HLIO BICUDO
2zse
O
povo em geral, sujeito a permanente propaganda da violncia, descrente dos
aparelhamentos policial e judicirio e sabedor de que as nossas prises so
escolas de aperfeioamento do crime, e de que a infncia e juventude
abandonadas no tm escolha que no seja aquela de uma vida sem maiores
perspectivas de realizao pessoal, que leva explorao e ao crime,
chega, muitas vezes, sem saber muito bem por que, a clamar pela pena de morte.
um clamor que resulta de uma sentida ausncia de segurana.
Tanto
a desejada atuao dos esquadres da morte ou do linchamento puro e
simples, como a legalizao da pena de morte, so solues se que
se poderia falar, na espcie em solues aconselhada pelo estado
emocional, de verdadeira histeria coletiva, altamente influenciado pela posio
adotada pelos meios de comunicao de massas, os quais, sem interferncia
dos poderes pblicos competentes, fazem apologia pblica da violncia.
E
tanto isso verdade, que uma maior reflexo sobre esses assuntos,
esclarecendo os perigos que envolvem a atuao dos esquadres da
morte e o que realmente representa a pena de morte, leva essas mesmas
comunidades a concluses diametralmente opostas quelas tomadas no clima de
choque e de emoo conseqentes a delitos violentos, como so
caracterizados muitos homicdios, assaltos e estupros. Em So Paulo, num
bairro perifrico denominado So Mateus, as donas de casa aram cerca de
dois meses a debater o problema da pena de morte e de suas conseqncias,
chegando a concluso de que, a ser adotada ter-se-ia mais um elemento na
opresso do prprio povo. Com grande sabedoria, o povo reconheceu que a pena
de morte jamais iria atingir as minorias privilegiadas, mas o povo em geral,
que pensionista maior de nossas febens", das cadeias pblicas, das
casas de deteno e das penitencirias.
Na
verdade, mesmo sem um conhecimento maior do assunto, ignorando que a pena de
morte, mesmo naqueles pases que a adotam, no o caminho para o
equacionamento da questo da violncia, est na conscincia do povo, que a
pena criminal, seja ela qual for, , dentro das concepes atuais da
sociedade humana, mais uma forma do exerccio do poder e da opresso do povo
por parte das minorias privilegiadas.
A
problemtica da pena de morte, do debate intra-muros, entre especialistas
professores versus professores, advogados versus
advogados a-se ao debate pblico. Veja-se o caso de So Mateus.
A
indagao que, desde logo, se impe, a de se saber se a pena de morte se
constitui em ameaa efetiva ao criminoso? Ser, por outro lado, civilizado,
tirar-se uma vida em nome da justia?
No
falemos do Brasil, onde a pena de morte extra-legal existe em nmeros
assustadores. No Brasil, a polcia executa centenas de pessoas por ano. Esse
nmero no aleatrio, tem em vista as mortes ocorridas no Rio de Janeiro
e em So Paulo, fartamente noticiadas pela imprensa.
Tomemos
como exemplo os Estados Unidos da Amrica, pois outros pases civilizados,
como a Inglaterra, a Frana, a Alemanha Ocidental e a Itlia, j aboliram a
pena de morte. Pois bem, nos Estados Unidos, embora o nmero de execues
venha aumentar a cada ano hoje, trinta e nove dos estados americanos
adotam a pena de morte no se pode dizer que a criminalidade tenha
arrefecido.
Ali,
em 1983 como anota uma reportagem publicada na revista Times
usa-se a cadeira eltrica, a cmara de gs, o fuzilamento, o enforcamento,
e, agora, over doses de txicos. Em 1983, o nmero de homicdios era
de 9,7 por cem mil habitantes. Esse nmero, que decresceu no ante e no aps-guerra,
de 1960 a 1973, dobrou de 4,7 por cem mil habitantes, para 9,4 por cem mil e
9,8 nos dias de hoje. Enquanto em outros pases, como a Inglaterra, a taxa
ou a ser de 1,1 por cem mil habitantes.
certo que o povo em geral, nos Estados Unidos e no Brasil, diante do aumento
da criminalidade violenta, , pode-se dizer, em grande parte favorvel
pena de morte (revista Veja, de 12 de agosto de 1984). Mas isto se deve
falta de maiores esclarecimentos, de um modo em geral, e, em particular, a
motivos emocionais, estimulados por uma propaganda sistemtica da violncia.
Como
se viu, a pena de norte nada resolveu nos Estados Unidos, onde a criminalidade
cresce de maneira espantosa.
Aqui,
o povo, diante da inoperncia de uma polcia desfacelada em seus quadros e o
mais das vezes, corrupta, tendo em vista um Poder Judicirio elitista, cada
vez mais afastado dos problemas que mais de perto afligem a populao, quer
uma soluo e a pena de morte pode parecer que a soluo. Mas no o ,
aqui, ou em qualquer parte do mundo.
A
pena de morte, nos Estados Unidos da Amrica, pblica como era em tempos
ados, ou, nos dias de hoje, restrita, na sua execuo, a um dado nmero
de testemunhas, nunca teve efeitos intimidativos. Os nmeros esto a, a
provar o quanto ora se afirma. Alis, se assim fosse, Nova Iguau, ou mesmo
So Paulo, palcos de assassinatos de delinqentes e de marginais pela Polcia
e pelos esquadres da morte, deveriam ser o paraso da terra...
O
atual governador de Nova Iorque, afirma, com razo, que no h nenhuma
evidncia de que a pena de morte seja intimidativa. Foi, alis, a
concluso a que chegou a Academia Nacional de Cincias, em 1978 (USA). De
duzentos e cinqenta enforcados no incio do sculo, na Inglaterra, cento e
setenta confessaram haver assistido a uma ou duas execues capitais. que
a intimidao o grande appeal para a imposio da pena de morte
na legislao requer, antes de mais, que o delinqente possa raciocinar
com os provveis custos de sua ao. E, pergunta-se, como ficam os casos
dos homicdios cometidos por pessoas drogadas ou por pessoas que no momento
do delito no estejam lcidas? O professor de Direito Antony Amsterdam, da
New York University, indaga: as pessoas fazem a si mesmas estas perguntas: eu
tenho medo da pena de morte? Eu no estaria intimidado? Mas a verdade, afirma
ele, que as pessoas no cometem homicdios por inmeras outras razes
que no so a pena de morte. Um outro professor americano sem maiores
indagaes ticas afirmou que seria favorvel pena de morte, se
ela, realmente, fosse um fator de intimidao.
Em
concluso: uma morte ilegal e a outra legal. Mas o que transforma a
Segunda morte em morte legal? Se eu rapto algum e ponho esse algum num
quarto contra a sua vontade, isto chamado seqestro. Mas se eu visto um
uniforme, o fato se chama priso...
E
h mais: os inocentes mortos. Nos Estados Unidos da Amrica, os casos
Hauptmann e Saco e Vanzetti, o casal Rosemberg. As deficincias da defesa dos
rus pobres. A possibilidade da reparao.
E
para finalizar, um dado importante: no VI Congresso das Naes Unidas sobre
preveno do delito e tratamento do delinqente, os representantes do bloco
comunista e dos pases rabes colocaram-se francamente favorveis pena
de morte...
A
questo da violncia jamais encontrar solues na violncia, venha ela
de onde vier, do prprio povo ou dos chamados poderes constitucionais.