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Conveno Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruis, Desumanas ou Degradantes e Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 4ar1s

Cristina de Freitas Cirenza*

Clayton Alfredo Nunes**


1. CONVENO CONTRA A TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUIS, DESUMANAS E DEGRADANTES(1)

1.1. Aspectos Centrais do Tratado

1.1.1. Introduo

Tido como um dos principais tratados que visam proteo dos Direitos Humanos, data de 10 de dezembro de 1984, quando foi adotado pela Resoluo n. 39/46 da Assemblia Geral das Naes Unidas. No Brasil, foi ratificado apenas em 28 de setembro de 1989.

No dizer de Paulo Srgio Leite Fernandes e Ana Maria Babette Bajer Fernandes(2) , "no se pode e no se deve, sob o pretexto de maior eficcia na represso da criminalidade violenta, alargar os limites dos cordes do Poder, tornando menos slidos os princpios jurdicos norteadores das linhas que previamente obrigam o Estado autolimitao." A histria sempre vlida para permitir a colheita de exemplos.

neste contexto que deve-se entender este Tratado: a ampla necessidade de proteo ao cumprimento das leis, por um lado, e por outro, o respeito dignidade humana , que no se coaduna com prticas vexatrias cidadania e penas que ultraem o limite do tolervel e justo dentro de um sistema de leis que tenham sido elaboradas em um estado de direito democrtico.

Continuam os autores: "no se pode cortar a ligao estreita que existe entre a liberdade, os direitos humanos, a concepo do justo e a norma posta em vigor. No se implanta o Direito sem que se atenda expectativa de que aquele ordenamento corresponda a um conjunto de normas justas. Nesta adequao entre a norma escrita e a perspectiva advinda de cada um e da comodidade de seu todo tem-se leis justas e leis injustas..." "...misturados na liberdade, nela se alimentando, mutveis embora, os direitos humanos acompanham sempre o homem na sua escalada pela vida."

Alberto Silva Franco perquire, em artigo publicado na Revista Brasileira de Cincias Criminais, o que teria levado o legislador ptrio a "invadir, de maneira to explcita, a rea de atuao reservada normalmente ao legislador ordinrio" a tutela penal de determinado bem jurdico.

o caso em tela: a Constituio Federal (art. 5, inc. XLIII) faz expressa referncia prtica de tortura como fato criminoso equiparvel aos crimes hediondos, inafianvel, insuscetvel de graa ou anistia, muito embora "nenhuma providncia tenha sido seriamente adotada at maro de 1997, para atender quer ao texto constitucional, quer aos compromissos internacionais." Pondera o jurista: "de um lado, a considerao de que certos bens jurdicos, pela importncia que lhes era nsita, deveriam ficar resguardados, mesmo em nvel constitucional, atravs de uma adequada proteo penal. De outro lado, a considerao de que o Direito Penal seria o nico instrumento de controle formal adequado eficaz garantia dos mencionados bens jurdicos, sendo certo, assim, que a incriminao no representava apenas um juzo de merecimento de pena, mas, sim, e sobretudo, um juzo de necessidade dessa pena. Desse modo, o legislador constitucional chamou para si os critrios aferidores que seriam prprios do legislador infraconstitucional para efeito de incriminar, ou no, determinadas ofensas a bens jurdicos relevantes."(3)

1.1.2. Escoro histrico

Se voltarmos alguns captulos da histria, veremos com clareza como se chegou ao texto constitucional de 1988: em primeiro de abril de 1964 ocorreu um golpe militar que ps abaixo a ordem constitucional vigente. Pessoas ligadas ao regime deposto foram perseguidas e crescia a concepo de "segurana nacional", quando os arbtrios eram cometidos em nome da ptria. Surgiu a guerrilha urbana e as organizaes de esquerda. Com o AI-5 vem a censura absoluta, a suspenso do habeas corpus, o recesso do Congresso e a cassao do mandato de deputados. Surge a tortura como forma de obter-se confisses e revelaes de informaes tidas como imprescindveis segurana nacional. Seus meios, todavia, dilacerando corpos, mutilando mentes e atemorizando a todos oponentes ao sistema, revelavam o contrrio. Neste diapaso h um endurecimento das leis, criam-se at restries ao direito de defesa, surge a pena de morte (Decreto n. 898).

Mas, obviamente que a tortura no foi inventada no Brasil, e tampouco apareceu como prtica corrente somente nos idos de 1964. H quem diga que "a tortura, forma extremada de violncia, parece ter se entranhado no homem ao primeiro sinal de inteligncia deste. S o ser humano capaz de prolongar sofrimento de animal da mesma espcie ou de outra. Os seres inferiores ferem ou matam a caa. Devoram-na depois. O homem diferente. O impulso de destruio o conduz aflio de dores por prazer, por vingana ou para atender a objetivos situados mais adiante.(4)

