, aos quais se atribue uma origem extica
e riqueza cultural, e os outros, que seriam apenas
marginais no mundo cigano.
Ou seja: no existem ciganos autnticos e ciganos
esprios: existem apenas Rom, Sinti e Calon, que
possuem inmeras auto-denominaes, que falam centenas
de linguas ou dialetos, que tm os mais variados
costumes e valores culturais, que so diferentes
uns dos outros, mas que nem por isso so superiores
ou inferiores uns aos outros.
Em
comum todos eles tm apenas uma coisa: uma longa
Histria de dio, de perseguio, de discriminao
pelos no-ciganos, em todos os pases por onde aram,
desde o seu aparecimento na Europa Ocidental, no
incio do Sculo XV.
Captulo
1 6m4k45
A
PRIMEIRA ONDA MIGRATRIA.
No
incio do Sculo XV aparecem na Europa Ocidental
as primeiras notcias sobre viajantes exticos,
indivduos com uma pele escura ou preta e, segundo
muitos cronistas, com uma aparncia horrvel,
e com alguns hbitos nada agradveis.
Viajavam
em bandos de tamanho varivel, de algumas dezenas
at centenas de pessoas. No incio, cada bando era
liderado por algum que se auto-intitulava duque,
conde, voivode etc., de acordo com os ttulos
de nobreza usados nos pases por onde avam.
So estes exticos viajantes estrangeiros, vindos
dos Balcs, os anteados dos indivduos hoje,
no mundo todo, genericamente denominados ciganos
(ou gitanos, tsiganes, gypsies, zigeuner, etc.),
cuja pr-histria e histria antiga at hoje ainda
so praticamente incognitas. No sabemos, por exemplo,
por quais motivos estes bandos ciganos, provavelmente
em pocas diferentes, resolveram migrar dos Balcs
para a Europa Ocidental. Alguns autores afirmam
que foi por causa das guerras contra os turcos,
outros afirmam que foi por causa disto ou daquilo,
mas na realidade ningum sabe nada com certeza.
O nico fato devidamente comprovado que, a partir
do incio do Sculo XV, pequenos bandos "ciganos"
migraram para a Europa Ocidental.
As
primeiras notcias realmente fidedignas datam de
1417, quando vrias vezes h registro de ciganos
na Alemanha. Primeiro em Hildesheim, onde consta
que duas pessoas foram pagas para limpar a casa
na qual ficou hospedado um grupo de Trtaros do
Egito. J em Magdeburg informa-se que durante duas
semanas estiveram na cidade os Trtaros, chamados
ciganos, gente preta, horrvel, tanto os homens
quanto as mulheres, com muitas crianas, que foram
expulsos de seu pas e desde ento vagavam pela
terra. Na feira, e depois diante dos Conselheiros,
se exibiram como acrobatas e saltimbancos: um danava
nos ombros do outro, pelo que receberam um tonel
de cerveja, um boi e po. Em outra cidade, os ciganos
tiveram entre si uma violenta briga que resultou
na morte de um deles; o cigano assassino foi preso
e decapitado pelas autoridades locais.
Um
cronista alemo da poca, o frade dominicano Korner,
informa que veio do Leste um grande nmero de
indivduos errantes (cerca de 300), antes nunca
vistos. Inicialmente apareceram em Lueneburg, visitando
depois as ricas cidades martimas de Hamburg, Luebeck,
Rostock, alm de outras. Segundo o frade, estes
indivduos estranhos viajavam em bandos e pernoitavam
fora das cidades, ao ar livre; eram feios, pretos
como os Trtaros, e se chamavam Secani. Eram liderados
por um conde ou um duque, aos quais obedeciam; eram
grandes ladres, em especial as mulheres, e vrios
deles foram presos e mortos. Korner informa ainda
que eles portavam salvo-condutos fornecidos por
reis, principalmente de Sigismundo, rei da Hungria
e posterior Imperador do Santo Imprio Romano; os
ciganos explicaram que os bispos do Leste os condenaram
a peregrinar durante sete anos, como penitncia
por terem abdicado a f crist e terem voltado ao
paganismo. Em novembro de 1417, um cronista annimo
registra a presena de ciganos na Bavria e menciona
que eles tinham salvo-condutos nos quais constava
que eles podiam furtar de quem no lhes desse esmolas,
e por isso eles roubavam muito, e ningum podia
impedir-lhes isto.
No
ano seguinte, a prefeitura da cidade de Munique
entregou aos ciganos uma boa soma em dinheiro, po,
carne e vinho, como esmola em nome de Nossa Senhora.
Tambm a prefeitura de Frankfurt am Main registra
gastos com ciganos e a prefeitura de Basel, na Suia,
faz o mesmo para o pagamento de seis carneiros e
uma meia carroa de vinho para os ciganos. Alguns
dias depois, estes ou outros ciganos esto em Zurich,
e nesta cidade as informaes, de vrios cronistas,
so bastante confusas. Certo que na cidade estiveram
dois bandos ciganos ao mesmo tempo, mas cada um
com seu prprio lder, e que acamparam fora da cidade,
mas em dois lugares diferentes. No consta que a
prefeitura de Zurich contribuiu para a manuteno
e alimentao destes dois bandos ciganos. Um cronista
informa que os ciganos viviam como cristos, portavam
muito ouro e prata, mas vestiam roupas pobres. Eles
recebiam manuteno e dinheiro dos seus de sua ptria,
no tinham falta de alimentao, pagavam suas comidas
e bebidas e aps sete anos voltariam para casa.
Por sinal, estes ciganos - nos documentos chamados
Zaginer ou Zingri
- diziam ser originrios do Pequeno Egito e
de Igritz e que foram expulsos pelos turcos.
Um
bando cigano mencionado por um cronista que, em
1419, fala de 200 pagos batizados, em quatro
cidades suias. Em Berna ficaram acampados ao ar
livre, fora da cidade, mas at isto lhes foi proibido
por causa dos furtos que cometiam. Os duques e condes
que lideravam estes pagos (= ciganos) andavam
a cavalo e tinham cintos de prata, mas os outros,
os seus sditos, eram pobres; apresentavam cartas
do rei Sigismundo.
Nos
anos seguintes os ciganos ainda merecem vrias menes:
em 1422 registra-se a chegada, em Basel, do conde
Miguel do Egito, com 50 cavalos; o documento fala
de pagos, chamados Sarracenos; j estiveram vrias
vezes antes em Basel e outros lugares; acampavam
ao ar livre e apresentavam cartas do papa Martinho
V, do rei Sigismundo e de outros Senhores, mas
mesmo assim ningum gostava deles. E em 1424 um
cronista da Bavria fala de pequenos grupos de ciganos
(Cingari, ou Cigawnar), s vezes at 30 pessoas,
s vezes menos - ou seja, bandos muito pequenos
de apenas algumas poucas famlias, ou apenas uma
famlia extensa -, nas redondezas de Regensburg,
e que viviam em tendas. No foi permitida sua entrada
na cidade, por causa de sua roubalheira. Ao que
tudo indica, eram originrios da Hungria, mas o
povo acreditava que eram espies. Em 1426, mais
uma vez aparecem ciganos (Gens
Ziganorum) em Regensburg, acampando em tendas,
fora da cidade.
Na
mesma poca, a presena de ciganos registrada
tambm na Holanda, na Blgica e na Frana, onde
j so notcia pelo menos desde 1418, quando aparecem
em Colmar trinta pagos com mulheres e crianas.
Trs dias aps este pequeno grupo ter sado, chegou
um grupo maior de cerca de cem pagos, que se
diziam oriundos do Egito: eram pretos, e as mulheres,
vestindo uma espcie de cobertor, previam o futuro
lendo a mo, e ao mesmo tempo furtavam o dinheiro
dos bolsos dos clientes. No ano seguinte os ciganos
so vrias vezes vistos em outras regies do pas,
e cada vez recebem comida e dinheiro. Em 1419 um
duque cigano viaja com 200 pessoas pela Savia,
enquanto o duque Andr acompanhado por "120
pessoas, ou talvez mais". Um grupo bem menor
de apenas 30 ciganos observado em Arras em 1421,
onde ficam trs dias, e em 1422 ciganos visitam
novamente a cidade de Colmar.
Na
Frana, alguns chefes ciganos apresentam-se como
Conde do Egito Menor na Bomia, Conde dos Bomios
do Egito Menor, ou Duque da nao da Bomia (na
atual Repblica Tcheca, ento parte do Santo Imprio
Romano), pelo que na Frana os ciganos tambm aram
a a ser chamados bomios, ou seja, oriundos da
Bomia.
A
travessia para as ilhas britnicas levou mais tempo
e somente a partir de 1505 h notcias sobre ciganos
na Esccia, na crte do rei Jaime IV. Tratava-se
de um bando de cerca de 60 pessoas, gente pobre
e miservel, liderado por Antnio Gagino, conde
do Pequeno Egito, e que foi bem recebido. Mas aps
alguns meses resolveram ir para a Dinamarca, para
o que o rei Jaime lhes forneceu uma carta de apresentao
para seu tio Joo, rei da Dinamarca. Na Inglaterra
h registro de ciganos a partir de 1513, mas logo
am a ser perseguidos. Em 1540 h novamente registro
de ciganos na Esccia, mas j ento no eram mais
bem-vindos e o rei Jaime V ordena a sua sada do
pas. O conde cigano John Faw afirma ento que pretende
sair do pas e viajar para o Egito, mas treze anos
depois ainda se encontram ciganos na Esccia. Na
Dinamarca, a perseguio aos ciganos inicia a partir
de 1554: proibido hospedar ciganos e quem mat-los
pode ficar com suas propriedades; as autoridades
locais que permitirem a presena de ciganos tornam-se
responsveis pelos danos por eles causados.
Pelo
menos no incio, os bandos ciganos oriundos do Leste
eram liderados por homens com algum real ou auto-atribudo
ttulo de nobreza: conde, duque ou voivode, e h
notcia at de alguns reis ciganos. Apresentavam-se
como penitentes ou peregrinos, com cartas de apresentao
e salvo-condutos de reis, prncipes e nobres, e
at do papa, nas quais estes pediam que se fornecesse
aos ciganos a melhor acolhida possvel, hospedagem,
alimentao e dinheiro.
Fraser
acredita que os ciganos aprenderam o valor destes
documentos observando peregrinos e viajantes europeus
nos portos de Constantinopla ou na Grcia, e resolveram
imitar este exemplo para obter uma fonte de renda
fcil quando decidiram migrar para a Europa Ocidental. E de fato, no nicio do
Sculo XV os primeiros bandos ciganos foram bem
recebidos, com ou (depois sempre mais) contra a
vontade das autoridades locais.
Segundo
Van Kappen, uma das razes para esta boa recepo
era justamente o fato de estes primeiros grupos
ciganos serem liderados por homens que se apresentavam
com ttulos da nobreza europeia, e que realmente
o eram ou pelo menos pareciam s-lo. Consta que
os chefes ciganos montavam belos cavalos - na poca
privilgio dos nobres europeus -, vestiam roupas
luxuosas, ostentavam grande riqueza em ouro, prata
e joas, hospedavam-se nos hoteis mais caros e realmente
se comportavam como nobres; o seu squito era
formado por ciganos comuns, sujos e maltrapilhos,
que andavam a p, avam fome e dormiam ao ar
livre ou quando muito em algum miservel depsito,
armazem ou prdio pblico. No h notcias sobre
tais nobres ciganos na Grcia ou em outros pases,
em pocas anteriores. possvel que at esta aparente
diviso social, econmica e poltica tenha sido
uma estratgia dos ciganos, para obter mais facilmente
o sustento para todos.
Um
outro motivo seria que eles se apresentaram como
peregrinos (existem vrias verses sobre a motivao),
categoria de pessoas que na poca merecia a piedade
crist, hospitalidade e assistncia em alimentos,
bens ou dinheiro.
Mas
os "peregrinos" ciganos eram diferentes
dos outros peregrinos europeus em pelo menos trs
aspectos: (a) eram estrangeiros exticos, de outra
raa desconhecida, e de uma terra longungua e
misteriosa (Pequeno Egito); (b) no se dirigiam
a um santurio especfico, ou Terra Santa, mas
vagavam a esmo pelo Europa, aparentemente sem destino,
viajando de um santurio a outro, na medida em que
descrobiam a sua existncia; (c) no se tratava
de penitentes ou peregrinos individuais, mas de
grupos grandes, de dezenas ou centenas de pessoas.
Fraser
levanta dvidas sobre a identidade cigana destes
duques e condes. Eles podem ter sido ciganos
de verdade, mas tambm podem ter sido no-ciganos
- eventualmente casados com ciganas - que na Grcia
e em outros pases balcnicos foram nomeados para
cuidar da istrao dos ciganos. O que explicaria
talvez o poder que, comprovadamente, eles tinham
sobre os outros ciganos, a sua boa aceitao por
altas autoridades da poca e o seu comportamento
nobre, aparentemente bem diferente do resto do
grupo cigano. E da tambm porque alguns salvo-condutos
e cartas de apresentao informavam que os ciganos
de mau comportamento s podiam ser julgados e punidos
por seus chefes, e no pelas autoridades locais.
No
incio do Sculo XV era comum europeus fazerem peregrinaes
para lugares onde viveram ou estavam enterrados
santos, ou se encontravam relquias, como na Terra
Santa. Muitos deles eram penitentes que contavam
com o apoio da Igreja, e por extenso das autoridades
civis e dos cidados comuns. A caridade crist praticamente
obrigava a todos hospedar, ou no mnimo dar assistncia
alimentar e financeira a estes peregrinos e penitentes.
Da porque em muitas cidades existiam at albergues
especialmente construdos para hosped-los. Obviamente,
muitos vagabundos e mendigos comuns se aproveitavam
disto. Na maioria dos casos, os lugares de peregrinao
ficavam na Europa: Compostella, Roma e muitos outros
lugares hoje menos conhecidos. Porm, entre os peregrinos
andavam tambm muitos nobres abastados, dirigindo-se
Terra Santa. Difcil, quase impossvel, era as
autoridades e o povo em geral distinguirem entre
os verdadeiros e os falsos peregrinos e penitentes,
entre os plebeus e os nobres.
Talvez
por causa disto, j ento nem todo mundo acreditava
nas estrias contadas pelos ciganos. Um cronista
alemo de 1439 informa que: Eles contam falsamente
que so do Egito e que foram forados ao exlio
pelos deuses, e sem vergonha nenhuma fingem estar
expiando, atravs de um banimento de sete anos,
os pecados dos seus anteados que enxotaram a
Nossa Senhora com o Menino Jesus ...... Ao que
Fraser acrescenta que, se foram os prprios ciganos
que inventaram esta estria, eles cometeram um ato
imprudente porque os europeus ainda no sabiam que
naquela poca os ciganos ainda no tinham sado
da ndia, e com esta lenda forneceram aos europeus
mais uma razo para odi-los, da mesma forma como
o anti-semitismo se baseava na acusao de os judeus
terem sido cmplices na crucifixao de Jesus.
Outras estrias, por sinal, tambm falam da participao
dos ciganos na crucifixao de Jesus, seja como
fabricantes dos pregos usados na mesma, seja como
ladres do quarto prego (pelo que s sobraram trs
e os ps tiveram que ser pregados com um prego s).
A Bblia, no entanto, em lugar algum faz referncia
a ciganos. Por isso talvez seja mais provvel que
estas estrias, lendas e fantasias, que ainda tm
vrias outras verses, tenham sido inventadas por
no-ciganos.
Esta
primeira onda cigana na Europa Ocidental, aparentemente
era composta por indivduos relativamente bem comportados,
e cujos lderes se apresentavam no apenas com ttulos
de nobreza, mas tambm com nomes cristos - Andr,
Antnio, Francisco, Miguel, Thoms etc. -, e que
por isso foram bem recebidos pelas autoridades civis
e eclesisticas, das quais costumavam obter cartas
de apresentao e salvo-condutos (que correspondem
mais ou menos aos aportes da atualidade), entre
os quais do rei e posterior imperador catlico Sigismundo
(1410-1437) e do papa Martinho V (1417-1431).
Nos
arquivos do Vaticano nunca se encontrou referncia
a uma carta de apresentao papal, pelo que muito
se tem duvidado de sua autenticidade. Mas quanto
a isto, Van Kappen apresenta uma explicao plausvel:
tanto o rei Sigismundo quanto o recm-eleito papa
Martinho V encontravam-se em 1417-18 em Konstanz,
na Alemanha, onde participavam do Conclio que desde
1414 se realizava naquela cidade; o papa, eleito
neste Conclio, s chegou pela primeira vez em Roma
em 1420 e as cartas de apresentao teriam (ou poderiam
eventualmente ter) sido escritas no em Roma, mas
em Konstanz.
Tambm Gilsenbach fala amplamente deste Conclio,
realizado justamente na poca em que aparecem as
primeiras notcias sobre ciganos nos pases germnicos,
e acredita que os salvo-condutos de Sigismundo,
apresentados por muitos ciganos, sejam verdadeiros,
inclusive porque pelo menos um deles foi assinado
em Lindau, que fica perto de Konstanz, e porque
as experientes autoridades de Hamburgo e de outras
cidades hanseticas, onde estas cartas foram apresentadas,
certamente logo teriam descoberto eventuais falsificaes.
Uma carta papal foi exibida pela primeira vez pelo
duque cigano Miguel, em Basel, Suia, em 1422.
No
foram ainda descobertos documentos sobre a presena
de ciganos nas crtes do rei e posterior imperador
Sigismundo, pelo que desconhecemos os motivos pelos
quais ele emitia to generosamente estes documentos,
mas das duas uma: ou ele gostava muito dos ciganos,
ou ento expedia estes salvo-condutos para se livrar
logo da presena deles. Gilsenbach apresenta uma
terceira hiptese, segundo a qual Sigismundo, por
volta de 1396, utilizou ciganos na sua Cruzada contra
os turcos - ento uma ameaa para seu reino hngaro
- , e depois da vitria os gratificou regiamente
com salvo-condutos.
O
fato de pessoas nobres, em viagem, apresentarem
cartas de altas autoridades civis ou eclesisticas
era comum na poca, mas tambm existia uma florescente
indstria de falsificaes. Hoje, salvo talvez em
alguns casos excepcionais, no h como saber quem
apresentava documentos autnticos ou falsificados.
O que tambm no importa tanto. O fato que, por
via das dvidas, quase sempre estes documentos eram
aceitos pelas autoridades locais que, na poca,
no tinham meios para conferir de imediato a sua
autenticidade, e por isso atendiam aos desejos da
citada autoridade superior.
Muitas
cartas de apresentao parecem, de fato, ter sido
falsificaes grosseiras. Algumas, como a carta
do rei Sigismundo apresentada pelos ciganos em Bolonha,
em 1422, autorizavam os ciganos a roubar impunemente!
Outras informavam que os ciganos s podiam ser punidos
por seus prprios chefes (condes, duques, voivodes
e.o.) e no pelas autoridades locais. Uma outra
carta, supostamente recebida do papa, informava
que os ciganos tinham obtido um meio-perdo dos
seus pecados e que a outra metade s conseguiriam
aps sete anos de peregrinao; uma curiosa e incomum
meia-lavagem da alma! difcil acreditar que alguma
alta autoridade poltica ou eclesistica tenha expedida
cartas deste tipo.
Outro
problema a grande quantidade de duques, condes
e voivodes ciganos perambulando pela Europa, todos
apresentando cartas de apresentao e salvo-condutos
idnticos ou semelhantes. Nos documentos dos sculos
XV-XVI, Gilsenbach descobriu os nomes de cerca de
cinquenta deles; alguns aparecem apenas uma nica
vez, outros reaparecem em pocas e lugares diferentes.
Mas, explica ele, isto no quer dizer que sempre
se tratava da mesma pessoa porque, enquanto um bando
de ciganos possua um salvo-conduto em nome de Toms,
o seu chefe sempre seria chamado Toms, seja qual
fosse seu nome verdadeiro.
A
rica cidade holandesa de Middelburg, por exemplo,
entre 1457 e 1476 foi visitada por no mnimo seis
condes ciganos diferentes: 1457 - conde Constantino,
com grande squito, recebeu 16 florins e prometeu
no voltar mais; mesmo assim voltou em 1460 e o
documento informa que seu bando era formado por
gregos; 1458 - conde Nicolau com 60 seguidores
(recebeu dinheiro, igualmente sob condio de no
voltar mais);
1466 - conde Joo; 1473 - conde Antnio (sob
condio de no hospedar-se com os seus ciganos
na cidade); 1476 - sucessivamente os condes Filipe
e Simo. Antes disto a cidade j tinha sido visitado
por outros condes ciganos, mas cujos nomes no
so mencionados. Na dcada de 90, a cidade seria
visitada por ciganos nada menos do que sete vezes,
e que cada vez receberam uma soma em dinheiro sob
condio de no entrar na cidade e ir logo embora!
No
resta dvida que, por causa destas cartas e salvo-condutos,
os bandos ciganos foram bem recebidos na Europa
Ocidental no incio do Sculo XV. Em janeiro de
1420, um certo Duque Andr do Pequeno Egito, chefe
de um bando cigano, recebeu da prefeitura de Bruxelas,
na Blgica, alimentos, cerveja, vinho, uma vaca,
quatro carneiros e 25 moedas de ouro. Em maro de
1420, o mesmo Andr - que estava viajando com cerca
de 100 pessoas e 40 cavalos - recebeu 25 florins
da prefeitura de Deventer, na Holanda, alm de alimentos,
po, peixes, cerveja, capim para os cavalos e hospedagem
no wanthuis,
uma espcie de armazem, ao lado da prefeitura, que
depois teve de ar por uma limpeza total.
O mesmo aconteceu em 1428 em Hildesheim, na Alemanha,
onde um grupo de ciganos ficou hospedado na casa
da famlia Mollemes; receberam uma pequena esmola
em dinheiro, mas a prefeitura contestou depois os
gastos com iluminao e cerveja; no entanto, concordou
em pagar as despesas para limpar a casa dos Mollemes,
porque a sujeira deixada pelos ciganos deve ter
sido mais do que comprovada.
Na
Alemanha estes salvo-condutos continuam sendo expedidos
pelo menos at meados do sculo XV: em 1442 Frederico
III, Rei do Santo Imprio Romano, fornece salvo-conduto
a Miguel, conde dos Czygenier, vlido em todo
o territrio do reino. Um ano depois, este mesmo
Miguel, Conde dos Ciganos recebe outra carta de
apresentao do Conde Gerhard von Juelich und Berg,
com validade de um ano, na qual este autoriza os
ciganos a viajar por seu condado e comprar todas
as suas necessidades, desde que pagando em dinheiro,
e desde que se comportassem bem e no incomodassem
ningum. Ou seja, j se trata de uma apresentao
com prazo de validade, limitaes geogrficas e
exigindo um comportamento adequado. Em 1448, e mais
uma vez em 1454, este Conde Gerhard fornece uma
carta de apresentao semelhante ao Conde Dietrich
do Pequeno Egito, sempre com validade de um ano.
Porm,
em muitas cidades estas cartas nada valiam. Entre
1448 e 1497 os ciganos aparecem pelo menos treze
vezes na cidade de Frankfurt am Main, e sempre so
logo expulsos. Em 1472 alguns ciganos so at presos
e somente libertos aps terem devolvidos os objetos
furtados.
E no demoraria muito para surgirem dvidas sobre
estas cartas de apresentao e as estrias contadas
pelos ciganos. O cronista Aventinus (nome latino
do alemo Johannes Thurmeyer), escrevendo no final
do sculo, informa que em 1439 estiveram na Bavria
ciganos liderados pelo Rei Zundel: afirmaram ser
originrios do Egito e tinham que errar sete anos
pelo mundo porque, tempos atrs, no deram hospedagem
ao menino Jesus e Nossa Senhora. Aventinus considera
isto uma mentira e acrescenta: Mas o Mundo cego
e quer ser enganado; acham que eles so santos e
que quem lhes fizer mal, ter azar; permitem que
eles furtam e roubam, mentem, enganam de vrias
maneiras...... .
Os
salvo-condutos e cartas de apresentao praticamente
deixam de existir ou de ter valor, em toda a Europa
Ocidental, a partir do final do sculo XVI, e com
eles desaparecem tambm por serem agora inteis
- os lderes ciganos com reais ou falsos ttulos
de nobreza.
Os
viajantes exticos que apareceram na Europa Ocidental
a partir de 1400 - depois chamados ciganos- ,
conforme inmeros documentos histricos (e inclusive
muitas pinturas e peas teatrais) da poca comprovam,
tinham tambm vrios costumes um tanto exticos,
e condenados na poca (como, alis, ainda hoje).
Quase todas estas fontes histricas apresentam queixas
sobre a mendicncia - inicialmente ainda tolerada
nos pases catlicos, mas depois sempre mais severamente
condenada, principalmente nos pases com predominncia
da religio calvinista ou luterana, como no norte
da Holanda ou na Alemanha - ou sobre furtos ou outros
delitos.
Alis,
as fontes histricas praticamente s tratam disto,
mas quase nada informam sobre a lngua que os ciganos
falavam (a maioria dos cronistas nem sequer informa
que eles falavam entre si uma lngua diferente),
sobre sua religio (parece que sempre adotaram logo
a religio do pas no qual estavam viajando), sobre
sua cultura e valores culturais (a no ser que sempre
desrespeitavam escandalosamente a propriedade alheia),
sobre sua organizao social (a no ser que eram
liderados por nobres) e econmica (a quiromancia
e a mendicncia praticadas principalmente pelas
mulheres sempre so citadas, e h algumas referncias
a ciganos artistas, msicos, mdicos, ferreiros,
etc., mas tudo isto insuficiente para escrever
um captulo sobre a economia cigana de ento), sobre
a educao dos seus filhos, e sobre outros tantos
assuntos mais. Por isso no h como estranhar a
averso, e logo depois o dio anti-cigano, em praticamente
todos os pases da Europa.
O
dio contra minorias nunca nasce do absolutamente
nada; sempre estas minorias - no nosso caso, as
minorias ciganas - apresentam reais ou supostos
motivos que para a maioria justifique o seu comportamento
anti-minoritrio. No caso dos ciganos e do anti-ciganismo
europeu, alguns destes motivos so mais do que documentados:
a quiromancia (leitura das mos) pelas mulheres,
e os eternos furtos, praticados principalmente por
mulheres e crianas.
Vejamos
inicialmente o caso do "duque" cigano
Andr - cujo nome reaparece em vrios documentos
- que em 1422 visita a cidade de Bolonha, na Itlia,
onde apresenta a mesma estria que, s vezes com
algumas variaes, tambm contava em outros pases:
tempos atrs tinham renegado a f crist, mas quando
foram vencidos pelo rei Sigismundo da Hungria, o
duque e seus sditos se converteram novamente
f e foram batizados; o rei ento lhes ordenou para
errar pela Europa durante sete anos e visitar o
papa em Roma; somente depois disto poderiam voltar
sua terra; ao chegar a Bolonha, j tinham viajado
cinco anos; diziam que em sua carta, o rei Sigismundo
os autorizava que, nestes sete anos, obtivessem
seu sustento roubando impunemente seja aonde estivessem.
Dito
e feito. Os ciganos ficaram duas semanas em Bolonha,
onde o duque se hospedou no luxuoso Albergue do
Rei; os outros ciganos ficaram debaixo de galerias
e pontes. Principalmente as mulheres ciganas, agindo
em grupos, roubaram tanto de casas e lojas que as
autoridades locais autorizaram aos cidados bolonheses
roubar de volta tudo que lhes foi roubado. Os bolonheses
roubaram ento alguns dos mais belos cavalos dos
ciganos que s foram devolvidos aps a a populao
local ter recuperado grande quantidade dos objetos
roubados. Depois disto, os ciganos partiram em direo
a Roma.
Obviamente, um documento detalhado deste no nasceu
da fantasia de um cronista bbado, mas relata fatos
que realmente aconteceram, como o caso parisiense
a seguir, contado por um cronista annimo que foi
excelente observador e que teve contato pessoal
com os ciganos.
Segundo
este cronista, a cidade de Paris foi pela primeira
vez visitado por ciganos em agosto de 1427 (quando
a cidade estava sob domnio ingls). Na vanguarda
vieram um duque, um conde e dez homens, todos a
cavalo, que se diziam procedentes do Baixo Egito.
O resto do grupo, cerca de 100 a 120 pessoas, chegou
alguns dias depois (mas disseram que quando saram
do seu pas, eram cerca de 1000 a 1200). Em Paris
contaram uma histria confusa, sobre como no ado
tinham sido cristos, mas que depois foram vencidos
pelos sarracenos e obrigados a renegar a f, at
serem novamente vencidos pelo Imperador da Alemanha
(Sigismundo?), o rei da Polnia e outros, quando
voltaram a ser cristos. S que desta vez foram
proibidos de possuirem terras no seu prprio pas,
at o papa concordar com isto. Por isso foram a
Roma, com grande sofrimento, confessaram-se ao papa
e este lhes ordenou que, como penitncia, deveriam
andar sete anos consecutivos pelo mundo sem parar
[o cronista, na realidade diz: sem dormirem em
camas]. Traziam cartas do papa em que este pedia
ao clero que desse aos ciganos ajuda financeira
para eles continuarem sua viagem. Ao chegar em Paris
j teriam viajado durante cinco anos. Realmente,
uma estria comovente!
Como
no podia deixar de ser, tambm em Paris despertaram
grande curiosidade do pblico, em parte por causa
de sua aparncia extica. Mas isto demorou pouco.
Segundo o cronista, alm de serem as criaturas
mais pobres que j foram vistas na Frana, causaram
alguns problemas matrimoniais porque, ao ler as
mos, as ciganas informavam aos homens que tua
mulher te botou chifre (ta femme ta fait coux), e s mulheres que teu marido te foi infiel
(ton mari
ta fait coulpe) e enquanto isto seja por magia
ou por outro procedimento, seja por obra do inimigo
que est no inferno ou por artifcios hbeis, outros
esvaziavam os bolsos dos curiosos, segundo se dizia.
O cronista afirma categoricamente ter visitado os
ciganos trs ou quatro vezes para falar com eles,
e nunca lhe furtaram uma moedinha sequer. Seja como
for, o ento bispo de Paris no gostou nada da histria
e excomungou sumariamente todos (os ciganos) que
praticaram e todos (os no-ciganos) que acreditaram
na tal adivinhao, e que no devem ter sido poucos.
Os ciganos partiram ento para outra cidade.
No
seria esta a nica e ltima interveno clerical
para expulsar os ciganos: em 1435, pela primeira
vez os ciganos aparecem na cidade de Meiningen,
na Alemanha, onde ganham seu sustento como artistas
e saltimbancos; a prefeitura lhes fornece vinho,
carne e po, o que prova uma recepo inicial cordial,
mas aps onze dias, o proco manda expuls-los da
cidade. Os motivos no so citados, mas tambm nesta
cidade a ira do proco deve ter sido causada pelas
atividades adivinhatrias das mulheres ciganas.
Ainda
na Alemanha, o historiador Krantz, que em parte
repete informaes do acima citado Korner de 1417,
acrescenta que os ciganos no tm ptria e vivem
dos furtos cometidos pelas mulheres; viajam de pas
para pas e aps algum tempo voltam. Mas como se
dividiram em vrias partes, dificilmente os mesmos
voltam para o mesmo lugar, a no ser aps longos
intervalos. Por toda parte juntam-se a eles homens
e mulheres que desejam compartilhar sua vida nas
tendas; trata-se de uma estranha mistura de gente,
que fala todas as lnguas, que fica importunando
os camponeses. Trata-se de um documento importante
porque, talvez pela primeira vez, h referncia
a no-ciganos que se juntaram aos bandos ciganos.
Anos
depois, em 1430, na cidade de Konstanz, um cronista
culpa os ciganos - que furtaram, praticaram magias,
adivinharam e leram as mos - de serem os responsveis
tambm pela fome e por uma epidemia, mas que, conforme
o prprio cronista informa, s ocorreram oito anos
depois da visita destes ciganos. Ou seja, j ento
os ciganos eram usados como bode expiatrio para
qualquer desgraa, mesmo ocorrida muito tempo depois
de sua agem pelo local. Alguns anos depois,
em 1436, registra-se a presena de cerca de 400
ciganos em Konstanz, onde um cigano ladro ia ser
enforcado; os ciganos pedem clemncia para o companheiro
e prometem lev-lo para o Egito (sic!); o pedido
foi deferido. Certamente as autoridades municipais
devem ter pensado bem as consequncias de uma eventual
revolta generalizada de cerca de 400 ciganos!
Um
documento da Bavria, de 1439, chama os ciganos
uma raa de ladres, a escria e a ral de vrios
povos .... (que) procura sustentar-se impunemente
furtando, roubando e prevendo o futuro. E outro
documento atesta que a fama de ladro-de-galinha
persegue os ciganos j desde o Sculo XV: numa pea
teatral de um autor suio, escrita por volta de
1475, um campons pede mulher para fechar as portas
do celeiro e prender as galinhas, porque os ciganos
esto chegando!
Salvo
um ou outro assassinato (vrias vezes h registro
de um cigano assassinando outro cigano e, eventualmente,
toda a famlia do inimigo cigano, ou cometendo outro
crime grave), quase todos os "crimes"
cometidos pelos ciganos nesta poca ainda so relativamente
suaves e no am de delitos leves. Em geral
limitam-se ao furto de pequenos objetos carteiras,
frutas e outros alimentos, ou ento objetos domsticos
que costumavam ser vendidos a receptadores no-ciganos,
alm de animais de pequeno porte, como galinhas,
gansos e patos, excepcionalmente um porco; ou ento
tirar leite de vacas pastando no campo, tirar frutas
das rvores, apanhar batatas ou beterabas na roa,
cortar alguma lenha, caar ou pescar ilegalmente,
etc. Mas tudo isto apenas para consumo prprio e
imediato. Consta, tambm, que as mulheres ciganas
s vezes exageravam um pouco na sua nsia de furtar
ou enganar os no-ciganos.
No
norte da Holanda, a maioria dos processos citados
por Van Kappen envolve mulheres ciganas, apanhadas
em flagrante nas cidades, e quase nunca na rea
rural. Uma das causas disto pode ter sido o fato
de as mulheres, quase sempre carregando crianas,
terem mais dificuldade para fugir do que os homens.
Muitas ciganas presas, por sinal, escaparam de serem
aoitadas pelo fato de estarem grvidas. Pelo menos
na Holanda, tambm no se aplicavam punies fsicas
s crianas que, no mximo, tinham que presenciar
os castigos aplicados aos seus pais. Por outro lado,
tambm, tudo indica que eram principalmente as mulheres
que mendigavam e furtavam, com certeza porque elas
inspiravam maior compaixo. Os homens, por sua vez,
exerciam, na medida do possvel, profisses honestas,
como artistas, msicos, domadores de animais, ferreiros,
sapateiros, tratadores de cavalos, veterinrios
e, inclusive, mdicos.
