A
Diferena Que Um Dia Pode Fazer 873q
Joanna Berkman
Jornalista
norte-americana editora do relatrio anual sobre o fome da ONG
Bread for the World e do International Food Policy Research
Institute (IFPRI)
Traduo
livre do ttulo da msica a Difference a Day Makes
Os
dois avies sequestrados que colidiram com as torres gmeas do
World Trade Center em 11 de setembro destruram instantaneamente
o horizonte de arranha-cus de Nova lorque e seu status quo.
Tanto este ato de guerra como seus perpetradores foram
absolutamente atrozes. Mas a maldade tem uma beleza toda sua. Esse
odioso ataque foi indiscutivelmente concebido e executado com
elegncia. Os terroristas no somente assam 6.000
pessoas e feriram pelo menos outras 8.700. Eles nos fizeram
assistir aos ataques no momento em que aconteciam usando a mesma mdia
que consideram decadente e aproveitando-se das mesmas liberdades
que tanto desprezam. Foi diablico. Foi brilhante.
O
ataque lembrava um videogame violento ou um filme apocalptico
produzido em Hollywood. Enormes bolas de fogo, colunas de fumaa,
grandes exploses, terroristas rabes e pessoas gritando e
correndo para salvar suas vidas. Mas aquilo no era diverso.
Era real. E estava acontecendo conosco, aqui, no em Tel Aviv,
mas na cidade de Nova lorque, o corao do Sonho Americano, o eptome
das aspiraes e oportunidades dos Estados Unidos.
Estamos
vivendo no limite, sem saber o que vai acontecer ou quem ser o
prximo. Os desdobramentos do ataque do dia 11 de setembro vm
se revelando em todos os nveis, das mais variadas maneiras,
desde aquele dia fatdico em que o choque levou os americanos a
clarificar seus valores coletivos nacionais. O preo da
liberdade a eterna vigilncia. Ns havamos sido
negligentes. Comeamos a repensar tudo.
Nossos
governantes, assim como a sociedade, reagiram imediatamente.
Pessoas com experincia em reas cruciais chegaram ao local do
acidente em Nova lorque vindas de todo o pas. Eram mdicos,
enfermeiros, tcnicos em emergncias mdicas, soldadores,
trabalhadores da construo civil, operadores de equipamentos
pesados, equipes de busca e salvamento, quiroprticos,
especialistas em massagem teraputica, profissionais da rea de
sade mental, e conselheiros espirituais que foram chegando at
serem recusados, pois j havia um nmero excessivo deles. Eles
vieram de carro desde a Califrnia, e de bicicleta desde
Connecticut. Eles precisavam estar l, para ajudar, para fazer
alguma coisa. Isso o jeito americano.
Milhares
de voluntrios doaram sangue. Milhares recolheram roupas limpas
e cozinharam para os bombeiros e policiais que se dedicaram
diuturnamente ao trabalho de salvar vidas. Cidados comuns se
apresentaram para o servio pblico para trabalhar de graa,
s suas prprias custas, em um ato de bondade, compaixo e
generosidade. Eles abriram seus coraes e ofereceram dinheiro,
recolhendo milhes de dlares para as vtimas e suas famlias.
O pior acontecimento revelou o melhor de cada um de ns.
Descobrimos o verdadeiro sentido de sociedade civil. Estvamos
orgulhosos de ser americanos.
O
patriotismo explodiu como os fogos de artifcio no 4 de julho.
Pessoas que nunca antes haviam pensado em fazer isso, correram
para comprar uma bandeira americana. Eles a exibiram do lado de
fora de suas casas e escritrios, vestiram-se com ela,
prenderam-na em seus carros, e decoraram suas janelas como smbolo
de unidade, determinao, e tristeza nacional. Problemas
triviais e menores foram deixados de lado para revelar o que
realmente importava. Bombeiros, policiais e os refns condenados
morte que dominaram os terroristas e desviaram o quarto avio
sequestrado, que tinha como possvel alvo a Casa Branca ou do
Capitlio, para um campo na Pensilvnia substituram os astros
do esporte e da msica como nossos novos e verdadeiros heris.