O antiqussimo direito Chins j a previa; sob a inquisio era meio adequado a testar a veracidade da confisso, mas se prolongava depois, como forma de integrar a prpria pena. O Manual dos Inquisidores serve perfeitamente aos torturadores de hoje.(5) A diferena que hoje, o corpo humano, legalmente erigido condio de intocvel, deve permanecer imaculado outrora deveria apresentar sinais visveis da prtica insidiosa. A tecnologia auxilia os detentores do Poder: funciona subliminarmente, com existncia sabida e divulgada, mas legalmente proibida. Aparecem ento os choques eltricos, o recurso da gua, a privao do sono, a tortura acstica. "Tranqilizam os Juzes. No os obrigam "ver" prova palpvel da confisso extorquida..." Aqui no se pode jogar com estatsticas judiciais ou policiais, pois que a tortura praticada em nome do poder nebulizada por este, raramente chegando apreciao do Judicirio. Mais rara ainda a comprovao do suplcio mediante apurao processual. Por ltimo, os dedos da mos so suficientes para contar as efetivas condenaes dos torturadores. H nisto uma tnica viciada na origem. Em sntese: os autores da tortura so normalmente os encarregados da apurao da realidade do tormento."(6)

Definitivamente, com o golpe de 64, o direito d a vez violncia. "Da guerrilha ao terrorismo, do encarceramento de dissidentes ao impiedoso aniquilamento de milhares de criaturas com apurao sumarssima de seus crimes ou sem qualquer verificao, num autntico massacre, o mundo moderno tem revelado que a violncia ou a ser mero fato, despido de significao fundamental, compondo, cada vez mais, o conformismo cotidiano. Ficaram anestesiadas as valoraes e suspensos os julgamentos de mrito, superados pela rotina, como se a inocncia leviana pudesse anular as conscincias"(7).

Desde a Idade Mdia tem-se notcia da utilizao da tortura como forma de obter-se a confisso do acusado: de 1200 a 1800 d.C., nos Tribunais Eclesisticos da Inquisio, era tida como a rainha das provas e meio processual de apurao da verdade.(8) Para os delitos ocultos, mais difceis de comprovao, utilizava-se a tortura para obter-se a confisso, que era ratificada na presena do escrivo aps.(9) Segundo, ainda, Heleno Cludio Fragoso, a Inquisio fez largo emprego da tortura, escrevendo negra pgina na histria do Direito Penal(10).

J na Idade Contempornea, a histria viu ar o nazismo de Hitler, que matou e torturou milhes de judeus, ciganos, comunistas, homosexuais, etc. Em 1917 a Unio Sovitica reprimiu a liberdade individual com a prtica da tortura, no regime socialista. Outros pases, Frana, Israel, frica (alguns) e Brasil, tiveram em seu governo regimes militares e ditatoriais.(11)

No panorama da legislao mundial, aparece a previso de proteo aos direitos humanos, e especificamente condenando-se as penas cruis ou aberrantes, na Declarao dos Direitos do Homem da Virgnia, EUA, em 1776. Onze anos depois, na 1 Constituio do pas, o artigo 7 prev a proibio de aplicao de penas cruis. No mesmo perodo, na Frana, surge a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado que dispe que "o rigor no tratamento das penas deve ser seriamente reprimido", reproduzindo-se a mesma idia na Constituio sa de 1791. A Declarao Universal dos Direitos Humanos sem sombra de dvida o texto mais importante de banimento da prtica da tortura: a partir de 1948 gerou-se uma srie de pactos e convenes e reconheceu-se a tortura como delito previsto no direito internacional positivo, impondo-se aos Estados a obrigao de reprimi-la, e tambm de impingir sanes aos violadores da norma. So exemplos: A Conveno Europia de Direitos Humanos (4.11.1950); O Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos (12.1966), A Conveno Americana de Direitos Humanos (11.1969 - Pacto San Jos da Costa Rica); a Conveno da ONU (1984) e a Conveno da OEA (1985).

No Brasil, a Carta Constitucional do Imprio referia-se ao princpio da legalidade das prises (arts. 179, 8, 9 e 10) e abolio dos "aoites, torturas, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruis". Muito embora tenha sido aprovada em 10.12.84, a Conveno da ONU s entrou em vigor em 26.07.87, sendo que o Brasil a firmou em 23.09.85, ratificando-a somente em 1989.

Em nossa Constituio de 1988 os dois artigos que surgem, condenando a prtica de tortura, so extrados da Conveno Americana de Direitos Humanos, o chamado "Pacto de So Jos da Costa Rica". Muito embora esteja no bojo da Carta Constitucional, levou o Brasil quase cinqenta anos para tipificar a conduta criminosa da prtica da tortura, desde que tornou-se signatrio da Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1949. Somente aps episdios como os de Diadema e da Favela Naval, onde civis foram torturados e mortos, chegou-se edio da Lei n. 9.455, de 07.04.1997, sobre a qual teceremos alguns comentrios mais adiante.

1.1.3. Principais pontos do Tratado

A Conveno est dividida em trs partes: a primeira diz respeito aos sujeitos ativos e ivos da tortura, sua definio e as medidas a serem tomadas pelos Estados que a ela aderirem, basicamente; a segunda trata do "Comit", terminologia adotada para definir a formao de um Comit contra a Tortura e seu modus operandi: membros, durao do mandato, relatrios, posicionamentos sobre casos apresentados dentre outros; a parte III cuida da adeso dos Estados-partes Conveno, bem como emendas que possam vir a sugerir. Neste trabalho procuraremos abordar, principalmente, a 1 parte da Conveno, que em verdade, seu" corao", em nosso modesto entender.