Mas
as ciganas no costumavam mendigar pura e simplesmente,
como os outros mendigos. Aproximavam-se das pessoas
prometendo ler a mo e prever o futuro (quiromancia),
exorcizar maus espritos, ou ento vendiam remdios
para os mais diversos males, o que em si no era
to grave assim. O crime costumava ser cometido
depois. Encontrando donas de casa com problemas
domsticos, amorosos
ou de outra natureza, as ciganas ofereciam
sempre sua ajuda, que quase sempre resultava na
perda de uma considervel quantidade de dinheiro,
joias, ouro ou prata, ingenuamente entregue cigana
para afastar maus espritos, ou para multiplic-la
milagrosamente, ou para recuperar um marido infiel.
Ou encontrando casas com portas ou janelas abertas,
aproveitavam para furtar alguns pequenos objetos.
Consta que uma cigana foi apanhada em flagrante
furtando na casa de um prefeito; outra cigana conseguiu
explorar divinamente a ganncia financeira de uma
madre superiora que lhe entregou todos os objetos
de ouro e prata do convento, afim de milagrosamente
multiplic-los!
Alguns
processos judiciais descrevem com detalhes vrios
truques utilizados pelas ciganas para enganar
otrios das mais variadas espcies, desde mulheres
ciumentas desejosas de recuperar seus maridos
infieis, indivduos ansiosos de multiplicar sem
nenhum esforo a sua riqueza, mulheres estreis
querendo engravidar, moas grvidas desejosas de
abortar, etc.
Seja qual fosse o problema - financeiro,
fsico ou espiritual - , as ciganas sempre tinham
uma soluo para o mesmo. Porm, s vezes tambm
os otrios no-ciganos eram punidos. Um curioso
projeto de lei da municipalidade de Kampen (Holanda),
em meados do Sculo XVI, estabelece que se algum
otrio deixasse se enganar por um cigano e se o
dinheiro ou os bens assim perdidos fossem recuperados,
estes ariam a pertencer ao municpio e seriam
vendidos em leilo pblico! Afinal de contas, a
pessoa foi enganada porque quis, e quem teve o trabalho
de recuperar o dinheiro ou os bens foi a prefeitura.
Queremos
chamar a ateno ainda para uma outra estratgia
para ganhar proteo e dinheiro de no-ciganos influentes
e ricos. Trata-se do batismo mltiplo das crianas
- quatro, cinco ou at mais batismos em lugares
diferentes -, escolhendo-se para padrinhos e madrinhas
pessoas ricas e influentes da sociedade no-cigana,
capazes de darem bons presentes e (talvez principalmente)
futura proteo para o afilhado e os compadres.
O batismo mltiplo para obter vantagens foi constatado
tambm pelo Snodo da Igreja Reformada Holandesa,
em 1612, pelo que resolveram que crianas ciganas
s poderiam ser batizadas se os padrinhos tambm
fossem ciganos; proibiu-se o batismo se os padrinhos
fossem no-ciganos. Consta que depois disto o nmero
de batismos ciganos diminuiu consideravelmente.
O assunto voltou a ser discutido vrias vezes em
outros snodos.
Quase
nada sabemos dos ciganos honestos, mas que tambm
devem ter perambulado pela Europa naquela poca.
As nicas fontes histricas sobre ciganos quase
sempre so processos judiciais que, por definio,
tratam exclusivamente de pessoas criminosas ou supostamente
criminosas e praticamente nada informam sobre as
atividades profissionais das pessoas honestas. Por
sinal, j ento - pelo menos na Holanda, e provavelmente
tambm em outros pases - os mascates e outros que
exerciam profisses ambulantes, como artistas, amoladores
de facas e tesouras, sapateiros e.o., precisavam
de uma licena municipal, renovvel periodicamente.
E esta licena, da mesma forma como a licena para
mendigar, costumava ser dada apenas aos cidados
nativos e negada aos estrangeiros.
Dois
documentos suios, de 1430 e 1444, falam da existncia
de um sindicato (guilde) dos mendigos de Basel,
com suas prprias leis, e cita nada menos do que
26 modalidades de mendicncia. Os ciganos no so
mencionados, mas estes documentos provam que at
a mendicncia profissional e organizada j existia
na Europa daquele tempo.
No
havia, portanto, como um cigano exercer legalmente
uma profisso honesta ou mais ou menos honesta -
nem sequer a de mendigo - pelo menos no nas cidades,
mesmo se o quisesse. Nos documentos holandeses existem
algumas poucas referncias a comrcio e tratamento
de cavalos, e vrias vezes ciganos so citados como
curandeiros ou mdicos que preparavam pomadas e
leos para curar pessoas e animais. Na cidade de
Zwolle, em 1542, um cigano veterinrio remunerado
por ter curado um cavalo. Que gozavam certa fama
na rea mdica prova o fato de um mdico no-cigano
ter resolvido fazer um estgio com os ciganos, para
aprender melhor com eles a arte mdica. Preso, foi
absolvido, por no ser cigano; se tivesse sido cigano,
teria sido condenado, e talvez enforcado, o que
mostra que, j ento, o que importava no era tanto
o crime, mas o fato de ser cigano. Consta que
outros ciganos serviram como tratadores de cavalos
(veterinrios) e mdicos no exrcito onde certamente
eram tolerados por causa de sua reconhecida percia
nestas reas.
Outro
caso amplamente documentado ocorreu na provncia
de Groningen (Holanda), onde em 1706 um grupo de
21 ciganos (entre homens, mulheres e crianas),
sob chefia de um certo Isaac, conhecido como Doutor,
ficou algum tempo em Doccum, vendendo remdios (vrios
tipos de p, pomadas e leos, para cabelo, dor de
dente e febre) e praticando a medicina. O nome Isaac
sugere que talvez no tenha sido um cigano autntico,
mas talvez um judeu casado com uma cigana, que vivia
e viajava junto com um bando cigano. Seja como for,
este Isaac era um competente chirurgio, e outro
cigano do grupo sabia curar epilepsia (vallende ziekte), fraturas e dores de cabea. Um charlato qualquer,
com xaropes e ervas medicinais pode at curar dores
de cabea, mas certamente no fraturas. Ou seja,
tratava-se de uma equipe mdica cigana ambulante,
mas competente. Em Doccum no surgiram problemas,
mas quando se mudaram para Emden foram logo expulsos
embora, como informa o documento, no tivessem praticado
nenhum furto, nem tivessem causado problemas para
a populao. Pouco depois foram presos e expulsos
da cidade de Groningen, mais uma vez sem ter cometido
nenhum crime. Nestes casos j se evidencia a perseguio
aos ciganos pelo simples fato de serem ciganos.
Captulo
2 9w2e
POLTICAS
ANTI-CIGANAS.
Polticas
anti-ciganas na Europa do Norte.
Desde
o seu aparecimento na Europa Ocidental, os ciganos
nunca foram imigrantes bem-vindos e amados, mas
antes considerados um mal necessrio, do qual cada
crte, cada cidade ou cada convento tentava livrar-se
o mais cedo possvel, inclusive pagando para isto.
Na maioria das vezes, as autoridades locais nada
podiam fazer, por causa das cartas de apresentao
e salvo-condutos de altas autoridades civis ou eclesisticas.
Porm, a tolerncia dos europeus teve limites e
as primeiras reaes anti-ciganas no demoraram
a surgir. A tolerncia inicial aos poucos se transformou
em averso, e finalmente em dio. Esta mudana de
atitude ocorreu, com maior ou menor intensidade,
em todos os pases europeus, embora em pocas diferentes,
inclusive variando de acordo com a data da entrada
inicial dos ciganos, e o seu comportamento, em cada
pas.
Na
Holanda, no incio do Sculo XV, o comportamento
dos ciganos ainda relativamente bom, mas por onde
am deixam um rastro de sujeira: os prdios pblicos
nos quais so hospedados, invariavelmente precisam
depois de uma limpeza geral. Os ciganos ainda no
constituem um perigo, porque no vivem assaltando
ou assassinando, mas de qualquer forma sempre mais
se tornam uma presena incmoda por causa dos pequenos
furtos que praticam. Inicialmente ainda so tolerados
dentro das cidades, mas logo lhes proibida a entrada
e devem ficar fora das muralhas. As doaes em dinheiro
e alimentos, inicialmente dadas de boa vontade,
por serem considerados peregrinos ou penitentes,
no somente vo diminuindo em quantidade, mas so
agora dadas para a cidade se livrar o mais cedo
possvel destes visitantes sujos e maltrapilhos,
muitas vezes condicionando-se a doao promessa
de nunca mais voltar.
A
atitude das autoridades municipais de Deventer
um bom exemplo. Inicialmente, em 1420, os ciganos
recebem doaes em dinheiro e alimentos e so hospedados
num prdio pblico. Aparentemente com fama de ser
generosa, a cidade foi novamente visitada por ciganos
em 1429, 1438, 1439 e 1441. Mas j em 1445 e 1447
os ciganos foram proibidos de entrar na cidade e
receberam dinheiro para ir embora, o que se repetiu
mais quatro vezes at 1465, diminuindo sempre mais
a quantia de dinheiro destinada a comprar o afastamento
dos ciganos. J em 1454 dois ciganos foram presos,
acusados de roubo, e em 1505 colocaram na priso
at o filho de um auto-intitulado rei cigano,
tambm por roubo. O que significa que estes ciganos
aparentemente no portavam salvo-condutos, ou que
as autoridades municipais no mais lhes davam valor,
e que os seus ttulos de nobreza j eram considerados
piada de mau gosto.
Em
outras cidades da Holanda aconteceram fatos semelhantes.
Nijmegen hospedou bem os ciganos pela primeira vez
em 1429, mas em 1536 e 1543, foram sumariamente
expulsos da cidade. Em Zutphen os ciganos foram
bem recebidos em 1430, 1445, 1459 e trs anos seguidos
na dcada de 90, mas em 1538 e 1542 foram expulsos.
O primeiro edital anti-cigano foi publicado em 1544
pela provncia de Gelderland. Neste edital consta
que perambulava um grande nmero de ciganos pela
regio e que estes incomodavam a populao, pelo
que todos deviam deixar a regio dentro de dois
dias, sob pena de punio fsica e confisco de bens.
Foi proibido, ainda, fornecer salvo-condutos aos
ciganos e os ttulos de nobreza deixaram de ser
reconhecidos.Consta que em 1551, na mesma provncia, duas
ciganas foram aoitadas e um cigano e trs ciganas
foram banidas; nove anos depois, em 1560, quatro
ciganos foram marcados a ferro e depois banidos.
A partir de ento, as condenaes de ciganos no
param mais, em todas as provncias da Holanda. Van
Kappen cita dezenas de processos envolvendo ciganos
(alguns por ele transcritos, na ntegra, nos anexos).
As penas de morte ainda so raras nesta poca, mas
acontecem. Numa pequena cidade da provncia de Overijsel,
em 1577 foram enforcados quatro ciganos pelos crimes
de terem assaltado muitas casas e, principalmente,
de terem falsificado moedas, coisa simples que,
conforme confessavam, qualquer cigano sabia fazer.
Suas mulheres e crianas foram banidas.
Falsificar dinheiro, alis, parece ter sido uma
velha profisso cigana: j em 1442, cerca de cinquenta
homens ciganos foram presos em Konstanz, sob suspeita
de falsificar dinheiro. Um deles, de fato, confessou
ter falsificado algumas moedas. Por causa disto,
todos os ciganos foram expulsos da cidade e o falsificador
foi marcado a ferro.
Com
tudo isto, os bandos grandes se dividem em grupos
menores de uma ou algumas poucas famlias extensas.
No h mais referncias a reis, duques ou condes
ciganos e com eles desaparece tambm a ostentao
de riqueza: os documentos deixam claro que os ciganos
so pobres e am a ser includos, daqui em diante,
na categoria geral de mendigos e vagabundos. E
de fato, desaparecendo as antigas generosas doaes
de dinheiro e alimentos aos (supostos?) nobres
ciganos, os seus (tambm supostos?) sditos so
obrigados a obterem o seu sustento trabalhando,
mendigando ou praticando pequenos furtos de alimentos,
vesturio ou objetos. Antes, os ciganos com suas
autnticas ou falsificadas cartas papais e salvo-condutos
imperiais ou reais, incomodavam principalmente as
autoridades polticas (imperadores, reis, nobres,
prefeitos) e eclesisticas (bispos, superiores de
conventos, vigrios); a partir de agora am a
incomodar a populao civil em geral, nas cidades
e no campo.
Os
documentos no deixam dvida que todos os ciganos
so pobres e vivem da mesma forma como os vagabundos
no-ciganos, mendigando, furtando, de vez em quando
assaltando. A criminalidade cigana aumenta sempre
mais e so publicados editais que punem os ciganos
apanhados em flagrante. Normalmente no se trata
de editais exclusivamente contra os ciganos, mas
de um modo geral contra pagos (isto : ciganos)
e outros vagabundos, vadios, mendigos, vigaristas
e bandidos. S mais tarde surgem editais que permitem
punir os ciganos pelo simples fato de serem ciganos,
mesmo sem terem cometido crime algum. As punies,
no entanto, so pesadas: aoites em praa pblica
(quase sempre at sangrar), marcao com ferro
quente (geralmente nas costas), corte de partes
do nariz ou das orelhas, para facilmente serem reconhecidos,
tudo isto sempre seguido pelo banimento perptuo
da cidade ou provncia. Em casos de reincidncia,
a pena de morte, principalmente para os homens,
atravs de enforcamento ou decapitao. As mulheres
em geral escapam da pena capital e so apenas banidas,
junto com os seus filhos, para evitar que as autoridades
tivessem que sustentar depois a quase sempre numerosa
prole cigana.
Cada
uma das Sete Provncias Unidas dos Pases Baixos
(Holanda) de ento tinham autonomia poltica e jurdica,
pelo que no existia uma poltica anti-cigana unificada,
nacional. Cada provncia tinha sua prpria legislao
mas, apesar disto, as legislaes sempre eram semelhantes
e muitas vezes uma provncia copiava ou adotava
a legislao de outra. Os banimentos perptuos
eram, portanto, sempre para a cidade ou a provncia
vizinha (s vezes at com direito escolta at
a fronteira, para que se tivesse certeza do afastamento
da praga cigana). O que os vizinhos fariam com
os ciganos, era problema deles. Da porque os ciganos,
para mais facilmente escapar das eternas perseguies,
preferencialmente se fixavam em regies de fronteira,
para facilmente poderem fugir para outro municpio,
outra provncia ou at outro pas.
Na
Holanda, a partir do final do Sculo XVII, sem poder
trabalhar, sem ter onde viver e perseguidos em todas
as provncias da Holanda, os ciganos voltam a reagrupar-se
em bandos maiores, muitas vezes misturados com vagabundos
e bandidos no-ciganos, e em desespero am a
praticar assaltos a mo armada, principalmente no
campo, j que o o s cidades lhes determinante
proibido. Tornam-se comuns notcias sobre assassinatos
de camponeses, incndios de fazendas e outros crimes
pesados cometidos por ciganos, ou por supostos ciganos.
Diante disto, a perseguio tambm se torna mais
violenta ainda e a pena de morte torna-se comum,
aps julgamentos sumrios ou at sem julgamento
algum. So organizadas caas-aos-pagos, permitindo-se
matar impunemente ciganos. Ou seja, oficializado
o genocdio dos ciganos na Holanda, com apoio de
militares.
O
combate envolvia s vezes verdadeiros exrcitos,
pelo menos para os padres da poca. Na provncia
holandesa de Braband foram, em 1723, mobilizados
500 soldados, p ou a cavalo, que atacaram um
acampamento cigano e prenderam 60 pessoas. E na
provncia de Gelderland, em 1725, foram presos cerca
de 50 ciganos, entre homens, mulheres e crianas;
14 mulheres foram aoitadas, marcadas a ferro e
depois banidas (certamente com seus filhos); dez
homens foram torturados e depois decapitados, sendo
suas cabeas espetadas em paus, para exibio pblica.
Editais de 1725 e 1726 da provncia de Overijsel
se referiam aos ciganos como inimigos da ptria
e permitiam matar impunemente ciganos que andavam
com armas de fogo ou em bandos de mais de oito pessoas;
seus bens ariam a pertencer a quem os matasse;
os ciganos presos seriam imediatamente enforcados.
Em outras provncias foram publicados editais semelhantes.
O resultado final podia ser um s: a partir de meados
do Sculo XVIII praticamente no h mais notcias
de ciganos em processos judiciais ou em outros documentos
histricos holandeses: ao que tudo indica, todos
os ciganos tinham sido expulsos do pas, ou ento
tinham sido assassinados.
Em
outros pases, a perseguio aos ciganos foi quase
idntica. Na Suia os ciganos j podiam ser caados
legalmente pelo menos desde 1580 e um decreto da
cidade de Berna, de 1646, autorizava qualquer pessoa
matar ciganos. Na Alemanha (ou melhor, no Santo
Imprio Romano Germnico), entre 1551 e 1774, foram
decretadas nada menos do que 133 legislaes anti-ciganas,
sendo 68 leis no perodo de 1701-50, e apenas oito
no perodo 1751-74, quando a praga cigana, aparentemente,
em boa parte j tinha deixado de existir, ou seja,
quando j sobreviviam bem menos ciganos do que antes.
A
seguir, apenas alguns exemplos de legislaes anti-ciganas:
1711 - na Saxnia foi autorizado matar ciganos se
eles resistissem priso; 1714 em Mainz, todos
os ciganos (homens adultos) podiam ser executados
sem julgamento, apenas pelo fato de serem ciganos,
e suas mulheres e seus filhos deviam ser marcados
a ferro e banidos, ou ento realizar trabalhos forados;
1725 Frederico I, rei da Prssia, decreta que
ciganos - homens e mulheres maiores de 18 anos
podem ser enforcados sem julgamento;
1734 o duque de Hesse-Darmstadt d um ms
para os ciganos deixarem suas terras; depois disto
podem ser aprisionados ou caados, oferecendo-se
6 Reichsthaler para cada cigano vivo, e 3 para cada
cigano morto. Consta ainda que o imperador Carlos
VI ordenou em 1721 a execuo sumria dos homens
ciganos e em 1737 h registro de caas aos ciganos
na Austria. Ou seja, no apenas na Holanda mas em
muitos outros pases existia uma poltica de extermnio
dos ciganos.
Alguns
pases introduziram a pena de morte j bastante
tempo antes. Nas ilhas britnicas, por exemplo,
j em 1541 todos os ciganos deviam deixar a Esccia
dentro de 30 dias, sob pena de morte; na Inglaterra
j em 1530 promulgado o primeiro decreto anti-cigano
e outros decretos ainda mais rigorosos seguem em
1554 e em 1562, este um decreto
vlido para a Inglaterra e o Pas de Gales,
e que ficou em vigor at 1783: os ciganos devem
logo abandonar o pas e a imigrao de novos ciganos
proibida; as punies so severas e incluem castigos
corporais, priso, banimento e em ltimo caso at
a pena de morte.
Na
Alemanha, ustria, Suia e Frana, bem maiores do
que a Holanda e com melhores reas de refgio (montanhas
e florestas), os ciganos nunca chegaram a ser exterminados
por completo, mas mais do que provvel que, por
causa destas severas legislaes anti-ciganas, o
seu nmero tenha sido reduzido drsticamente.
Polticas
anti-ciganas na Pennsula Ibrica.
Na
Espanha, j em 1425 um cigano intitulado Dom Joo
do Egito Menor apresenta um salvo-conduto expedido
pelo rei Afonso V de Aragn; em Barcelona aparecem
em 1447 um duque e um conde cigano com seus
squitos; em Castelln de la Plana so registrados
em 1460, 1471 e 1472. Todos apresentam salvo-condutos
de Afonso V ou do seu sucessor Joo II de Aragn,
alm de outros escritos por Henrique IV de Castilha.
Como sempre os ciganos se apresentam como peregrinos,
mencionam a penitncia imposta pelo papa, etc.,
como j fizeram tambm na Europa do Norte. Estes
primeiros ciganos na Espanha eram comprovadamente
oriundos do norte da Europa, e antes j tinham viajado
pela Alemanha, Holanda e Frana, atravessando depois
os Pirinus em direo Espanha. Mas segundo Fraser,
a partir de 1470, teria havido ainda uma outra imigrao
de bandos ciganos para a Espanha, diretamente da
Grcia via o Mar Mediterrneo, cujos membros se
apresentaram como fugitivos dos turcos, e que no
eram liderados por duques e condes, mas por
homens que eram chamados mestre, chefe, ou capito.
Em
vrios documentos espanhois e portugueses h referncia
origem grega dos ciganos. Na Farsa
das Ciganas, do escritor portugues Gil Vicente,
de 1521, as ciganas dizem que so gregas e falam
com forte sotaque espanhol, o que refora a hiptese
de uma migrao mediterrnea de ciganos gregos diretamente
para o sul da Espanha, e que de l teriam viajado
para Portugal.
Tambm
Torrione se refere a estes ciganos gregos, que falavam
o grego vulgar, e cuja migrao para o oeste teria
iniciado a partir de 1463, quando Veneza, que ento
colonizava partes da Grcia, entrou em guerra aberta
contra os turcos otomanos. A autora cita, inclusive,
versos de meados do Sculo XVI que falam da vida
de unos Griegos Gitanos que van vagando por la
vida humana temidos de los pobres aldeanos. Outro
documento espanhol de 1618 diferencia claramente
os dois tipos de ciganos e informa que alguns so
do Egito e outros da Grcia ... Os Grecianos, em
sua maior parte, so ferreiros, e usam mais o enganar
com palavras, e fraudes, do que os furtos. Os Egipcianos
so vadios, e amigos de andar a cavalo, e usam mais
o furto do que os enganos e embustes.
Tambm
na Espanha os ciganos apresentavam salvo-condutos,
mas pelo menos um destes documentos, de 1476,
diferente pois alm de informar que o conde cigano
Joo se encontrava em peregrinao a Compostella
e Roma, acrescenta que ele era inimigo mortal dos
condes ciganos Martinho, Miguel e Jaime.
Conforme
j vimos, os ciganos chegaram Espanha j na primeira
metade do Sculo XV, vindos da Frana, e inicialmente
foram bem recebidos, participando inclusive de banquetes
reais e recebendo dinheiro, roupas e alimentos.
As fofoqueiras palacianas de ento informam que
isto se devia s qualidades sedutivas das mulheres
ciganas e ao talento dos homens na procura de cavalos
bonitos para os estbulos dos seus amigos......
Mas tambm naquele pas no demoraria muito para
eles serem perseguidos, j a partir do final daquele
sculo. As medidas legislativas anti-ciganas visavam
principalmente a integrao dos ciganos sociedade
espanhola, ou ento a sua expulso do pas, quando
no o extermnio puro e simples.
Entre
1499 e 1534 ordena-se vrias vezes que os ciganos,
dentro de 60 dias, obtenham uma profisso ou um
patro e lhes proibido viajarem juntos, sob punio
de cem aoites e banimento; os reincidentes sero
marcados com um corte nas orelhas, ficaro 60 dias
encarcerados e sero depois banidos; no caso de
nova reincidncia sero escravos de quem os capturou.
Em 1539 a ordem repetida sendo que o prazo de
trs meses; so probidos os deslocamentos de mais
de trs pessoas e s punies acrescentam-se seis
anos de trabalhos forados como remadores nas gals.
A
partir de 1560 so proibidos os deslocamentos de
mais de duas pessoas, ou seja, um casal cigano nem
sequer podia andar na rua ou viajar junto com seus
filhos; os ciganos so proibidos de usarem suas
roupas tradicionais; punio: at dezoito anos de
gals para os ciganos a partir de 14 anos de idade
(dificilmente algum sobreviveria a dezoito anos
de gals); em caso de reincidncia: pena de morte
para os nmades e as gals para os sedentrios.
Em
momento algum a Igreja Catlica se ops a esta perseguio
cruel aos ciganos, antes pelo contrrio, era justamente
ela que talvez mais instigasse os governos a punir
os ciganos. Paban informa que no Conclio de Tarracn,
de 1591, a Igreja pediu aos poderes pblicos que
castigassem os ciganos dos quais apenas consta
que so cristos, mas que na realidade so uns embusteiros,
ladres, vigaristas e viciosos. E no Sculo XVII
o telogo Sancho de Moncada enviou ao rei um amplo
documento em que solicita severa represso aos ciganos,
sua deportao do pas, e defende a pena de morte,
inclusive para as mulheres e crianas ciganas,
porque no h lei que nos obrigue a criar
filhotes de lobos. Neste texto do ento famoso
telogo, os ciganos so ainda chamados: patifes,
uma ral muito perniciosa, espies e traidores da
cora, um povo vagabundo e preguioso, prostitutas,
vadios, bisbilhoteiros, ladres, ladres de crianas,
ladres de cavalos e gado, encantadores, feiticeiros,
adivinhos, mgicos, quiromantes, herticos, idlatras,
ateistas. O padre certamente expressava os esteretipos
dos seus conterrneos. E ele no era o nico que,
citando a bblia, defendia a pena de morte para
os ciganos ou ento o seu banimento perptuo.
Em
1611 ordena-se aos ciganos que trabalhem como servos
para os latifundirios, em atividades agrcolas,
uma mudana profissional radical que obviamente
no teve muito xito. Da porque em 1619 novamente
ordenada a expulso de todos os ciganos do reino,
num prazo de seis mses, ou ento eles tm que fixar
residncia em vilas ou cidades com mais de mil habitantes;
so proibidos o vesturio, a lngua e os nomes ciganos;
punio: pena da morte.
O
resultado parece ter sido nulo, porque em 1633 as
ordens so bem mais rigorosas: o nome cigano deve
desaparecer do vocabulrio e fica proibido algum
chamar-se ou ser chamado cigano, ou seja, uma espcie
de genocdio lingustico: proibindo-se o termo cigano,
acreditam ingenuamente acabar assim com os ciganos.
Mais uma vez os ciganos foram proibidos de realizar
encontros, de usar seu vesturio tradicional, de
falar sua lngua, de morar juntos em determinados
bairros, mas deviam misturar-se com os outros cidados.
Ciganos nmades podiam ser escravizados e h notcias
de caas a ciganos que vagavam pelos campos. Como
na Holanda, tambm na Espanha somente os homens
ciganos eram condenados, s gals ou morte, enquanto
as mulheres eram apenas aoitadas e depois banidas,
junto com seus filhos.
Entre
1633 e 1692 as ordens continuam praticamente as
mesmas: so proibidas as reunies pblicas ou privadas;
os ciganos devem misturar-se ao resto da populao
e nada deve distingu-los; so proibidos o nome
de cigano como tambm o vesturio; as punies so,
para os homens 200 aoites e seis anos de gals,
para as mulheres o desterro e multa financeira;
encontrando-se um cigano fora do local que lhe foi
designado, ser escravo de quem o encontrar; se
for encontrado com uma arma de fogo, oito anos de
gals.
Em
1695 realizado o talvez primeiro censo (ou melhor:
tentativa de censo) cigano no mundo: todos os ciganos,
num prazo de 30 dias, devem declarar sua profisso,
seu modo de vida, armas, cavalos, etc. ....
A seguir tm 30 dias para sair do reino ou
fixar residncia num local com mais de 200 habitantes;
devem dedicar-se a trabalhos agrcolas e so proibidos
de ter cavalos, ou de frequentar feiras e mercados;
os ciganos no podem portar armas e mais uma vez
so proibidos o vesturio e a lngua; aos espanhois
proibido dar proteo aos ciganos. As punies
so: para os homens seis ou oito anos de gals,
e para as mulheres cem ou duzentos aoites e degredo;
para os espanhois nobres que protegem os ciganos
uma multa de 6.000 ducados e para os outros (no-nobres)
dez anos de gals, e para as mulheres cem ou duzentos
aoites e degredo. No final a Lei acrescenta a talvez
primeira definio de ciganos: so aqueles que se
vestem como tais e falam sua lngua.
Em
1717 indicam-se 41 cidades para os ciganos fixarem
residncia, em 1726 os ciganos so proibidos de
apelarem a um tribunal superior e em 1731 comea
a inspeo das residncias ciganas para verificar
se obedecem s ordens e proibido o comrcio com
os ciganos; falta de zelo na aplicao das leis
pode custar uma multa de 200 ducados. Em 1745 as
ordens so mais violentas: dentro de quinze dias
os ciganos tm que fixar residncia nos lugares
indicados, permitido disparar contra os ciganos
e mat-los, e as igrejas no podem mais dar asilo
a ciganos. No ano seguinte so acrescentadas outras
35 cidadas s 41 que j foram indicadas para residncia
dos ciganos, mas as famlias ciganas sero distribudas
na proporo de uma para cada cem habitantes e somente
uma famlia cigana para cada rua. Mais uma vez lhes
proibido o uso da roupa tradicional e de sua lngua.
Porm, nada disto foi suficiente para acabar com
a praga cigana na Espanha.
Para
a perseguio aos ciganos, a Cora espanhola sempre
pde contar com o apoio da Igreja Catlica, inclusive
quando se tratava da elaborao de estratgias genocidas.
E assim, em 1746, o Bispo de Oviedo props a primeira
razia cigana a nvel nacional de que se tem notcia:
numa determinada noite, todos os ciganos, em toda
a Espanha, seriam presos e depois usados em trabalhos
forados e seus bens vendidos. O rei aceitou o conselho
do bispo e o ataque foi realizado no fim de junho
de 1749, com apoio militar. Cerca de nove a doze
mil ciganos foram presos; muitos deles foram assassinados. O que a Igreja e a Cora
no previram era o que fazer com tantos milhares
de ciganos presos. Houve quem propusesse a deportao
dos ciganos para as colnias, mas esta idia no
chegou a ser aprovada. E assim, em pouco tempo,
tudo voltou ao normal e no restou outra alternativa
a no ser soltar a quase totalidade das famlias
ciganas.
Existia,
portanto, uma desesparada e, diga-se de agem,
infrutfera, poltica de integrar os ciganos na
sociedade espanhola, atravs da eliminao de todas
as diferenas culturais (vesturio, lngua, nome,
identidade, etc.). Os que no se transformassem
em bons cidados espanhois sedentrios, eram expulsos
do pas ou, em ltimo caso, eliminados fisicamente.
Da porque ainda em 1783 uma ordem repete apenas
textos anteriores: o vesturio, o modo de vida e
a lngua so proibidos; todos os ciganos devem fixar
residncia dentro de noventa dias; o nome cigano
proibido e deve ser tirado dos documentos; punio
para os reincidentes: a morte.
Como
no podia deixar de ser, muitos ciganos fixaram,
compulsoriamente, residncia nas cidades e aram
a exercer outras atividades profissionais. Muitos,
tambm, devem ter sido condenados s gals ou
morte. Mas os documentos deixam claro que muitos
ciganos se refugiaram em regies inspitas da Espanha,
ou ento em outros pases, como o vizinho Portugal.
No entanto, a Espanha no chegou a deportar ciganos
para suas colnias americanas, embora haja notcia
de ciganos deportados para a frica. Antes pelo
contrrio, em 1570 chegou-se at a proibir a entrada
de ciganos nas Amricas, e em 1581, tendo notcia
que alguns ciganos secretamente tinham conseguido
emigrar e estavam perturbando os ndios, o rei mandou
repatri-los. S que no conseguiram mais encontrar
os ciganos.
Em
Portugal as primeiras referncias a ciganos aparecem
no final do Sculo XV e logo comea tambm a perseguio
aos ciganos. Em 1526 proibida a entrada de ciganos
em Portugal e decretada a expulso daqueles que
j se encontravam no pas. Em 1538, o rei, Vendo
eu o prejuzo que se segue de virem a meus reinos
e senhorios ciganos, e neles andarem vagando pelos
furtos e outros malefcios que cometem e fazem em
muito dano dos moradores..., proibe a entrada de
ciganos, devendo os transgressores serem presos,
publicamente aoitados e depois expulsos. Quem voltar,
deve ser novamente aoitado e perder tudo que
tiver e lhe for achado: a metade para quem o acusar,
e a outra metade para a Misericrdia (uma instituio
de, real ou virtual, caridade da Igreja Catlica)
do lugar onde for preso. Em 1557 novamente proibida
a entrada de ciganos em Portugal e s penas j existentes
acrescenta-se a pena s gals para os homens ciganos.
Em
1579, num alvar sobre os ciganos, o rei novamente
ordena que os ciganos devem sair do pas num prazo
de trinta dias, e acabados os ditos trinta dias
qualquer cigano que for achado nos ditos meus reinos
por esse mesmo feito ser logo preso e aoitado
publicamente no lugar onde for achado e degradado
para sempre para as gals posto que tenha proviso
do dito senhor Rei meu avo ou minha para poder estar
ou andar nestes reinos.... Conforme se v, havia
excees e a alguns ciganos era permitido permanecer
no pas, inclusive queles que vivem bem e que
trabalham e no so prejudiciais, lhe podero dar
licena, no permitindo que vivam juntamente em
um bairro, seno em bairros apartados [separados],
e que andem vestidos ao modo portugus.... Em 1592,
sob pena de morte, os ciganos recebem um prazo de
quatro meses para sedentarizar-se ou ento abandonar
o pas.
Apesar
disto, havia ciganos que continuaram a perambular
pelo pas, conforme prova um documento da Cmara
Municipal de Elvas, de 1597, que tambm mostra que
muitos crimes cometidos por portugueses eram atribudos
aos ciganos:
...
foi acordado que comvinha ao bem pubrico e quieta
desta cidade n se comsemtirem nella os siganos
que os dias pasados se vier avisinar com precatorio
do corregedor do crime da Sidade de Lisboa, por
quanto desde dito tempo pera ca se tinha feito muitos
furtos de bestas e outras coizas e amdava a gente
da sidade t escamdalizada que se temia hum mutim
comtra elles, maiormente depois que ouve alguns
furtos que conhesidamente se soube serem feitos
por elles; posto que as testemunhas n sabem expesificaidamente
quais dos ditos siganos o fizesse; e alem diso por
esta cidade ser de gemte belicoza e da raia e acim
de comtino acomtesem muitos crimes de diveras maneiras,
os quais se emcobrem dibaicho desta capa de diserem
que os fiser os siganos, pello que determinar
que fossem noteficados que demtro em tres dias se
saicem desta cidade.....
Uma
ordenao de 1603, com o ttulo: Que no entrem
no Reino Ciganos, Armenios, Arabios, Persas, nem
Mouriscos de Granada, proibe novamente a entrada
de ciganos e prev pena de aoites e sua posterior
expulso, independente de terem cometido algum crime
ou no. E se no sairem, ou voltarem, como j foi
dito em 1538, sero outra vez aoitados e perdero
seus bens (metade para o acusador e metade para
a Misericrdia). A mesma punio valia tambm para
os portugueses que andavam com os ciganos, e que
alm disto seriam degredados dois anos para a frica.
Num
documento de janeiro de 1613, o rei Dom Philipe
lembra a existncia de um alvar de 1606, contra
os ciganos, e que no estava sendo cumprido, da
mesma forma como outras ordenaes, nem as penas
que nelas se declaram so bastantes para eles sairem
fora do Reino, antes continuam em roubos e danos,
que fazem a meus vassalos com geral escndalo, sendo
tudo em grande prejuzo seu, e dano do Reino.....