Diferenas
polticas foram temporariamente esquecidas. Em Nova lorque, o
governador George Paraki, a Senadora Hillary Clinton e o prefeito
Rudy Giuliani, que j foram desafetos polticos, deixaram de
lado suas diferenas para trabalhar pela cidade. Em Washington,
congressistas republicanos e democratas que sempre se opam
uns aos outros aram a se abraar em pblico, O Congresso
reuniu-se nas escadas do Capitlio em um show sem partidarismo e
cantou God Bless America - Deus Abenoe a Amrica, que
veio a tornar-se o hino nacional no oficial. As pessoas comea
comearam a cant-lo em todos os lugares onde um grupo estivesse
reunido, fossem templos religiosos, jogos de beisebol ou servios
funerrios. Essa solidariedade nos mostrou de uma s vez que a
nossa democracia poderia - e deveria - ser assim.
O
Presidente George XV. Bush deixou de esconder-se atrs das baixas
expectativas e ou a agir como um lder verdadeiro. Ele, que no
venceu pelo voto popular e foi eleito pela maioria do Tribunal
Superior, que ou mais tempo de frias nos seus primeiros seis
meses de mandato do que parecia razovel, cujos pronunciamentos
inarticulados e sem propsito causaram situaes de embarao,
ansiedade e ridculo; este homem teve que tomar a frente de uma
situao que exigia um Roosevelt ou um Churchill.
No
incio, George W. Bush era o Onde est Wallie? do governo nacional.
Ele deixou a Flrida, onde estava quando o primeiro ataque ocorreu,
e voou para a Louisiana e para o Nebraska, por motivo de segurana
segundo informaes, antes de finalmente voltar a Washington. Em
suas primeiras aparies na TV, suas mensagens nao eram
demasiado curtas, tpidas e nem um pouco arrojadas. Ento, um
milagre aconteceu, O discurso de meia hora que o presidente fez em
uma sesso conjunta do Congresso foi irretocvel e surpreendente
e captou perfeitamente o esprito do povo americano. Se Bush ou
ou no o lder que precisamos neste momento no importa. Ele
o Presidente que temos e est recebendo o apoio do povo
americano. Aqueles que duvidaram de sua inteligncia no
chegaram a mudar de idia. Temos a certeza de que no foi ele
quem escreveu aquele discurso. Mas fomos tranquilizados pela
cautela do Secretrio de Estado, Colin Powell, e pela transformao
de outros polticos, como o irascvel Rudy Giuliani, em lderes
verdadeiros e humanos.
Revimos
cada campo de nossa existncia aps o ataque de li de setembro.
Em muitos aspectos, as mudanas foram absolutas. A atitude dos
LUA perante a ONU foi realizada. Finalmente iremos pagar nossas dvidas,
h muito atrasadas devido a oposio de congressistas reacionrios
.
Hollywood
e os fabricantes de videogames sucumbiram introspeco, e
reavaliaram a receita de bolo cujos ingredientes principais
eram assassinatos e destruio e que nos era empurrada como
diverso. Durante muitos anos, eles negaram veementemente a ligao
entre seus produtos e a violncia em nossa sociedade, mesmo
quando adolescentes desequilibrados traziam armas para as escolas,
em sequncia, para atirar em seus professores e colegas.
Quem iria pensar que um ataque terrorista, um acidente de avio,
ou um prdio em chamas seria considerado divertido agora? eles
perguntaram. Eles j deveriam saber a resposta para aquela
pergunta h muito tempo.
Entretanto,
nem tudo mudou radicalmente aps nossa reflexo forada. O
racismo, que uma falha de carter nacional e recorrente mostrou
sua face repulsiva, e crimes de dio contra qualquer pessoa que
aparentasse ser rabe ou muulmana ocorreram, incluindo vrios
assassinatos. O nosso medo to grande que ageiros e
comissrios de bordo recusaram-se a decolar a no ser que homens
com aparncia suspeita fossem retirados do avio. Enquanto
o povo americano tenta recuperar seu senso de proteo e segurana
pblica, estamos cientes de que no podemos violar os princpios
que buscamos defender. Quando prometemos fidelidade bandeira
(agora com sinceridade e no mais mecanicamente), declaramos
ser uma nao, obediente a Deus, com liberdade e justia
para todos. Mesmo que nosso pas no tenha sempre mantido
seus elevados padres, eles so os nossos ideais. medida em
que partimos em busca dos terroristas que destruiriam nossas
liberdades, nos empenhamos para resolver a questo do perfil
racial, uma prtica que vem incomodando nossos cidados
afro-americanos h vrias geraes. No repetiremos o
vergonhoso erro de criminalizar um grupo inteiro de americanos,
como o governo fez ao deter e confinar milhares de leais nipoamericanos
durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, quando quem nos
ataca so rabes e muulmanos que am por ns como pessoas
comuns, separar os terroristas dos cidados nos coloca em uma
situao difcil. Devemos encontrar uma maneira de identificar
os perpetradores sem condenar as comunidades islmicas e rabes.
