1h255q
EM
DEFESA DA VIDA
1w3332
FREI
GILBERTO GORGULHO
Telogo
dominicano. 502n56
Ao
falar da pena de morte preciso colocar como centro
das discusses e a defesa concreta da vida. No basta
evocar de maneira abstrata os argumentos em favor da
pena de morte. Esses argumentos so conhecidos. A pena
de morte teria trs funes necessrias: defender a
sociedade dos criminosos de cometer certos delitos mais
graves, e possibilitar uma expiao pelos crimes
cometidos.
No
basta ficar num nvel abstrato. Mas, a partir da prpria
Bblia preciso ver a questo de maneira concreta, e
encontrar outras alternativas mais eficazes e mais
justas em defesa da vida, e da segurana do povo.
Deus
quer a vida
Uma
primeira perspectiva a maneira de ler a Bblia. Ali
encontramos leis de defesa dos antigos cls, e de
defesa contra a idolatria. Esta defesa era a manifestao
de progresso da conscincia e da subsistncia do povo
diante de outros povos dominadores. Tais leis no podem
ser tomadas como um absoluto normativo. So a expresso
da evoluo da conscincia moral. Elas so uma
pedagogia para compreender a real vontade de Deus que se
manifesta no no matars, e na defesa da vida e
da dignidade humana. E do mesmo modo a lei de Talio no
seria uma selvagem regulamentao da vingana. Ao
contrrio, uma das primeiras manifestaes do
sentido da justia: a retribuio deve ser feita na
medida mesmo do dano. Se lhe firo um olho, um olho
que lhe devo. A lei de Talio exprime a antiga
antropologia (olho, mo, p), e mostra que a justia
envolve toda a dignidade humana, e deve ser a base das
relaes sociais.
Uma
esclarecida leitura da Bblia mostra que o respeito
vida e prtica da justia integral o eixo da
compreenso da sociedade, e da fonte das leis
positivas. por isso que o amor ao inimigo, o perdo
e o amor libertador e eficaz sero as caractersticas
da nova justia que haver de caracterizar os
discpulos seguidores de Jesus Cristo (cf. Mateus 5,20;
Mateus 5,40-48).
A
mensagem bblica se expressou em um meio cultural e
social bem diferente do nosso. Da a necessidade do
discernimento para no transferir certos modelos
legislativos para outros contextos. Na Bblia deveremos
procurar o que de fato a Palavra normativa para todas
as geraes.
Contra
a pena de morte
Ao
falar da pena de morte no basta ficar num nvel
racional e abstrato. Neste nvel, a racionalidade
clara: Mesmo quando se trata de execuo de um
condenado morte. O Estado no dispe de direito do
indivduo vida. Est reservado ao poder pblico de
provar o condenado do bem da vida para expiao de sua
culpa, depois que pelo seu crime j se despojou de seu
direito vida.
O
prima da discusso deve se colocar no nvel concreto e
real. O argumento racional no significa que obriga
sempre sujeita modificao, evoluo, e a uma
limitao concreta que manifesta mais diretamente a
justia real.
Nesse
terreno do direito positivo, devemos ficar sempre contra
a pena de morte. Devemos sustentar que este gnero de
pena no est mais adaptado s condies de nossa
civilizao.
Pois
sentimos mais de perto e de maneira mais evidente as
incertezas da justia humana; e somos levados a temer o
que uma sano irremedivel (no apreciando a
eficcia ou validade das reabilitaes pstumas...).
Conhecemos
com maior rigor as diminuies doentias da
responsabilidade concretas, e como conseqncia,
conhecemos tambm a fragilidade de certas decises jurdicas
sobre a culpabilidade integral.
Mas
sobretudo sabemos que impossvel institucionalizar e
articular outros e bons meios de preservao da
sociedade sem chegar ao extremo de tirar dos outros o
bem da vida corporal.
Por
isso temos o direito e o dever de ir contra a pena de
morte.