Diante disto, o rei edita um novo lvar, em que
solicita que suas ordens sejam rigorosamente cumpridas,
e aumenta as penas para os ciganos: se presos pela
primeira vez, aoites e trs anos de gals; na segunda
vez, aoites e seis anos de gals; na terceira vez,
aoites e dez anos de gals. O nmero de aoites
aparentemente ficava a critrio dos juizes que daro
[aos ciganos] tempo conveniente (que no ar
de um ms) para que se saiam do Reino.
Parece
que, mais uma vez, pouco adiantou, porque j em
setembro do mesmo ano acrescenta-se: E porque sou
informado, que o dito Alvar se no cumpre e executa,
e que andam muitos ciganos por este Reino vagando
em quadrilhas cometendo muitos excessos e desordens
.... E mais uma vez o Rei solicita que suas ordens
sejam cumpridas, dando-se aos ciganos um prazo de
quinze dias para deixar o pas, sem embargo de
quaisquer licenas que tenham para nele residirem,
posto que sejam por mim assinadas, ou que lhes fossem
adas cartas de vizinhana, as quais todas anulo
e as hei por de nenhum efeito. E ado o dito
termo de quinze dias se executar em quaisquer ciganos,
que forem achados, a pena de aoites e gals, pela
maneira que no dito alvar se declara; e nas mulheres
a pena de aoites somente.
Conforme
se v, todos os documentos oficiais portugueses
ordenavam aos ciganos sair do pas. Mas abandonar
o pas como, se Portugal s tem limites terrestres
com um nico pas, a Espanha, onde os ciganos tambm
eram perseguidos? Os ciganos portugueses simplesmente
no tinham para onde fugir, e o governo portugus
no tinha para onde expuls-los na Europa. Da talvez
porque em 1649 seria ordenada a deportao dos ciganos
para as colnias ultramarinas. Num alvar daquele
ano, o Rei reconhece o fracasso das leis anteriores,
pelo que manda prender os ciganos e deport-los
para as colnias:
Eu
El Rey ..... por se ter entendido o grande prejuizo
e inquietao que se padece no Reino com huma gente
vagamunda que c o nome de siganos andam em quadrilhas
vivendo de roubos enganos e imbustes contra o servio
de Deus e meu. Demais das ordenaes do Reino, por
muitas leis e provises se precurou extinguir este
nome e modo de gente vadia de siganos com prizoens
e penas de asoutes, degredos e gals, sem acabar
de conseguir; e ultimamente querendo Eu desterrar
de todo o modo de vida e memoria desta gente vadia,
sem asento, nem foro nem Parochia, sem vivenda propria,
nem officio mais que os latrocinios de que vivem,
mandey que em todo Reino fossem prezos e trazidos
a esta cidade [Lisboa], onde serio embarcados e
levados para servirem nas comquistas divididos.....
.
Exceo
feita apenas para os mais de 250 ciganos que estavam
servindo no exrcito portugus, nas fronteiras,
e um dos quais um documento de 1646 elogia bastante:
[O cigano] Jeronimo da Costa..... serviu a V. Majestade
trs anos contnuos nas fronteiras do Alentejo,
com suas armas e cavalo, tudo s suas custas, sem
levar soldo algum, franca e fidalgamente ..... at
que na Batalha do Campo de Montijo foi morto com
muitas feridas, pelejando sempre mui esforadamente
.
Infelizmente, o abnegado heroismo deste e de outras
centenas de ciganos em defesa da ingrata ptria
portuguesa - por ser uma caracterstica positiva
- nunca ou a ser um esteretipo sobre os ciganos
lusitanos ou os ciganos em geral. J naquele tempo,
como ainda hoje, os esteretipos costumavam lembrar
apenas a qualidades negativas: quando um cigano
faz algo positivo, ele citado nominalmente, como
caso nico, como exceo; quando algum cigano comete
um crime, seu nome no costuma ser citado e trata-se
apenas de um cigano, que apenas confirma a suposta
regra de que todos os ciganos so criminosos, e
nunca ser considerado uma exceo entre outros
tantos ciganos honestos.
Inicialmente
os ciganos eram deportados para as colnias africanas,
principalmente para Angola e Cabo Verde, talvez
por estarem geograficamente mais prximas, mas em
1686 uma Proviso muda o degredo da frica tambm
para o Maranho, no Brasil:
E
quanto aos que j so naturais, filhos e netos de
portugueses (porm com hbito, genero e vida de
ciganos), os obrigareis a tomarem domicilio certo,
donde no podero sair nem mudar sem minha especial
licena, nem possam andar vagabundos em quadrilhas
pelo reino ..... e em aqueles que encontrarem a
Lei sobre eles estabelecida a fareis executar na
forma que nela se contm, com declarao que a dita
Lei d para frica sejam para o Maranho .
A
ordem repetida em outro decreto do mesmo ano:
Tenho resoluto que com os ciganos e ciganas se
pratique a Lei, assim nesta Corte, como nas mais
terras do reino; com declarao que os anos que
a mesma Lei lhes impem para frica, seja para o
Maranho. Mais uma vez, aparentemente tudo em vo,
porque num documento de 1694 o Rei informa ....
que os ciganos nascidos neste Reino continuam em
seus excessos e delitos, sem tomarem genero de vida
nem ofcio de possam sustentar-se, vivendo arranchados
e juntos em quadrilhas, trazendo os mesmos hbitos
e trajes de ciganos, sem terem domiclio certo ....
Ordena ento que os ciganos saiam de Portugal dentro
de dois meses, com pena de morte e ado o dito
termo sero havidos por banidos, e se praticar
com eles a pena do banimento na forma da lei, assim
e do mesmo modo que tenho resoluto com os ciganos
castelhanos que entraram neste Reino....
Ainda
no mesmo ano, em outro documento, o rei Dom Pedro
volta a falar da imigrao de ciganos espanhois,
e repete praticamente as mesmas ordens do documento
anterior:
...
por quanto sou informado que pelas raias deste Reino
tem entrado muitos ciganos castelhanos, os quais
haviam cometido muitos e vrios crimes, e porque
convm evitar o grande prejuizo que de homens to
licenciosos e criminosos se pode seguir aos meus
vassalos. Hei por bem e vos mando que ..... todos
que tiverem entrado neste Reino saiam dele em termo
de dois meses, com pena de morte, e ado o dito
termo sero havidos e banidos e se praticar com
eles a pena de banimento na forma da lei... .
Em
1708, mais uma vez dito que os ciganos que se
recusassem a obedecer s ordens seriam punidos com
aoites e degredados pelo tempo de dez anos:
Hei
por bem, e mando que no haja neste Reino pessoa
alguma de um, ou de outro sexo, que use de traje,
lngua, ou giringona [dialeto] de ciganos, nem
de impostura das suas chamadas buenas dichas;
e outrosim, que os chamados Ciganos, ou pessoas
que como tais se tratarem, no morem juntos mais,
que at duas casas em cada rua, nem andaro juntos
pelas estradas, nem pousaro juntos, por elas, ou
pelos campos, nem trataro em vendas, e compras,
ou troca de bestas, seno que no traje, lngua e
modo de viver usem do costume da outra gente das
Terras; e o que contrrio fizer, por este mesmo
fato, ainda que outro delito no tenha, incorrer
na pena de aoites, e ser degradado por tempo de
dez anos; o qual degredo para os homens ser de
gals, e para as mulheres, para o Brasil .
Ou
seja, pelo menos segundo este documento de 1708,
apenas as mulheres ciganas (talvez com seus filhos
menores, mas certamente sem os seus maridos e filhos
maiores, condenados s gals), eram deportadas para
o Brasil, onde comprovadamente existia uma enorme
escassez de mulheres brancas para os colonizadores
portugueses que no quisessem ou, dependendo de
sua posio social, no pudessem casar com uma
ndia ou com uma escrava negra africana, por sinal,
um casamento durante muito tempo proibido.
Em
vrios documentos citados acima h referncia
pena de morte. No entanto, ao contrrio da Espanha
e de outros pases europeus, Portugal parece ter
evitado ao mximo a pena da morte, preferindo o
banimento dos ciganos para suas colnias ultramarinas,
na frica ou no Brasil.
Captulo
3
A SEGUNDA ONDA MIGRATRIA.
A
Segunda Onda Migratria de ciganos para o Ocidente
ocorreu a partir de meados do Sculo XIX, aps a
abolio da escravido cigana na atual Romnia (ento
Moldvia e Walquia). No entanto, esta no pode
ser considerada a nica causa desta nova onda migratria,
inclusive porque muitos ex-escravos ciganos continuaram
trabalhando para seus antigos proprietrios, em
condies no muito diferentes das anteriores. Ainda
hoje a populao cigana romena uma das maiores
da Europa.
Outros
fatores que certamente tambm influenciaram, foram
a misria em que viviam enormes parcelas da populao
rural e urbana europia no final do Sculo XIX e
incio do Sculo XX, alm das duas Guerras Mundiais
que provocarem enormes migraes internas e externas,
e que fizeram com que milhes de europeus procurassem
melhores condies de vida em outros pases, ou
at em outros continentes. Entre estes migrantes
com certeza encontravam-se tambm ciganos Rom, embora
nunca (auto) identificados como tais, porque apresentavam
aportes alemes, italianos, romenos ou de outras
naes, pelo que hoje impossvel saber quantos
ciganos entraram num determinado pas examinando
os registros de entrada de "imigrantes estrangeiros".
A declarada (suposta ou real) identidade nacional
de origem uma coisa; outra coisa bem diferente
a identidade tnica, nunca declarada porque nunca
solicitada a ser declarada.
Na
Europa Ocidental, a chegada destes milhares de novos
migrantes ciganos oriundos do Leste fez com que
alguns pases criassem ou repensassem suas polticas
ciganas. De um modo geral, estas polticas sero
anti-ciganas, culminando na Alemanha nazista com
o holocausto cigano. E mesmo aps a II Guerra Mundial
as minorias ciganas continuaram sendo discriminadas,
apesar de inmeras recomendaes bem intencionadas
a favor dos ciganos feitas por rgos internacionais
como a Organizao das Naes Unidas ou o Conselho
da Europa.
A
Terceira Onda Migratria inicia a partir do colapso
dos regimes comunistas na Europa do Leste, a partir
de 1989, quando novamente dezenas de milhares de
ciganos migram ou se refugiam na Europa Ocidental
ou nas Amricas. E mais uma vez, na mesma proporo
crescer tambm o anti-ciganismo.
Sobre
o total da atual populao cigana na Europa Ocidental
existem apenas estimativas. Isto em parte porque
os censos demogrficos no costumam incluir perguntas
sobre a identidade tnica das pessoas. E mesmo
se o fizessem, com certeza muitos ciganos negariam
sua identidade, com medo de posteriores discriminaes
e perseguies.
Acrescenta-se
ainda um outro problema: em muitos pases os censos
incluem os ciganos numa categoria mais ampla de
indivduos, existentes h sculos e inclusive antes
da chegada dos assim chamados ciganos, que tambm
tm uma vida nmade, mas que no so ciganos.
Na Inglaterra estas pessoas so denominadas "viajantes",
na Frana "gente de viagem" ou "pessoas
sem domiclio fixo", na Holanda
"moradores de trailers". Outras
minorias nmades no-ciganas, existentes na Europa
h sculos e que falam lnguas prprias, so os
Tynker irlandeses, e os Jenisch, de origem alem,
mas hoje encontrados tambm na Frana e na Itlia.
Na
Frana calculou-se, em 1991, a existncia de cerca
de 250.000 "gens du voyage" (gente de
viagem), termo que inclue ciganos e no-ciganos
sem residncia fixa. Mas, apesar do nome, apenas
70.000 eram realmente nmades, 70.000 eram semi-nmades
e cerca de 110.000 eram sedentrios.
No se sabe quantos deles so ciganos e quantos
so no-ciganos. Segundo Delamon: "No existem
dados cientificamente levantados e suficientemente
detalhados sobre os ciganos. Isto, porque a sociedade
cigana no se apresenta de maneira homognea e
no fcil determinar seus limites". Da talvez porque na Frana
no existem leis especficas para os ciganos, mas
apenas uma ampla legislao para gente de viagem
e pessoas sem domiclio fixo, legislao esta vlida
tambm para os ciganos.
Tambm
na Holanda, os nmeros oficiais incluem, alm dos
ciganos, ainda outras pessoas que levam ou levavam
uma vida nmade (atualmente a quase totalidade delas
sedentarizada). So os "habitantes-de-trailers"
(woonwagenbewoners),
pessoas de nacionalidade holandesa, que tm ou
tinham uma vida nmade, geralmente devido s suas
atividades econmicas (arteses, circos, parques
de diverses etc.), ou que apenas moram em trailers,
quase sempre por motivos econmicos (no tm casa
prpria e no podem ou no querem pagar aluguel).
No constituem, portanto, um grupo tnico diferenciado,
mas apenas um grupo social com caractersticas
prprias. A partir do incio do Sculo XX foram-lhes
indicados locais especiais para acampamento
na periferia das cidades e vilas, o que aumentou
ainda mais a sua marginalidade. Muitas vezes so
confundidos com ciganos, j que seu estilo de
vida praticamente idntico. Apesar disto, no
se consideram ciganos, nem so considerados
ciganos pelos ciganos autnticos ou pelos holandeses
em geral. A populao nmade total avaliada em
cerca de 20.000 a 35.000 pessoas, das quais apenas
umas 4.000 so ciganos. Os ciganos holandeses
(com nacionalidade holandesa) esto sujeitos s
leis comuns que valem para qualquer cidado holands;
para os ciganos estrangeiros vale a legislao
sobre estrangeiros; no existe uma legislao
especfica para ciganos.
Na
Gr-Bretanha, Acton
distingue nada menos do que dezoito denominaes
usadas para designar ciganos e nmades, mas que
hoje preferem auto-denominar-se romani, no caso
dos ciganos, ou viajantes (travellers),
no caso de nmades ciganos e no-ciganos, por causa
da imagem negativa atribuda ao termo cigano,
e a discriminao decorrente disto.
E
para completar as incertezas demogrficas: todos
estes clculos sobre ciganos no costumam incluir
os ciganos que residem em casas ou apartamentos,
porque no h como obter informaes confiveis
sobre eles, nem sequer em censos oficiais, pelo
que normalmente se conta apenas o nmero de trailers
estacionados nos acampamentos, e estima-se 3 a 5
habitantes por trailer.
Uma
recente estimativa a de Ligeois que obteve seus
dados atravs de renomados ciganlogos europeus.
Mesmo assim, os nmeros por ele apresentados incluem
viajantes ciganos e no-ciganos porque, como
ele informa: "a distino entre ciganos e
viajantes nem sempre clara, e a pergunta quem
cigano e quem viajante no encontra resposta
e em certos contextos de nenhuma importncia:
grupos intermedirios podem ter-se formado h
muito tempo e continuam a ser formados".
Segundo
Ligeois, em 1994 a populao nmade cigana e no-cigana
na Europa Ocidental seria: Alemanha 110 a 130.000;
Astria 20 a 25.000; Blgica 10 a 15.000; Dinamarca
1.500 a 2.000;
Espanha 650 a 800.000; Frana 280 a 340.000;
Holanda 35 a 40.000; Irlanda 22 a 28.000; Itlia
90 a 110.000; Noruega 500 a 1.000; Portugal 40 a
50.000; Reino Unido 90 a 120.000; Sucia 15 a 20.000;
Suia 30 a 35.000.
Repetimos
mais uma vez: todos estes nmeros se referem no
populao cigana, mas apenas e to somente populao
nmade cigana e no-cigana! Sobre o total da populao
cigana nmade, semi-sedentria e sedentria, na
realidade ningum sabe absolutamente nada com certeza
e muitos "ciganlogos" europeus apresentam
nmeros completamente diferentes, maiores ou menores.
Por isso, tambm as estimativas da populao cigana
europia (incluindo a Europa Oriental) variam enormemente,
de 2 a 15 milhes de pessoas. Para o desespero dos
demgrafos, ainda hoje os ciganos so um verdadeiro
enigma, uma populao na realidade impossvel de
ser contada em qualquer pas do mundo. Mesmo na
Europa, quase sempre as estimativas sobre a populao
cigana so feitas apenas na base do 'chutmetro',
adivinhando-se ou fantasiando-se um nmero qualquer,
sem qualquer base emprica, sem que tenha sido realizada
qualquer pesquisa demogrfica sria e confivel.
Na maioria das vezes, as informaes demogrficas
ciganas no am de mera fantasia, quando no
de mentiras ou dados propositalmente falsificados.
Difcil,
praticamente impossvel, generalizar sobre o anti-ciganismo
na Europa Ocidental a partir de meados do Sculo
XIX, porque as polticas e legislaes anti-ciganas
diferem consideravelmente de um pas para outro.
Sobre vrios pases praticamente no existem informaes.
Diante da impossibilidade prtica de tratarmos aqui
de todos os pases da Europa Ocidental, vejamos
sumariamente o anti-ciganismo apenas na Holanda
e na Frana, de meados do sculo XIX at os dias
de hoje. O
anti-ciganismo alemo ser visto num captulo separado.
Ciganos
na Holanda.
Somente
em 1868 apareceram novamente notcias sobre ciganos
na Holanda, a saber, sobre caldeireiros hngaros
(Kalderash) e domadores de ursos (Ursari) da Bsnia
que logo aram a ser chamados ciganos.
Viajavam em grupos familiares; os Kalderash
dormiam em tendas, os Ursari ao ar livre. O governo
central logo os classificou como indesejveis, mas
as autoridades locais - prefeitos e delegados policiais
- no registraram queixas, porque estes ciganos
trabalhavam honestamente para ganhar o seu sustento
e viviam at numa situao econmica razoavelmente
boa. A maioria destes Kalderash e Ursari no se
fixou na Holanda; ao que tudo indica, pelo menos
uma parte deles tentou migrar para a Inglaterra
(e de l certamente para os Estados Unidos), onde
tambm no foram bem recebidos, pelos prprios ciganos
ingleses.
No
incio do Sculo XX registra-se na Holanda a presena
de comerciantes de cavalos (Lovara), msicos e artistas
(Sinti) que, como possuam aportes de outros
pases europeus, inicialmente no foram identificados
como ciganos e por isso tambm no foram perseguidos.
Isto porque a Lei dos Estrangeiros de 1849 permitia
a entrada de estrangeiros com aportes e meios
de sobrevivncia. O fato de sua entrada no pas
ter sido permitida, prova que estes ciganos possuam
meios honestos de subsistncia, provavelmente como
comerciantes, arteses ou artistas. Em 1904, no
entanto, o Ministrio responsvel por este assunto,
numa circular secreta, pediu aos prefeitos para
ignorar esta lei quando se tratasse de ciganos,
e de expuls-los de qualquer forma do pas. A Polcia
de Fronteira, subordinada ao Ministrio, recebeu
ordens para agir com mais rigor contra os ciganos,
que aram a ser considerados estrangeiros indesejados.
Consta que a polcia de fronteira de fato agia com
rigor, muitas vezes at excessivo, mas as prefeituras
e suas polcias locais, de um modo geral, ignoraram
a circular.
No
Sculo XIX, na medida em que melhoram suas condies
de vida, os vendedores e arteses ambulantes no-ciganos,
como tambm os ciganos, comeam a usar carroas
puxadas por cavalos para transportar suas mercadorias
ou ferramentas de trabalho. Aos poucos estas carroas
am a ser cobertas com lona e usadas tambm para
dormir, e finalmente para morar. Estas casas-sobre-rodas
(woonwagens) so inicialmente bem precrias, e os ciganos e viajantes
costumam estacion-las em qualquer lugar, de acordo
com suas necessidades, o que leva o governo holandes
a editar uma lei, a Woonwagenwet
de 1918, que, entre outras coisas, exige o emplacamento
e licenciamento das carroas, regulamenta seu tamanho,
divises internas, materiais de construo, etc.
Mas tambm no permite mais a expulso dos viajantes
e ciganos pelas autoridades municipais, como estas
costumavam fazer antes, e obriga as prefeituras
a indicar lugares de estacionamento fixos e a construir
acampamentos devidamente equipados com energia eltrica,
gua e instalaes sanitrias, escola, igreja, casa
comunitria etc.
A
situao piorou a partir de 1928, quando um funcionrio
do Ministrio de Relaes Exteriores observou uma
cigana viajando num bonde numa cidade no sul do
pas, na fronteira com a Alemanha. Irritado, solicitou
explicaes s polcias local e regional e exigiu
a deportao da cigana e de sua famlia. Ficou ento
sabendo que no havia como nem por qu expulsar
estes ciganos, porque eram pacatos cidados holandeses
e pertenciam a uma famlia sedentria bem conhecida
e ordeira que vivia h muito tempo na regio, com
todos os documentos e licenas em ordem.
Inconformado,
o funcionrio iniciou ento, no Servio de Estrangeiros,
o fichamento de todos os ciganos na Holanda, mesmo
daqueles que tinham comprovada nacionalidade holandesa.
Nasceu assim a Central Cigana que nos anos 30 reunia
dados pessoais, impresses digitais e retratos de
todos os ciganos conhecidos na Holanda.
Durante
a II Guerra Mundial, os ciganos e viajantes foram
proibidos de circular livremente pelo pas e deviam
estacionar seus woonwagens
em grandes acampamentos em municpios indicados
pelo governo. Temendo perseguies, muitos ciganos
e viajantes abandonaram por isso seus woonwagens
e foram morar em casas, pelo menos temporariamente.
Por causa disto, muitos ciganos escaparam da deportao
para os campos de concentrao. Outros no tiveram
a mesma sorte: em maio de 1944, 245 ciganos foram
deportados para o campo de extermnio em Auschwitz-Birkenau;
somente 31 voltaram vivos.
Terminada
a guerra, estes ciganos sobreviventes do holocausto
e as poucas centenas de outros ciganos ainda residentes
na Holanda receberam, como uma espcie de prmio
de consolao, a nacionalidade holandesa. Seus descendentes,
cujo nmero em meados da dcada de 90 tinha aumentado
para quase uns trs mil, ficaram conhecidos como
ciganos holandeses, em oposio aos ciganos estrangeiros,
ciganos do Leste que vieram a partir da dcada de
70, e principalmente na dcada de 90.
Na
Holanda, na dcada de 70 h registro de ciganos
oriundos da Iugoslvia, Hungria e Tchecoslovquia.
A partir de ento evidencia-se uma clara poltica
anti-cigana do governo holands que far todo o
possvel para expuls-los do pas e evitar a entrada
de outros ciganos. O maior medo das autoridades
holandesas era que, se tratasse bem os ciganos,
logo a notcia se espalharia pela Europa e o pas
seria inundado por hordas ciganas de outros pases.
Por isso a poltica geral ser tratar os ciganos
apenas suficientemente bem para no causar escndalos
na imprensa nacional e internacional, e suficiente
mal para no transformar o pas num paraso para
ciganos das origens mais diversas. Um exemplo seguido
depois por muitos outros pases europeus.
Inicialmente,
em novembro de 1971, h notcia de uns oitenta ciganos
da famlia Hopic, em Amsterdam. Antes j tinham
viajado pela Italia, Frana e Blgica, de onde sempre
foram expulsos. S no foram expulsos logo de Amsterdam,
porque muitos deles estavam doentes, mas j em maro
de 1972 foram colocados num avio e repatriados
(deportados) compulsoriamente para a Iugoslvia,
seu pas de origem.
Mas
a famlia Hopic deve ter gostado de Amsterdam, porque
em outubro de 1973, cerca de trinta deles esto
novamente na cidade e inicia-se ento uma longa
discusso sobre o que fazer com estes "ciganos
estrangeiros". Os Hopic recebem uma licena
para permanncia temporria e so colocados num
dos acampamentos fixos para ciganos e viajantes
holandeses. E enquanto os burocratas holandeses,
em interminveis reunies, discutem o que fazer,
os "ciganos estrangeiros" tm um conflito
armado com "ciganos holandeses" e em 1974
deixam o pas, para grande alvio das autoridades
holandesas.
A
tranquilidade no duraria muito. J no ano seguinte
registra-se em Amsterdam uma nova (assim chamada)
praga cigana, a saber 42 trailers com ciganos
oriundos da Europa Oriental, aos quais depois se
juntariam ainda outros, totalizando cerca de 400
pessoas. Queixas sobre sua conduta criminosa fazem
com que um delegado da polcia de Amsterdam invente
um mtodo mais rpido e menos burocrtico para livrar
a cidade dos ciganos: aqueles ciganos contra os
quais existem queixas, mesmo sem processo ou julgamento
algum, so simplesmente colocados num caminho,
junto com suas famlias e seus trailers, e transportados
at a fronteira onde ingressaram no pas e, como
estrangeiros ilegais, so expulsos para o pais vizinho.
Outra
famlia cigana, os Romanov, com cerca de 70 pessoas,
oriundos da Europa Oriental mas viajando com documentos
italianos falsos, decide abandonar a Holanda por
livre e espontnea vontade, e em 1976 atravessa
a fronteira com a Alemanha, ao que tudo indica clandestinamente.
Logo so presos como imigrantes ilegais e o governo
alemo inicia um processo para devolv-los para
a Holanda, que se recusa a receb-los de volta,
alegando que os Romanov no possuem nacionalidade
holandesa. Entretanto, devido a um acordo internacional
entre ambos os pases, a Holanda, depois de muita
relutncia, obrigada a receber os Romanov de volta.
Era somente isto que os Romanov queriam e conseguiram!
Organizaes
No-Governamentais pr-ciganas solicitam ento ao
governo holandes a legalizao da situao no somente
dos Romanov, mas ainda de outras cinquenta famlias
ciganas estrangeiras, e fornecer-lhes licenas de
permanncia. A proposta no agrada s autoridades
que, mais uma vez, temem que isto estimularia a
imigrao de outros milhares de ciganos estrangeiros.
Por isso, em agosto de 1977, o governo holandes
tenta ainda deportar um outro grupo de 73 ciganos
para a Frana., porque a vizinha Blgica tambm
no quer receber estes ciganos, mas se prontifica,
gentilmente, a escolt-los at a fronteira sa
(apenas para ter certeza que nenhum deles ficaria
na Blgica). Na fronteira ocorre uma violenta briga
com a polcia sa, e todos os ciganos so obrigados
a voltar para a Holanda.
No
sabemos por qu, mas de repente o governo holands
tem ento uma crise de conscincia, lembra a perseguio
dos ciganos durante a II Guerra Mundial e invoca
motivos humanitrios. E assim, no final de 1977,
450 ciganos estrangeiros so legalizados e recebem
licena de permanncia. Mas, acrescenta o Governo,
esta seria tambm a ltima vez e daqui em diante
no seriam mais itidos ciganos estrangeiros no
pas, nem sequer os parentes dos agora legalizados,
e todos os ciganos que daqui em diante conseguissem
ilegalmente entrar no pas seriam imediatamente
deportados.
Nada
mais fcil do que entrar ilegalmente na Holanda,
pelo que em 1980 registra-se mais uma vez a presena
de cerca de 300 ciganos ilegais em Amsterdam.
Diante das ameaas de deportao, os prprios ciganos
resolvem dirigir-se at a fronteira com a Alemanha
e a Blgica, sabendo que l tambm sero rejeitados,
como de fato aconteceu. E assim a Holanda v-se
mais uma vez s voltas com sua praga cigana.
Impossibilitado
de deportar os ciganos por vias legais, j que nenhum
pas vizinho quer receb-los, o governo holands
apela ento para os servios de uma conhecida Organizao
No-Governamental cigana que, entre outras coisas,
especializada em contrabandear ciganos para dentro
ou para fora do pas. Por intermdio desta organizao,
composta de tradicionais ciganos holandeses, pouco
solidrios com, ou at inimigos dos novos ciganos
estrangeiros da Europa Oriental, e com conhecimento
do Ministrio da Justia, o governo holands consegue
assim deportar (contrabandear) ilegalmente pequenos
grupos ciganos para a Blgica. Muitos ciganos ilegais
saem por conta prpria; e outros simplesmente continuam
na Holanda.
Desde
ento, a poltica governamental no sofreu grandes
modificaes. Aps a II Guerra Mundial voltou a
vigorar a Woonwagenwet
de 1918 que ainda permitia viajar livremente.
Mas por causa das reclamaes da populao, resolveu-se
criar uma nova lei para limitar a liberdade de movimento
dos ciganos e viajantes, o que resultou na nova
Woonwagenwet
de 1968, que reintroduziu os acampamentos obrigatrios
(conforme ex-modelo nazista, embora agora em menor
escala e com alguns benefcios adicionais). Ao todo
foram planejados 50 acampamentos para 50 a 80 trailers
cada, com escola prpria, assistncia mdica e social,
gua e energia eltrica. Viajar ainda era permitido,
mas para mudar de um acampamento para outro era
necessrio obter uma licena. A concentrao de
muitas pessoas que se dedicavam mesma profisso,
as inmeras restries legais ao comrcio ambulante
e s outras tradicionais atividades dos nmades,
e a localizao em reas perifricas, distantes
dos centros urbanos, levou ao empobrecimento dos
ciganos e viajantes.
Por
isso, na dcada de 70, a Woonwagenwet
sofreu vrias modificaes e iniciou-se a poltica
da criao de acampamentos menores para 10 a 15
trailers, mais perto ou at dentro dos centros urbanos,
com o que, inclusive, se tornaria desnecessrio
ter servios especiais (escolas, igrejas, postos
de sade etc.) s para os ciganos e viajantes, j
que estes agora poderiam usufruir dos servios gerais.
Como em 1968, os interessados - ciganos e viajantes
- no foram consultados e mais uma vez reclamaram,
exigindo o direito de eles prprios decidirem sobre
a localizao e o tamanho dos acampamentos, j que
nem para todos estes pequenos acampamentos eram
os mais adequados. Nos pequenos acampamentos no
havia, por exemplo, possibilidade alguma de receber
visitas mais prolongadas de parentes e amigos por
ocasio de enterros, batizados, casamentos ou festas.
E principalmente queriam receber de volta o direito
de circular livremente pelo pas, algo at hoje
proibido.
Nestes
acampamentos holandeses - que se destinam a cerca
de 4.000 ciganos e cerca de 25.000 a 30.000 viajantes
no-ciganos - os ciganos costumam ser discriminados
pelos viajantes e por isso acampar juntos, num canto
do acampamento, separados dos no-ciganos. Para
a populao holandesa, no entanto, que observa os
acampamentos apenas de longe (porque poucos holandeses
tm coragem de entrar num acampamento deste),
tudo as mesma coisa porque de longe, e tambm de
perto, no h como saber quem cigano ou no-cigano;
os trailers so idnticos e ciganos e no-ciganos
tm hbitos praticamente idnticos.
Idnticas
so, por exemplo, tambm as idias que ambos os
grupos tm sobre a propriedade alheia. O motivo
simples: ao proibir a livre circulao, o governo
acabou praticamente com a economia dos ciganos e
viajantes, que j no ia to bem por vrios outros
motivos, como a crescente industrializao e a mecanizao
das atividades agrcolas. Hoje a quase totalidade
dos ciganos e viajantes na Holanda pobre e vive
pendurada na assistncia social que, apesar de ser
eficiente, nem sempre suficiente para satisfazer
as sempre crescentes necessidades.
Umas e outras levam a um maior ndice de
pequenos furtos, ou "ladroagem de subsistncia",
uma prtica pela qual principalmente os ciganos
so famosos e temidos h sculos. E assim, mais
uma vez refora-se a imagem do cigano ladro, embora
seja ladro por necessidade. Da "ladroagem
de subsistncia" ao trfico de drogas ou outras
atividades ilegais, apenas um pequeno o, entre
ciganos e no-ciganos.
Entende-se
assim porque os municpios que aceitam criar acampamentos,
sempre solicitam ao governo central verbas especiais
para equipar melhor suas polcias. Ou seja, cigano
(e viajante) continua, por definio, sendo caso
de polcia, e queixas sobre sua criminalidade so
constantes. Por outro lado, quando se trata de ciganos,
classifica-se como crime qualquer infrao de
menor importncia. Um dos municpios, para justificar
a contratao de mais policiais, informava que nos
primeiros dez meses de 1985 os ciganos foram 122
vezes condenados por crimes. S que uma anlise
destes crimes mostrou que em quase todos os casos
se tratava de simples brigas por causa de embriaguez,
dirigir sem carteira de motorista, no ter atualizado
os documentos do carro ou no respeitar as leis
do trnsito, infraes simples normalmente punidas
com uma multa financeira, mas nunca classificadas
como crime, a no ser e exclusivamente quando
se trata de ciganos.
Por
isso, na Holanda, quem cuida dos ciganos a polcia,
e no educadores ou assistentes sociais porque,
para o governo, cigano um criminoso confesso ou
em potencial, que precisa ser constantemente vigiado;
cigano uma praga cuja entrada no pas deve ser
impedida ao mximo; cigano um mal necessrio que,
se possvel, deve ser expulso para os pases vizinhos.
S que os pases vizinhos tm exatamente a mesma
poltica anti-cigana, pelo que fazem todo o possvel
para expulsar os seus ciganos para a Holanda e no
aceitam que ciganos holandeses ultraam suas
fronteiras.
At
hoje, os ciganos continuam prias indesejados e
odiados na Holanda. Basta ler a carta que a prefeitura
de Amsterdam em 1994 enviou a cerca de oitenta ciganos
recm chegados da ex-Iugoslvia, e na qual se informava
que eles estavam na cidade temporariamente como
hspedes do povo holands, e que por isso deviam
ter um comportamento adequado: no era permitido
furtar, bater carteiras ou cometer outros crimes,
mendigar, torturar ou matar animais, destruir objetos
ou jogar pedras; tambm era proibido vender mercadorias
e usar o terreno para exercer atividades profissionais.
Por causa dos protestos de uma organizao anti-racista,
o prefeito foi obrigado a pedir desculpas aos ciganos.
Mesmo assim, seis meses depois a polcia comeou
a repatriao destes ciganos para a Macednia e
a Crocia, negando-lhes o status de refugiados,
conforme as convenes da Comunidade Europia, vlidas
apenas para no-ciganos.
Apesar
de tudo isto, vrios autores no-holandeses costumam
citar a Holanda, junto com a Sucia, como o pas
que na atualidade trata melhor os seus ciganos e
cujos acampamentos fixos costumam ser apresentados
como modelo para os outros pases da Europa.
O que prova, apenas, que a situao dos ciganos
em outros pases pior ainda.
Ciganos
na Frana.
Numa
volumosa coletnea, Charlemagne e Pigault reuniram,
em 1990, 164 leis, decretos, circulares, portarias
e outros documentos editados, a partir de 1912,
a respeito dos ciganos e outros viajantes ses
- naquele pas mais conhecidos como os SDF, ou
seja, os Sans Domicile Fixe - , alm de alguns
documentos da ento Comunidade Europia (hoje Unio
Europia).
