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Uma Conversa com Frei Betto por Dada Maheshananda 5x3y4h

[Frei Betto uma das vozes mais ativas pela justia social na Amrica
Latina. Frade dominicano, Frei Betto foi preso poltico, e j viveu como
ativista entre as classes mais desfavorecidas. autor de 34 livros, alguns
deles best-sellers no Brasil e outros pases do continente. Ele foi
escolhido como "O Intelectual do Ano" pela Unio dos Escritores
Brasileiros, e ganhou o Prmio Jabuti de Literatura. Esta conversa com Dada
Maheshananda, um monge yogue, aconteceu em So Paulo, no Seminrio
Dominicano.]


Dada Maheshananda- A sua histria na Igreja Catlica uma tanto quanto
diferente. Voc estudou para se tornar padre, mas decidiu por no ser
ordenado e permanecer como um frade, um monge. Qual a sua perspectiva a
respeito da sua funo, do seu papel?

Frei Betto- Acho que meu papel o que a gente chama de envangelizar,
ajudar as pessoas a despertarem espiritualmente, dentro de uma
espiritualidade holstica que no separa corpo-esprito,
espiritualidade-poltica. Meu trabalho esse a, gosto de trabalhar com
grupos culturais e de escrever tambm. E vocs so celibatrios?

Dada-Os monges e monjas sim, e ns somos iguais. Mas os membros de Ananda
Marga tem famlias. Penso que nosso papel como monges foi descrito bem pelo
monge Catlico da Ordem Trapista Thomas Merton: o monge vive na sociedade,
mas no parte da sociedade.

Frei Betto-Gosto muito dos livros de Thomas Merton tambm.

Dada- Eu acredito que este seja o nosso papel, indicar o caminho para um
novo futuro que garanta o bem-estar e a felicidade de todos. A humanidade
est carente disto, pois o materialismo e o capitalismo esto muito fortes
hoje. A propaganda se tornou uma religio, que nos bombardeia os sentidos.
Por isso ns temos que lutar contra este materialismo selvagem, que
permite, por exemplo, propagandas imorais que estimulam os jovens ao
tabagismo.

O que espiritualidade para voc?

Frei Betto-A minha espiritualidade est muito centrada no exemplo de Jesus,
sou uma pessoa apaixonada pelo testemunho e pelo exemplo Dele. Mas me
enrriquec muito espiritualmente com contribuies, principalmente do
budismo. A meditao: nisso a Igreja catlica muito pobre. Os msticos
foram muito perseguidos na Igreja. A espiritualidade a linguagem do
futuro. Tenho procurado me empenhar muito nisso, participo de grupos de
orao, porque no creio que a humanidade vai encontrar um caminho novo sem
mergulhar fundo na espiritualidade. Em outras palavras, o que as pessoas
esto buscando est muito prximo delas, mais elas no sabem.
[Em outra ocasio, Frei Betto disse: Deus no algum que est
fora de ns. Deus algum que habita no centro de nosso corao. Como
diria Santo Agostinho: "Deus mais ntimo a ns que ns mesmos." E toda
experincia de amor , de um lado, a manifestao da presena de Deus em
ns e, de outro, a possibilidade de saborear vivamente essa presena. Por
isso, nossa experincia de amor insacivel. sempre uma descoberta, o
provar um pouco daquilo que infinito, um mistrio a ser desvendado.
sempre uma enigma, o amor. Como j dizia Galileu aos prncipes de Florena:
"Deus est no corao da gente ou em lugar nenhum!"

Dada- No est fora.

Frei Betto- , no est fora, exatamente.

Dada- A tradio de yoga concordaria com tudo isto. Ns aceitamos a
definio comum encontrada na maioria dos dicionrios, que define a
Concincia Suprema como uma entidade onipresente, onipotente e onisciente.
Se Ele sabe tudo, Ele tambm saber o que apropriado para cada um de ns.
Por isso, pedir algo a Deus se torna no apenas desnecessrio, mas de uma
certa forma, at mesmo arrogante. O propsito da meditao fazer com que
ns possamos sentir a presena de Deus, esta inspirao interior, e no
rezar por alguma coisa ou algem, de forma egosta e individual.

Frei Betto- A relao que Jesus propem que a gente tenha com Deus uma
relao muito familiar. Concordo que isso uma etapa preliminar da orao.
Dentro desta dimenso silncio de acolhimento, como Jesus ava a noite
em silncio. A orao mais profunda a orao mstica.

