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A Violncia no Esporte

A Violncia Coisa Nossa - Mas Tem Jeito

Maria Victoria de Mesquita Benevides
Sociloga, professora da Faculdade de Educao da USP, diretora da
Escola de Governo e membro da Comisso Justia e Paz

A tradicional imagem do brasileiro como "um homem cordial" pois a doura de sentimentos, a afabilidade no trato e a generosidade com os visitantes encantavam os estrangeiros, segundo textos da histria ufanista vem sendo to desmentida quanto a velha tese sobre nossa "democracia racial".

Hoje, ningum mais, com um mnimo de informao e olhos para ver, poder duvidar de que podemos ser violentos, sectrios e racistas; insensveis ao abandono de nossas crianas e jovens, misria das famlias expulsas do campo, humilhao dos desempregados, ao desespero das pobres vtimas das chacinas e da violncia policial nas cidades, degradao dos submetidos a um perverso sistema carcerrio, ao sofrimento dos que dependem da precria rede pblica de educao, sade, transporte e previdncia. Enfim, podemos continuar embalados pelas mgicas de uma publicidade imbecil, permanecendo socialmente injustos e politicamente elitistas, coniventes eventuais do descaso de governantes e de nossa "classe ilustrada". Mas e esse o ponto crucial no podemos mais fingir que desconhecemos a realidade, acreditando piamente que, alm de sermos um pas "abenoado por Deus e bonito por natureza", ainda somos filhos amorosos e devotos da ptria "me gentil". Que gentileza? Que beleza? Que bno? Que me desnaturada ser essa?

Como diz a garotada, "camos na real". Essa perda da inocncia tem um preo gostaramos tanto de continuarmos protegidos em nossas iluses! mas tambm til para tentarmos compreender a sociedade em que vivemos, o lado sombrio da frgil e imperfeita natureza humana, e, acima de tudo, prepararmo-nos para discutir e encaminhar possveis solues.

A descoberta de que esta uma sociedade violenta e cruel acaba se constituindo em uma verdadeira revoluo cultural. O abalo em convices arraigadas sobre sermos um "povo sentimental, ordeiro e pacfico" (sem dvida, conseqncia da ideologia imposta pelos dominantes) tem provocado estragos na auto-estima brasileira. Como entender, por exemplo, que um adolescente possa ser espancado at a morte s porque usava a camisa de um time de futebol adversrio? Como entender a ausncia de uma comoo pblica com a notcia de que uma criana morreu esmagada por um caminho, porque foi confundida com um saco de lixo, sua "cama" disponvel numa praa do centro paulista? Afinal, para ns, brasileiros complexados com as mazelas de nossa tristssima paisagem social, a crena naquela "superioridade do corao" nos trazia um certo conforto espiritual, ao nos compararmos com pases da Amrica Latina bem mais desenvolvidos, porm marcados por histria sangrenta herdada dos conquistadores espanhis, como aprendamos na escola. O oficialismo dos livros didticos nos fazia esquecer o genocdio de nossos indgenas e as trevas da escravido negra, assim como as revoltas populares do sculo XIX (Farrapos, Cabanagem, Praieira, Vintm, Quebra-quilos), reprimidas por um Estado rigidamente centralizador e apropriado pelas oligarquias mais violentas e predatrias. Foi tambm essa iluso cordial que impediu, por algum tempo, que as novas geraes e mesmo parte da "maioria silenciosa" da classe mdia da poca conhecessem a verdade sobre a brutal represso durante o regime militar, atualmente menos oculta devido ao reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre os mortos e desaparecidos pela ao dos rgos policiais, oficiais e paralelos.

Hoje, portanto, sabemos melhor de que violncia somos capazes. Mas persiste uma enorme distncia entre a concepo do que seja violncia para "os de baixo" e para "os de cima". E a noo de direitos humanos essencial para qualquer compreenso dos fenmenos de violncia permanece como uma abstrao jurdica, ou como algo deturpado que "serve para proteger bandidos". importante lembrar, no entanto, que o Brasil signatrio de acordos e pactos internacionais de defesa dos direitos humanos, inclusive da Declarao de Viena (1993), a qual reconhece que "a democracia o regime que melhor favorece a promoo e a defesa dos direitos humanos". Portanto, enfrentar as diversas formas de violncia um compromisso com a democracia; logo, com os direitos humanos. Mas estes, alm da incompreenso sobre seu significado, tambm so defendidos de maneira diferente pelos proprietrios e pelos despossudos. evidente que prticas e situaes violentas afetam diferentemente as classes, numa sociedade marcada pela maior desigualdade social do planeta. Os aposentados que morrem nas filas dos hospitais, as famlias disputando espao debaixo dos viadutos, o despejo no-planejado de moradores em reas valorizadas (como o caso da Avenida Berrini, em So Paulo), a tortura sistemtica de presos e suspeitos pobres nas delegacias so violncias que refletem, para a boa conscincia dos privilegiados, uma certa "fatalidade", como se fosse natural e inevitvel, independentemente do regime excludente que as gerou.