E embora na Frana no exista uma legislao
cigana propriamente dita, todos estes documentos
tratam direta- ou indiretamente de assuntos de interesse
cigano. Nada menos do que 27 documentos regulamentam
as atividades ambulantes (e muitos ciganos so vendedores
ambulantes); 22 documentos legislam sobre reas
de estacionamento (frequentadas tambm por ciganos);
16 documentos regulamentam a carteira de circulao
para as pessoas sem residncia fixa (entre as quais
muitos ciganos); 15 documentos falam da escolarizao
de crianas nmades (de interesse tambm para as
crianas ciganas). Somente estes quatro itens j
perfazem 80 documentos, quase a metade do total
de 164. Existem ainda documentos sobre o cdigo
de urbanismo, o funcionamento de ferros-velhos,
trailers, estrangeiros, etc., ou seja, todos documentos
que tambm dizem respeito a muitos ciganos, mas
que no foram feitos exclusivamente para os ciganos.
No h como acusar o governo francs de discriminar
os ciganos mais do que os outros viajantes; as leis
parecem ser feitas para dificultar ao mximo a vida
dos cidados nomades sem domiclio fixo, ciganos
e no-ciganos, mas todos so igualmente maltratados,
sem distino.
A
primeira Lei citada de 1912 que regulamenta o
exerccio de profisses ambulantes e a circulao
dos nmades e cria o odiado carnet anthropometrique
didentit, uma espcie de carteira de identidade
ou aporte com dados pessoais, descrio detalhada
de caractersticas fsicas, retrato, impresses
digitais etc. que devia ser apresentado e carimbado
ao chegar num novo municpio. As carteiras eram
individuais, mas o chefe da famlia devia ter ainda
uma carteira coletiva para todos os membros de sua
famlia. Este carnet s seria abolido em 1969.
Como
os ciganos, na opinio dos burocratas ses,
eram um perigo para os no-ciganos, foi criada,
em 1949, uma Comisso Interministerial com a misso
especial de procurar os meios que permitam o desenvolvimento
humano dos ciganos e de fazer desaparecer, para
as populaes no meio dos quais eles vivem, os inconvenientes
inerentes sua presena. Ou seja, a inteno no
era tanto a de beneficiar os ciganos, mas antes
a populao no-cigana. A Comisso sugere ento
as seguintes medidas, obviamente sem consultar os
interessados: assegurar aos nmades locais sadios
de estacionamento; com a ajuda de assistentes sociais
especializados integrar os ciganos ao regime da
Seguridade Social; procurar-lhes um trabalho regular,
que lhes permite viver normalmente (regular e
normal, naturalmente, segundo os valores dos burocratas
ses); dar-lhes uma instruo geral mnima
e alguma formao profissional (mas aparentemente
nada mais alm disto), visando principalmente as
novas geraes.
A
Comisso recomenda ainda que a polcia de fronteira
se esfora para atravs de conselhos sensatos,
vencer entre os nmades este instinto de indolncia,
que apresenta graves inconvenincias para a sociedade
e para eles prprios...... Mas, por outro lado,
os policiais no devem ser bonzinhos demais porque
certos nmades, s vezes at certos grupos pouco
evoludos [leia-se: ciganos - FM], manifestam instintos
associais muito graves, que devem ser severamente
reprimidos.... A Instruo termina dizendo que
os nmades e ciganos recebero ajuda e assistncia
das autoridades pblicas, mas somente e na medida
em que eles se submetam s leis gerais vlidas para
toda a sociedade nacional. Ou seja, ajuda s aps
a integrao na sociedade francsa.
No
ano seguinte, em 1950, uma Instruo do Ministrio
de Defesa Nacional polcia de fronteira, menciona
especficamente os ciganos. Por incrvel que hoje
possa parecer, esta Instruo informa que os ciganos
representam raas diferentes, caracterizadas por
um instinto comum de nomadismo.... instinto racial
e que apresenta efetivamente um perigo para a sociedade.
Os antroplogos francses ficaram em silncio porque
nenhum deles tinha qualquer interesse em ciganos
europeus, e menos ainda em ciganos ses.
Depois
disto h um longo perodo de silncio, at a publicao
da Circular 154, de 1964, dirigida aos Chefes de
Polcia e aos Prefeitos, e que tambm cita especificamente
ciganos: O analfabetismo, a ausncia de formao
profissional, o apgo a tradies de uma outra era,
a frequente hostilidade da populao sedentria,
impedem praticamente que os ciganos ... se reclassifiquem
porque eles so abandonados a sua prpria sorte.
Quando eles se fixam, geralmente para continuar
a levar, sem contatos com o resto da populao,
uma existncia miservel em casabres na periferia
das grandes cidades.
A
Circular fala da j citada Comisso Interministerial
de 1949 e de sua poltica integracionista e sugere
algumas mudanas na tica e na metodologia daqueles
que esto em contato com ciganos: os policiais no
devem se limitar represso pura, mas tambm devem
ajudar e aconselhar. Por isso, devem levar em considerao
que os ciganos ainda mantm certos costumes ancestrais,
que devem ser tolerados, desde que no sejam ilegais.
Seguem ainda vrios outros conselhos para o tratamento
policial dos ciganos. No sabemos se algum policial,
cujo nvel de instruo, tambm na Europa, costuma
ser baixo, entendeu os conselhos, e chegou a "ajudar
e aconselhar" algum cigano.
Seja
como for, pouco depois os ciganos deixam de ser
preocupao de segurana nacional e am a ser
considerados um problema interno. Em 1966, o Ministrio
do Interior envia aos Prefeitos a Circular 128,
na qual informa ter conhecimento que alguns municpios
proibem de forma permanente e absoluta o estacionamento
dos nmades, e que muitas vezes os lugares indicados
so insalubres ou praticamente inutilizveis (terrenos
perto de lixes) ou sujeitos a inundaes, ou
ento distantes de gua potvel. Por isso informa
aos prefeitos que ilegal proibir de maneira geral
o estacionamento de nmades em territrio municipal,
e que para estes estacionamentos devem providenciar
locais com suficiente salubridade.
Esta
Circular complementada pela Circular 546, tambm
de 1966, na qual o Ministrio do Interior solicita
aos prefeitos que estes locais sejam no apenas
salubres e providos, se possvel, de um mnimo de
equipamentos, mas tambm situados perto de escolas
pblicas. Alm disto, a Circular solicita que a
Polcia seja instruda sobre a necessidade da escolarizao
das crianas, pelo que uma famlia de forasteiros
ou de nmades nunca deve ser expulsa do territrio
de um municpio no horrio escolar, quando as crianas
desta famlia se encontram na escola. O fato de
o Ministro mencionar este fato, e ainda grifar no
texto, mostra que casos de expulses semelhantes
devem ter de fato ocorrido. Porm, aparentemente,
conforme a Circular, a mesma famlia cigana podia
ser expulsa do municpio logo aps as crianas terem
voltado da escola! Algo que muitos prefeitos ses
devem ter ordenado a seus comissrios de polcia.
Numa
Circular de 1968, o Ministrio do Interior trata
dos acampamentos para pessoas que vivem em trailers.
Todas as prefeituras devem criar dois tipos de acampamentos:
(1) acampamentos de agem, para estadias curtas,
mas nunca inferiores a 24 horas; estes acampamentos
devem ser localizados perto de uma escola, deve
ter abastecimento de gua e recolhimento de lixo;
os municpios pobres podem cobrar uma pequena taxa
de estacionamento; (2) acampamentos para morada
(terrain de
sejour), para estadias mais longas, de algumas
semanas ou meses, geralmente no inverno quando
na Europa as condies para viajar so pssimas.
No final a Circular adverte as prefeituras de que
elas no tm poderes para regulamentar o estacionamento
em terrenos privados cedidos, arrendados ou adquiridos
pelos prprios viajantes, salvo em caso de ameaa
sade pblica. E lembra que uma Lei de 1963, sobre
o uso do solo, foi feita para evitar o surgimento
de favelas e por isso no pode ser usada para impedir
o estacionamento de ciganos e outros viajantes,
como acontecia em vrios municpios.
No
ano seguinte, o Ministrio do Interior volta a tratar
deste assunto na Circular 69/58. Nesta o ministro
informa ter tomado conhecimento da expulso injusta
de nmades de terrenos privados pelo que insiste
que os nmades no podem ser obrigados a deixar
o municpio, a no ser no caso excepcional de ameaa
para a sade pblica ou de atentados extremamente
graves contra a ordem pblica. Fora disto, eles
tm o direito de ficar o tempo que o proprietrio
lhes ceder o usufruto do terreno.
O
governo francs, talvez pressionado pelas autoridades
municipais, resolve em 1972 editar uma circular,
com nada menos do que dez pginas, e que limita
drasticamente as reas de estacionamento para os
nmades. Esta circular enumera vrias zonas interditadas
para estacionamento, tais como reservas naturais,
terrenos em redor de monumentos histricos, zonas
sensibles
et pittoresques (no se explica o que uma
zona sensvel e pitoresca) e todos os lugares
onde o camping constituiria um atentado paisagem:
zonas de ecologia fraca e florestas, dunas litorneas,
zonas com espcies de flora e fauna ameaadas, etc.
Alm disto, os projetos para zonas de estacionamento
devem ser aprovados pelos Departamentos de Turismo,
ou seja, no devem incomodar os turistas! Resta
ento saber quais lugares sobram para os estacionamentos
dos ciganos e viajantes: provavelmente apenas os
lixes, pntanos, desertos, etc. No final, a circular
trata at da permisso para as pessoas guardarem
seus trailers no quintal ou na garagem da prpria
casa. Com uma circular desta, qualquer prefeito
ou comissrio de polcia, na prtica, poderia expulsar
os ciganos e viajantes de qualquer lugar do municpio,
menos do depsito do lixo municipal.
Em
1978 o Ministrio do Interior volta a solicitar,
mais uma vez, a construo de reas de estacionamento
para nmades, mas desta vez menores, com capacidade
para at 15 trailers, e no mais 60 como antes.
De nada adiantou, conforme provam documentos publicados
na dcada seguinte, alegando os municpios quase
sempre falta de recursos. Mas o que no os impedia
de construirem ou autorizar a construo de luxuosos
campings tursticos para no-ciganos, de preferncia
em reas pittoresques, por exemplo nas montanhas,
em florestas, junto a cachoeiras ou nas margens
de lagoas, ou seja campings luxuosos para o estacionamento
de trailers, mobil-homes
e barracas dos turistas e que, como os hotis,
so classificados em campings de 1 a 4 estrelas,
conforme os atrativos ecolgicos, equipamentos e
confortos que oferecem, mas todos determinantemente
interditados aos ciganos. Os regulamentos internos
destes campings tursticos costumam ser elaborados
de tal forma que impedem, legalmente, a entrada
de ciganos e outros viajantes.
Esta
resumida anlise de apenas alguns documentos governamentais
prova, portanto, que na Frana os famosos ideais
[ou apenas idias?] da liberdade, igualdade e fraternidade
existem apenas para os cidados ses sedentrios,
mas nunca para os ciganos e outros nmades que preferem
viver de acordo com valores culturais prprios.
Boas
intenes e sugestes, por sinal, no faltam. Num
documento oficial de 1990, Delamon destaca a necessidade
de melhorar as comunicaes entre os prprios ciganos,
e sugere quatro medidas prticas: (1) instalao
de telefones pblicos nos acampamentos ciganos;
(2) identificao exata dos acampamentos pelos Correios,
para que os ciganos possam receber correspondncia;
(3) uma espcie de "Disque Cigano" com
informaes variadas; (4)
programas de rdio especialmente para os
ciganos; (5) sinalizao e indicao de acampamentos
ciganos nas rodovias. No sabemos, mas duvidamos
muito, que alguma destas sugestes tenha se tornado
realidade.
E
no ano seguinte, Prevot, por sua vez, cita como
seis objetivos prioritrios: "1) melhorar o
status especfico dos viajantes; 2) assegurar uma
poltica efetiva de habitao; 3) garantir o direito
ao ensino e formao profissional; 4) reforar
a proteo social por medidas apropriadas; 5) estimular
que sejam levadas em conta as diferenas lingusticas
e culturais; 6) desenvolver a qualidade das relaes
dos viajantes com os poderes pblicos e o conjunto
dos habitantes". Obviamente, nada disto se
tornou realidade. A seguir Prevot fala vagamente
de algumas medidas que esto sendo tomadas ou que
sero tomadas, e que tratam de assuntos fiscais
(pagamento de impostos, taxas, emplacamento dos
carros e trailers), licenas de circulao, estacionamentos
e acampamentos ciganos, servios telefnicos e postais
para nmades, assistncia social, escolarizao
de crianas nmades.
No
final, o bem intencionado Prevot afirma que essential
esclarecer melhor os cidados ses sobre a
realidade dos viajantes, para que substituam sua
desconfiana, absteno e indiferena por acolhimento,
compreenso e solidariedade. Belssimas palavras,
e nada mais, porque em momento algum explica como
tornar isto realidade. Porm, dirigindo-se aos jornalistas,
acrescenta que estes: "podem, a este respeito,
ter uma ao determinante na sensibilizao da comunidade
nacional, para que ela se conscientize da presena
no territrio nacional de uma comunidade igualmente
de nacionalidade franesa, mas com uma cultura diferente.
Parece que os jornalistas ses no entenderam,
ou no quiseram entender, o recado.
Por
causa disto, entende-se porque, apesar de todas
estas belas palavras, at hoje a Frana no resolveu
satisfatoriamente a questo dos ciganos e de outros
viajantes, que continuam sendo enxotados de um lugar
para outro, de um municpio para outro, de uma favela
para outra, como cidados indesejveis de quinta
categoria. Nestas condies, falar de direitos culturais,
polticos, econmicos ou educacionais para ciganos
e outros viajantes, como fazem outros documentos,
apenas piada de mau gosto. Para os turistas europeus
o luxo; para os ciganos ses o lixo.
Captulo
4
O
HOLOCAUSTO CIGANO.
A
mais selvagem e brbara perseguio aos ciganos
de que se tem notcia, em toda a Histria da Humanidade,
ocorreu no em sculos ados, entre povos ento
ditos primitivos ou selvagens, ou no Brasil,
mas em pleno Sculo XX, na Alemanha, pas (pelo
menos at ento) considerado civilizado.As
nicas vtimas do terror nazista que costumam ser
lembradas, no entanto, so apenas os judeus, e quase
nunca os ciganos. Enquanto hoje a bibliografia sobre
o holocausto judeu imensa, no faltando inclusive
museus e memoriais especialmente construdos para
lembrar este triste genocdio, o holocausto cigano
sempre foi considerado um fato de menor importncia.
Os documentos histricos provam que no foi bem
assim e que, lamentavelmente, ao lado de cerca de
seis milhes de judeus, nos mesmos campos de concentrao,
nas mesmas cmaras de gs, nos mesmos crematrios,
ou ento fora deles num lugar qualquer da Europa,
foram massacrados tambm cerca de 250 a 500 mil
ciganos. S
recentemente comearam a ser publicados ensaios,
inclusive por autores alemes da gerao ps-guerra,
sobre este holocausto esquecido, o holocausto
cigano, que os intelectuais ciganos de hoje preferem
chamar de poraimos, para diferenci-lo do holocausto
judeu.
Gilsenbach
cita trs fatores que facilitaram a perseguio
aos ciganos na Alemanha antes e durante a II Guerra
Mundial: (1) o j tradicional dio dos alemes e
de outros europeus aos ciganos, existente j desde
o Sculo XV; (2) os arquivos desde o final do Sculo
XIX existentes sobre ciganos na polcia criminal
e (3) as teorias de antroplogos, psiquiatras e
mdicos sobre higiene racial e biologia criminal.
O tradicional dio aos ciganos j foi visto anteriormente;
os outros dois fatores, e principalmente o ltimo,
precisam de alguns comentrios.
No
incio do Sculo XX, as polticas (anti)ciganas
alems no foram idnticas em todo o pas, mas cada
Estado ou Provncia [Land]
inventava as suas. Em Munique, na Bavria, j em
1899 criou-se um Servio de Informao Cigana que
registrava todos os ciganos do Estado.Em 1905 o seu diretor, Alfred Dillmann, publicou
os primeiros resultados no Zigeunerbuch
[O Livro Cigano,
tambm vendido nas livrarias] que continha o registro,
com uma dezena de dados pessoais, de 3.350 ciganos
e que se destinava a ajudar a polcia na erradicao
da praga cigana.
Em
1925/26 a Bavria editou uma lei que tornou obrigatria
a vida sedentria e condenou a dois anos de trabalhos
forados ciganos no regularmente empregados, lei
que em 1929 ou a ser vlida na Alemanha toda.
Mas j em 1927, todos os ciganos alemes foram obrigados
a andarem sempre com um documento de identidade,
com retrato, impresses digitais e outros dados
pessoais.
Alguns anos depois foi criado o Servio Central
de Combate Praga Cigana, rgo nacional que incorporou
o Servio de Munique e outros semelhantes ento
existentes, e ou a ser dirigido pelo mesmo Dillmann,
que em pouco tempo reuniu informaes sobre mais
de trinta mil ciganos alemes. Este Servio anti-cigano
foi extinto em 1947, mas recriado em 1953, embora
com outro nome; definitivamente extinto foi somente
em 1970, vinte e cinco anos aps o trmino da II
Guerra Mundial!
O
Servio alemo de Combate Praga Cigana, sem dvida
alguma, foi o mais eficiente do mundo e poucos ciganos
devem ter escapado de seus registros. No entanto,
tambm em outros pases foram realizados recenseamentos
ciganos, foram criados cadastros permanentes da
populao cigana e criadas leis para evitar ou,
pelo menos, controlar a sua presena no pas. At
a famosa Interpol (na poca chamada Comisso Internacional
de Polcia Criminal) criou em 1936, em Viena, um
Centro Internacional para a Luta contra a Praga
Cigana, cujos arquivos foram destrudos em 1945.
Ou seja, quando em 1933 os nazistas chegaram ao
poder, tanto na Alemanha quanto em vrios pases
vizinhos (p.ex. Frana e Holanda) que depois seriam
ocupados, a maioria dos ciganos j estava devidamente
registrada e identificada, e j existiam polticas
anti-ciganas.
A
diferena era que agora os ciganos aram a ser
perseguidos - e depois exterminados - tambm por
motivos raciais, e no apenas por serem considerados
associais ou criminosos natos. Embora os alemes
tenham negado isto aps a II Guerra Mundial, quando
foram obrigados a pagar indenizaes s vtimas
perseguidas por motivos raciais (itindo-se como
caso nico os judeus), e embora tenham sempre afirmado
que os ciganos foram perseguidos por serem associais,
e no por serem de uma raa diferente, no resta
a menor dvida que ambos os fatores pesaram na perseguio.
Muitos documentos e ensaios cientficos da poca
comprovam, sem sombra de dvida, que no somente
os judeus, mas tambm os ciganos eram considerados
membros de raas diferentes consideradas perigosas,
porque poderiam contaminar a pureza racial ariana.
Para esta justificativa racial, a Alemanha pde
contar com vrios mdicos, bilogos e antroplogos.
J
em 1904 o antroplogo Alfred Ploetz fundou um Arquivo
para Raciologia e Biologia Social, que no ano seguinte
virou Sociedade para Higiene Racial. Anos depois,
os antroplogos Bauer, Fischer e Lenz publicaram
um manual sobre Gentica Humana e Higiene Racial,
que foi lido por Hitler quando, prisioneiro em 1924,
escreveu Mein
Kampf, a futura biblia nazista.
No pretendemos citar aqui todos os institutos alemes
na poca considerados cientficos, ou todos os
biologos, antroplogos e outros cientistas que na
poca se dedicaram a pesquisas raciais, eugenticas
e ciganas, porque estes dados encheriam algumas
dezenas de pginas. Dois nomes, no entanto, merecem
destaque, porque so citados por praticamente todos
os autores que tratam desta poca: o mdico psiquiatra
Robert Ritter e sua assistente, a enfermeira Eva
Dustin, entre os ciganos Sinti mais conhecida como
Lolitschai, a moa ruiva.
Em
1937 Ritter se tornou diretor do Centro de Pesquisa
para Higiene Racial e Biologia Populacional, com
sede em Berlim, onde se dedicou intensivamente s
pesquisas ciganas. Somente o nome deste Centro j
suficiente para provar que os ciganos eram considerados
uma raa diferente. Neste Centro, entre outras
coisas, Ritter investigava uma suposta relao entre
hereditariedade e criminalidade, elaborando complicadas
rvores genealgicas de ciganos para medir o grau
de mistura racial, para o que utilizava inclusive
os dados do j citado Servio de Informao Cigana
de Munique, que foram transferidos para Berlim.
Ritter
e os membros de sua equipe eram defensores da eugentica,
ou higiene racial, segundo a qual devia ser evitada
a procriao de elementos nocivos sociedade. Entre
as pessoas nocivas estavam no apenas os deficientes
fsicos e mentais, mas tambm os associais hereditrios
(mendigos, vagabundos, prostitutas, alcolatras,
homosexuais, desempregados crnicos, e.o., como
se estas caractersticas fossem transmissveis hereditariamente!),
e as minorias raciais nocivas, como os ciganos e
os judeus. Para limpar a raa humana, Ritter e
outros tantos eugenticos da poca inicialmente
propunham a esterilizao destas pessoas (a total
eliminao fsica s seria proposta alguns anos
depois). Estima-se que na Alemanha nazista cerca
de 400.000 pessoas foram esterilizadas, entre as
quais muitos ciganos.
O
mesmo aconteceu, por sinal, tambm em outros pases,
inclusive nos Estados Unidos, onde at 1939 comprovadamente
cerca de 30.000 pessoas indesejveis foram contra
a sua vontade esterilizadas.
Mas estes tristes episdios, como tambm os vergonhosos
campos de concentrao para japoneses e seus descendentes
nos Estados Unidos, durante a II Guerra Mundial,
os historiadores americanos preferem esquecer,
principalmente nos livros didticos e, oficialmente,
nunca aconteceram.
Foi
nesta poca que os bilogos alemes tentaram deseperadamente
descobrir, com fins prticos, quais eram as caractersticas
raciais ciganas, j que na maioria dos casos era
impossvel distinguir os ciganos do resto da populao
alem atravs de caractersticas fsicas especficas.
Mas mesmo Ritter e seus colegas nunca foram capazes
de descrever estas caractersticas. Da porque,
na Alemanha daquele tempo, era classificado como
Z (de Zigeuner), ou seja cigano puro todo
indivduo com quatro ou trs avs verdadeiros ciganos;
como ZM+ ou mestio em primeiro grau era classificado
quem tinha menos do que trs avs verdadeiros ciganos;
ZM- era o mestio em segundo grau que tinha pelo
menos dois avs ciganos-mestios; av ou av verdadeiro
cigano era aquele que sempre tinha sido reconhecido,
pela opinio pblica, como cigano. Ou seja, no
final das contas tratava-se de critrios subjetivos,
e no cientficos. Ritter chegou a classificar racialmente
cerca de 25 a 30 mil ciganos alemes, mas a quase
totalidade era, segundo ele, formada por mestios,
ou seja, eram candidatos esterilizao, confinamento
em campos de concentrao e, finalmente, extermnio.
No
incio dos anos 40 alguns nazistas intencionavam
ainda conservar para a posterioridade uma amostra
de Sinti puros, melhor dito, oito famlias Sinti
e uma famlia Lalleri, que seriam confinadas numa
espcie de reserva cigana a ser criada na Hungria
e istrada pelo Instituto do Patrimnio Histrico.
Esta reserva cigana nunca chegou a se tornar realidade;
no final, tambm estes ciganos puros terminaram
nos campos de concentrao ou de extermnio.
Em 1940, Ritter escreveu num relatrio:
Fomos capazes de provar que mais do que 90% dos assim chamados
ciganos nativos so mestios...... Outros resultados
de nossas investigaes permitem-nos caracterizar
os ciganos como um povo de origens etnolgicas totalmente
primitivas, cujo atraso mental os torna incapazes
de uma real adaptao social..... A questo cigana
s pode ser resolvida reunindo o grosso dos mestios
ciganos associais e imprestveis em grandes campos
de trabalho e mantendo-os trabalhando, e parando
para sempre a futura procriao desta populao
mestia.
Para
cada cigano, Ritter emitia ento um Certificado,
assinado por ele pessoalmente ou por sua assistente
Eva Justin, no qual constavam alm do nome e dados
pessoais, o grau de ciganidade. Quase sempre o diagnstico
era: mestio cigano, o que na prtica correspondia
a uma condenao esterilizao ou deportao
e internao (e posterior extermnio) em campos
de concentrao.
Eva
Justin, na poca, era apenas uma simples enfermeira,
sem qualquer formao acadmica, mas que apesar
disto sonhava com o ttulo de Doutor, e para obt-lo
escreveu uma tese sobre a suposta inadaptabilidade
social de crianas ciganas, estudando durante apenas
seis semanas um grupo de crianas ciganas internadas
numa espcie de orfanato, sem contato com seus pais
ou outros ciganos adultos. Obviamente chegou concluso
que a boa educao recebida neste internato de nada
adiantou e que as crianas continuaram to associais
como antes; para ela, crianas ciganas eram simplesmente
incorrigveis, eram associais e criminosos natos.
A
tese foi defendida em 1943, na Universidade de
Berlim. Poucos dias aps a obteno do diploma,
as 39 crianas ciganas do orfanato, as cobaias de
sua pesquisa e que at ento tinham sido poupadas,
foram deportadas para Auschwitz; somente quatro
sobreviveram.
A
partir de 1942 os mtodos eugenticos (esterilizao
e confinamento) foram substitudos por outro, considerado
mais eficiente: o genocdio, ou seja a eliminao
fsica destas pessoas, nos campos de concentrao
e fora deles. Em dezembro de 1942, Himmler ordena
enviar todos os ciganos alemes para Auschwitz-Birkenau,
ento dirigida por Josef Mengele, onde foi instalada
uma seo com 40 barracas s para ciganos, ordem
depois repetida nos territrios ocupados. Dos 23.000
ciganos internados no campo de extermnio de Auschwitz,
cerca de 20.000 morreram e uns 3.000 foram transferidos
para outros campos. Os ltimos ciganos de Auschwitz,
conforme a metdica contabilidade alem exatamente
2.897, foram todos enviados para as cmaras de gs
na noite de 2 de agosto de 1944.
Tambm
outros campos de concentrao receberam ciganos,
embora em nmero menor do que Auschwitz. Bernadac
publica quase trs centenas de pginas com testemunhos
de ciganos internados em vrios destes campos de
concentrao.
Nem todos eram campos de extermnio e possuam cmaras
de gs e crematrios, mas nem por isto eram menos
desumanos. Em Bergen-Belsen, por exemplo, os internos,
entre os quais muitos ciganos, eram lentamente assassinados
por inanio, sendo os mortos enterrados em enormes
valas perto do campo. Quando Bergen-Belsen foi tomado
pelos ingleses, em 1945, encontraram cerca de 10.000
corpos ainda insepultos, e cerca de 40.000 pessoas
ainda vivas, das quais pouco depois ainda morreram
umas 13.000, em parte por causa dos maus tratos
e doenas anteriores (em especial o tifo), em parte
tambm por causa da super-alimentao logo dada
pelos bem intencionados ingleses, mas que muitos
dos subnutridos j no conseguiram mais digerir.
Fatos semelhantes foram registrados tambm em outros
campos de concentrao. Exrcitos no costumam levar
tambm nutricionistas, e por isso, na poca, ainda
no se sabia ou pelo menos os soldados e oficiais
ainda no sabiam - que pessoas altamente subnutridas
tambm podem morrer por causa de repentina super-alimentao.
Na
Frana existiam at campos de concentrao somente
para ciganos, istrados pelas prprias autoridades
sas. No se tratava de campos de extermnio,
mas quase sempre de campos de trabalhos forados
e por serem campos em geral pequenos, para uma centena
at alguns poucos milhares de pessoas, as condies
de vida eram, em geral, melhores do que nos campos
istrados pelos alemes. Bernadac chama estes
campos, apropriadamente, as antecmaras sas
de Auschwitz, porque principalmente no final da
guerra, muitos dos 30 mil ciganos internados nestes
campos ses foram deportados para os campos
de extermnio existentes na Alemanha e em outros
pases.
O
tratamento desumano, as terrveis experincias mdicas,
as cmaras de gs e os crematrios, e outros tantos
horrores cometidos pelos alemes nestes campos de
concentrao, supomos suficientemente conhecidos
por todos. Estima-se que 250 a 500 mil de ciganos
foram assassinados pelos nazistas. Os nmeros exatos
nunca sero conhecidos, mas todos os documentos
provam que os judeus no foram as nicas vtimas
da perseguio racista pelos nazistas. A nica diferena
que o holocausto judeu, e com justa razo, at
hoje sempre costuma ser relembrado e no faltam
memoriais para lembrar isto, inclusive em Auschwitz.
O holocausto cigano, no entanto, costuma ser varrido
debaixo do tapete, costuma ser simplesmente ignorado
ou esquecido, como algo de menor importncia, ou
pior ainda como algo que nunca aconteceu, e praticamente
no existem monumentos que lembram o holocausto
cigano.
A
II Guerra Mundial terminou h pouco mais de meio
sculo. Centenas de milhares de judeus receberam
indenizaes do governo alemo, e o povo judeu recebeu
uma Ptria nova (Israel 1948). Os ciganos nunca
foram indenizados e nunca receberam nada, sob a
alegao de que foram perseguidos e exterminados
no por motivos raciais, mas por serem associais
e criminosos comuns; outros tiveram seus pedidos
de indenizao negados porque no conseguiram apresentar
os testemunhos necessrios.
Todas
as pesquisas de Ritter e outros sobre as caractersticas
raciais dos ciganos, suas medies fsicas, suas
amostras de sangue, as crueis experincias biolgicas
de Mengele com ciganos em Auschwitz, foram de repente
esquecidas. Preferiu-se esquecer ainda circulares
oficiais como uma j de 1938, sobre O combate
praga cigana, que afirmava:
A experincia at agora acumulada no combate
praga cigana e os resultados da pesquisa biolgica-racial
mostram que recomendvel abordar a regulamentao
da questo cigana do ponto de vista racial, como
de fato aconteceu depois.
O
famoso Tribunal de Nuremberg, institudo pelos aliados
logo aps a II Guerra Mundial para condenar europeus
que cometeram crimes contra a Humanidade, concentrou
suas atividades em crimes contra judeus, mas no
h registro de criminosos de guerra condenados por
crimes cometidos contra ciganos. Inmeros judeus
e com toda a razo tiveram oportunidade para
apresentar seus depoimentos e suas denncias, mas
nenhum cigano foi convocado ou aceito para depor
ou para denunciar.
Antes
pelo contrrio, alguns conhecidos e comprovados
criminosos anti-ciganos (mas no anti-judeus!) foram
at promovidos: Robert Ritter e Eva Justin, por
exemplo, foram considerados inocentes e aps a guerra
viveram ainda um bom tempo exercendo tranquilamente
a profisso! Em sua defesa foi alegado que os dois
nunca mataram pessoalmente um cigano! Que comprovadamente
mandaram dezenas de milhares de ciganos para a morte
com seus pseudo-cientficos Certificados de Ciganidade,
no foi levado em considerao. Em 1947 a prefeitura
de Frankfurt contratou Ritter como psiquiatra infantil,
e no ano seguinte Eva Justin foi contratada como
psicloga criminal e infantil, para cuidar - imaginem
s! - da re-educao de crianas associais e desajustadas,
muitas das quais certamente vtimas da guerra.
Ainda
hoje o holocausto cigano pouco conhecido do grande
pblico.
Tambm em documentrios e em comemoraes das vtimas
do holocausto nazista, ou em monumentos construdos
em sua homenagem, sempre so lembrados apenas os
judeus, e nunca os ciganos. Pelo contrrio, mesmo
depois da guerra os ciganos continuaram sendo discriminados
da mesma forma, ou talvez at pior do que antes.
Atualmente, no entanto, em livros e revistas que
tratam do holocausto, est se tornando politicamente
correto falar no apenas dos judeus, mas tambm
dos ciganos, enquanto tambm o nmero de livros
e artigos que tratam do assunto est aumentando
sempre mais.
Mesmo
depois da guerra, os ciganos continuaram sendo discriminados
da mesma forma, ou talvez at pior do que antes.
Principalmente nos crculos policiais, todas as
antigas ideologias e imagens anti-ciganas continuaram
existindo, pelo que nada mudou tambm nas atitudes
anti-ciganas, excluindo-se apenas o genocdio. Os
ciganos continuaram pessoas indesejadas e odiadas
em toda a Alemanha.
At vrios dos assim chamados ciganlogos alemes
continuaram publicando ensaios nitidamente anti-ciganos.
Ainda
hoje, mais de cinquenta anos depois da II Guerra
Mundial, pouca coisa mudou. Na decada de 90, aps
a reunificao das duas Alemanhas (Ocidental e Oriental)
e o fim da Unio Sovitica, a Alemanha se tornou
o pas preferido por dezenas de milhares de refugiados
e migrantes do Leste, entre os quais muitos ciganos,
principalmente da Romnia e da ex-Iugoslvia. Jansen
informa que: "de 1989 a 1990, o nmero de refugiados
vindos da Romnia cresceu mais de dez vezes, de
cerca de 3.000 para 35.000. Dois teros deles so
Roma. Somente no ms de outubro de 1992, foram registrados
na Alemanha 15.000 refugiados da Romnia".
Em 1992/93 o governo alemo pagou ao governo romeno
mais de 25 milhes de marcos para receber de volta
cerca de 50.000 cidados romenos, a maioria dos
quais Rom. Ningum perguntou aos Rom se eles realmente
queriam voltar, e a sua repatriao foi compulsria.
Diga-se
de agem que esta repatriao teve a aprovao
tambm de muitos Sinti, ciganos com nacionalidade
alem e h muito tempo residindo no pas e quase
todos bem integrados na sociedade nacional, porque
temeram que a populao os identificasse com os
Rom do Leste, segundo eles responsveis por todos
os esteretipos e preconceitos anti-ciganos. J
vimos anteriormente que tambm na Holanda os ciganos
holandeses tradicionais (com nacionalidade holandesa)
no gostaram nada da repentina imigrao de Rom
do Leste, pelo que inclusive ajudaram o Governo
a contrabandear ilegalmente muitos destes ciganos
estrangeiros de volta para algum pas vizinho.
Comprovadamente, pelo menos na Europa, os ciganos
no somente so odiados pelos no-ciganos, mas tambm
e o que bem mais grave - se odeiam mutuamente.
Inclusive
na Europa do Leste. Segundo Gozdziak, aps 1989
muitos Rom romenos migraram tambm para a Polnia,
um pas no qual tambm, h muito tempo, existe uma
forte discriminao anti-cigana, apesar da qual
muitos antigos ciganos poloneses conseguiram integrar-se
no pas. Para estes tradicionais ciganos polonses,
a chegada de milhares de ciganos romenos apenas
piorou ainda mais a situao: "Os Rom poloneses
no se relacionam com os ciganos romenos..... Eles
no so meus irmos, diz um rom polons, ... ns
somos muito diferentes deles, ns no pedimos esmolas
nas ruas. Ns no somos dependentes de nngum,
Ns conquistamos aqui nosso espao. Nossas mulheres
so limpas, e as crianas tomam banho. Ns construimos
casas e no dormimos no cho. Os ciganos romenos
nos envergonham ".