Alm
disso, h a questo da mulher, sempre a ltima e menos
importante. Quando que os Estados Unidos iro lutar pelos
direitos humanos das mulheres, da maneira que ns lutamos pelos
direitos dos judeus de viver em Israel e para Israel existir?
Todas as americanas que eu conheo acharam que a violncia que o
Taliban impe s mulheres tem a ver com a violncia que eles
perpetraram contra ns, mas o silncio oficial do governo sobre
o assunto ensurdecedor. Os Estados Unidos sabiam que a mfia
religiosa e fascista do Afeganisto estava perseguindo as
mulheres, assim como ns sabamos que os nazistas estavam
assassinando os judeus. As americanas tentaram em vo tornar pblico
esse abuso, assim como os judeus americanos e europeus tentaram
fazer com que os Estados Unidos reagissem de forma decisiva para
colocar um ponto final na exterminao dos judeus.
Sabamos,
e ficamos de braos cruzados quando o Taliban tornou crime o fato
de ser mulher, assim como no fizemos nada quando os alemes
decidiram que era crime ser judeu. As tticas do Taliban eram idnticas
aquelas dos nazistas. Ao tomar Cabul em 1995, o Taliban colocou to(1
i mulheres e meninas sob custdia domstica, justificada pela
rubrica legal de sua ideologia repressiva. As mulheres no
podiam sair de suas casas sem a companhia de um parente varo.
Aquelas que ousassem sair cm pblico tinham que cobrir-se com uma
burka, traje oficial feito de acordo com as regras do
Taliban, que consiste em uma tnica que cobre iodo o corpo e tem
na altura dos olhos uma tela que mal possibilita uma viso
parcial. Meninas foram proibidas de frequentar a escola. Mulheres
no podiam trabalhar, nem mesmo mdicas e enfermeiras. Mulheres
no podiam ser tratadas por mdicos do sexo oposto. Bandos de
homens e rapazes perambulavam pelas ruas e batiam em qualquer
mulher que no ~ comportasse conforme determinava a poltica de
pureza e retido estabelecida pelo Taliban. Ainda assim, a
semelhana entre essas medidas e as estrelas amarelas e camisas
marrons do nazismo no soaram o alerta.
As
agncias internacionais de ajuda humanitria que enviaram alimentos,
aqui includas as ONGs americanas e europias que representam os
pases que lutaram na Segunda Guerra Mundial, aceitaram as restries
que o Taliban imps s mulheres. Os homens ocidentais no iriam
tocar na questo de gnero. Era perigoso demais. Os
direitos das mulheres eram uma questo de tradio, religio e
costumes. Entre homem e mulher ningum mete a colher. Esta
relatividade cultural obscena, essa amnsia histrica e essa
covardia tios conduziram diretamente guerra contra o terrorismo
que agora enfrentamos. Deveramos saber onde esses direitos
humanos contra as mulheres nos estavam levando. Ainda assim, em
maio ltimo, os Estados Unidos doou US$45 milhes ao Taliban
como recompensa pela erradicao das plantaes de papoula,
uma poltica que deveria ter sido o contraforte da mal orientada
e fracassada Guerra contra as Drogas americana, O que achvamos
que eles iriam fazer com esse dinheiro?
Agora
temos que matar o monstro que ajudamos a criar. Deveramos ter
prestado ateno advertncia de Martin Niemoeller
(1892-1984), uni oponente dos nazistas que somou o custo do
apaziguamento e da acomodao. Primeiro eles foram atrs dos
comunistas, mas como eu no era comunista, no me manifestei.
Depois eles foram atrs dos socialistas e dos sindicalistas, mas
como eu no era nem um nem outro, no me manifestei. Dai eles
foram atrs dos judeus, mas eu no era judeu, ento no me
manifestei. Ento, quando eles vieram atrs de mim, no havia
mais ningum para se manifestar em meu favor.
Os
Estados Unidos ignorara m a perseguio das mulheres pelo
Taliban. E dai eles vieram atrs de ns. No haver justia
nem paz at que os homens se manifestam pelos direitos das
mulheres, pois a subjugao das mulheres o modelo para toda a
opresso. difcil imaginar situao semelhante na qual as
mulheres no lutariam at a morte para libertar seus filhos e
maridos, pais e irmos. hora dos homens de todo o mundo
retriburem. Nos lugares onde as mulheres so invisveis e
silenciadas, os homens no tem como contar com as suas mais fiis
e ternas campes.
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