O artigo 1 da Conveno consolida o entendimento a nvel internacional de que a tortura ocorrida no Estado, atravs de seus funcionrios civis, policiais ou militares, por ser uma prtica comum e sinistra e por suas conseqncias graves, cruis e funestas, deve ser reprimida por leis nacionais, com maior rigor e de forma mais efetiva.

O artigo 2 conclama os Estados a adotar todas as medidas necessrias a fim de impedir a prtica de atos de tortura em seus respectivos territrios e consagra a regra de que, em nenhum caso, podero ser invocadas circunstncias excepcionais como ameaa ou estado de guerra, instabilidade poltica interna ou qualquer outra emergncia, como justificao para tortura. Do mesmo modo, dispe o texto convencional que no ser itida a excluso da culpabilidade sob a alegao de obedincia ordem de autoridade pblica superior."(12) No entender de Jos Joo Leal, ainda, o texto da Conveno procura atingir os dois tipos de tortura mais comuns: a policialesca e a inquisitorial. A primeira caracterizada por prticas diversas (choques eltricos, afogamentos, paus-de-arara, celas escuras e ftidas, etc.) usadas como forma de 1) investigao policial 2) castigo pelo crime cometido. No raro conta com a conivncia de magistrados, membros do Ministrio Pblico e autoridades policiais. Predomina que este o nico meio a se obter a prova material e da autoria do crime.

A segunda forma de tortura a institucional, que a praticada por motivo poltico-ideolgico, tambm usada como instrumento da investigao a servio do aparelho estatal totalitrio. "Historicamente, suas vtimas tm sido sistematicamente os lderes sindicais, polticos e estudantis, os intelectuais e os religiosos mais progressistas e autnticos que, num certo momento, possuem a coragem de resistir e lutar contra uma ordem poltica opressora e injusta."

O artigo 3 cuida de dar proteo ao ser humano que, se extraditado ou expulso de uma nao, sabidamente possa ser submetido tortura.

No artigo 4 j se preceituava a necessidade do legislador definir em lei o crime de tortura a fim de que sua prtica fosse coibida (crime em sua forma consumada, tentada e em co-autoria)

O artigo 5 define a competncia territorial do Estado em relao s medidas que tenha que tomar caso constate a prtica de tortura, alm de dentro de seu territrio, bordo de navio, aeronave registrada no Estado e quando o autor ou vtima for nacional do Estado (princpios da universalidade e da nacionalidade).

O artigo subsequente preceitua que o Estado deve proceder deteno do autor e adotar as medidas legais que estejam de acordo com sua lei, a fim de garantir a represso e punio prtica de tortura.

De toda forma, procurou-se garantir ao suposto autor tratamento justo em todas as fases do processo (art. 7).

Considera-se que o Estado que aderir Conveno adotar o princpio de que todo aquele que praticar tortura estar sujeito extradio, mesmo que no haja Tratado entre as naes envolvidas: a prpria Conveno servir de base legal.

O artigo 9 fala da reciprocidade que deve existir entre os Estados no fornecimento de informaes em relao aos procedimentos criminais instaurados, bem como o fornecimento de todos os elementos de prova necessrios para a apurao dos fatos.

O artigo 10 procura ir mais alm: ressalta a importncia de se incorporar o ensino e informao sobre a proibio da tortura no treinamento de pessoal civil, militar, funcionrios de qualquer espcie que possam participar da custdia, interrogatrio ou tratamento de pessoa submetida priso. O artigo subsequente complementa este dispositivo, no que tange ao exame de mtodos e prticas de interrogatrios e tratamentos.

Ressalta-se no artigo 12 a importncia da imparcialidade das autoridades competentes na apurao dos fatos investigados em qualquer territrio sob a jurisdio do Estado. Neste diapaso, tambm, o artigo 13, j que quer assegurar que qualquer pessoa que tenha sido vtima de tortura possa apresentar queixa a autoridades competentes, que procedero com a mesma imparcialidade apontada.

A temtica da indenizao da vtima de tortura surge no artigo 14: reabilitao, indenizao justa vtima e/ou seus familiares dependentes.

De se desprezar eventual prova obtida por meio de tortura: o que consagra o artigo 15.

A fim de garantir que ningum seja submetido a ato cruel, desumano ou degradante, o derradeiro artigo desta parte da Conveno estatui que em no se tipificando o ato como tortura, tal qual definido no artigo 1, mesmo assim seja coibido, e assevera, ainda, que os dispositivos da Conveno devam ser interpretados de maneira ampla: nunca a restringir a aplicao "de qualquer outro instrumento internacional ou lei nacional que proba os tratamentos ou penas cruis, desumanas ou degradantes ou que se refira extradio ou expulso".

*Procuradora do Estado de So Paulo, membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo.

**Procurador do Estado de So Paulo, membro do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo.

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