O fato de este Rom identificar os ciganos
poloneses como 'Rom', e os ciganos romenos - sem
dvida alguma Rom - apenas como 'ciganos', apenas
mais uma manifestao de discriminao cigana anti-cigana,
e que, lamentavelmente, existe e foi registrada
em praticamente todos os pases.
Vergonha:
talvez seja esta a palavra chave que explique o
anti-ciganismo dos prprios ciganos em pases nos
quais h sculos residem e que, bem ou mal, j conseguiram
integrar-se na sociedade nacional, que so sedentrios,
exercem alguma profisso perfeitamente legal, cujos
filhos estudam, e que no so identificados ou identificveis
como 'ciganos', e por isso tambm no so perseguidos
e discriminados.
Entende-se
que a chegada repentina de centenas ou milhares
de rom orientais maltrapilhos, famintos, imundos,
analfabetos e que, para sobreviver, vivem mendigando,
enganando ou furtando, ou at envolvendo-se em atividades
ilegais como contrabando e o trfico de drogas,
um pesadelo e uma ameaa para os tradicionais
ciganos no somente na Europa Ocidental, mas tambm
em alguns pases da Europa Oriental, como a Polnia.
Se
at os prprios Rom pensam assim sobre os imigrantes
e refugiados Rom romenos, (ex) iugoslavos, (ex)
tchecoslovacos, albaneses ou outros, no se pode
estranhar opinies e atitudes ainda piores entre
a populao no-cigana. Numa pesquisa de opinio
pblica realizada na Alemanha em 1992, os ciganos
obtiveram o mais alto ndice de rejeio: 64%. A
rejeio de outras conhecidas minorias era: muulmanos
17%, indianos 14% e judeus 7%.
Grande
tambm o nmero de imigrantes e refugiados da
ex-Iugoslvia. Milhares de ciganos iugoslavos, que
desde 1989 tentaram em vo obter asilo na Alemanha,
foram depois compulsoriamente "repatriados"
- eufemismo para "deportados"
compreensvel que estas massas de refugiados no
sejam bem-vindas na Alemanha, como alis em nenhum
outro pas europeu. Afinal de contas, por causa
de tratados internacionais, todos eles devem receber
alimentao, hospedagem, assistncia social, assistncia
mdica, etc., ou seja, devem ser mantidos s custas
dos contribuintes no-ciganos. E tudo isto justamente
numa poca em que tambm a quase totalidade dos
pases europeus a por profundas crises econmicas
e tm altos ndices de desemprego.
Alm
disto, por causa dos preconceitos j existentes,
os ciganos migrantes ou refugiados do Leste quase
nunca recebem a devida assistncia, e por isso so
obrigados a mendigar, furtar, vender drogas, etc.
pelo que os preconceitos aumentam mais ainda. Porque,
obviamente, muitos deles so presos e terminam nas
pginas policiais dos jornais, nas quais costumam
ser identificados como 'ciganos', embora os jornalistas
no costumem informar nada sobre a nacionalidade
ou identidade tnica dos outros milhares de criminosos
presos por causa de 'crimes' idnticos ou semelhantes.
Da
porque a imprensa no se cansa de noticiar incndios
de residncias ciganas e outras violncias contra
ciganos e contra outras minorias tnicas na Alemanha
(e em vrios outros pases europeus), cometidas
por neo-nazistas, skinheads e outros grupos ultra-direitistas,
ou a repatriao forada, pelo Governo, de milhares
de ciganos para seus pases de origem. Na Alemanha
de hoje, apesar das belas recomendaes pr-ciganas
da Unio Europia, da qual o pas faz parte, a vida
dos ciganos ainda difcil, e os tradicionais preconceitos
e as centenares discriminaes continuam existindo,
como antes.
Captulo
5.
CIGANOS NA EUROPA OMUNISTA.
Populao
cigana na Europa do Leste.
J
a partir do Sculo XII muitos ciganos migraram da
Turquia em direo ao norte. Principalmente aqueles
que migraram para a Transilvnia, Valquia e Moldvia
(nas atuais Romnia e Moldvia) tiveram um destino
nada agradvel: dezenas de milhares deles foram
capturados e escravizados, e isto at meados do
Sculo XIX .
A
origem desta escravido cigana nos Blcs ainda
no est devidamente esclarecida: podem ter sido
prisioneiros de guerra, ou servos que se transformaram
em escravos, ou pessoas famintas que se venderam
para sobreviver. Seja como for, j desde o Sculo
XIV h notcias nestes principados de escravos ciganos,
a servio da Cora, de mosteiros, nobres, fazendeiros
ou cidados abastados.
Consta
que os escravos domsticos viviam em condies melhores
do que os escravos do campo, mas mesmo assim, em
1839, um jornalista francs escreveu: A misria
est to claramente estampada nos seus rostos que,
se avistar um, voc perde o apetite. Os proprietrios
costumavam abusar sexualmente das jovens ciganas
e os filhos resultantes disto tambm eram considerados
escravos.
E naturalmente, sendo escravos, podiam ser vendidos.
Um anncio num jornal de 1845 informa que os filhos
e herdeiros de N.N., de Bucarest, vendiam 200 famlias
ciganas, em lotes de no mnimo cinco famlias de
cada vez; facilitava-se o pagamento.
E em 1852 anuncia-se a venda, pelo mosteiro de Santo
Elias, de um lote de escravos ciganos, a saber 18
homens, 10 rapazes, 7 mulheres e 3 moas, todos
em boas condies, in
conditie fina.
O
movimento abolicionista que surgiu na Europa do
Sculo XIX preocupava-se antes de tudo com a abolio
da escravido negra nas Amricas, porque sempre
mais cmodo preocupar-se com problemas ecolgicos,
sociais, de direitos humanos, de violncia urbana,
de torturas, fome, etc. em continentes e pases
distantes, e esquecer problemas idnticos existentes
no prprio continente ou at no prprio pas como,
por sinal, acontece ainda hoje. Por isso ningum
deve estranhar que a escravido cigana na prpria
Europa s era lembrada por alguns poucos autores.
Segundo um deles, o abolicionista Kogalniceanu:
Os europeus esto organizando sociedades filantrpicas
para a abolio da escravido na Amrica, mas no
seio do prprio continente da Europa, existem 400.000
ciganos que so escravos, e outros 200.000 que so
igualmente vtimas de barbaridades.
Mas
aos poucos as idias abolicionistas penetraram tambm
na Romnia. A primeira libertao em massa de escravos
ciganos ocorreu na Valquia, em 1837, quando a Cora
libertou quatro mil famlias, seguindo-se a libertao
de escravos ciganos da Igreja (dos mosteiros), em
1842 na Moldvia e em 1847 na Valquia. Na dcada
de 40, escravos ciganos da Cora, e depois tambm
de mosteiros, foram libertados na Moldvia. A escravido
cigana foi declarada ilegal, em 1855 na Moldvia
e em 1856 na Valquia. Por completo a escravido
cigana seria abolida somente em 1864, quando os
dois principados foram unidos e aram a constituir
a ento Romnia (em 1944 a Moldvia ou a pertencer
Unio Sovitica e atualmente um pas independente).
Quase
todos estes escravos ciganos eram Kalderash, cujos
descendentes hoje, compreensivelmente, tentam de
qualquer forma esconder e esquecer (ou esqueceram
de fato) este seu comprovado e bem documentado ado
de 500 anos de escravido. Os ciganos escravos conseguiram
conservar - mais do que os ciganos livres em outros
pases - alguns poucos elementos culturais, e principalmente
sua lngua, em parte porque eram escravos e portanto
sedentrios, em parte tambm porque casamentos e
relaes sexuais entre livres e escravos eram proibidas
(o que no significa que no tenham ocorrido).
Mas
outros tantos elementos e valores culturais - hoje
considerados tipicamente 'ciganos', rom ou 'kalderash'
os escravos ciganos assimilaram da populao rural
romena, como o 'kris' (uma espcie de tribunal cigano)
ou a 'pomana' (ritual funerrio) que na realidade
no so de origem cigana, mas comprovadamente
de origem balcnica.
A
partir de meados do Sculo XVIII, milhares de Rom
migraram para a Europa Ocidental e para as Amricas,
mas a maioria deles ficou morando na Europa Oriental
e Central.
Aps
a II Guerra Mundial forma-se na Europa do Leste
o assim chamado "bloco dos estados socialistas",
composto pela Unio Sovitica e seus pases satlites:
Albnia, Bulgria, Hungria, Iugoslvia, Polnia,
Romnia, Tchecoslovquia e a Repblica Democrtica
Alem (Alemanha Oriental). J em 1948 a Iugoslvia
se separa deste bloco e a Albnia faz o mesmo em
1961; as tentativas de separao da Hungria em 1956,
e da Tchecoslovquia em 1968, foram frustradas pelas
tropas soviticas.
Com
o fim da Unio Sovitica, simbolizado pela destruio
do Muro de Berlim em 1989, o mapa poltico da Europa
do Leste muda novamente. Os pases blticos recuperam
sua independncia e renascem a Litunia, a Letnia
e a Estnia. A Polnia, Hungria, Romnia e Bulgria
dissolvem seus partidos comunistas e realizam eleies
democrticas; a Tchecoslovquia se divide na Repblica
Tcheca e a Eslovquia; a Iugoslvia, que unia artificialmente
sete povos diferentes, aps uma sangrenta guerra
civil, se divide na nova Iugoslvia (Srvia, Montenegro
e Kossovo), a Bsnia-Herzegvina, a Eslovnia, a
Crocia e a Macednia.
na Europa Central e Oriental que, ainda hoje, reside
a maioria da populao cigana mundial. Segundo Ligeois,
em 1994 a populao cigana nestes pases seria:
Albnia 90 a 100.000; Belarssia 10 a 15.000; Bosnia-Herzegovina
40 a 50.000; Bulgria 700 a 800.000; Crotia 30
a 40.000; Eslovquia 480 a 520.000; Eslovnia 8
a 10.000; Estnia 1.000 a 1.500; [Grcia 120 a 140.000];
Hungria 550 a 600.000; Iugoslvia (Srvia e Montenegro)
400 a 450.000; Letnia 2 a 3.500; Litunia 3 a 4.000;
Macednia 220 a 260.000; Moldvia 20 a 25.000; Polnia
40 a 50.000; Repblica Tcheca 250 a 300.000; Romnia
1.800.000 a 2.500.000; Rssia 220 a 400.000; Turquia
300 a 500.000; Ucrnia 50 a 60.000.
Como
sempre, estes nmeros so apenas aproximados. Druker,
falando dos ciganos na Europa do Leste, informa
que quase impossvel saber com certeza quantos
ciganos vivem nestes pases pelos seguintes motivos:
a) a inexistncia ou inconfiabilidade de censos
oficiais; quando existem, a populao rom (cigana)
geralmente subestimada; durante o perodo comunista
os ciganos nem sequer eram reconhecidos como minorias
tnicas; b) muitos ciganos tm mdo de se identificarem
como tais, por causa da secular discriminao e
perseguio pela populao local/nacional, e entre
os velhos ainda sobrevive a lembrana da perseguio
nazista; c) enquanto isto, os lderes das organizaes
ciganas e pr-ciganas tendem a superestimar a populao
rom, para tirar disto vantagens polticas ou financeiras.
Falar
genericamente de "ciganos" ou "Rom"
nos pases do Leste, praticamente impossvel,
porque a diversidade entre os ciganos enorme,
talvez ainda mais do que entre os ciganos na Europa
Ocidental.
A
populao cigana atual da Romnia estimada em
1.410.000 pessoas, ou seja cerca de 6% da populao
nacional. Segundo outros autores, a populao cigana
seria aproximadamente 10% da populao nacional,
ou seja 2.500.000 ciganos pertencentes a no mnimo
40 grupos diferentes, com auto-denominaes prprias;
30% destes ciganos vivem nas cidades e 70% na rea
rural. A maioria - cerca de 90% - sedentria e
estima-se que uns 10% ainda viajam, mas apenas durante
a primavera e o vero. Cerca de 60% dos ciganos
romnos falam ainda o Romani, mas muitos falam apenas
romno ou hngaro.
Em
1995 Fox estimou a populao cigana da Bulgria
em 500.000 pessoas, ou seja quase 6% da populao
nacional, composta de 60% de cristos e 40% de muulmanos.
Outras estimativas variam de 288 mil a 1 milho
de ciganos (ou seja: 12% da populao nacional).
Um relatrio do Helsinki Watch, de 1991, apresenta
nmeros que variam de 400 mil a 1 milho, sendo
este ltimo nmero uma estimativa, certamente exagerada,
da Democrtica Unio Roma Blgara que alega que
muitos ciganos tm medo de se identificarem como
tais e se declaram blgaros. Alm de variaes da
lngua romani, parte destes ciganos fala blgaro
e outra parte fala turco. Entre si existem enormes
diferenas quanto s origens histricas, lngua
e cultura o que na realidade torna no somente difcil
falar genericamente de "os ciganos blgaros",
como tambm responsvel pelo fracasso de muitos
projetos governamentais que no levam em conta estas
diferenas.
A
populao cigana da Hungria estimada em 600.000
pessoas, cerca de 5,7% da populao nacional. Outras
estimativas, no entanto, variam de 143.000 a 1.000.000
de ciganos.
Estes ciganos so divididos em pelo menos trs grandes
grupos. O maior (70%) formado pelos "Ciganos
Hngaros" que vivem espalhados por todo o pas;
a maioria fala apenas o hngaro. Outro grupo (10%)
formado pelos "Ciganos Boyash", originrios
da Romnia e da Srvia. O terceiro grupo (20%)
de ciganos que a partir de meados do sculo XIX
migraram da Transilvnia e Romnia, sendo a maioria
de ciganos Vlach (oriundos da Moldvia e Valquia);
falam vrios dialetos romani.
Alm disto ainda existem diferenas internas: "Deixando
de lado as diferenas lingusticas e histricas,
de um ponto de vista sociolgico nenhum destes grupos
ciganos forma uma populao homognea. Existem variaes
na organizao familiar e na cultura.......".
Por isso Stewart acrescenta que: "A variao
entre grupos ciganos significa que no possvel
contar a histria de todos os ciganos hngaros sob
o comunismo num livro nico".
Quanto menos a histria de todos os ciganos
do Leste em apenas um nico captulo como, da melhor
maneira possvel, tentaremos fazer a seguir.
Principalmente
a partir de 1989, com a reestruturao poltica
do Leste, inicia o que poderia ser chamada a Terceira
Onda Migratria Cigana, quando dezenas de milhares
de Rom migram em massa para vrios pases do Ocidente,
e inclusive para as Amricas. Aumenta ento tambm
na Europa Ocidental a violncia anti-cigana. Vejamos
mais detalhadamente a situao dos Rom do Leste,
inicialmente na era comunista ps-guerra (1945-1989),
e depois a nova situao no perodo ps-comunista
(1989-hoje).
Os
ciganos na era comunista.
As
informaes sobre os ciganos nos pases comunistas
a partir de 1945 so escassas, em parte por causa
do carter autoritaritrio dos seus governos, em
parte tambm porque a partir de ento os ciganos
no so mais considerados uma minoria nacional ou
tnica, mas am a ser cidados como quaisquer
outros. Pelo menos em teoria, embora na prtica
nem tanto. Por isso, na literatura e nos documentos
oficiais quase no h mais referncias a ciganos.
Mas como identidades tnicas ou nacionais no podem
repentinamente ser abolidas por decreto, obviamente
os ciganos continuaram existindo, com suas lnguas
e seus costumes diferentes. E como leis e decretos
tambm no podem, de um dia para outro, eliminar
esteretipos, preconceitos e discriminaes existentes
h sculos, tambm o anti-ciganismo continuou existindo.
Nos
pases do Leste, a poltica geral quanto aos ciganos
deve ter sido semelhante adotada pelo Partido
Comunista Blgara, expressa num documento, de 1962:
"Em
suas polticas com respeito s minorias nacionais
o Partido Comunista Blgaro sempre foi guiado pela
teoria marxista-leninista sobre a questo nacional.
Assegurando uma completa igualdade poltica e social
de direitos para todos os trabalhadores sem distino
de lngua, religio ou nacionalidade, o
Partido e o governo do povo tomaram vrias medidas
especiais para a rpida eliminao do grande atraso
econmico e cultural da populao turca e cigana.
(...) Esta correta poltica do Partido teve resultados
positivos. Quase todos os trabalhadores capazes
desta parte da nossa populao participam na construo
do socialismo, sua situao material est rapidamente
melhorando, seu nvel cultural est aumentando,
intelectuais locais so formados, as crianas frequentam
a escola, eles tm direito a servios mdicos gratuitos,
etc. " (grifo nosso - FM).
Esta
apenas a verso oficial; resta conhecer a verso
cigana, que bem diferente. Em resumo, as principais
mudanas foram:
-
Todos os cidados, inclusive os ciganos, tm que
trabalhar, e o Estado providenciar trabalho para
todos, nas cidades ou no campo. O cidado comum
vira um assalariado do Estado, mas acontece que
a maioria dos ciganos, tradicionalmente, sempre
preferiu trabalhar por conta prpria, em atividades
artesanais (fabricando ou consertando objetos de
madeira, vime ou de metal), ou comerciais (vendendo
artesanato ou negociando cavalos), ou atividades
consideradas ilegais (mendicncia, quiromancia,
contrabando e atividades afins). O desemprego deixa
de existir, embora apenas por decreto e no na realidade
- e quem no trabalhar considerado um "parasita"
e pode ser punido por lei e mandado para alguma
fbrica ou fazenda coletiva. Mendigar no considerado
"trabalho" e a a ser proibido.
-
Ningum (a no ser o Estado) pode mais explorar
os cidados, ou seja, as tradicionais atividades
rurais, industriais, comerciais ou de prestao
de servios so proibidas, so estatitizadas, sejam
elas ciganas ou no-ciganas. Com isto acabam, por
exemplo, o tradicional comrcio cigano com cavalos
e produtos artesanais, ou a prestao de servios,
principalmente nas atividades agrcolas, em pocas
de colheita ou plantio. Todos os ciganos devem sedentarizar-se,
no campo ou nas cidades.
-
O Estado promete trabalho, habitao, educao,
assistncia mdica, alimentao, etc. para todos,
e todos so iguais e tm direitos iguais, pelo menos
em teoria. Na prtica, os ciganos, como sempre,
so os menos iguais, conforme testemunham documentos
da poca.
Estas
mudanas, no entanto, no ocorreram de um dia para
outro porque a burocracia comunista era
extremamente lenta. Segundo Stewart: "Era uma
caracterstica de campanhas oficiais na Europa Oriental
que uma deciso pelo partido podia levar trs a
cinco anos para ser implantada numa poltica governamental.
No caso dos ciganos ...... o governo central em
Budapest implementou nenhuma poltica cigana at
1968, e em Harangos nada foi formalmente iniciado
at 1977".
Ou seja, mais uma vez no h como generalizar
levianamente sobre os ciganos do Leste. Vejamos
alguns poucos pases em particular.
a)
Romnia.
Em
1947 o rei romeno foi deposto e os comunistas tomaram
o poder. Logo o governo comunista proibiu o (semi-)nomadismo
e, como garantia, confiscou os cavalos e as carroas
dos ciganos, evidentemente sem indeniz-los. Mas
a quase totalidade dos ciganos j era sedentria,
por causa da antiga escravido cigana neste pas;
somente uma minoria era semi-nmade, viajando principalmente
na primavera e no vero e procurando um abrigo fixo
no outono/inverno quando viajar se tornava praticamente
impossvel por causa dos rigores climticos.
Visando
facilitar a integrao, grupos maiores de ciganos
foram dispersos e distribudos sobre as aldeias
e cidades. As casas que lhes foram atribudas geralmente
eram situadas na periferia, ou at fora dela, sem
a necessria infraestrutura como estradas de o,
gua e energia eltrica, coleta de lixo, transportes
pblicos, etc.
A
poltica oficial era assimilar os ciganos na sociedade
romena, e isto significava acabar tambm com um
outro "mau hbito" cigano, o seu modo
de vida "parasita", esta mania dos ciganos
de, aparentemente, se recusarem a trabalhar, ou
de exercerem atividades autnomas, como ferreiros,
ourives, artesos, artistas ou comerciantes. Todas
estas atividades foram proibidas e declaradas ilegais
(tambm para os romnos no-ciganos) e agora todos
aqueles que antes exerciam honestamente estas profisses,
ciganos e no-ciganos, tinham que trabalhar como
operrios nas fazendas coletivas ou nas fbricas.
Quem se recusava a trabalhar, mendigava ou era desempregado,
era considerado "parasita" e podia ser
punido por lei.
O
resultado no podia ser outro: o sempre crescente
nmero de ciganos somente agora proletarizados,
desempregados ou, em ltimo caso, tentando sobreviver
atravs de atividades a partir de ento consideradas
"ilegais" ou criminosas". E assim
milhares de ciganos e outros tantos no-ciganos,
antes trabalhadores honestos e que no eram proletrios
no perodo pr-comunista, viraram agora, e somente
agora no perodo comunista, miserveis sub-proletrios,
ou criminosos, ou parasitas. Os Governos Comunistas
do Leste talvez tenham, em parte, conseguido resolver
os problemas dos proletrios de fato ento existentes
mas, por outro lado, criaram outros tantos novos
proletrios, entre os quais principalmente os ciganos.
Neste perodo comunista no existia propriamente
dita uma poltica anti-cigana oficial e conflitos
entre ciganos e a populao
civil, como tambm entre ciganos e policiais eram
relativamente raros. Isto porque 'oficialmente'
e pelo menos em teoria, no existiam mais 'ciganos'
na Romnia. Como era a situao na realidade,
difcil saber. Um relatrio do Comit Central, de
1983, informa: "muitos deles [ciganos] abandonaram
seu modo de vida parasitria e gradualmente mudaram
para atividades que beneficiam a sociedade. Apesar
disto, existiu uma srie de dificuldades para implementar
medidas para a integrao social de ciganos. Grande
nmero deles, persistindo em tradies e mentalidades
retrgadas, tende a levar um modo de vida parasitria,
se recusa a trabalhar, vive em precrias condies,
e recusa a tomar parte em atividades para o bem-estar
da sociedade".
A
maior parte dos casos de perseguio policial trata
de ciganos sem trabalho, ou trabalhando em atividades
'ilegais'. Os ciganos informaram aos pesquisadores
do Helsinki Watch que, de um modo geral e apesar
de tudo, sua situao durante o perodo comunista
no era boa e existia discriminao e perseguio,
mas era melhor do que na atualidade ps-comunista.
O socilogo e ativista cigano Nicolae Gheorghe at
afirma que: ".... basicamente o governo estava
tentando melhorar as condies de vida dos ciganos",
embora muitas vezes (quase sempre) errando nos mtodos
para alcanar este fim.
Por
causa desta poltica assimilacionista, no perodo
de 1956 a 1966 pelo menos uns 40.000 indivduos
deixaram de identificar-se como 'ciganos' e preferiram
ser identificados apenas como 'romenos', uma identidade
que significava menos discriminao e menos perseguio,
e mais benefcios materiais, educacionais, mdicos,
salariais e outros a serem obtidos do Estado. Outros
ciganos apenas tinham medo de se identificarem como
tais, e mais outros simplesmente foram compulsoriamente
declarados no-ciganos, como aconteceu na dcada
de 80 numa aldeia onde viviam 483 ciganos: durante
um censo apenas oito famlias totalizando 45 pessoas
assumiram sua identidade cigana (menos de 10%),
mas o prefeito, por conta prpria, mudou estes nmeros
para duas famlias com 11 pessoas. O caso de um
outro recenseador cigano ainda mais esclarecedor:
"Muitos ciganos tinham mdo de dizer que eram
ciganos. Eu os encorajei a se declararem ciganos,
mas as autoridades do censo depois se recusaram
a inclu-los nas estatsticas. Eu insisti de ser
includo no censo como cigano e assim, conforme
o censo, existia apenas um nico cigano na minha
aldeia".
Ou seja, no h como confiar nas 'estatsticas oficiais'
sobre a demografia cigana do perodo comunista.
b)
Bulgria.
Tambm
na Bulgria comunista a poltica oficial era a assimilao
dos ciganos. A Constituio de 1947 fala ainda de
"minorias nacionais", mas na Constituio
de 1971 os ciganos e outros minoritrios viraram
simplesmente "cidados de origem no-blgara".
Em 1958 o nomadismo cigano foi proibido e pela ensima
vez na Histria tentou-se sedentarizar os ciganos
por decreto, com os mesmos resultados negativos
de sempre. Na realidade, esta proibio s atingiu
pequena parte da populao cigana, porque a maioria
absoluta j era sedentria. Porm, a poltica era
segregar os ciganos o mais longe possvel da populao
no-cigana, na periferia, e assim foram criados
guetos ciganos em 160 das 237 cidades e em 3.000
das 5.846 aldeias blgaras.
Um
documento do Partido Comunista Blgaro, de 1959,
inicialmente atribue todos os problemas ciganos
ao anterior capitalismo burgus, e informa:
"Depois
de 09.09.1944, junto com todo o povo blgaro, a
populao cigana recebeu liberdade e uma grande
oportunidade ganhar o seu sustento e devolver culturalmente.
A vitria do socialismo na Bulgria, a reconstruo
socialista da indstria, a reconstruo da agricultura
numa base socialista, e a profunda revoluo cultural
que est ocorrendo em nosso pas causaram uma mudana
na vida de parte considervel desta populao. Grande
parte da populao cigana ou a participar da
cultura material e espiritual socialista do povo
blgaro. (...) Uma parte considervel da populao
cigana participa da produo industrial, a construo
e das cooperativas de construo, trabalho e produo,
eles receberam qualificaes tcnicas, se transformaram
em bons operrios, e se tornaram parte da classe
trabalhadora blgara. (...) Ontem viajantes e mendigos
sem lar e sem terra que eram escravizados pelos
fazendeiros e os ricos nas aldeias, eles se tornaram
prsperos membros de fazendas cooperativas, e construtores
conscientes do socialismo".
O
documento apenas no informa que os ciganos se transformaram
em bons camaradas trabalhadores no por livre e
espontnea vontade, mas compulsoriamente, por imposio
governamental, porque de outra maneira terminariam
numa priso ou morreriam de fome, j que as tradicionais
atividades econmicas tinham sido proibidas e eram
consideradas ilegais. Mesmo assim, o documento reconhece
que no conseguiu ainda domar e dominar todos ciganos:
"O
problema com os ciganos viajantes [srio].
Existem cerca de 14.000 deles na Bulgria.
A maioria deles no tem casa, eles viajam de uma
cidade para outra, e praticam a mendicncia, ler
a sorte, furto, etc. Esta a parte mais atrasada
da populao cigana. Eles aceitam a cultura socialista
lentamente, difcil re-educ-los, os velhos costumes
e tradies so profundamente neles enraizados,
os vestgios do ado capitalista deixaram marcos
profundos na sua conscincia, eles ainda continuam
vivendo na maneira antiga. (...) .... hoje nas condies
do socialismo, este modo de vida nocivo e vergonhoso.
Na Repblica popular da Bulgria no existem e no
podem existir condies para desemprego, mendicncia,
e nomadismo. Cada cidado pode obter o seu sustento
atraves de trabalho honesto".
Este
documento critica ainda o fato de muitos ciganos
se registrarem como turcos e de mandarem seus filhos
para escolas turcas, como tambm o isolamento dos
ciganos em distritos e bairros separados (os guetos
ciganos), o que dificultaria sua assimilao na
sociedade blgara.
Para
acabar com a influncia turca, considerando-se perigoso
principalmente o seu fanatismo religioso, o governo
iniciou a partir de 1960 campanhas para os ciganos
mudarem seus nomes turcos por nomes blgaros, o
que depois se tornou praticamente obrigatrio. Segundo
um ativista cigano [antes Mustafa Aliev Demerov;
depois Manush Romanov], cerca de 400 mil ciganos
foram forados a mudarem seus nomes (um nmero certamente
exagerado; antes disto, o prprio governo estimou
o nmero de "ciganos turcos" na Bulgria
em 130 mil). Seja como for, em 1985 praticamente
todos os ciganos tinham nomes blgaros. Nos documentos
de identificao, a designao "cigano"
foi substituda por "blgaro". Em 1984/85,
no combate anti-turco (e no anti-cigano!) prticas
religiosas islmicas foram proibidas e mesquitas
foram fechadas. Acontece que muitos ciganos eram
muulmanos.
Muito
antes disto, j nas dcadas de 50/60, peas e companhias
teatrais, como tambm msicas e orquestras ciganas
tinham sido proibidas. Uma proibio que agravou
muito a situao econmica de milhares de artistas
ciganos que nesta atividade tinham seu nico sustento.
Mas por incrvel que possa parecer, tambm foram
proibidos clubes de futebol com nomes ciganos. Quando
os clubes ciganos ento adotaram nomes de famosos
herois blgaros, isto tambm foi proibido porque
foi considerada uma ofensa aos herois nacionais!
Alm disto, o governo exigiu que sempre pelo
menos cinco jogadores fossem no-ciganos! Os ciganos
preferiram ento extinguir seus clubes de futebol.
Tambm foi proibido falar publicamente a lngua
romani.
Ou
seja, a inteno do governo blgaro era transformar
os ciganos, a maioria ou quase totalidade dos quais
(no importa se sedentrios ou semi-nmades) com
comprovadas "tendncias capitalistas ou parisitrias",
em bons cidados blgaros socialistas/comunistas.
Uma tarefa praticamente impossvel, mesmo se o governo
blgaro de ento tivesse sido democrtico. Isto
em parte por causa da j citada enorme diversidade
entre os tais genericamente denominados "ciganos
blgaros" mas que, na realidade e pelo menos
naquele pas, tm poucas coisas ou quase nada em
comum - nem histria, nem lngua, nem cultura.
c)
Hungria.
Tambm
na Hungria o anti-ciganismo existe h sculos e
mesmo o regime comunista no foi capaz de acabar
com ele. Os antroplogos hngaros Fl e Hofer, na
dcada de 50, realizaram pesquisa na comunidade
camponesa tny e constataram que as casas ciganas
ficavam no dentro, mas fora da aldeia, numa rea
pblica. Isto porque, segundo os camponeses, os
ciganos so de uma espcie inferior, "eles
so criados de maneira diferente, no so nem hngaros,
nem camponeses". As casas ciganas eram inferiores
s casas camponesas e a maioria tinha apenas um
quarto; no tinham quintais nem construes externas,
"porque os ciganos no tinham animais",
nem sequer cavalos (porque foram proibidos de ter
cavalos!). Os ciganos no trabalhavam no campo;
alguns eram msicos e os outros exerciam apenas
profisses de baixo prestgio. Os ciganos no eram
itidos nas casas dos hngaros, nem nas igrejas
(os hngaros desta comunidade eram protestantes
e os ciganos eram catlicos), nem nos bares, e nem
suas crianas nas escolas. Em 1964 viviam na aldeia
182 ciganos, e destes apenas 12 trabalhavam regularmente
nas cooperativas agrcolas, e cerca de 10 em fbricas.
No
muito longe de tany fica a cidade Harangos, com
mais de mil ciganos, que em 1984/85 foram estudados
pelo antroplogo ingls Stewart. Segundo ele, os
ciganos no possuam cavalos porque as pessoas que
viviam do comrcio de animais, como os ciganos,
foram proibidas de possuir animais. Em 1976 o governo
confiscou muitos cavalos ciganos, sem pagar indenizao.
Ao que tudo indica, os cavalos j tinham
sido confiscados outra vez j na dcada de 50, e
houve um novo confisco em 1976.
Mesmo
naqueles tempos comunistas, o anti-ciganismo continuava
existindo, e at estava aumentando porque os no-ciganos
achavam que o governo estava jogando dinheiro fora
nestes infrutferos projetos ciganos.
As
condies de vida dos ciganos nesta poca podem
ter sido melhores do que hoje, no perodo ps-comunista
(conforme veremos a seguir), mas mesmo assim ainda
deixavam muito a desejar. Conforme Stewart: "de
1965 at 1985, os Rom de Harangos sofreram um verdadeiro
processo de proletarizao....... Dia aps dia os
Rom tinham que fazer coisas que eram un-rom
[que contrariavam as tradies rom]". Inclusive
tinham que trabalhar como operrios assalariados
mas, acrescenta Stewart, para os ciganos, na realidade,
o trabalho significava pouco ou nada, e era apenas
uma obrigao. Somente aps sua volta Inglaterra,
o antroplogo descobriu que praticamente no tinha
informaes sobre trabalho, um assunto sobre o
qual os ciganos nunca falavam.
Segundo
um relatrio do Helsinki Watch, nos anos 60, milhares
de ciganos foram recrutados para trabalharem nas
minas, na indstria pesada e na agricultura, onde
geralmente ocupavam os cargos mais perigosos e com
remunerao mais baixa. Em 1971 cerca de 90% dos
homens ciganos e 40% das mulheres estavam plenamente
empregados.
Naqueles
tempos de governos comunistas autoritrios, os ciganos,
alm de no falarem sobre suas novas 'profisses'
compulsrias, certamente tambm no falaram, e menos
ainda tiveram oportunidade ou coragem de fazer denncias
sobre as perseguies e discriminaes das quais,
com certeza, eram vtimas tambm no perodo comunista.
Captulo
6.
CIGANOS
NA EUROPA PS-COMUNISTA.
Conforme
vimos acima, durante o perodo comunista a partir
de 1945, a situao dos ciganos na Europa do Leste
piorou, embora os documentos oficiais dos respectivos
Partidos Comunistas, por motivos bvios, sempre
afirmem o contrrio. A partir de 1989, os governos
comunistas do Leste ruiram, um aps o outro. Infelizmente,
esta histrica mudana poltica trouxe nenhum benefcio
para os ciganos, antes pelo contrrio:
desde j pode ser dito que a situao dos ciganos
piorou ainda mais no perodo ps-comunista.
Stewart
informa que "Mais ciganos tiveram suas casas
incendiadas, foram expulsos de suas aldeias, e foram
assassinados em ataques racistas entre 1989 e 1996
do que em todo o perodo aps a II Guerra Mundial". Talvez seja um exagero,
porque de 1945 a 1989 os pesquisadores e defensores
de direitos
humanos simplesmente no tinham o a estes pases
e somente uns poucos casos de anti-ciganismo se
tornaram pblicos. Enquanto isto, hoje vrias organizaes
no-governamentais ciganas e no-ciganas (Unio
Romani Internacional, Helsinki Watch, European Roma
Rights Center e outras) vigiam constantemente os
direitos ciganos nestes pases e divulgam seus resultados,
inclusive pela Internet.
Todos os relatrios, livros e ensaios tratam, basicamente,
de pogroms, skinheads, violncia policial e discriminao
em geral.
Pogroms.