Dada- Voc esteve preso em 1969, durante a ditadura militar, por ajudar dez
pessoas a fugirem do Brasil, por "estar nadando contra a corrente", como
voc disse em outra ocasio. Depois disso, voc ficou preso por quase
quatro anos em vrios presdios de segurana mxima. Quais lies voc
aprendeu depois de ar por uma experincia to dura?

Frei Betto- A priso para mim foi um retiro muito profundo, uma experincia
muito profunda, me virou pelo avesso. uma experincia que eu no quero
que ningum e, mais tendo ado e tendo me saindo bem, mudou minha
cabea, mudou a viso que eu tinha das coisas radicalmente. Foi um encontro
muito comigo mesmo, portanto com Deus. Porque quanto mais a gente vai ao
encontro de si mesmo mais a gente encontra um outro que no sou eu e que,
no entanto, funda minha verdadeira identidade. Ento a priso foi esta
viagem para dentro de mim mesmo.

Dada- E qual a sua experincia com meditao?

Frei Betto- A meditao uma coisa essencial para mim.

Dada- Voc est meditando diariamente? Por quanto tempo?

Frei Betto- Sim, diariamente fao um pouco de meditao, de manh e
noite. Daria em torno de quarenta minutos a uma hora. O que pouco para
mim, sinto que pouco. Eu precisava fazer mais. Na priso cheguei a fazer
quatro horas, mais aqui infelizmente no d. Voc medita quantas horas por
dia?

Dada- Varia, mas geralmente medito duas horas de manh, trinta minutos
antes de almoar, uma hora e meia a tardinha, e mais ou menos vinte minutos
antes de dormir. Por que importante para voc?

Frei Betto- Por que quando medito me sinto mais vulnervel ao Esprito
Santo, mais sensvel vontade de Deus. E quando no medito como se fosse
fechando os canais, eu vou cando na racionalizao, como se eu fosse
ficando mais pesado espiritualmente, mais opaco. A meditao uma fonte de
vida, de revitalizao.

Realmente, este o problema. Eu s vezes fico querendo fazer mais, mas o
telefone no me deixa aqui. Mas sinto uma falta enorme, para mim
fundamental.

Dada- Algumas pessoas acham que espiritualidade deve estar fora das
questes de injustias social, deve ficar fora das questes econmicas.
Qual a sua resposta?

Frei Betto- Neste ponto eu discordo absolutamente. Dizer que
espiritualidade no para a minha satisfao do meu ego, espiritualidade
para que eu possa ser capaz de amar mais o outro, principalmente os mais
necessitados. Como na espiritualidade de Jesus. muito ntida a identidade
dele com os mais pobres, "eu tive fome, me deste de comer". Ento, para a
espiritualidade crist fundamental ver no mais pobre, no oprimido, a
prpria presena de Deus. E a minha libertao espiritual est
necessariamente nesta capacidade de amar o prximo.

Subjetivamente no posso julgar ningum, mas objetivamente no tem nenhum
valor uma espiritualidade que no leva amor ao prximo, sobretudo que no
leva libertao dos oprimidos. Acredito em uma espiritualidade que est
voltada em fazer um mundo de harmonia e fraterno. E isto significa lutar
contra injustia.

Dada- Qual a sua opino sobre a Teologia da Libertao, que procura
combinar a anlise de Marx sobre a explorao das massas com a f radical
catlica? Voc foi um dos seus pioneiros.

Frei Betto- No, sou discpulo. Acho que a teologia da libertao a por
uma crise de criatividade. De certa forma, ela penetrou na vida da Igreja.
Quando a gente v os documentos dos bispos, a prpria teologia da
libertao est presente a, a crtica venda da Vale do Rio Doce, ao
neoliberalismo, agora a promoo do Dia dos excluidos. Ento tudo isso
muito saudvel em termos de resultado de frutos da teologia da libertao.

O Leonardo Boff at tem trabalhado comigo alguns temas novos como
holstica, fsica quntica. O livro dele, "Ecologia, Grito da Terra, Grito
dos Pobres", lanou algumas destas idias novas. Mas agora a presso do
Vaticano muito forte, e isso inibe inclusive a editora de publicar obras
da teologia da libertao, tanto que o Leonardo Boff tem publicado pela
tica, que uma editora leiga. Eu diria que h esta dificuldade de
penetrar nas editoras catlicas. A teologia da libertao a de um
momento de produo criativa para um momento de refluxo.

