Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
Direitos Humanos
Desejos Humanos
Educao EDH
Cibercidadania
Memria Histrica
Arte e Cultura
Central de Denncias
Banco de Dados
MNDH Brasil
ONGs Direitos Humanos
ABC Militantes DH
Rede Mercosul
Rede Brasil DH
Redes Estaduais
Rede Estadual RN
Mundo Comisses
Brasil Nunca Mais
Brasil Comisses
Estados Comisses
Comits Verdade BR
Comit Verdade RN
Rede Lusfona
Rede Cabo Verde
Rede Guin-Bissau
Rede Moambique

j6y5h

A Tortura

Frei Betto
escritor, autor de Batismo de Sangue (Casa Amarela), entre outros livros.

Na quinta-feira, trs policiais acordaram-me mesma hora do dia anterior. De estmago vazio, fui para a sala de interrogatrios. Um capito, cercado por sua equipe, voltou s mesmas perguntas: Vai ter que falar seno s sai morto daqui!, gritou. Logo vi que isso no era apenas uma ameaa, era quase uma certeza. Sentaram-me na cadeira-do-drago, com chapas metlicas e fios, descarregaram choques nas mos, nos ps, nos ouvidos e na cabea. Dois fios foram amarrados em minhas mos, e um na orelha esquerda. A cada descarga, eu estremecia todo, com se o organismo fosse se decompor. Da sesso de choques aram-me ao pau-de-arara. Mais choques, pauladas no peito e nas pernas, que cada vez mais se curvavam para aliviar a dor. Uma hora depois, com o corpo todo ferido e sangrando, desmaiei. Fui desamarrado e reanimado. Conduziram-me a outra sala, dizendo que ariam a descarga eltrica para 220 volts, a fim de que eu falasse antes de morrer. No chegaram a faz-lo. Voltaram s perguntas, bateram em minhas mos com palmatrias. As mos ficaram roxas e inchadas, a ponto de no poder fech-las. Novas pauladas. Era impossvel saber qual parte do corpo doa mais; tudo parecia massacrado. Mesmo que quisesse, no poderia responder s perguntas: o raciocnio no se ordenava mais, restava apenas o desejo de perder novamente os sentidos. Isso durou at as dez da manh, quando chegou o capito Albernaz (Batismo de Sangue, ed. Casa Amarela, p. 260).

O trecho acima uma amostra do relato de torturas sofridas por Frei Tito de Alencar Lima, em 1969, nas dependncias do Doi-Codi de So Paulo, onde mais tarde Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho seriam suicidados. Enlouquecido pelas agresses, o frade dominicano veio a falecer em 1974.

A tortura deixou de existir para sempre, escreveu Victor Hugo em 1874. Infelizmente o autor de Les Misrables equivocou-se. Nem a tortura nem os que ousam tentar justific-la desapareceram. Segundo a Anistia Internacional, a tortura aplicada ou tolerada por governos de pelo menos 60 pases, entre os quais o Brasil.

Hlio Pellegrino frisou que a tortura busca, custa do sofrimento corporal invel, introduzir uma cunha que leve ciso entre o corpo e a mente. E, mais do que isto: ela procura, a todo preo, semear a discrdia e a guerra entre o corpo e a mente. () O projeto da tortura implica uma negao total e totalitria da pessoa, enquanto ser encarnado. O centro da pessoa a liberdade. Na tortura, o discurso que o torturador busca extrair do torturado a negao absoluta e radical de sua condio de sujeito livre (Folha de S. Paulo 5/6/82).

O Antigo Testamento defende os escravos das arbitrariedades: Se algum ferir o seu escravo ou a sua serva com uma vara, e o ferido morrer debaixo de sua mo, ser punido (xodo 21, 20). So Paulo chega a apelar sua cidadania romana para livrar-se das sevcias (Atos 22, 24). Tertuliano, no sculo II, exorta os soldados convertidos f crist a evitarem torturas (De Corona). Lactncio, no sculo IV, em sua Divinae Institutiones, condena a tortura por ser contra o direito humano e contra qualquer bem.

Santo Agostinho, na Cidade de Deus, repudia a sua aplicao por tratar-se de pena imposta a quem ainda no se sabe se culpado. No entanto, a Inquisio tentou sacramentar a tortura. Tortura-se o acusado, com o fim de o fazer confessar os seus crimes, reza o Manual dos Inquisidores, de Nicolau Emrico. So Toms de Aquino, porm, considerou a tortura delito mais grave que o homicdio, pois aquela convoca a vtima a ser testemunha de seu oprbrio.

A condio de filsofo no impediu Heidegger de apoiar o nazismo, nem a de papa evitou que fossem a favor da tortura Inocncio I (s. V), Inocncio IV (s. XIII) e todos os telogos que abenoaram a Inquisio.

Sob o regime militar, nenhum agente do Estado, pago pelo contribuinte para defender e encarnar as leis, tinha o direito de torturar, ass e fazer desaparecer pessoas. So crimes hediondos. No entanto, enquanto a Argentina mandou para a cadeia os militares responsveis pela ditadura, e agora o Chile d-nos um exemplo de cidadania e democracia, apurando os crimes praticados em nome do combate ao terrorismo, sem poupar o general Pinochet, aqui uma lei de anistia que envergonha os princpios do Direito assegura impunidade aos torturadores e ainda enseja articulistas a consideraes filosficas sobre a nica matria que a memria se recusa a esquecer: a dor humana.

Desde 1995 dhnet-br.diariodetocantins.com Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: [email protected] Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Not
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
Hist
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Mem
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multim