Pogroms,
ou movimentos anti-ciganos populares, tornaram-se
comuns na Europa Oriental ps-1989. Segundo um relatrio
do Helsinki Watch sobre a Romnia, depois de 1989
a situao dos ciganos muda drasticamente, e para
pior. Aumentam assustadoramente os problemas econmicos,
com as falncias de indstrias estatais sucateadas
ou de fazendas coletivas que voltam para a propriedade
privada ou simplesmente so fechadas; aumenta o
desemprego e surgem problemas em inmeras outras
reas econmicas, para no falar das reas de sade,
educao ou assistncia social. Um dos resultados
ser o desemprego cigano, porque sero eles os primeiros
a serem demitidos. E mais uma vez, como tantas outras
vezes na sua Histria, os ciganos - e agora apenas
eles - sero considerados os bodes expiatrios para
todos os inmeros males que afligem a populao
romna na era ps-comunista. Desempregados, muitos
ciganos, para sobreviver, tm de recorrer novamente
a meios no tanto legais, e assim aumenta mais ainda
o anti-ciganismo.
Conforme
este relatrio do Helsinki Watch "Antes de
1990, os sentimentos anti-ciganos eram expressos
de maneira mais sutil. Agora, raras vezes a
um ms sem uma aldeia cigana ser atacada".
O Helsinki Watch, no entanto, reconhece que:
"O
tratamento dos ciganos tem melhorado em vrios aspectos.
Os ciganos agora tm mais direitos culturais e polticos
do que em qualquer poca anterior. Eles agora podem
criar partidos polticos e associaes culturais,
como tambm ter suas prprias revistas e jornais.
(...) Porm, para a maioria dos ciganos pouca coisa
um-dou. Pobreza, analfabetismo e desemprego continuam
sendo srios obstculos para o seu progresso. Alm
disto, estas condies, que so o resultado de sculos
de polticas discriminatrias governa-mentais, nem
to cedo sero erradicadas".
A
seguir, o Helsinki Watch analisa a violncia anti-cigana
em onze aldeias/cidades, ocorrida em 1990/91, e
que resultou na morte de vrios ciganos, no incndio
ou na destruio de dezenas de casas, na expulso
de ciganos e a proibio de voltarem para as aldeias.
Em Turu Lung (janeiro de 1990), a discordncia dos
ciganos com mudanas polticas locais fez com que
cerca de mil aldees se reunissem para atacar a
parte cigana da aldeia, na qual incendiaram ou destruiram
36 das 41 casas ciganas; uma criana morreu queimada.
Em Lunga (fevereiro de 1990) quatro ciganos foram
mortos e seis casas foram incendiadas ou destrudas
por uma multido de cerca de 250 pessoas; os ciganos
abandonaram a aldeia e apenas uma famlia retornou.
Num outro lugar, em outubro de 1990,
foram incendiadas 25 e destrudas 8 casas
ciganas. E em abril de 1991, o assassinato de um
estudante romeno por um cigano (que logo foi preso),
fez com que uma multido de alguns milhares de pessoas,
instigada pelo padre e pelo prefeito, atacasse os
ciganos, incendiando 22 e destruindo 5 outras casas;
os ciganos foram expulsos da cidade e fugiram para
aldeias vizinhas. Em maio, fatos semelhantes ocorreram
em duas outras aldeias, onde 21 casas ciganas foram
incendiadas ou destrudas. Em junho, em mais outra
aldeia, 27 casas ciganas foram incendiadas. Outros
casos poderiam ser citados e em todos eles as autoridades
e as polcias locais nada fizeram para impedir estes
ataques, nem depois prenderam ou puniram qualquer
dos no-ciganos.
A
assim chamada Justia, infelizmente e ao que tudo
indica em qualquer pas do Mundo, costuma ser extremamente
lenta e benevolenta quando os rus so polticos,
poderosos ou ricos (e que tm como pagar os milionrios
honorrios dos seus advogados), e extremamente
rpida e rigorosa quando se trata de processos envolvendo
pretos, pobres ou ciganos que no tm como pagar
um advogado.
Skinheads
anti-ciganos.
O
movimento skinhead neonazista que existe bem organizado
em muitos pases europeus e no-europeus tambm
existia na Europa do Leste j no perodo comunista
e hoje mais ativo do que nunca em vrios pases,
principalmente na Repblica Tcheca, Eslovquia,
Bulgria, Hungria e Yugoslvia.
Nestes pases, por falta de um alvo melhor, o bode
expiatrio preferido dos skinheads costumam ser
os ciganos.
O
European Roma Rights Center (ERRC), num amplo relatrio
de 1997, documenta dezenas de casos de ciganos assassinados
ou feridos por skinheads na Eslovquia. Estes ataques
quase sempre ficaram impunes e na maioria dos casos
a polcia at se recusou a registrar e investigar
os ataques alegando que os ferimentos foram causados
porque a vtima se feriu ao cair porque estava bbado,
ou porque os agressores foram apenas alguns jovens
menores, ou porque foram os prprios ciganos que
provocaram a briga, etc.
Chabanov
registra vrios ataques de skinheads na Yugoslvia.
Em 1997 um jovem cigano de 14 anos foi morto por
quatro skinheads. Os skinheads, atacando em grupos,
costumam espancar barbaramente suas vtimas ciganas,
quase sempre jovens, mulheres ou velhos, ou ento
ciganos que, noite ou de madrugada, trabalham
em servios de limpeza urbana. Em muitos casos as
vtimas precisam ser hospitalizadas; algumas vezes
morrem, como no caso do jovem cigano acima que teve
seu pescoo quebrado. Neste caso, somente por causa
da grande repercusso na imprensa e uma eata
de milhares de Rom reclamando por justia, dois
skinheads, ambos de 17 anos, foram presos e condenados
a dez anos de priso. Na maioria das vezes, no entanto,
os skinheads ficam impunes. A polcia nada costuma
fazer e muitas vezes at acusa as vtimas de terem
provocado os skinheads, pelo que os ataques a ciganos
tm se tornado sempre mais frequentes.
Em
outros pases a situao semelhante. Helsinki
Watch registra ataques de skinheads na Hungria;
somente em 1992 teriam ocorrido cerca de 200 ataques.
Outro relatrio cita numerosos ataques de skinheads
na Repblica Tcheca e na Eslovquia.
Violncia
policial.
Conforme
vimos acima, aps 1989 era comum ocorrerem revoltas
populares, atacando a populao no-cigana a comunidade
rom local, destruindo ou incendiando suas casas,
expulsando-os da rea, e em muitos casos assassinando
vrios rom. O motivo (ou o pretexto) podia ser o
fato de um rom qualquer ter ofendido, enganado,
furtado, ferido ou morto um no-cigano. Ou seja,
em lugar de prender e processar este cigano, a vingana
costumava ser imediata e contra a comunidade rom
em sua totalidade. A violncia anti-rom era, portanto,
da populao civil no-cigana, e a polcia local
na maioria das vezes apenas assistia a tudo sem
interferir, ou s vezes at participando da violncia
anti-cigana.
Aps
1989, esta violncia se institucionaliza e a
a ser praticada tambm pela prpria polcia. Tornam-se
comuns batidas policiais em comunidades rom. Quase
sempre de madrugada, com os ciganos ainda dormindo,
as comunidades rom so cercadas pela polcia, as
casas so invadidas, os moradores - incluindo velhos,
mulheres e crianas - so levados para as delegacias
policiais onde durante horas so interrogados, espancados,
torturados e finalmente libertados, muitas vezes
aps o pagamento de multas ou fianas (sem recibo),
mesmo sem nunca terem cometido nenhum delito.
Um
relatrio do ERRC de 1996 documenta umas duas dezenas
de casos ocorridos entre 1990
e 1996 em vrias aldeias e cidades romenas.
Em todos os casos, os policiais agressores ficaram
impunes. Esta impunidade,
por sua vez, gera violncia sempre maior. E entre
os Rom esta violncia oficializada gerou antes de
tudo medo e a descrena na justia: "enquanto
[antes] as vtimas no hesitavam em contar suas
histrias para quem quisesse ouv-las, agora sempre
mais se fecham atrs de uma cortina de silncio.
Romani [ciganos], vtimas de violaes aos direitos
humanos, sempre menos so inclinados a confiarem
em organizaes de defesa dos direitos humanos".
Em uma das aldeias, o lder rom chegou at a proibir
a presena dos pesquisadores, "para no criar
problemas" com a polcia local. Uma
outra consequncia a desesperana, o desnimo.
Pelo menos na Romnia e certamente tambm em muitos
outros pases - quase nenhum cigano acredita mais
nestas Organizaes em Defesa dos Direitos Humanos,
nacionais ou internacionais, de fato bem intencionadas
e que denunciam, mas que na prtica nada resolvem,
nem melhoram a vida de nenhum cigano.
Tambm
h inmeros registros de violncia policial na Eslovquia,
mas pior ainda a situao na Ucrnia, pas independente
desde 1991. Um relatrio do ERRC, de 1997, documenta
dezenas de casos de ciganos arbitrariamente presos
e torturados por policiais ucranianos. A polcia
chama isto de "poltica profiltica" que
se destina a 'prevenir o crime'. Como os ciganos,
na opinio da polcia, so criminosos potenciais,
com inatas e hereditrias "caractersticas
anti-sociais", nada melhor do que regularmente
prender grupos inteiros de ciganos e levar para
a delegacia, onde so devidamente fichados, humilhados,
espancados e depois libertados. Os preconceitos
dos policiais ps-1991 so expressos em frases como:
"Ns fazemos prises coletivas porque eles
[os Rom] cometem crimes em grupos", "Todos
os ciganos so bastardos" ou "O melhor
lugar para os ciganos o cemitrio".
Alm
destas prises coletivas, o ERRC registra inmeras
prises individuais. Ciganos, inclusive menores,
costumam ser presos na rua ou em casa, levados para
a delegacia onde so torturados at confessarem
um "crime" que nunca cometeram, como,
p.ex., o furto de uma bicicleta. Depois da "confisso"
so fichados como criminosos. Com alguma sorte,
depois de eles ou seus parentes pagarem algum suborno,
so depois libertados, mas muitos tambm, embora
inocentes, terminam durante anos numa priso. Conforme
o ERRC: "A poltica policial, portanto, mais
parece ser criar do que encontrar criminosos; a
penitenciria um lugar excelente para [os ciganos]
serem socializados no crime, e a polcia parece
fazer questo que todos os homens romani experimentem
a priso logo cedo na sua vida, e que sejam periodicamente
novamente presos, para refrescar a sua memria.
Embora
tenha amplamente documentado esta violncia policial,
o ERRC no encontrou um nico caso de policiais
punidos por, comprovadamente, torturarem ou extorquirem
ciganos. As autoridades policiais superiores, por
serem tambm anti-ciganas, obviamente sempre negam
esta violncia anti-cigana e informam cinicamente
que nunca cigano algum apresentou queixas por escrito
(a quase totalidade dos ciganos analfabeta). E
mesmo nos casos de denncias escritas (inclusive
pelo ERRC), nunca nada foi resolvido. Advogados
ucranianos contatados pelo ERRC recusaram-se a defender
ciganos e processar policiais. Um deles, talvez
falando em nome de todos, informou: "Processar
a polcia uma boa maneira para arruinar a sua
carreira .....
Tericamente possvel processar a polcia, mas
no quando as vtimas so ciganos ou gente pobre
ou um professor, por exemplo. Realmente, somente
uma pessoa rica ou uma pessoa com conexes polticas
pode fazer isto".
O
ERRC lembra que em 1993 a inflao anual ucraniana
foi em torno de 5.000%, e que por isso os salrios
dos funcionrios pblicos estavam miseravelmente
baixos (mdia de 50 dolares por ms), e que por
causa disto no era difcil subornar membros do
judicirio ou outras autoridades pblicas.
Tambm
foram documentados detalhadamente inmeros casos
estarrecedores de violncia policial anti-cigana
na Albnia
e na Bulgria, onde somente na primeira metade de
1997 foram registrados 528 casos de abusos policiais.
Na
Macednia que antes fazia parte da Iugoslvia
praticamente todos os Rom foram demitidos aps
a privatizao das fazendas e fbricas e o ndice
de desemprego enorme. Por causa disto muitos tentam
sobreviver como vendedores ambulantes. Na Macednia
a violncia policial dirigida principalmente contra
estes vendedores ciganos que so espancados, tm
seus produtos apreendidos, e ainda so obrigados
a pagar multas, e tudo sem recibo, e sem qualquer
processo judicial.
Helsinki
Watch registrou amplamente esta violncia policial
na Hungria, na Repblica Tcheca e na Eslovquia.
Os
casos citados acima no so exceo, mas a regra,
em praticamente todos os pases ps-comunistas do
Leste Europeu. Tudo indica que na Europa do Leste
a violncia policial anti-cigana aumenta na mesma
proporo em que diminuem os salrios dos policiais
e aumentam as dificuldades econmicas. Sempre mais
os Rom tornam-se ento os bodes expiatrios por
excelncia, inclusive porque por causa de sua pele
mais escura so facilmente identificveis. Nada
melhor para descarregar a agressividade e a frustrao
do que torturar e massacrar ciganos. Alm disto,
estes constituem uma excelente fonte de renda complementar
para os policiais, atravs do confisco de bens e
a extorso de dinheiro.
Em
praticamente todos os pases da Europa Oriental,
os ciganos quase sempre aceitam a violncia policial
sem resistncia porque, como explica a cigana blgara
Marushiakova: "quando a polcia decide combater
algum, sero os ciganos porque eles no conhecem
seus direitos, e no [costumam] reclamar. Os ciganos
precisam ser instrudos sobre os seus direitos.
Nunca vi um cigano que sabia que a polcia no tinha
direito de bat-lo ....
Ciganos so bodes-expiatrios e so acusados
pela polcia porque eles nunca protestam, nunca
denunciam. O problema , primeiro, que os ciganos
no tm suficiente informao e segundo, que eles
pensam que a Lei no se aplica a eles que eles
no tm direitos quaisquer porque sempre lhes
disseram o que fazer".
Discriminao.
Educao.
Relatrios
do Helsinki Watch sobre Romnia, Bulgria, Hungria
e Tchecoslovquia indicam que, de um modo geral,
a educao cigana melhorou desde 1945: mais crianas
ciganas comearam a frequentar escolas, o analfabetismo
cigano diminuiu, alguns poucos ciganos at chegaram
a obter ttulos acadmicos. E esta tendncia continuou
aps 1989. No entanto, a discriminao na rea educacional
ainda muito forte e vrios problemas continuam
existindo, ou at se agravaram.
Um
relatrio do Helsinki Committee da Srvia enumera
os seguintes problemas: - o pobre conhecimento da
lngua nacional usada nas escolas; uma pesquisa
revelou que 37% das crianas ciganas nada sabiam,
e 46% sabiam apenas um pouco da lngua srvia quando
entraram na escola; - o reduzido vocabulrio da
lngua materna (cigana) na qual as crianas so
socializadas; - o baixo nvel cultural (educacional)
dos pais geralmente analfabetos; - falta de preparao
pr-escolar (jardim de infncia); - a pobreza dos
pais, que no tm dinheiro para comprar o material
escolar, ou roupas adequadas para seus filhos; -
a baixa valorizao da educao escolar pelos ciganos;
- a discriminao dos ciganos pelos no-ciganos.
Disto
tudo resulta, entre outras coisas, que em testes
de inteligncia, nos quais so usados critrios
iguais para ciganos e no-ciganos, muitas crianas
ciganas obtm ndices baixos e so classificadas
como inaptas para as escolas normais, e por isso
so matriculadas em escolas especiais para retardados
mentais.
Em quase todos os outros pases, a situao idntica.
As
dificuldades comeam porque o ensino em lngua
nacional, mas que muitas crianas ciganas falam
mal, ou no falam de modo algum. J vimos acima
o caso das crianas ciganas na Srvia. Tambm na
Bulgria, por exemplo, muitos ciganos falam apenas
romani e turco, e seus filhos tm por isso enormes
dificuldades de acompanhar o ensino em blgaro.
Um diretor de uma escola em Sliven (Bulgria) estimou
que 90% das crianas ciganas que se matriculavam
na escola no sabiam expressar-se em blgaro. Por
isso, muitas vezes estas crianas so colocadas
em classes "especiais", o que no caso
quer dizer, classes para crianas "excepcionais",
para retardados mentais.
Esta
poltica, por sinal, tambm j existia na era comunista.
Stewart informa que na aldeia hngara Harangos em
1985 um quarto das crianas ciganas frequentava
uma Escola para Educacionalmente Subnormais, popularmente
tambm conhecida como "a Escola dos Ciganos",
ou "a Escola dos Doidos".
E esta poltica continua existindo hoje: na Repblica
Tcheca, em 1996/97, apenas 4,2% das crianas tchecas
estavam nestas escolas especiais para retardados
mentais, mas entre as crianas ciganas o ndice
era 62,5%.
Um
problema adicional que no existem livros didticos
em romani, e em parte tambm seria quase impossvel
editar estes livros, porque em cada pas os ciganos
falam diversos dialetos romani. Na Srvia, por exemplo,
existem dois dialetos romani mutuamente ininteligveis:
o Gurbet
falado pelos ciganos ortodoxos com forte influncia
da lngua srvia, e o Arli,
falado pelos ciganos muulmanos com influncias
albanesas e turcas.
No existe um romani padronizado, alm de existirem
ciganos que no falam mais o romani.
O
relatrio do Helsinki Watch sobre a Hungria relata
os mesmos problemas para as crianas ciganas hngaras:
embora atualmente 60 a 75% consigam concluir o primeiro
grau, somente uns 3% ingressam no ensino de segundo
grau, e destes apenas 1% chega at o ensino superior.
Vrios
ensaios e relatrios documentam a discriminao
de crianas ciganas nas escolas mistas: os professores
do pouca ou nenhuma ateno aos alunos ciganos,
considerados "casos perdidos e irrecuperveis",
que por isso so colocadas nos bancos trazeiros
da sala. Os alunos ciganos so ridicularizados por
seus colegas no-ciganos, por causa de seu vesturio
mais pobre, por causa de sua aparncia fsica (mais
escura), por serem supostamente sujas ou cheias
de piolhos, pelo fato de no saber falar direito
a lngua nacional,
por serem supostamente ladres ou filhos
de ladres, por no saberem comer direito, etc.
Por
isso h quem defende escolas ciganas separadas,
com professores ciganos ensinando em romani, porque
somente desta forma as crianas ciganas poderiam
aprender tambm sobre sua prpria histria, cultura
e lngua, que so ignoradas no ensino tradicional.
Em vrios pases existem escolas de primeiro grau
separadas para ciganos, o que primeira vista parece
ser uma boa soluo, mas nem todos os ciganos querem
isto, inclusive porque aumenta ainda mais a marginalizao,
o abismo entre ciganos e no-ciganos. E dificilmente
estas escolas preparam adequadamente os alunos para
depois ingressaram em escolas normais de segundo
grau ou de nvel superior.
A
polmica nem to cedo terminar e sempre existiro
pessoas que condenam ou defendem escolas separadas
ou escolas mistas. Tudo indica, no entanto, que
pelo menos na Europa Oriental, os resultados de
escolas separadas tm sido negativos. Em parte,
sem dvida alguma, porque os professores destas
escolas quase sempre foram no-ciganos, que no
falavam romani, e nada sabiam ou ensinavam sobre
lngua, cultura e histria cigana. Ou ento porque
desconheciam os valores culturais e os problemas
especficos dos seus alunos ciganos.
Na
Hungria, a Fundao Soros mantm duas escolas em
Budapest e Pcs, onde os alunos, alm de lngua,
cultura e histria cigana, tambm aprendem ingls
e computao, entre outras disciplinas. Mas estes
so casos excepcionais, e no a regra. E mesmo assim,
a Fundao prefere contribuir para melhorar a situao
dos estudantes ciganos em
escolas mistas normais porque, conforme o coordenador
do programa, Ferenc Arato: " perigoso separar
crianas de acordo com sua lngua ou cr. perigoso
para elas porque isto cria uma situao virtual.
Elas no so separadas na sociedade e precisam saber
como comunicar-se com no-ciganos, elas tm que
aprender sobre outras culturas da mesma forma como
sobre a sua."
A
regra, na Hungria, parece estar mais perto do caso
da escola primria Ferenc Pethe, em Tiszavasvri,
com quase 15.000 habitantes, 17% dos quais ciganos.
Nesta cidade os alunos ciganos assistem aulas na
mesma escola, mas em prdios separados: os ciganos
em precrios prdios auxiliares sem a mnima infra-estrutura
educacional, construdos a cerca de 300 metros do
prdio principal, no qual nada falta para os alunos
no-ciganos. Os alunos ciganos so proibidos de
frequentar a cantina da escola, como tambm de usar
o ginsio de esportes. No final, a direo da escola
introduziu ainda
formaturas em separado para concluintes ciganos
e no-ciganos.
Na
Eslovquia o governo editou em 1996 uma Resoluo
"para resolver os problemas de cidados que
necessitam de cuidados especiais", um novo
eufemismo para "ciganos". Na parte que
trata da educao das crianas destes cidados -
e no h dvida alguma que se trata de crianas
ciganas, porque o adjetivo romani
constantemente usado - analisam-se os problemas
e so propostas medidas para: "crianas de
familias com motivao baixa", "de pais
sem interesse na educao dos seus filhos",
"crianas de famlias disfuncionais (pais desempregados,
refugiados, imigrantes), crianas de instituies
sociais especiais, crianas e adolescentes de famlias
socialmente patolgicas, crianas dependentes de
lcool, drogas e jogos, etc. Ou seja, os culpados
pela falta de educao entre as crianas ciganas
so os prprios pais. Com tantos preconceitos, como
esperar algum resultado positivo da "educao
especial" proposta para estas crianas?
Economia.
Hoje,
na era ps-comunista, sem dvida alguma existe mais
liberdade econmica do que na era comunista, e velhas
profisses ciganas foram novamente permitidas. Mas
isto no significa que a situao econmica dos
ciganos melhorou. Antes pelo contrrio.
Segundo
Evans, aps 1989 a situao dos ciganos hngaros
piorou ainda mais, porque as fazendas coletivas
e indstrias, que empregavam tambm ciganos, agora
faliram ou os ciganos foram os primeiros a serem
demitidos. Hoje so desempregados ou ocupam os empregos
com os mais baixos salrios.
Varredores de
rua e lixeiros, por exemplo, so preferencialmente
recrutados entre os ciganos.
Tambm
o antroplogo Stewart afirma: "O sofrimento
cigano no tem sido causado somente pela violncia
racial. (...) Os ciganos muitas vezes sofreram mais
pela desintegrao social e econmica que afetou
toda a regio desde 1989. Na Hungria em 1994, 65%
dos homens ciganos estavam desempregados, chegando
numa determinada regio a 90%.
A
Hungria, citada pelos dois autores acima, obviamente,
no um caso excepcional, mas apenas um exemplo
da regra geral nos pases do Leste. Quando se trata
de empregos assalariados, os ciganos sempre so
os ltimos a serem itidos, e os primeiros a serem
demitidos. Aps 1989, muitas fbricas foram fechadas,
mas nas cidades, dificilmente os ciganos conseguiram
obter terrenos para construirem suas oficinas, algo
necessrio principalmente para os ferreiros. Outras
foram privatizadas e logo demitiram os ciganos.
O que aconteceu, por exemplo, numa cervejaria em
Kocani, na Macednia, que em 1990, dias aps a privatizao
demitiu uma centena de ciganos, e logo recontratou
para os mesmos cargos outros tantos no-ciganos.
Numa outra cidade duas fbricas foram fechadas,
sobrevivendo apenas uma terceira que desde 1990
no contratou um ncio cigano.
Tambm
foi quase impossvel obter terras para atividades
agrcolas. Pelo menos na Bulgria, quando foram
distribudas ou devolvidas aos antigos proprietrios
as terras das antigas fazendas coletivas, dificilmente
tambm ciganos conseguiram obter um lote, porque
poucos possuam terras antes de 1944, e mesmo estes
- quase sempre sem a documentao necessria dificilmente
foram capazes de provar que ento as possuiam. Sem
terrenos nas cidades e sem terras no campo, tambm
ficou difcil retomar o antigo comrcio com cavalos,
alm de os cavalos serem sempre mais desnecessrios
nas atividades agrrias, sendo substitudos por
tratores e outras mquinas agrcolas.
Aqui
bom lembrar que h muito tempo os ciganos do Leste
no so mais nmades, e precisam de empregos assalariados.
Conforme Stewart, falando dos ciganos no perodo
comunista:
"Na
Europa Ocidental normalmente se pensa que nomadismo
uma caracterstica essencial dos ciganos. Mas
na Europa Oriental, onde vive a maior parte dos
ciganos do mundo, muito menos do que 1% dos ciganos
viaja. Da mesma forma, a rejeio de trabalho assalariado
pelos ciganos na Europa Ocidental tem sido considerada,
tanto por eles prprios quanto por seus etngrafos,
uma marca vital de sua identidade. Mas na Hungria
e outros pases comunistas, praticamente todos os
ciganos trabalham por salrios. De modo que os ciganos
podem ser sedentarizados e proletarizados eles
podem abandonar o que parecem ser as caractersticas
definidoras de sua identidade sem que isto leva
a sua extino cultural".
Na
era ps-comunista o nomadismo foi novamente permitido,
mas nos tempos modernos este modo de vida dificilmente
ainda pode sustentar milhares de famlias.
Na
j citada Resoluo eslovaca de 1996 para "cidados
que precisam de cuidados especiais", o segundo
pargrafo trata de empregos e cita como problemas
a falta de qualificao dos ciganos, sua baixa tica
de trabalho, o seu desinteresse em empregos no servio
pblico.
Este desinteresse, por sinal, fcil de entender
quando se sabe que em muitos pases os nicos empregos
pblicos disponveis para ciganos so os de varredor
de rua ou lixeiro.
Habitao.
Na
Europa do Leste, a quase totalidade dos ciganos
nunca foi nmade ou j h dezenas de anos sedentria.
O mito, a imagem do "cigano nmade", no
entanto, persiste at hoje, principalmente na Europa
Ocidental, e mais ainda nos livros e ensaios de
supostos ou reais "ciganlogos". Sendo
sedentrios, os ciganos precisam de residncias,
como qualquer outro cidado.
No
h como negar que vrios governos possuem projetos
habitacionais, j desde a era comunista, e que muitos
ciganos tenham sido beneficiados. Porm, as condies
habitacionais ciganas continuam inferiores s dos
cidados no-ciganos. As casas ciganas costumam
ser menores, de acabamento inferior, localizadas
em reas perifricas com precrio fornecimento de
energia eltrica e gua encanada, muitas vezes sem
instalaes sanitrias e de difcil o, sem
transportes pblicos, sem coleta de lixo, etc. Os
bairros ciganos tornam-se assim verdadeiras favelas,
ou guetos, bairros separados para, e habitados por
determinadas minorias, no nosso caso pelas minorias
ciganas.
Quando
os ciganos vivem dispersos no meio dos no-ciganos,
estes em geral preferem-nos distncia, e so comuns
abaixo-assinados e movimentos (muitas vezes pogroms)
para expulsar ciganos da aldeia, da rua ou da casa
ou do apartamento em que moram, alegando-se que
os ciganos no sabem viver 'civilizadamente', que
arrancam os ladrilhos do piso e com eles fazem fogueiras
dentro dos apartamentos, que levam seus cavalos
para dentro dos apartamentos, mesmo quando situados
no segundo ou terceiro andar. Ou ento que eles
so barulhentos demais, fazem festas demais, brigam
demais, sujam demais, fedem demais, tm piolhos
demais, furtam demais, etc. Pretextos para reclamar
contra a presena cigana nunca faltam. Sempre eles
fazem "algo demais", algo condenado pelos
hipcritos valores da populao no-cigana nacional,
seja de que pas for, na Europa Ocidental ou Oriental.
Cidadania.
Conforme
j vimos, aps 1989 a Europa do Leste redesenhou
suas fronteiras nacionais e surgiram ou renasceram
muitos pases novos. Os casos mais dramticos talvez
sejam a ex-Iugoslvia e a ex-Tchecoslovquia. Por
causa disto, muitas pessoas mudaram repentinamente
de nacionalidade; muitas outras, e entre elas principalmente
ciganos, ficaram sem nacionalidade alguma. Por causa
da violncia anti-cigana aps 1989, muitos ciganos
migraram ou procuraram asilo poltico em outros
pases, mas em nenhum pas eles foram bem-vindos.
Os governos costumam recusar asilo poltico ou vistos
de permanncia a ciganos, que logo quando possvel
so repatriados (deportados). E isto inclusive em
pases como a Holanda, Frana e Alemanha.
A criatividade dos governos quando se trata
de leis anti-ciganas s vezes tem sido espantosa.
A
Austria um caso exemplar. O governo deste pas
editou em 1992 uma nova Lei de Asilo Poltico que
contm uma clusula, conhecida como "a clusula-do-terceiro-pas",
segundo a qual asilo poltico negado a quem antes
de chegar Austria ou por um outro pas. Na
prtica isto significa que somente pessoas de pases
vizinhos como a Repblica Tcheca, Eslovquia, Hungria
e Eslovnia teriam possibilidade de obter asilo
poltico, sendo automaticamente excluidas pessoas
de pases balcnicos que, viajando por terra, sempre
teriam que atravessar um destes pases.
Viajar de avio diretamente do pas de origem
para a Austria tambm no adianta porque, segundo
as autoridades austracas, quem for capaz de tranquilamente
embarcar num aeroporto de seu pas, sem ser preso
pela polcia, por definio no pode ser um perseguido
poltico. Esta lei tem sido usada para recusar asilo
poltico e vistos de permanncia no somente a ciganos
balcnicos, como tambm a curdos, turcos, indianos
e outros 'estrangeiros indesejados'
que, com sua aparncia extica e costumes
estranhos, podem 'poluir' o ambiente e com isto
afugentar os preciosos turistas, a talvez principal
fonte de renda austraca. Desde 1992, somente pouco
mais de 7% das pessoas que procuram asilo poltico
so itidos no pas; as outras so imediatamente
deportadas ou presas enquanto se prepara a sua deportao.
Tambm existe uma nova Lei de Imigrao que praticamente
impossibilita a concesso de vistos de permanncia
a estrangeiros (principalmente quando ciganos) que,
como imigrantes, pretendem viver e trabalhar no
pas, enquanto antigos vistos de permanncia, quando
expiram, dificilmente so renovados. O ERRC registrou
casos de ciganos nascidos na Austria, filhos de
antigos imigrantes, que tiveram sua nacionalidade
austraca anulada e junto com seus pais, foram deportados
para a Hungria. Motivo: aps mais de 20 anos de
permanncia contnua na ustria, o visto de permanncia
dos pais tinha expirado! Na Hungria estes ciganos
ficaram aptridas, ou seja sem nacionalidade alguma
- porque perderam a nacionalidade austraca e nunca
possuram a nacionalidade hngara - alm de no
saberem falar hngaro.
Criatividade
anti-cigana no faltou tambm na Repblica Tcheca.
Depois da diviso da Tchecoslovquia na Repblica
Tcheca e na Eslovquia, seus cidados tiveram que
assumir ou a nacionalidade tcheca ou a nacionalidade
eslovaca, em parte dependendo da regio em que moravam.
A Repblica Tcheca, no entanto, inovou ao estabelecer
que s teria nacionalidade tcheca quem: a) falava
fluentemente a lngua tcheca, b) residia no pas
h pelo menos dois anos consecutivos, e c) no tinha
cometido nenhum crime nos ltimos cinco anos.
Muitos ciganos tiveram seu registro de nacionalidade
tcheca negado, ou porque no falavam checo mas apenas
o romani ou o eslovaco ou uma outra lngua 'estrangeira',
ou porque no podiam provar residncia contnua
no pas durante dois anos, ou ento porque muitos
deles, no antigo regime comunista, tinham sido fichados
como 'criminosos' por causa de suas atividades econmicas
ento consideradas 'ilegais', como mendigar, comerciar
cavalos ou produtos, trabalhar em prestaes de
servios particulares ou ento no aceitar os trabalhos
impostos pelo governo. Milhares de ciganos perderam
assim sua nacionalidade tcheca e foram deportados
para a Eslovquia, que tambm no quis receb-los.
O
mesmo aconteceu na Macednia, onde os critrios
ainda foram mais rigorosos. Antes de 1992, a Macednia
fazia parte da Iugoslvia, ento uma Federao de
vrias Repblicas. Todos seus habitantes tinham,
portanto, a cidadania iugoslava. A partir de 1976
cada Repblica editou ainda leis de cidadania complementares,
introduzindo assim tambm uma cidadania repblicana,
uma cidadania simblica que na prtica nada significava.
Na ento Repblica Socialista da Macednia isto
foi feito em 1977, mas muitos ciganos, por desinteresse,
ou porque naquele momento no estavam no pas ou
por outros motivos, no se registraram ou no conseguiram
ser registrados como cidados macednicos. Em 1993,
quando a nova Repblica da Macednia editou uma
nova Lei de Cidadania, s foram considerados cidados
da Macednia todos aqueles (e seus descendentes)
que se tinham registrados como tais em 1977, e todos
os outros, mesmo habitando h dezenas de anos no
pas, entre os quais muitos ciganos, foram considerados
estrangeiros. Para os estrangeiros se tornarem
cidados macednicos deveriam satisfazer oito exigncias,
entre as quais: ter residncia contnua no territrio
da Repblica da Macednia durante os ltimos 15
anos, ter sade fsica e mental, dispor de fontes
permanentes de renda, no ter ficha criminal, falar
a lngua nacional, alm de pagar uma considervel
soma em dinheiro para os custos istrativos.
Poucos ciganos foram capazes de satisfazer todas
estas exigncias. Dezenas de milhares de rom macednicos,
antigos cidados iugoslavos, ficaram agora aptridas.
O mesmo ocorreu tambm na Repblica da Crocia,
que se recusou a dar cidadania a inmeros ciganos.
A
Terceira Onda Migratria.
Diante
de tamanha perseguio e discriminao, novamente
inmeros Rom do Leste procuram melhores condies
de vida em outros pases. J vimos, no entanto,
que tambm no so bemvindos na Europa Ocidental,
onde hoje praticamente impossvel um cigano obter
asilo poltico ou licena de permanncia. Na dcada
de 90, dezenas de milhares de Rom do Leste foram
repatriados para seus pases de origem, principalmente
pela Alemanha e a Frana. Resta como talvez nica esperana o caminho para as Amricas.
s
vezes documentrios na TV fazem milagres. Em 6 de
agsto de 1997, uma TV tcheca exibiu um programa
no qual o Canad foi apresentado como uma espcie
de paraso para os ciganos, e onde todos viveriam
'como reis', sem problemas financeiros, onde haveria
empregos para todos, e onde finalmente estariam
livres de perseguies e discriminaes. Logo depois
comeou o xodo j que para entrar no Canad, na
poca, no era exigido visto de entrada para europeus.
Cerca de mil ciganos voaram logo para o Canad,
antes que a festa acabasse, e muitos outros seguiriam,
porque at outubro de 1997 todos os vos para Toronto
j estavam lotados.