Por outro lado, a violncia dita urbana, dos assaltos e seqestros, dos atentados contra o patrimnio so percebidos como responsabilidade nica dos governos (a sociedade dos "que pagam impostos" deve apenas denunciar e cobrar mais proteo) e culpa exclusiva dos bandidos, muitas vezes identificados com os que, ao nascerem, j so considerados "marginais", os negros, os favelados, os nordestinos, os pobres em geral. Quem realmente se importa com as constantes chacinas na periferia de So Paulo que atingem jovens semi-analfabetos (cerca de 90% tm apenas o primeiro grau) e muitos envolvidos com o trfico de drogas, drogas essas que abastecem o mercado para os ricos? (Ver recente pesquisa da Faculdade de Servio Social da PUC-SP.)

A truculncia de um ignaro que chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, parece que doeu mais na legio de catlicos telespectadores do que os tiros nas crianas do acampamento dos sem-terra em Rondnia. O seqestro, com final feliz, do empresrio Ablio Diniz, continua a render mais execrao pblica do que a execuo de 111 presos no Carandiru.

bem verdade que a violncia explcita, mostrada ao vivo e em cores na televiso, consegue chocar e mobilizar conscincias por algum tempo. Foi o que aconteceu com o massacre da Candelria, dos ianommis, de Vigrio Geral, de Corumbiara, entre outros. Mas a impunidade dos responsveis principalmente das altas autoridades persiste, uma nova tragdia desvia a ateno para outro sensacionalismo e no se tem tempo para enfrentar seriamente as causas da violncia e da impunidade.

Um tipo relativamente novo de violncia urbana tem chamado especial ateno: a decorrente da "guerra" entre torcidas organizadas nos estdios de futebol. A soluo at agora encontrada proibio de smbolos e reforo policial tambm no enfrenta as causas de uma violncia (igualmente existente no sonhado primeiro mundo liberal) que reside na falta de perspectivas da juventude das periferias e de uma nova classe mdia cada vez mais revoltada com sua proletarizao forada. O mesmo poderia ser dito da violncia latente no funk, no rap, nas formas variadas de lazer dos jovens da esperana perdida.

Tudo isso sabido e tem sido amplamente discutido em encontros acadmicos e jurdicos. O tema, contudo, no entusiasma a chamada "classe poltica", nem os partidos a no ser em casos exemplares que podem render alguns votos, como a defesa da pena de morte, o agravamento da represso carcerria, a reduo da idade para a imputabilidade, a defesa da interveno militar, como na malfadada "Operao Rio" etc. Inexiste, de meu conhecimento, uma vontade poltica efetiva, na esfera federal, para enfrentar eficientemente o grande crime organizado (narcotrfico, seqestro, contrabando de armas), assim como o gravssimo problema da participao da polcia, civil ou militar, na criminalidade. Um o importante, nesse sentido, seria a aprovao do projeto de lei que extingue o foro privilegiado da justia militar para crimes comuns.

Inexiste, igualmente, uma efetiva vontade poltica para enfrentar dois tipos de violncia numericamente avassaladora na sociedade atual: os acidentes de trnsito e os acidentes do trabalho, nos quais o Brasil triste campeo.

Inexiste, ainda, uma tomada de conscincia da sociedade de que ela tambm responsvel. De que o problema da violncia tem razes econmicas, sociais e culturais; que diz respeito aos governos e aos polticos, mas tambm s famlias, s escolas, s igrejas, s empresas, aos sindicatos e associaes profissionais, aos meios de comunicao, sociedade civil, enfim.

Uma parte da sociedade se engajou na Ao da Cidadania contra a Fome e a Misria, o que timo. Mas o prprio idealizador, o socilogo Betinho, nos alerta que a solidariedade "um comeo de mudana dessa cultura da indiferena, que levou to longe a misria e o cinismo existente na sociedade brasileira" tem srios limites, quando as causas estruturais no so enfrentadas com garra e com recursos de vulto. "A misria neste pas deveria ter a dimenso de um Plano Marshall, ou ser um plano incuo, destinado a criar manchetes nos jornais e frustrao nas ruas. Esses milhes de recursos existem na sociedade que tem demonstrado disposio para agir e no governo, que ainda precisa dizer a que veio" (O Estado de S. Paulo, 14.10.95, pg. 2).

O mesmo pode ser dito do combate violncia, seja ela da criminalidade comum, seja da criminalidade institucional (dos prprios rgos de preveno e segurana do governo) ou da criminalidade econmica. Ser da ao conjunta Estado-Sociedade que surgiro solues mais eficazes e legtimas. Isso deveria ser o bvio, pois da essncia da democracia, regime baseado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos.

Estou convencida de que existem solues e de que "o povo" vtima especial das violncias de todos os tipos, espremido entre a criminalidade comum e a discriminao social e policial o principal interessado. Para ns, membros das camadas mais favorecidas, vale lembrar que inexiste futuro digno para nossos filhos numa sociedade que mantm tal padro de excluso e de privilgios. Temos obrigao de cobrar, com todos os meios ao nosso alcance, que o atual governo da Repblica, chefiado por ilustre socilogo to conhecedor da tragdia social brasileira, comece pelo comeo: o cumprimento das cinco metas de sua campanha eleitoral. Se enfrentarmos, como podemos e devemos, aquelas cinco metas, ou seja, os problemas da educao, da sade, da agricultura, da gerao de empregos e da segurana, j estaremos, tambm, enfrentando a violncia que oprime, que degrada e que mata.

A advertncia de Gramsci permanece mais atual do que nunca: temos de ser realistas no diagnstico e otimistas na ao. Acredito na participao poltica democrtica como transformao e alternativa violncia. O Brasil tem jeito.

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