Dada- Voc pensa que esta presso do Vaticano vai mudar, um fluxo?

Frei Betto- , realmente um fluxo, mais isso vai depender de vrios
fatores: quem ser o prximo papa, quem ser o prximo cardeal de So
Paulo, tudo isso influi. So Paulo sempre foi um espao de criatividade, ao
contrrio do Rio de Janeiro, onde o cardeal mais conservador. Agora, o
que sinto que muito difcil fazer teologia na Amrica Latina fora da
teologia da libertao. Voc pode fazer, mas no penetra nos meios
populares. Por exemplo, nas comunidades de base, nos grupos, posso falar
aos operrios, o que predomina mais fortemente a teologia da libertao.

Dada- Voc escreveu alguns lvros sobre a sociedade cubana. O mais famoso
"Fidel e Religio: Fidel Castro Fala Sobre Revoluo e Religio com Frei
Betto" (Simon and Shuster, 1987, traduzido e publicado em mais de 30
pases, com mais de 2 milhes de exemplares vendidos ao redor do mundo.)
Foi a primeira vez na histria que um lder comunista falou sobre religio
publicamente. Qual a sua opino sobre o governo de Fidel Castro, hoje em
dia?

Frei Betto- Considero Cuba um avano, comparada com o resto da Amrica
Latina, pelos simples fato de os ndices sociais serem muito melhores.
Minha avaliao de um pas no , por exemplo, quantas vezes ele muda de
presidente, e sim a porcentagem da populao que tem direito vida. Da a
minha irao por Cuba, com toda a crtica que tenho tambm. Vejo vrios
defeitos na revoluo cubana, mas as conquistas sociais so muito
importantes.

Vivo num pas com tanta misria nas ruas, enquanto no vejo isto em Cuba,
embora haja dificuldade, mas no uma coisa estrutural, por causa do
bloqueio dos Estados Unidos e o fim da Unio Sovitica, que sustentava
Cuba. Porm, a disposio dos cubanos uma coisa herica, de se manter e
seguir o seu projeto, no vou nem dizer de socialismo, mas de partilha dos
bens essenciais. Os bens essenciais efetivamente esto assegurados. A
educao, a alimentao e a sade so fundamentais. Agora, como que eles
vo resistir ao bloqueio, globalizao e ao neoliberalismo, eu no
saberia responder. Mas noto que h uma mstica que, apesar das
dificuldades, continuam resistindo, lutando, e isto um fator muito
importante.

Dada- E o que voc diria do histrico encontro de Fidel com o papa?

Frei Betto- Acho que vai ser um encontro positivo, com certeza vai irritar
muitos cubanos em Miami, por que uma espcie de legitimao religiosa da
revoluo.

Dada- Quais projetos voc est realizando agora?

Frei Betto- Sempre escrever, enquanto viver. Eu no sei ficar sem escrever,
como respirar, fundamental para mim. Meu pai um juiz e tambm
jornalista, e minha me escreveu livros de receitas, ento penso que
literatura uma tendncia da minha famlia. Tenho vrios projetos, mas o
que eu estou mais apaixonado mesmo com o romance sobre Jesus. Por que as
pessoas se queixam que lem o evangelho e no entendem, no captam toda a
riqueza. A resolvi transformar aquilo tudo em uma estria romantizada. E
agora eu voltei da Palestina, onde fui terminar a pesquisa sobre
ambientao, toda a Galilia, Jerusalm e Belm.

Dada- No ms ado entrevistei o grande autor e educador brasileiro,
Paulo Freire. Voc escreveu um livro com ele, no foi?

Frei Betto- Sim. ["Essa Escola Chamada Vida", Atica, So Paulo, 1985.] A
perda dele uma pena, no ?

Dada- . Fui ao seu funeral. Foi um momento importante para mim, porque
quando eu era estudante de cincias polticas, h 25 anos atrs, nos
Estados Unidos, l o seu lvro revolucionrio, A Pedagogia do Oprimido, que
era um requisito.

Frei Betto- Voc estudou cincias polticas?

Dada- Sim, e por causa deste lvro e outros, inspirei-me em tornar-me um
monge de Ananda Marga, e dedicar a minha vida para mudar o mundo. Estava
estudando revoluo e no-violncia, e na yoga, descobri em seus princpios
morais, uma fantstica sntense destes temas. "Ahimsa", por exemplo, atesta
que no devemos prejudicar ningum intencionalmente, com nossas palavras,
aes ou at mais.

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