A
prefeita de uma cidade tcheca onde moram cerca de
16 mil ciganos, prometeu a todos pagar duas teras
partes da agem area (cerca de 600 dolares,
mas apenas para a agem de ida!). A prefeita
cinicamente justificou sua generosidade da seguinte
maneira: Aqui vivem dois grupos, Roma e brancos,
e a situao no satisfaz a nenhum dos dois. Eles
no desejam viver juntos. Porque ento um no pode
fazer um gesto amigvel para o outro? Este no
um ato racista. Pelo contrrio, ns desejamos ajudar
os Rom. Este um gesto amigvel......
Agora, pagar a agem toda seria imoral.
Em
Toronto esta repentina invaso cigana causou alguns
transtornos e todos foram provisoriamente alojados
em motis. Canad talvez seja o pas mais liberal
do mundo quanto imigrao e concesso de asilo
poltico. Mil ciganos, na realidade, quase nada
significam nas estatsticas imigratrias canadenses,
porque em 1997, at a chegada dos ciganos, imigraram
ou solicitaram asilo poltico mais de 18 mil chineses,
14 mil indianos e 8 mil paquistaneses, alm de milhares
de pessoas de outras nacionalidades. A maioria dos
quais, provavelmente, com algumas centenas de milhares
de dolares previamente depositados em bancos canadenses
(250 a 350 mil dolares a serem investidas na economia
canadense garantem logo um visto de imigrao!),
ou ento devidamente qualificados profissionalmente,
muitos com ttulos universitrios, e portanto pessoas
que logo tero sua situao devidamente regularizada.
O
mesmo no acontece com os ciganos que na maioria
das vezes chegam apenas com a roupa do corpo, sem
um nico dolar canadense no bolso, e sem qualquer
qualificao profissional, alm de no entender,
falar ou ler ingls ou francs, as lnguas oficiais
do Canad. E os tradicionais preconceitos anti-ciganos
existem tambm no Canad. Muitos ciganos que antes
sofreram ataques de skinheads tchecos, no demoraram
a sofrer ataques tambm de skinheads canadenses.
Ainda no se sabe qual ser o destino dos ciganos
tchecos que a partir de 1997 migraram para o Canad,
ou solicitaram asilo poltico naquele pas.
Na
mesma poca, e ao que tudo indica atrados pelo
mesmo documentrio ou outro semelhante, centenas
de ciganos tchecos procuraram asilo poltico tambm
na Inglaterra. Segundo o Christian
Science Monitor, de 22.10.1997, nos trs meses
anteriores, cerca de 800 ciganos haviam chegado
em Dover, onde foram provisoriamente abrigados em
barracas do exrcito. Outras centenas estariam a
caminho. Acontece que desde 1 de setembro estava
em vigor uma nova regulamentao da Unio Europia
que proibia a deportao de refugiados que antes
tinham ado por outro pas (a famosa 'clusula-do-terceiro-pas',
que j vimos acima no caso da ustria). E isto se
aplica tambm para refugiados de pases que no
pertencem Unio Europia. Portanto, para desespero
do Servio de Imigrao, a Inglaterra agora no
podia mais expulsar os ciganos tchecos que antes
tinham ado pela Alemanha, Frana ou Holanda,
por exemplo. Como era de se esperar, no somente
a populao de Dover, mas praticamente todos os
ingleses reagiram negativamente a esta repentina
invaso cigana.
Na
realidade, a maioria destes ciganos foi para a Inglaterra
no com pretenso de ficar, mas apenas para obter
maiores facilidades para de l, por via martima
ou area, emigrar para as Amricas, principalmente
para os Estados Unidos, o Canad ou outros supostos
parasos ciganos. Tambm os pases sul-americanos
devem ter recebido imigrantes Rom, mas em todos
estes casos no dispomos de dados sobre o nmero
de ciganos que procuraram e de fato obtiveram asilo
poltico ou um visto de permanncia. O motivo
simples: os ciganos entram ou tentam entrar nestes
pases como imigrantes, apresentando aportes
(verdadeiros ou falsos) de algum pas da Europa
Ocidental ou Oriental, e nunca declarando a sua
identidade cigana.
Infelizmente,
mesmo quando refugiados ou asilados polticos, em
todos os pases, seja na Europa, seja nas Amricas,
os ciganos, quando identificados como tais, costumam
ser mal recebidos, quando no rejeitados e deportados
de volta para seus pases de origem, por causa das
tradicionais imagens anti-ciganas.
Captulo 7
IMAGENS ANTI-CIGANAS.
As primeiras imagens anti-ciganas.
Os
ciganos apareceram na Europa Ocidental somente a
partir do incio do Sculo XV. Os documentos histricos
deixam claro que muitos destes ciganos aparentemente
tinham uma conduta pouco compatvel com os valores
culturais europeus da poca, pelo que j no Sculo
XV comearam a ser formados os primeiros esteretipos,
segundo os quais os ciganos: 1) eram nmades, que
nunca paravam muito tempo num mesmo lugar; 2) eram
parasitas, que viviam mendigando ou aproveitando-se
da credulidade do povo; 3) eram avessos ao trabalho
regular; 4) eram desonestos e ladres; 5) eram pagos
que no acreditavam em Deus e tambm no tinham
religio prpria.
Por
causa disto, em todos os pases europeus, sem exceo
alguma, os ciganos aram a ser violentamente
perseguidos, e em alguns pases foram at exterminados.
Cigano virou palavro; ser cigano virou crime.
Mas
por que tanto dio aos ciganos, j desde o incio
do Sculo XV? Quais as causas deste anti-ciganismo,
que perdura at hoje? So perguntas ainda impossveis
de serem respondidas satisfatoriamente. A seguir
apenas algumas das explicaes apresentadas por
vrios autores.
dio
aos ciganos por atos condenveis supostamente cometidos
quando do nascimento ou da crucificao de Jesus
Cristo, conforme contam vrias lendas. possvel
que este tenha sido um dos motivos, mas no sabemos
- e nunca saberemos - quantos europeus, na poca,
tinham conhecimento destas estrias e lendas sobre
a nunca comprovada presena de ciganos no Egito
ou na Palestina no incio da era crist, e menos
ainda na crucificao de Jesus Cristo. Teria assim
nascido um anti-ciganismo, semelhante ao anti-semitismo,
baseado apenas numa vaga e confusa histria oral,
inventada e contada no sabemos se pelos prprios
ciganos ou por no-ciganos, ou seja, baseado apenas
em lendas e fantasias.
dio
aos ciganos por serem, comprovadamente, pedintes
e mendigos. Uma explicao pouco convincente porque
na poca a Europa era infestada de vagabundos e
mendigos no-ciganos, muitos deles inclusive apresentando-se
como peregrinos ou penitentes, que viviam explorando
a caridade crist. Os ciganos, quando migraram para
a Europa Ocidental, sabiamente apenas copiaram e
adotaram este modelo econmico, uma profisso
j existente entre os no-ciganos.
dio
aos ciganos porque muitos deles, conforme comprovam
inmeros documentos histricos, serem no muito
respeitadores da prpriedade alheia ou, em palavras
mais simples, por serem ladres. Acontece que, na
poca, outras tantas centenas de milhares de europeus
no-ciganos tambm sobreviviam exercendo a mesma
profisso. E consta que os ciganos, na quase totalidade
das vezes, somente praticavam pequenos furtos de
subsistncia, usando apenas a astcia e nunca a
violncia fsica, ao contrrio dos ladres e assaltantes
europeus no-ciganos que muitas vezes assassinavam
famlias inteiras ou incendiavam propriedades rurais.
Bem
mais plausveis so dois motivos citados por San
Roman, num artigo sobre ciganos na Espanha: as ameaas
de concorrncia poltica e econmica.
Os
primeiros bandos ciganos que apareceram na Europa
eram liderados por condes e duques, ou seja, pessoas
nobres ou supostamente nobres, mas que, de qualquer
forma, se comportavam como tais. Acontece que estes
nobres ciganos no tinham terras prprias e, embora
afirmassem estarem apenas de agem, em peregrinao,
aparentemente eles vieram para ficar, ou seja, ameaando
ocupar para sempre parte das terras de um outro
nobre no-cigano qualquer. Os documentos atestam
que os ciganos dificilmente saam de um determinado
lugar por livre e espontnea vontade, mas apenas
quando pressionados ou obrigados para tal. Enquanto
lhes era fornecido sustento, ficavam. Com isto,
evidentemente, os ciganos se tornavam uma ameaa
poltica para a classe dominante local, seja rural
ou urbana, que desejava ver-se livre deles o mais
rpido possvel. Na Alemanha e na Holanda as autoridades
municipais pagavam para que os ciganos no entrassem
na cidade, ou para que nunca mais voltassem.
Algumas
cartas de apresentao fornecidas aos ciganos por
nobres, prncipes e reis podem ter tido origem no
desejo de eles se livrarem o quanto antes da incmoda
presena destes nobres ciganos e seus s vezes
centenas de seguidores, os sem terra, sem teto,
sem emprego e sem salrio de ento, antes que
ocuem definitivamente uma parcela do territrio.
Os
ciganos no eram agricultores, simplesmente porque
no possuam terras, mas consta que eram bons comerciantes
de equinos e tambm de objetos fabricados por eles
mesmos, ou eventualmente furtados. Exerciam tambm
atividades que concorriam com as profisses urbanas,
como as de ferreiros, caldeireiros e arteses de
um modo geral, profisses ento ainda controladas
pelas corporaes locais (semelhantes aos sindicatos
de hoje) que dificilmente aceitavam concorrncia
econmica de pessoas de fora, e menos ainda de estrangeiros
exticos que aparentemente vieram para ficar.
Muitos
ciganos, tambm, eram exmios artistas, msicos,
danarinos e acrobatas, ou ento apenas mendigos.
Assim sendo, os ciganos constituam uma ameaa de
concorrncia econmica tambm para os artistas e
at para os mendigos no-ciganos que, na poca,
pelo menos nas grandes cidades, tambm costumavam
ter seus sindicatos corporativistas para defender
os seus interesses.
Acrescenta-se
a tudo isto ainda a sua cor de pele escura (segundo
vrios documentos: preta), seu aspecto sujo, sua
lngua incompreensvel, sua origem desconhecida,
o fato de aparentemente no terem religio, os poderes
mgicos das mulheres que sabiam prever o futuro
e jogar pragas, tudo isto fatores adicionais que,
em qualquer povo e em qualquer poca, costumam provocar
medo.
Infelizmente,
xenofobia - o medo, averso e dio a estrangeiros,
principalmente quando constituem uma suposta ou
real ameaa vida ou ao bem-estar da populao
- , parece ser um fenmeno universal, difcil e
em muitos casos at impossvel de ser combatido.
Esta xenofobia anti-cigana consta em inmeros documentos
histricos a partir do incio do Sculo XV, e dela
no ficaram isentos tambm os ciganlogos europeus.
A construo da imagem anti-cigana na ciganologia
europia.
Somente
a partir de meados do Sculo XVIII foram publicados
os primeiros livros sobre os ciganos europeus, e
quase todos os autores reforaram ainda mais os
esteretipos negativos j existentes. Dois pioneiros
dos estudos ciganos merecem ser citados: o alemo
Heinrich Grellmann (1753-1804) e o ingls George
Borrow (1803-1881), que at hoje costumam ser citados
por muitos ciganlogos.
Grellmann
conhecido principalmente por seu livro Os
Ciganos..... na Europa, um verdadeiro sucesso
editorial, que foi traduzido em vrias lnguas.
Consta que Grellmann s teve contatos espordicos
com alguns poucos ciganos e que, em lugar de realizar
pesquisa de campo, preferiu citar outros autores,
inaugurando assim uma prtica que tornar-se-ia comum
entre os ciganlogos, at hoje. A parte etnogrfica,
por exemplo, foi quase toda ela transcrita de uma
srie de pequenos artigos originalmente publicados
nos Wiener Anzeigen, em 1775/76, de autor annimo, mas provavelmente de
um certo Samuel Ab Hortis, um hngaro judeu, que
assim teria sido o primeiro a escrever uma etnografia
sistemtica dos ciganos, no caso dos ciganos da
Hungria e de Siebenburgen (na ustria, fronteira
com a Hungria). Os artigos de Hortis so s vezes
literalmente transcritos por Grellmann, que os cita
em 103 notas de roda-p.
Alm
disto, Grellmann costumava citar fontes jornalsticas
sensacionalistas. Num captulo sobre Comidas e
Bebidas Ciganas, por exemplo, transcreveu a notcia
de jornais de 1782 que acusava os ciganos de serem
antropfagos, ou seja, canibais, comedores de carne
humana. Na poca, 84 ciganos foram presos como suspeitos
de terem assassinado e depois comido algumas pessoas
desaparecidas: 41 ciganos foram decapitados, enforcados
ou esquartejados.
Em
1783, logo aps a publicao do livro, que se tornou
um best-seller
mundial com edies em vrias lnguas, ficou provado
que esta acusao no teve o menor fundamento e
que os 41 ciganos mortos (e os outros ainda presos)
tinham sido inocentes: as pessoas que supostamente
tinham virado churrasco cigano, reapareceram mais
vivas do que nunca.
Mas
o mal j estava feito: no somente 41 ciganos j
tinham sido injustamente e cruelmente executados, como tambm, atravs de Grellmann,
os europeus tinham sido informados, e agora acreditavam
piamente, que um dos pratos preferidos dos ciganos
era carne humana.
Para
Grellmann, se os ciganos vieram da ndia, s podiam
ser da casta mais baixa, dos prias, dos intocveis.
Por isso tentou ainda provar semelhanas raciais
e culturais entre os ciganos e os prias indianos.
Segundo ele, os prias indianos e os ciganos teriam
em comum: uma pele escura e baixa estatura, nudez
das crianas, moradia em tendas, preferncia por
roupas encarnadas, uma lngua secreta, danas sensuais,
endogamia; os indivduos de ambos os grupos eram
sujos e horrorosos, medrosos e covardes, ladres,
mentirosos, e sem noo de pecado; gostavam de bebidas
alcolicas; as mulheres e moas tinham uma conduta
imoral; eram indiferentes quanto religio, etc.
etc. Quanto cultura: os hbitos alimentares dos
ciganos no eram dos melhores, a cozinha era pouca
higinica, no tinham horrios para comer e beber,
e comiam gado morto por doena ou acidentes, ou
carne considerada imprpria para consumo; homens
e mulheres gostavam de fumar cachimbo. Usavam vesturio
pobre, bem colorido, de mau gosto, principalmente
as mulheres, alm de muitos brincos e aneis. Suas
habitaes eram primitivas, mesmo entre os sedentrios;
viviam em barracas, cavernas e tocas subterrneas,
como animais selvagens. Os casamentos eram precoces,
entre 12 a 14 anos, no importando que fosse com
parentes. Sempre casavam com membros do prprio
grupo (endogamia). Tratavam bem as crianas, que
eram mimadas demais; tudo lhes era perdoado, e desde
cedo aprendiam a danar e roubar, mas no frequentavam
escolas.
Viajavam
em bandos liderados por chefes denominados voivode,
duque, conde ou rei, numa imitao ridcula de ttulos
do mundo civilizado. No tinham religio prpria,
mas sempre adotavam a religio dos pases por onde
avam; batizavam suas crianas vrias vezes para
deste modo obter sempre presentes dos padrinhos,
escolhidos preferencialmente entre os gadj
ricos ou poderosos.
Quanto
as atividades econmicas, os ciganos seriam pobres
por causa de sua preguia e seu comodismo; desde
h muito eram em muitos pases conhecidos como ferreiros
(mas os seus produtos no tinham qualidade) e criadores
e comerciantes de cavalos (principalmente de cavalos
com defeitos fsicos, mas que eles com inmeros
truques escondiam, no hesitando tambm em roubar
cavalos). Em alguns pases tambm eram contratados
como torturadores e carascos, ou exerciam outras
profisses infames que combinavam com seu carter
cruel. As mulheres praticavam a quiromancia, enganando
os crdulos e incautos. Apesar de tudo, eram bons
msicos e danarinos. Na Walquia e Moldvia eram
ainda garimpeiros de ouro, mas produziam pouco por
causa de sua preguia.
A
concluso final de Grellmann era que entre os ciganos
predominavam o cio e a preguia, e que se sustentavam
principalmente mendigando e roubando, e para isto
inventaram os mais diversos truques. Mas, acrescenta
Grellmann, como os ciganos eram medrosos e covardes,
evitavam roubos perigosos e o uso da violncia,
e normalmente s furtavam coisas pequenas. Sobre
o carter dos ciganos ele informa ainda que eles
tinham uma inteligncia infantil e uma alma rude
e selvagem, eram guiados mais pelo instinto do que
pela razo e usavam seu crebro apenas para satisfazer
suas necessidades primrias, animalescas. Eram ainda
tagarelos, inconstantes, infieis, ingratos, medrosos,
submissos, crueis, orgulhosos, superficiais, preguiosos,
sem sentimento de vergonha ou honra.
Desnecessrio
dizer que Grellmann no realizou nenhuma pesquisa
entre os ciganos para saber se tudo isto era verdade
ou apenas fantasia ou inveno. Nem tampouco perguntou
aos ciganos porque, eventualmente, eles agiam desta
ou daquela maneira, numa tentativa de entender melhor
o seu comportamento e sua personalidade. Numa atitude
pouca cientfica, Grellmann apenas reproduziu os
esteretipos que em sua poca existiam sobre os
ciganos.
Apesar
de tudo, de um modo geral as crticas ao livro foram
positivas, mas um dos crticos, J. Bietser, escreveu:
... aqui, como em vrias outras agens, pode-se
duvidar se o Sr. Grellmann alguma vez na vida viu
ciganos; observar e pesquis-los, pelo menos, ele
no pode ter feito. O mesmo autor, depois de criticar
vras agens do livro, lamenta ainda a falta
de qualquer simpatia de Grellmann para com as pessoas
sobre as quais ele escreveu.
Ou seja, o primeiro livro cientfico sobre a origem,
a histria, a lngua, a cultura e o carter dos
ciganos foi, na realidade, um livro anti-cigano.
Fato que provavelmente tenha at contribudo para
o seu enorme sucesso editorial. E lamentavelmente,
este livro anti-cigano seria a fonte principal em
que se baseariam, diretamente ou indiretamente,
inmeros ciganlogos posteriores, do Sculo XIX
e at ainda do Sculo XX, muitos dos quais pesquisadores
de gabinete que tambm nunca viram um cigano em
sua vida, e que assim retransmitiram e reforaram
os velhos esteretipos e preconceitos originalmente
difundidos por Grellmann, no final do Sculo XVIII.
Outro
importante formador da opinio pblica e cientfica
foi George Borrow, um ingls com um extraordinrio
dom para a aprendizagem de lnguas estrangeiras,
pelo que em 1833 foi contratado pela British
and Foreign Bible Society, uma organizao que
se dedicava traduo e divulgao da Bblia nas
mais diversas lnguas.
Inicialmente
Borrow ou dois anos em So Petersburgo, na Rssia,
para coordenar a traduo da bblia para o manchu
(chins). Foi nesta poca que teve contato com ciganos
russos - msicos, cantores e danarinos - que ento
gozavam de muita popularidade. Depois Borrow foi
transferido para a Espanha, para divulgar a bblia
naquele pas e para traduzir parte da bblia (traduziu
o Evangelho de So Lucas) para a lngua cigana.
De volta na Inglaterra, em 1840, casou com uma viva
rica, o que lhe possibilitou dedicar-se suas atividades
de escritor. Para ns interessa principalmente seu
primeiro livro, The
Zncali,
que trata dos ciganos na Espanha; o segundo,
The Bible
in Spain
descreve sua vida de pregador e distribuidor de
bblias naquele pas, mas contm poucas informaes
sobre ciganos.
Borrow
fez questo de auto-atribuir-se o ttulo de romany
rye (romani rai), ou seja, um no-cigano que conhece
bem e goza da amizade ntima dos ciganos que, por
isso, facilmente lhe contam todos os seus segredos.
Est fora de dvida que ele teve contatos com ciganos
na Inglaterra, Espanha, Rssia e Hungria, mas sempre
se tratava de contatos de curta durao, quando
muito de algumas semanas.
Em
The Zincali Borrow apresentou uma imagem altamente negativa e estereotipada
dos ciganos espanhois: degenerados, vigaristas,
ladres, que precisavam ser civilizados, iguais
aos selvagens de outras partes do mundo. Logo
no segundo captulo de The
Zincali, ele informa que os ciganos chegaram
na Espanha com uma predisposio para qualquer
espcie de crime e vilania .... sua presena era
uma maldio e uma desgraa seja para aonde eles
se dirigiam.....A verdade que eles no hesitariam
em atacar ou at ass os viajantes desarmados
e indefesos desde que estivessem seguros de poderem
pilhar sem muito risco para si mesmos ....
(os ciganos, em qualquer parte) exibem as
mesmas tendncias ... como se no fossem de espcie
humana mas antes animal, e em lugar de razo so
dotados de um tipo de instinto que lhes auxilia
at um certo limite e nada mais.
Em
outro captulo Borrow acha que ningum pode desejar
a continuidade de qualquer seita ou associao cujo
princpio fundamental parece ser odiar todo o resto
da humanidade, e viver enganando-a, como a prtica
dos ciganos.
Alm disto, em nenhuma parte do mundo os
ciganos dariam o mnimo valor ao asseio, pelo que
at j foram acasados de terem espalhados a peste,
e ainda hoje eles so igualmente repugnantes.
Apesar
de The Zincali
tambm conter informaes positivas sobre os ciganos,
difcil acreditar que algum leitor tenha ficado
com uma positiva imagem cigana, porque no decorrer
do livro todo predominam os esteretipos negativos:
inmeras so as referncias a ciganos ladres e
assaltantes, como tambm a ciganos vigaristas, principalmente
no comrcio de equinos. Um extenso captulo trata
do suposto e imaginrio canibalismo cigano. Apesar
de Borrow expressar suas dvidas sobre este canibalismo,
para o leitor comum certamente ficar a certeza
que os ciganos sempre foram e ainda so canibais.
A leitura de Borrow evidencia ainda que entre
os ciganos viviam muitos profissionais honestos,
como msicos, artistas, toureiros, arteses, tratadores
de cavalos, ferreiros, aougueiros, hoteleiros e
outros, mas apesar disto, o que predomina nos seus
livros a imagem negativa dos ciganos, principalmente
dos ciganos espanhois.
Antes
de publicar este livro, Borrow j tinha escrito
que ... os ciganos espanhois so o mais vil, degenerado
e miservel povo na terra.
Segundo Borrow, os ciganos j tinham este carter
criminoso ao chegarem na Europa e foram eles que
introduziram a atividade de ladro profissional
no Continente Europeu, sendo seu exemplo depois
seguido por no-ciganos; roubavam mulas e cavalos,
assaltavam e assassinavam, mas como eram covardes,
evitavam situaes perigosas. Os ciganos mais fracos,
e que no prestavam para esta vida criminosa, produziam
artesanato ou vendiam os cavalos roubados nas feiras.
As
mulheres ciganas no mereceram um tratamento melhor:
dedicavam-se quiromancia, uma prtica para enganar
os crdulos e supersticiosos, e na qual utilizavam
inmeros truques sujos. Para Borrow, as ciganas
eram umas verdadeiras bruxas, capazes de artes diablicas,
peritas em venenos e poes afrodisacas ou abortivas.
Eram ainda cantadoras de canes obscenas, batedoras
de carteiras e furtavam nas lojas. Mas nem tudo
era negativo: as ciganas valorizam a castidade antes
do casamento e a fidelidade conjugal; prostituio,
nem pensar, e cigana que casasse com no-cigano
seria expulsa do grupo. Borrow cita at o caso de
uma cigana que foi enterrada viva por causa disto,
o que seria mais uma prova da crueldade inata dos
ciganos.
Os
livros de Borrow provam ainda que tambm ele da
mesma forma como Grellmann - no tinha a mnima
simpatia pelos ciganos e que, na realidade, at
os detestava. Um agravante que anos depois, em
1874, o ciganlogo Groom descobriu que Borrow plagiou
descaradamente muitas informaes sobre os ciganos
espanhois e hngaros de um livro de viagem pouco
conhecido de Richard Bright, publicado em 1818.
Groom, antes um irador confesso de Borrow, depois
chega a cham-lo de impostor, mas apesar disto o
auto-proclamado romani rai e amigo dos ciganos
Borrow ficou famoso como a maior autoridade em assuntos
ciganos na Europa do Sculo XIX. O problema que
muitos ciganlogos e pseudo-ciganlogos posteriores,
poucos dos quais tiveram qualquer contato pessoal
com ciganos, se basearam em Borrow, e plagiaram
descaradamente seus livros. Ou seja, plagiaram o
que j era plagiado!
A
perpetuao do anti-ciganismo ciganolgico.
No
pretendemos, e nem ser possvel, tratar aqui de
todos os ciganlogos ou pseudo-ciganlogos europeus
ps-borrovianos. Por isso, vejamos a seguir apenas
alguns ciganlogos mais recentes, como F. Paban
(1915), que durante trinta anos foi diretor de vrias
penitencirias espanholas, nas quais conheceu muitos
ciganos.
A
primeira parte do livro de Paban contm boas e
ainda hoje aproveitveis informaes sobre a origem
dos ciganos, suas diversas denominaes, seu aparecimento
na Europa, as perseguies na Europa em geral e
na Espanha em particular, sua Histria moderna,
suas caractersticas fsicas, seu modo de vida e
cultura. At a, tudo bem, mas a coisa piora no
captulo que trata das qualidades morais, no qual
se l as seguintes afirmaes, entre muitas outras
de semelhante teor: os ciganos so eternos ladres,
uma raa de prias, cheia de defeitos e com escassas
virtudes; desconhecem o teu e o meu, e tm uma
natural inclinao pelo roubo; mas como geralmente
so covardes, evitam assaltos a mo armada em pleno
dia e preferem o roubo tmido, furtivo, quase sempre
noite. Os ciganos tm uma vida sexual em comum;
so uma raa indolente voluptuosa, sem moral
quanto s relaes sexuais, sendo frequentes o incesto
e o estupro. Ainda segundo Paban, os ciganos seriam
vigaristas, embusteiros, mendigos e velhacos, alm
de vadios e preguiosos ao extremo.
Depois
disto, no se pode acusar os cidados espanhois
de racismo culposo: h sculos, e inclusive ainda
em pleno Sculo XX, desde que nascem, estes absurdos
e infames esteretipos anti-ciganos so constantemente
martelados nas suas mentes, numa verdadeira lavagem
cerebral. A ciganologia teria lucrado mais se Paban,
em lugar de publicar as supracitadas calnias anti-ciganas,
como diretor de presdios tivesse feito uma anlise
sria e mais detalhada da suposta e da real criminalidade
cigana, porque matria prima cigana, conforme
ele prprio informa, no faltava nas prises por
ele dirigidas. Infelizmente, em lugar disto, ele
preferiu estudar a lngua cigana. Se os prisioneiros
ciganos informaram corretamente, ningum sabe!
Outros
dois ciganlogos que merecem ser citados so o linguista
romeno Popp Serboianu e o antroplogo (?) portugus
Olmpio Nunes. No livro Les
Tsiganes, publicado em 1930, Serboianu lembra
aos leitores que os ciganos so canibais: depois
de informar que viu um grupo de ciganos Netotsi
comer carne de animais j em estado de putrefao,
conta que no ano anterior, em Praga, vinte e dois
Netotsi foram acusados de terem assassinados doze
pessoas, que depois teriam comido. Ele no informa
que, pouco depois, as acusaes foram consideradas
improcedentes. O conhecido linguista conclue ento:
tenho a convico que os Netotsi foram e ainda
hoje so canibais, mas acrescenta que os outros
ciganos, embora algum dia possam ter sido canibais,
hoje no o so mais.
Mais uma vez os ciganos so injustamente apresentados
como canibais!
Mais
adiante Serboianu inclue um captulo sobre Os costumes
dos ciganos, no qual afirma que os ciganos so
mentirosos e no contato com estranhos so prudentes
e nunca dizem a verdade; so ladres que fazem do
roubo uma arte, ajudados por seus filhos e suas
mulheres; roubam preferencialmente cavalos e carroas
necessrias para sua vadiagem; os sedentrios
tambm roubam, mas muito menos; quando no podem
roubar, todos pedem esmolas e fazem todo o possvel
para sensibilizar os gadj;
para isto; antes da [Primeira] Guerra Mundial, eles
aleijavam cruelmente crianas que eles roubavam,
ou que lhes eram dadas por viuvas ou mulheres pobres;
cortavam-lhes uma mo, ou os dedos, mutilavam braos
ou pernas, arrancavam um ou ambos os olhos e depois
obrigavam-nas a mendigar; utilizando lato e outras
ligas metlicas banhadas a ouro, falsificavam com
perfeio as moedas de ouro de vrias nacionalidades
que as camponesas romenas portavam em forma de colar,
conforme uma velha tradio nacional, e depois aram
at a falsificar a moeda romena; eram alcolatras
e fumantes inveterados, desde a infncia; os ciganos
sedentrios adotaram dos romenos a virtude da castidade,
mas entre os nmades o incesto comum e suas filhas
e mulheres so prostitutas que se entregam ao primeiro
que oferecer dinheiro.
Em
vo o leitor procurar neste captulo algum costume
avaliado positivamente. Mesmo quando, no final,
Serboianu cita como positivo que eles
entre si so solidrios, no furtam, no mentem
e no trapaceiam, est subentendido que nada disto
vale quando esto em contato com os gadj. Ou seja, segundo
este conhecido e muito citado linguista e ciganlogo
romeno, na dcada de 30 aparentemente os ciganos
romenos no tinham qualquer costume que prestasse
para alguma coisa positiva, nenhum costume que pudesse
ser julgado igual ou (imaginem s!) at superior
aos costumes civilizados
romenos ou europeus.
Parece
inacreditvel, mas cinquenta anos depois, este infame
captulo de Serboianu sobre os costumes ciganos
seria em sua quase totalidade plagiado pelo antroplogo
(!?) portugus Olmpio Nunes, que d a entender
que se trata de costumes dos ciganos portugueses,
por ele observados em suas pesquisas de campo. Nunes
mantm at o mesmo ttulo e os mesmos sub-ttulos
de Serboianu, e na mesma ordem. Algumas frases sofreram
pequenas modificaes, mas a quase totalidade
uma fiel traduo plagiada do livro de Serboianu.
Vejamos alguns exemplos:
A
mentira. Nas suas relaes com estranhos, os
Ciganos so muito prudentes e desconfiados e raro
dizem a verdade. Quando se trata de um crime, as
autoridades dificilmente conseguem lev-los a confessar,
mesmo utilizando a tortura. Eles mentem constantemente
e empregam todos os meios para obstruir as investigaes.
(..) Enganam rapidamente os camponeses com toda
a espcie de mentiras, sobretudo as mulheres, s
quais garantem pelos seus bruxedos satisfazer-lhes
todos os desejos, a cura de todos os males, a felicidade
nos amores, etc.
O
roubo. Pem tal habilidade e inteligncia no
roubar, que fizeram do roubo uma arte. As mulheres
e os filhos so os seus auxiliares, porque eles
recolhem por todo o lado informaes preciosas a
tal respeito, introduzindo-se em todos os escaninhos
e nas famlias, como mendigos ou como bruxas. No
roubam enquanto esto acampados numa povoao, mas
sim mais tarde, quando os seus vestgios j desapareceram.
(..) Procuram sobretudo roubar muares que precisam
para a sua vida de vagabundos. (..)
A
mendicidade. Nos locais onde no podem roubar,
entregam-se mendicidade ( especialmente mulheres
e crianas). Este hbito est de tal modo enraizado
neles que difcil dissuadi-los de tal, apesar
do rigor das leis.
Todos exercem esta prtica, usando de manhas
para excitar a piedade dos antes.
Confessou-nos
um cigano responsvel, de grande confiana que alguns
chegam a deformar crianas (torcendo-lhes as pernas
ou braos) para com aquele aleijo excitarem a prtica
da caridade. Disto temos ns visto frequentes vezes,
mesmo com mendigos no-ciganos.
Referem
alguns autores (e era voz da tradio) que nalguns
pases desapareciam crianas;
o que se atribua aos ciganos. Entre ns
no h certeza de roubos de crianas pelos ciganos;
no entanto, diz-se
que algumas gadji, mes desnaturadas ou vivas em
precrias condies vendiam crianas ou davam-nas
aos ciganos. Estas crianas sofriam os piores tratos
e at aleijes e com estas se serviam para explorar
a caridade pblica. Assim estropiadas essas crianas
eram ensinadas e obrigadas a mendigar. (..)
A
vida privada dos ciganos. (...) [As mes] do
completa liberdade s crianas, no as impedem de
cometer qualquer desacato nem lhes ensinam qualquer
moral, deixando-as aprender por si mesmas, pela
prpria experincia. Ningum as impede de se baterem
com outras crianas, nem prestam qualquer ateno
s suas lgrimas, aos seus gritos ou ferimentos.
Muitas vezes sofrem a fome, para as obrigar a mendigar
e a roubar; roubam at os pais. a nica moral
que lhes do, como preparao para a vida difcil.
Pelos 6 anos j adquiriram uma rica experincia
na arte de mendigar, e medida que vo crescendo,
preparam-se para o roubo e rapinagem.
As
pessoas que nunca tiveram oportunidade de ler o
livro de Serboianu - ou seja, a quase totalidade
dos leitores portugueses e brasileiros - s podem
pensar que Nunes observou tudo isto pessoalmente
em Portugal, no final da dcada de 70, como ele
prprio insinua. Na realidade, ele apenas plagiou
descaradamente um captulo inteiro de um livro anti-cigano
sobre ciganos romenos, de 1930! O que certamente
levanta dvidas sobre os verdadeiros autores de
outros captulos do seu volumoso livro. Em 1989,
Nunes foi agraciado com um prmio internacional
atribudo, na Espanha, a no-ciganos que contribuem
para a defesa da causa cigana e pelo respeito de
seus direitos e liberdades.
E
assim, os esteretipos, as calnias e as difamaes
sobre os ciganos se perpetuam eternamente nos livros
de inescrupulosos autores, inclusive de "ciganlogos"
ou pseudo-ciganlogos que, por preguia ou incapacidade
intelectual, se contentam em plagiar, sem o menor
esprito crtico, antigos autores que supem desconhecidos
ou esquecidos pelos leitores. este, sem dvida
alguma, um dos motivos pelos quais, at hoje, as
imagens anti-ciganas persistem at na assim chamada
ciganologia, que na verdade, na maioria das vezes,
no a de uma fajuta pseudo-ciganologia.
No
entanto, temos que itir que apenas poucas pessoas
lem livros e artigos sobre ciganos, pelo que no
h como atribuir a culpa do anti-ciganismo popular
somente aos ciganlogos anti-ciganos. Na realidade,
eles apenas reproduzem o anti-ciganismo j existente,
porque tambm eles tiveram uma socializao anti-cigana.
Pelo menos na Europa, em quase todos os pases,
o anti-ciganismo faz parte da educao das crianas:
no v brincar muito longe, porque tm ciganos
na redondeza que raptam crianas, isto quando
no comem crianinhas, cozinhando-as em grandes
caldeires ou assando-as em espetos; coma direito,
seno chamo os ciganos para ti levar!, ou seja,
o cigano vira bicho-papo para muitas crianas europias
que noite espiam debaixo da cama para ver se no
tem um malvado cigano escondido, com um punhal na
mo, pronto para atacar.