Temos
de envidar todos os esforos para que ela no entre e
no traduza em regra no plano do direito positivo.
Na
medida em que os Episcopados catlicos vem de perto
os equvocos de certos Governos e Estados, tornam-se
claramente favorveis abolio da pena de morte.
Neste particular, tiveram grande papel na evoluo, a
Igreja na Frana e no Canad. Na Amrica tambm
sensvel a influncia crist para a abolio da
pena de morte. Essa influncia se faz sentir no caso da
Nicargua. A evoluo da conscincia crist tende
para a abolio. Contudo existe um caso errtico:
o caso do Chile do atual General Pinochet. O Brasil
gostaria de seguir o exemplo deste Ditador?
A
defesa dos cidado
Falando
de maneira concreta creio que as objees mais sensveis
em nosso meio so as seguintes: 1) Certamente a pena de
morte no se aplicaria aos fazendeiros que mandam matar
os camponeses, nem aos criminosos de colarinho
branco, e nem aos policiais que matam os presos ou os
suspeitos. No se aplicaria tambm aos esquadres da
morte. Haveria os protegidos do regime. A pena de morte
seria unicamente para os pequenos e pobres criminosos
(os ladres de galinha...) que no conseguiriam
nenhum apoio oficial. E a pena de morte aumentaria a
corrupo dos juizes e da polcia. Aumentaria a
discriminao na represso aos crimes e delitos. 2)
Vale como argumento os erros da justia: os erros so
freqentes. Quer sejam erros voluntrios, quer
involuntrio. 3) A pena de morte rejeita toda
possibilidade de melhoramento ou de converso do
culpado. No cr que uma emenda seja possvel. Ora,
essa descrena legitimada, sobretudo, para aqueles
que nunca seriam condenados morte. Pode se dizer que
a pena de morte sempre ir contra a defesa concreta da
dignidade humana, e da prtica de uma justia real.
Por mais justa ou justificvel que ela se
apresenta, de fato, corre sempre o perigo de ser uma
violao concreta da justia e do direito vida que
vem em primeiro lugar.
Mas,
existe o problema de encontrar uma alternativa para
fazer frente violncia e insegurana, sobretudo
urbana, que serve para convencer as massas da
necessidade da pena de morte apesar de todas as
demonstraes dos melhores criminologistas. O problema
no se resolve por meio de argumentos tericos,
preciso oferecer uma alternativa
prtica, uma soluo prtica ao problema da violncia
e da insegurana.
Ora,
pode-se entrever uma possvel alternativa. Acontece que
a polcia oficial, a polcia do Estado inoperante
por uma srie de razes. Quando o Estado incapaz de
proteger os cidados, antes tm o dever de organizar a
sua segurana.
Hoje
em dia, os ricos j organizaram a sua polcia
particular. Esta existe e no se trata de uma novidade.
Os ricos j dispem de polcias particulares. S os
pobres esto e so desprotegidos. Por conseguinte os
pobres devem organizar a sua polcia popular, polcia
de bairros e de favelas. No faltariam voluntrios.
Uma polcia de bairro, em ligao com rgos
responsveis da defesa do povo, seria menos corruptvel.
Estaria sob o controle permanente da populao. Nos sculos
XI e XII a Igreja tomou a iniciativa de suscitar e de
ajudar a formao de tais gneros de defesa popular.
Hoje em dia, eles so de novo necessrios. Uma das
grandes obras de misericrdia seria exercer o ofcio
de policial popular! O Estado no pode opor-se a tal
iniciativa porque incapaz de assegurar a proteo
dos cidados. A reforma eficaz, ligeira e operante da
polcia quase impossvel. A defesa da vida, e a
proteo contra a violncia so uma tarefa que as
comunidades populares podem, devem e so capazes de
assumir. Uma tal alternativa um caminho mais seguro
para a defesa da vida e para a implantao da justia,
diante da violncia e da insegurana urbana.
|