As
crianas tambm se tornam anti-ciganas ouvindo conversas
em casa ou na rua, ou lendo sobre ciganos criminosos
nas pginas policiais de jornais e revistas, ou
assistindo notcias semelhantes na TV. Ou ento,
o que em muitos pases da Europa quase inevitvel,
j tiveram contatos pessoais desagradveis ou prejudiciais
com ciganos.
Uma
nova mentalidade mais cientfica e pr-cigana s
ser introduzida no final do Sculo XX, mais precisamente
a partir da dcada de 70, com os livros de historiadores
e cientistas sociais no ciganos, como Vaux de Foletier,
Ligeois, Fraser e Acton, alm de livros scritos
por intelectuais ciganos, como Hancock e Ramrez-Heredia.
At hoje, no entanto, as imagens negativas persistem
na Europa, como tambm no Brasil.
As
imagens anti-ciganas, no mundo inteiro, so muitas
e no pretendemos analisar todas elas neste ensaio.
Vejamos apenas aquelas que consideramos as principais
e mais nocivas, ou seja, as imagens do cigano ladro,
trambiqueiro e vagabundo.
Captulo 8
TRS IMAGENS ERRNEAS SOBRE OS CIGANOS.
A
imagem do cigano ladro.
Talvez
nenhuma imagem dos ciganos seja mais antiga, mais
divulgada e por isso mais difcil de ser modificada
do que aquela de que o cigano sempre foi, ainda
, e sempre ser um ladro, quando no apanhado
em flagrante, pelo menos um ladro em potencial.
A fama de serem ladres persegue os ciganos desde
a sua chegada na Europa, no incio do Sculo XV.
No
resta dvida de que entre os ciganos de ento, como
ainda hoje, havia quem, por motivos dos mais diversos
- mas principalmente para a famlia, a mulher e
os filhos no morrerem de fome ou de frio - , furtava
pequenas quantidades de animais, frutas, legumes
ou tubrculos, ou lenha para cozinhar e se aquecer.
Os animais preferidos eram aqueles que serviam para
a alimentao daquele dia, ou seja animais pequenos
que cabem facilmente numa a ou no espeto, como
galinhas e gansos. Os documentos histricos no
registram o roubo e a matana de gado bovino, embora
s vezes um leitozinho ou um bode tambm no eram
desprezados. Mais tarde surgiu ainda a fama de eles
serem ladres de cavalos e de crianinhas. Hoje
em dia, pouca coisa mudou e os ciganos continuam
temidos como ladres de galinhas e at a lenda de
eles roubarem crianinhas continua viva.
Obviamente,
nem tudo pura inveno ou fantasia. Quanto ao
furto de alimentos e de pequenos objetos, os prprios
ciganos no negam que, quando necessrio, o praticam
e que suas idias sobre a propriedade privada divergem
um pouco das idias dos gadj,
mas que tambm existem algumas regras bsicas.
Em
primeiro lugar, os ciganos s furtam quando obrigados
a isto por necessidade. Yoors, um belga no-cigano,
que conviveu uns dez anos com ciganos Lowara na
Europa, explica isto melhor: Por fora de circunstncias
adversas, alguns ciganos so forados a praticarem
ladroagem de subsistncia [subsistence
thieving] - isto , obter suas necessidades
dirias mnimas da terra ou de seus proprietrios
legais: capim para seus cavalos, lenha, batatas
ou frutas, e naturalmente a proverbial galinha perdida.
De um modo geral, eles consideram todo o mundo gajo
[no-cigano] como um domnio pblico.
Diga-se
de agem que a maneira mais comum de os ciganos
obterem estes bens atravs da compra. Mas o que
fazer quando no possuem dinheiro para isto ou,
o que tambm muito frequente, quando o proprietrio
ou o comerciante simplesmente se recusa a fazer
negcios com ciganos? No ser por causa disto que
os ciganos deixaro seus filhos ar fome, ou
de alimentar seus animais. E neste caso, apropriar-se
de tudo que produzido pela Natureza (gua, capim,
lenha, ovos, galinhas etc.) no crime. Uma galinha
ciscando num lugar deserto propriedade de quem?
Por acaso, pode ser proibido tirar leite de uma
vaca pastando livremente na beira de uma rodovia,
ou seja num pasto pblico? Da mesma forma, como
que cortar lenha para cozinhar pode ser crime,
mesmo quando o matagal intil est numa rea cercada
com arame farpado? E encontrando uma fruteira, ser
que crime tirar algumas frutas para consumo prprio?
Na tica de muitos ciganos tudo isto permitido,
e por isso conflitos e mal entendidos entre ciganos
e gadj
so s vezes inevitveis.
A
segunda regra furtar apenas aquilo que, naquele
momento, necessrio para seu sustento, e no para
enriquecer. Yoors acrescenta que Putzina me explicou
que furtar dos gadj
no era realmente um crime desde que fosse limitado
a tomar necessidades bsicas, e no em quantidades
maiores do que necessrias para aquele momento.
O que tornava furtar ruim, era a introduo de um
senso de cobia, porque esta tornava as pessoas
escravas de anseios desnecessrios ou do desejo
de possuir bens.
Da porque a quase totalidade dos furtos atribudos
aos ciganos se refere a alimentos.
Uma
terceira regra nunca usar a fora fsica, mas
apenas a esperteza. Segundo a antroploga brasileira
SantAna:
com
relao ao roubo, um informante [cigano] frisou
que nunca se ouviu dizer que um cigano usasse armas
para assaltar algum e nem que fosse noite nas
casas para roubar: Ele usa de esperteza tanto em
seu trabalho como em seus negcios; se algum se
deixa enganar, bobo dele!. Alm disso, como disse
um cigano, quem que no rouba? Esses comerciantes
por a, esses donos de lojas da cidade, todos usam
de esperteza em seus negcios; que cigano j
marcado e por isso tem fama de ladro.
Por
outro lado, sabe-se tambm que cada vez que algo
furtado ou algo de ruim acontecer, e se tiver
ciganos na redondeza, a culpa sempre logo atribuda
aos ciganos em geral, raras vezes a um cigano em
particular. No entanto, os supostos crimes praticados
pelos ciganos, e no pelo cigano A ou B, somente
em rarssimos casos costumam ser comprovados. Alm
disto, como Yoors tambm ressalta, as estrias sobre
os furtos cometidos por ciganos costumam sempre
ser exagerados: Como acontece com todas as lendas,
aquelas dos ciganos como ladres tm sido exageradas.
Se eles fossem culpados de todos os roubos dos quais
tm sido acusados, eles teriam que viajar com caminhes
de mudana ou ento envergariam sob o peso de suas
propriedades .
Quanto
a isto, o cigano espanhol Ramrez-Heredia conta
um fato ocorrido na cidade de Lorca e que, em resumo,
a seguinte: na poca natalina, duas pobres crianas
ciganas esto olhando uma vitrina cheia de brinquedos,
para elas apenas um sonho. Um senhor fica com pena
das crianas, entra na loja e compra uma boneca
para a menina e uma bola para o menino. Felizes,
as crianas voltam para casa, mas logo so pegas
por uma pessoa que as obriga a devolver os brinquedos
na loja, cujo dono confirma o furto e manda chamar
a polcia. Ainda bem que o doador observou a cena
e no somente mandou soltar as crianas e devolver
os presentes, como tambm providenciou um policial
para escolt-las at sua casa, para que no fossem
presas outra vez. Acontece que o bondoso Papai Noel
era o chefe da polcia local.
Este
apenas um exemplo, e um dos poucos com um final
feliz. A sequncia sempre a mesma: cigano com
muito dinheiro no bolso ou portando um objeto relativamente
caro, s pode ser ladro, pelo que - sem acusao
formal e menos ainda julgamento - costuma ser preso,
seu dinheiro e bens so confiscados e pouco depois,
com alguma sorte, ele solto, desde que seus parentes
paguem a fiana. Assim, a polcia costuma lucrar
(melhor dito: roubar) duas vezes: primeiro, confiscando,
ou seja, apropriando-se indevidamente do dinheiro
e dos bens ciganos, e depois ainda embolsando a
fiana paga, geralmente por fora e sem recibo,
pelos parentes da vtima que, obviamente, no tm
dinheiro ou no sabem como contratar um advogado.
O que provavelmente tambm no faria muita diferena.
Defender um cigano inocente no rende, no d lucro,
e no promove nenhum advogado!
Ramrez-Heredia,
no entanto, ite que a criminalidade entre os
ciganos espanhois parece estar aumentando. Da mesma
forma como tambm acontece em outros pases nos
quais as tradicionais atividades econmicas ciganas
sempre mais esto ficando difceis ou impossveis.
Muitos ciganos no conseguem, ou no tm o preparo
profissional necessrio para exercer outras atividades.
Bancos, indstrias, supermercados ou lojas no costumam
contratar ciganos. E assim a populao cigana vai
empobrecendo, sendo sempre mais empurrada para as
favelas suburbanas, onde vivem miseravelmente, junto
com no-ciganos que vivem nas mesmas condies subumanas.
E qualquer indivduo que for obrigado a viver nestas
condies - seja ele cigano ou no-cigano - mais
cedo ou mais tarde termina apelando para meios no-convencionais
e alternativos (isto : criminosos) para sobreviver
e garantir o sustento e a sobrevivncia de sua famlia.
Apesar
disto, nem na Espanha, nem em qualquer outro pas
europeu, existem provas de que a criminalidade entre
os ciganos miserveis seja proporcialmente maior
do que entre os no-ciganos miserveis. Ningum
nega que a criminalidade cigana existe, e ningum
pretende transformar todos os ciganos em inocentes
santinhos. O problema apenas que, quando se trata
de um criminoso cigano, os jornais, revistas e a
TV costumam divulgar: Um
cigano cometeu este ou aquele crime, e com
isto todos os ciganos se tornam cmplices deste
crime; quando o mesmo crime cometido por um no-cigano,
menciona-se apenas seu nome - por exemplo, Jos
da Silva - e no a sua origem tnica, nacional ou
regional.
Bem
mais grave - porque sem fundamento algum e sem qualquer
comprovao em parte ou em poca alguma do Mundo
- a acusao de que os ciganos so ladres de
indefesas e inocentes crianinhas. Ao que tudo indica,
este mito literrio do rapto de crianas por ciganos
foi iniciado por Miguel de Cervantes (o famoso autor
de Don Quixote) no livro La Gitanilla
(1612). E desde ento nunca faltou quem seguisse
o seu infame exemplo, entre os quais outros escritores
famosos como Molire, De Foe, Goethe, Victor Hugo,
e outros tantos mais.
Esta
lenda talvez tenha sido originada pela presena
de crianas 'brancas' no meio dos ciganos, mas quanto
a isto, a cigana brasileira Aristicht observa:
"... sempre levamos a fama de ladres de crianas, quando, na verdade, os acampamentos dos nossos
anteados, durante muitos sculos, serviram de
orfanato da poca, j que eram utilizados para ocultar atos julgados
vergonhosos, desmoralizadores e desonrosos praticados
pelas jovens da nobreza. Muitas dessas jovens -
segundo relatos dos nossos anteados - aps darem
luz, atravs de seus responsveis .... entregavam
as crianas s velhas ciganas ... Os ciganos ficavam
com as crianas porque as amavam .... sem, no entanto,
sequestr-las, violent-las ou estupr-las ..."
.
Os
ciganos adoram crianas e j desde o Sculo XV temos
notcias histricas, devidamente comprovadas, de
mes gadj
solteiras, ou casadas adlteras, entregando seus
filhos indesejados s ciganas. Enquanto isto, os
documentos histricos provam, sem qualquer sombra
de dvida, que em muitos pases, e ainda em pleno
Sculo XX, milhares de crianas ciganas foram violentamente
arrancadas do lar paterno para serem entregues a
pais adotivos no-ciganos.
Na
Europa, o caso mais escandaloso o da organizao
catlica e beneficiente (sic!) Pro
Juventude, na Suia, que de 1926 at 1973 -
ou seja, durante quase meio sculo - arrancou
fora milhares de crianas ciganas de suas famlias
para educ-las em internatos ou para entreg-las
a famlias no-ciganas, sem nunca mais permitir
ou possibilitar qualquer contato com suas famlias
ciganas de origem. Por serem os criminosos bons
e catlicos cidados suios, e suas vtimas apenas
miserveis, humildes e pobres ciganos, nenhum
membro da Pro
Juventude foi condenado ou est numa penitenciria
de segurana mxima. O que confirma que a Justia
no somente cega, mas tambm surda e muda, pelo
menos quando as vtimas so ciganos.
A
imagem do cigano trambiqueiro.
Uma
acusao que sempre reaparece, desde o Sculo XV,
a de algum ter sido enganado por um cigano vigarista,
ao realizar algum negcio com o mesmo, ou por uma
cigana trambiqueira, quase sempre ao ler a mo
ou prever de outra maneira o futuro da suposta vtima.
Em parte tudo isto verdade, em parte no, dependendo
do ponto de vista de quem se analisa a questo.
Os
homens ciganos costumam ser acusados de serem vigaristas,
desonestos, enganadores e seja l o que for mais,
em suas transaes comerciais com os gadj.
Mal-afamado especialmente seu comrcio com cavalos,
jumentos e burros. Cavalos decrpitos so milagrosamente
recauchutados; pangar desbotado aparece repintado;
uma gua anmica se torna fogosa; um manga-larga
bem brasileiro, com alguns retoques, travestido
num verdadeiro campeo rabe. O nico conselho que
neste caso se pode dar que, se a pessoa no entender
nada de equinos, melhor no fazer negcio com
um cigano, porque at muitos peritos perceberam,
embora tarde demais, que os ciganos eram mais peritos
ainda.
Porm,
tranquilizador que nem todos os animais vendidos
pelos ciganos tm defeitos, da mesma forma como
nem todo carro usado vendido por ciganos ou no-ciganos
necessariamente precisa ser um carro com motor batido,
que j sofreu uma duzia de acidentes ou tem uma
centena de multas penduradas no Departamento de
Trnsito, algo que o inocente comprador normalmente
s descobre depois.
As
mesmas acusaes costumam ser feitas por pessoas
que compram jias (aneis, brincos, colares etc.)
feitas de metais geralmente encontrados no lixo
mais prximo e que so vendidas, como se fossem
de ouro 18, a espertinhos gadj que pensam estar enganando os ciganos pelo fato de estes ignorarem
a cotao do ouro. Ou ento por gadj
que se consideram espertos ao comprarem baratinho
tapetes persas de ciganos que aparentemente no
sabem o valor das preciosidades que esto vendendo.
Descobrindo-se depois a etiqueta Made in China,
os ciganos costumam ser acusados de serem vigaristas,
e nunca o comprador que quis lucrar s custas dos
ciganos ite que ele prprio no a de um otrio.
Quanto
aos supostos trambiques praticados pelas mulheres
ciganas, o problema (ou a sorte) delas que a terra
habitada por uma incrvel legio de pessoas com
algum problema mental, fsico, amoroso ou financeiro,
e que por causa disto acreditam em horscopos, astrologia,
quiromancia, cartomancia, pedras runas, bolas de
cristal, duendos, buzios e outras tantas esquisitices
mais, a maioria das quais, por sinal, absolutamente
nada tem a haver com as tradies ciganas, embora
muitas vezes costumem ser praticadas por mulheres
enfeitadas como se fossem ciganas num baile de carnaval.
Os
ciganos, ao contrrio de muitos gadj,
costumam ser mentalmente sadios, e por isso no
acreditam em nada disto; nenhuma cigana l a mo
de outro cigano, nem de amigo no-cigano, e nestes
casos tambm no reza, nem acaba com um suposto
mau olhado, nem consulta um baralho, cristais
ou pedras runas. Estas, ao que tudo indica, foram
apenas recentemente acrescentadas ao repertrio
cigano, na medida em que a clientela mentalmente
desequilibrada assim o desejar. Afinal de contas,
na rea esotrica, as ciganas sempre procuram atualizar-se,
o que significa sempre satisfazer os gostos dos
fregueses, por mais exticos ou idiotas que sejam.
Antigamente,
as ciganas costumavam por causa disto ser consideradas
bruxas. Em 1427 o bispo de Paris mandou excomungar
todos os parisienses que tinham consultado as ciganas.
Hoje, os bispos costumam ser um pouco mais tolerantes,
e consultar uma cigana no mais motivo para excomunho,
embora muitos padres e pastores ainda o considerem
um pecado. Na realidade, as ciganas fazem nada mais
nada menos (embora bem mais barato) do que fazem
os psiclogos e psicanalistas nos seus luxuosos
consultrios, como bem explicou a Yoors uma cigana
extremamente inteligente, provavelmente analfabeta
e que nunca estudou psicologia:
Keja
disse que a avidez por quiromancia tem sua origem
na inabilidade da pessoa de vencer suas aflies.
Em lugar de satisfazer, ela cria uma avidez auto-perpetuadora
por profecias, semelhante ao jogo compulsivo, apenas
mais prejudicial porque a pessoa no perde dinheiro
mas introviso. Ela cega a pessoa para as causas
dos seus problemas, e isto loucura. [A quiromancia]
uma procura intil e auto-destruidora de solues
adequadas para problemas de integridade moral, causada
por uma falta de vontade de encarar a vida como
. A maioria das pessoas consulta quiromantes antes
de tudo para procurar confirmar seus temores, mais
do que suas esperanas. Medo pode originar um desejo,
porque muitos inconscientemente desejam que acontea
aquilo que eles dizem que mais temem. (...) De um
ponto de vista prtico, a essncia tangvel de quiromancia
a habilidade de escutar com infinita pacincia
todas as asneiras humanas .
A
mesma Keja contou depois o caso de um fazendeiro
na Srvia, que consultou um mdico depois de outro,
em vrios pases, e todos diziam que ele no tinha
absolutamente doena alguma. Em desespero consultou
ento uma cigana que imediatamente confirmou suas
suspeitas e, aps um longo e caro tratamento, o
curou de sua imaginria doena mortal.
O
cigano Ramrez-Heredia lembra que as ciganas costumam
prever apenas coisas boas, pelo que a quiromancia
tambm conhecida como a buena
dicha ou buenaventura,
que sempre tem no mnimo uma parte agradvel que
satisfar os desejos do cliente e que a perspiccia
de nossas ciganas ter adivinhado mais no gesto
e na atitude do solicitante do que na leitura mesma
das linhas de sua mo. E acrescenta:
A
prtica da buenaventura
[quiromancia] realmente uma atividade inocente.
(...) Nossas ciganas distribuem iluso, prevem
o nascimento de muitos filhos, prometem que vamos
ganhar na loteria ou na sena, ou nos dizem que vamos
encontrar um amor .... tudo isto sem esquecer a
herana que logo vamos receber de um parente distante
de cuja existncia nem tinhamos conhecimento.....
As artes adivinhatrias [so] resduo daquilo que
em outros tempos foi uma atividade mais histrinica
do que qualquer outra coisa. (...) Portanto, no
se deve interpretar o fenmeno das artes adivinhatrias
dos ciganos como uma disposio natural para o engano.
Deve ser visto apenas como um meio de ganhar a vida,
embora para isto tenhamos que usar muita comdia,
muito palavrrio e muita espontaneidade.
Como
exemplo Ramrez-Heredia cita uma cigana que costumava
prever que um caminho te vai trazer dinheiro;
trs vezes vais ganhar na loteria; a mulher que
mais desejas vai ser tua; e tua sogra ser atropelada
por um bonde, alm de outras coisas boas.
Ou seja, a quiromancia um belo e divertido
teatro, e nada mais. E divertimento custa dinheiro,
em qualquer parte do mundo, e s se diverte quem
quiser.
A
imagem do cigano vagabundo.
Tradicionalmente,
os no-ciganos acreditam que os ciganos no gostam
de trabalhar, que so uns vagabundos, uns desocupados
preguiosos. Os fatos histricos, no entanto, mostram
uma realidade bem diferente: os ciganos trabalham
sim, e trabalham duro para ganhar o seu sustento.
O problema que, como costuma acontecer frequentemente
na Europa, muitas vezes os ciganos so legalmente
proibidos de trabalhar ou suas atividades profissionais
so dificultadas ao mximo. Pelo menos na Europa
Ocidental, os ciganos, tradicionalmente, tm sido
trabalhadores autnomos e no operrios assalariados.
Uma classificao ou tipologia, entre vrias outras
possveis, de suas atividades econmicas, documentadas
j desde o Sculo XV, poderia ser a seguinte:
Primeiro:
o comrcio ambulante de produtos artesanais fabricados
por eles mesmos (as, cestas de vime, escovas,
vassouras, colheres e cabides de pau, amuletos,
remdios homeopticos, etc.), ou o conserto destes
produtos ou de outros produtos artesanais ou industrializados
(guarda-chuvas, cadeiras de palha/vime, amolar tesouras
e facas, etc.). Desde meados do Sculo XX, sempre
mais estes artefatos foram substitudos por produtos
industrializados similares, mais baratos e facilmente
encontrados no comrcio local. Hoje s resta aos
ciganos o comrcio ambulante de produtos industrializados.
Os tradicionais utenslios de cozinha (tachos, as,
canecos, etc.), fabricados pelos ciganos de cobre,
estanho ou outras ligas metlicas, no somente foram
substitudos por produtos de alumnio, vidro ou
plstico, mas hoje so inclusive condenados (s
vezes at proibidos) pela sade pblica. E pelo
menos na Europa Ocidental, h muito tempo ningum
manda mais empalhar uma cadeira ou consertar um
guarda-chuva, ventilador, aspirador de p, mquina
de lavar roupas, rdio, televiso ou geladeira,
porque o custo da mo-de-obra + peas, com certeza
ser superior ao preo de um modelo novo e mais
sofisticado, com garantia de vrios anos. Hoje estes
produtos, quando apresentam algum defeito fora da
garantia, vo logo para o lixo.
Segundo:
vrios grupos ciganos se tornaram afamados como
comerciantes de equinos, principalmente de cavalos.
Na medida em que, na segunda metade do Sculo XX,
sempre mais os cavalos desapareceram do cenrio
rural e urbano, muitos destes ciganos perderam seu
emprego, ou tiveram que adaptar-se a uma nova realidade.
Muitos deles se tornaram comerciantes de automveis,
novos ou usados, como antes competindo neste ramo
com os ja tradicionais negociantes no-ciganos.
Terceiro:
a prestao de servios, geralmente os servios
sujos, pesados, insalubres ou perigosos que normalmente
so detestados e evitados pela populao no-cigana
como, por exemplo, o asfaltamento de entradas de
veculos, pavimentao de caladas, derrubada e
poda de rvores, limpeza de chamins, reparo de
telhados, etc. Na Europa, os ciganos tambm foram
sempre bem-vindos nas fazendas como trabalhadores
sazonais, na poca da colheita de frutas, de cereais
ou de tubrculos, atividades nas quais costumavam
ser empregados todos os membros da famlia cigana.
Hoje quase todas estas tarefas costumam ser realizadas
por mquinas.
Em
alguns pases da Europa os ciganos ficaram famosos
como msicos, ou artistas de circo, e na Espanha
ainda como toureiros. E desde o Sculo XV h notcia
de ciganas ganhando honestamente o sustento da famlia
com a leitura da mo de crdulos gadj.
As ciganas no tm culpa de existirem tantos otrios
gadj que
acreditem piamente em sua buena-dicha,
e so dispostos a pagar por isto.
Quarto:
empregos assalariados. De um modo geral, os ciganos,
sempre quando possvel, parecem ter preferido os
trabalhos autnomos, sem vnculo empregatcio, mas
tambm h registro de muitos ciganos sedentrios
em empregos assalariados, em lojas, fbricas, reparties
pblicas. O problema, neste caso, parece ser no
tanto a falta de vontade dos ciganos de empregar-se,
mas a m vontade dos gadj
de empregar ciganos.
De
fato, muitas vezes os ciganos so recusados por
no possuirem a formao profissional necessria,
mas o mesmo vale tambm para os ciganos e as ciganas
que frequentaram a escola de primeiro e segundo
grau, ou at possuem diploma universitrio. Qual
Banco, por exemplo, empregaria um cigano? Qual supermercado
contrataria uma cigana como caixa ou um cigano para
tomar conta do depsito? Qual lavandaria empregaria
uma cigana? Qual empresa contrataria um vigia cigano?
Qual dona de casa contrataria uma cigana para ser
cozinheira ou bab?
Portanto, os ciganos no costumam ser operrios
assalariados apenas porque dificilmente so contratados
pelo simples fato de serem ciganos. Mais um motivo
para muitos ciganos esconderem ou negarem sua identidade
cigana quando se candidatam a um emprego assalariado.
Vrias
das atividades profissionais citadas acima - comrcio
ambulante, prestao de servios - exigem uma vida
itinerante, ou seja, muitos ciganos so ou eram
itinerantes (ou nmades) por livre e espontnea
vontade, no por causa de um misterioso instinto
migratrio, mas por simples necessidade econmica.
Mas vimos tambm que j desde o Sculo XV, os ciganos,
como estranhos estrangeiros indesejados, tm sido
e ainda hoje so enxotados de uma cidade para outra,
de um pas para outro. Ou seja, muitos ciganos eram
ou so itinerantes compulsrios, e por isso exercem
atividades profissionais ambulantes compatveis
com esta vida errante, que no escolheram mas lhes
imposta pela populao gadj.
Os
ciganos itinerantes, justamente por causa de sua
vida errante, nunca foram acumuladores de bens materiais,
que s atrapalham as viagens. Eventuais riquezas
eram acumuladas em forma de ouro, prata ou joias,
facilmente transportveis. Sempre faltou-lhes, portanto,
um esprito capitalista que d valor ao trabalho
para a acumulao de bens materiais. Como
informa Yoors:
Os
Lowara no acreditam em acumular coisas, nem atribuem
poder a propriedades. Para eles, a alegria de propriedades
estava somente em gast-las. Anos atrs encontrei
um Rom da tribo Tshurara..... Todos chamavam-no
o milionrio.... Keja me explicou que ele era um milionrio porque ele gastou
um milho..... Ele era rico no porque possua
uma fortuna, mas porque tinha gasto uma.
Entre
os itinerantes, acumular muitas coisas - alimentos,
roupas, objetos domsticos, capim ou rao para
os cavalos, etc. - simplesmente impossvel e deve
ser reduzido ao mnimo necessrio. Por isso, comum
os itinerantes darem a impresso de viverem de um
dia para outro, de nunca planejar nada para o futuro.
Quando um cigano itinerante faz um bom negcio,
o dinheiro costuma ser gasto logo e durante um ou
dois dias h fartura de comida e bebida para todos,
ou organiza-se uma festa. Os problemas de amanh
se resolvem amanh. Para um cigano itinerante, portanto,
no tem sentido trabalhar em excesso, somente para
acumular bens ou dinheiro que ele no pode carregar
em suas viagens. Por isso, s costumava trabalhar
quando necessrio. No se trata de preguia, mas
apenas de uma sbia adaptao vida itinerante.
Alm
disto, os ciganos precisam de muito tempo para outras
atividades no-econmicas altamente valorizadas
na sociedade cigana, mas sempre menos na sociedade
gadj,
principalmente na Europa, e que seriam quase impossveis
se exercessem uma profisso assalariada ou um trabalho
regular que absorvesse todo o seu tempo disponvel.
Segundo Ligeois:
[Para
o cigano] trabalho uma necessidade, no um objetivo.
O trabalho deve proporcionar um tempo livre para
tratar de assuntos sociais (encontros, visitas familiares,
festas, visitas aos doentes), para desenvolver e
manter relaes sociais. Isto s pode ser feito
se existir independncia econmica, um dos elementos
mais marcantes da identidade de ciganos e viajantes,
e um fator para manter esta identidade. No estar
empregado torna possvel no ficar envolvido num
mundo estranho e inaceitvel, torna possvel evitar
contato regular com este ambiente.... Por isso o
que importa num emprego, a maneira como pode ser
exercido.
Sculos
de perseguio tornaram a vida itinerante no apenas
uma necessidade, mas tambm uma tradio, a tal
ponto que muitas pessoas, e inclusive muitos ciganos,
identificam ciganos com itinerantes (ou nmades),
embora apenas poucos itinerantes sejam ciganos e
hoje apenas uns 10%, ou menos ainda dos ciganos
sejam itinerantes. Em vrios pases, principalmente
nos Blcs, os ciganos nunca foram itinerantes;
em muitos outros pases os ciganos foram obrigados
a sedentarizar-se e foram lhes indicados lugares
fixos para residncia em determinadas ruas ou bairros;
em mais outros pases, como na Holanda e na Frana,
a vida itinerante em teoria permitida, mas existem
acampamentos fixos obrigatrios que na prtica tornam
esta vida impossvel. Ou seja, da mesma forma como
existem ciganos itinerantes voluntrios e compulsrios,
tambm existem ciganos sedentrios voluntrios e
compulsrios.
Problemas
costumam surgir na ltima categoria, dos sedentrios
compulsrios, porque neste caso as tradicionais
atividades econmicas normalmente se tornam inviveis
e quando o cigano no consegue substitu-las por
outras, o resultado ser o desemprego, o cio forado
e em consequncia disto, a misria. Nas palavras
de Ligeois: Quando viajar se torna apenas um sonho
distante para os Viajantes, comea o desespero e
seus efeitos: doena, desintegrao familiar, agressividade
e delinquncia.
Os
documentos histricos provam que, quando lhes era
permitido, os ciganos, sedentrios ou nmades, sempre
exerceram atividades profissionais honestas das
mais diversas e em algumas se tornaram at especialistas
afamados, por exemplo, os homens como ferreiros,
caldeireiros, tratadores de animais e artistas,
e as mulheres como quiromantes. Somente quando a
sociedade gadj
lhes proibia ou impedia de trabalhar honestamente,
o que ainda hoje ocorre frequentemente, os ciganos
se viam forados a uma vida ociosa ou a profisses
alternativas nem sempre to honestas assim. Os
gadj, no entanto, parecem enxergar apenas os ciganos que no trabalham,
e nunca os inmeros ciganos que trabalham normalmente,
como outro cidado qualquer.
Infelizmente,
nada mais difcil de mudar do que idias preconcebidas
sobre outros povos ou grupos de pessoas, por mais
infundadas que sejam. Enquanto estas e outras imagens
anti-ciganas continuarem a existir ser difcil,
quando no impossvel, uma convivncia harmoniosa
dos ciganos com a sociedade gadj.
Antes de tudo, portanto, ser necessrio corrigir
e eliminar, na medida do possvel, estas imagens
negativas.
Rose
observa, com toda razo, que a ignorncia a base
dos preconceitos e que:
"Uma das causas que explicam que um grupo seja mal conhecido
o isolamento social em que ele se encontra, mesmo
se est em contato permanente com o resto da populao.
(..) O preconceito origina, muitas vezes, medidas
de segregao material e social que, por seu lado,
favorecendo a ignorncia, contribuem para arraigar
o preconceito. [Mas] a) a ignorncia provm tanto
da ausncia de conhecimentos, como da presena de
idias falsas; b) a ignorncia em si no faz nascer
o preconceito, mas condiciona ou favorece o seu
desenvolvimento em graus diversos conforme os grupos
de que se trata. Quando a ignorncia representa
um papel importante no aparecimento dos preconceitos,
estes podero ser eficazmente combatidos pela informao,
que vir completar os conhecimentos ou combater
as idias falsas" .
Da
porque uma das medidas propostas tem sido o esclarecimento
da opinio pblica sobre os grupos minoritrios,
suas maneiras de viver e de pensar, seus valores
culturais, sua histria. Rose, por exemplo, prope:
Divulgar, a respeito dos grupos que so vtimas
dos preconceitos, informaes exatas de forma a
destruir os esteretipos. Fazer conhecer as causas
das diferenas que existem entre os grupos minoritrios
e o grupo dominante. Faz-lo no somente pelos livros,
jornais e pela palavra, mas utilizando tambm as
relaes pessoais e os contatos amigveis.
A questo como fazer isto.
O
socilogo Hendriks lembra que um prejulgamento
pode ser corrigido por nova informao; um preconceito
no. A seguir cita os resultados de uma srie de
sete documentrios na TV holandesa sobre "operrios-hspedes"
turcos, e imigrantes molucanos e surinameses (imigrantes
ou refugiados de ex-colnias holandesas). Os documentrios
visavam diminuir os preconceitos contra estes grupos
fortemente marginalizados e discriminados naquele
pas, mas as pesquisas revelaram que o resultado
foi justamente o contrrio: aps a exibio dos
documentrios o preconceito at aumentou!
O
mesmo foi constatado por Banton: A publicao da
descoberta de que muitas pessoas discriminam no
precisa provocar uma reao corretiva, mas pode
ativar o efeito reforo e encorajar os discriminadores
a continuar discriminando, confortados pela sabedoria
que tantos outros fazem a mesma coisa.
Ou seja, um documentrio ou um livro sobre ciganos
- por mais bem elaborado que seja - no garante
automaticamente tambm uma diminuio nos preconceitos
contra os ciganos.
Finalmente
h quem defende medidas legislativas porque estas
diminuiro o respeito que se dedica ao preconceito,
suprimindo completamente algumas das suas piores
consequncias. Este um dos meios mais eficazes
para se lutar contra os preconceitos tradicionais".
Nos captulos anteriores vimos que no bem assim,
nem na Europa Ocidental nem na Europa do Leste.
Em todos os pases europeus existem as mais belas
leis que se possa imaginar sobre direitos humanos,
direitos civis, direitos polticos, leis anti-discriminao,
etc., mas que nada valem para os ciganos. Trata-se
apenas de belas palavras, e nada mais. Portanto,
no basta um eminente jurista elaborar, o Congresso
aprovar e o Presidente sancionar uma belssima legislao
que condena a discriminao de minorias (inclusive
das sempre esquecidas minorias ciganas), mas deve-se
lutar tambm para que esta legislao seja, de fato,
aplicada na prtica.
Alm
disto, as leis anti-discriminao sempre existem
porque, de fato, a discriminao existe. Ou seja,
como lembra Allport, as leis atacam sintomas, no
causas.
Leis anti-discriminao so necessrias e at podem
ajudar a diminuir um pouco a discriminao.
Porm,
para acabar com o preconceito e a discriminao,
antes de tudo ser necessrio acabar com a ignorncia
que existe sobre os ciganos, sua histria, seu modo
de vida, seus valores culturais e seus problemas.
Na luta contra o anti-ciganismo existe um enorme
campo de trabalho ainda inexplorado para cientistas
das mais diversas reas. Porque a ciganologia, geral
e brasileira, est apenas dando seus primeiros os,
e aparentemente sem qualquer oriento terica
e prtica. A nossa ignorncia ainda enorme.
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tudes
Tsiganes 5x1p1
Interface
216c3
A
bibliografia acima citada, difcil ou impossvel
de ser encontrada em qualquer biblioteca universitria
brasileira, est disposio dos ciganos e dos
pesquisadores no-ciganos no
Ncleo
de Estudos Ciganos
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Manoel Joaquim de Almeida 104
Iputinga
50670-370
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