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Foto: J. R. Ripper

Poltica e Religio

Palestra realizada por Frei Betto no auditrio da Reitoria da Universidade Federal da Paraba, Campus I, Joo Pessoa, em 03/02/99

O tema que me propam abordar, o tema da Religio e Poltica, um tema oportuno por duas razes: Primeiro porque ns estamos vivendo uma nova crise poltica no Brasil... Uma crise que no de agora... Uma crise que j apresentava seus sintomas no ano ado (98), mas graas cumplicidade da mdia com o governo Fernando Henrique e s artimanhas do Poder, esta crise foi relativamente encoberta, sobretudo encoberta diante da grande opinio pblica que no tem o hbito de ler nas entrelinhas dos jornais, de modo a assegurar a reconduo do presidente Fernando Henrique Presidncia da Repblica... E uma vez garantida a reconduo dele ento a crise estourou.

Acontece que o Governo, de uma maneira cnica, quis imputar a responsabilidade da crise ao Governador Itamar Franco. Primeiro se esquecendo que Fernando Henrique presidente do Brasil graas a Itamar Franco que o fez ministro da Economia e que foi quem criou, de fato, junto com outros ministros e ores, o Plano Real. Segundo, no mesmo dia que o Governador Itamar Franco decretou a moratria de Minas - que uma moratria com data marcada: at maro. Ele deixa de pagar as dvidas de Minas com os credores internacionais para poder pagar o funcionalismo do estado -, no mesmo dia, ento, em que ele decretou uma moratria retendo no estado 80 milhes de dlares, o Governo Federal deixou sair do Brasil Um Bilho de dlares. Mas como a mdia, sobretudo alguns rgos mais importantes, atuam pela lgica do poder, seja ele quem for, evidentemente se procurou colocar o peso da responsabilidade sobre um governador de estado quando o peso da responsabilidade do Modelo Econmico que foi adotado no Brasil, em que o pas esta penhorado agiotagem internacional, e agora de uma maneira escancarada porque ontem nomearam um agiota internacional de profisso, um agiota profissional, para Presidente do Banco Central (Arminio Fraga). Ou seja, uma pessoa que tem um currculo de especulador - e o especulador aquele que faz multiplicar o dinheiro ainda que isso signifique a fome, a misria e a morte de milhes de pessoas. O que o patro do atual presidente do Banco Central (George Soros) fez na Malsia exatamente o que Hitler fez na Tchecoslovqui, na Polnia e em outros pases durante a Guerra. Ou seja, com uma canetada, ele jogou a moeda da Malsia no cho e milhes de pessoas na misria.

E isso tem acontecido em vrios pases, mas essa a "lgica" do sistema Neoliberal em que vivemos, e portanto do Governo Federal - esse governo que foi reeleito por uma parte considervel do eleitorado - NO A MAIORIA do eleitorado, porque hoje ns somos 106 milhes de eleitores e Fernando Henrique foi reconduzido ao poder por 36 milhes de eleitores porque o ndice de votos nulos e brancos foi excepcionalmente alto. Portanto ele no conseguiu ter nem a maioria do eleitorado, porm, proprocionalmente, teve mais de 50% dos votos vlidos, o que legitimou a reconduo dele Presidncia. E vamos ter de -lo pelos prximos quatro anos.

A segunda razo que a Igreja Catlica no Brasil mantm uma agenda social bastante importante j h trinta anos, e que se caracteriza ou se centraliza em trs grandes eventos anuais:

* A Campanha da Fraternidade, que todo ano se inicia na Quarta-Feira de Cinzas;

* As Semanas Sociais, que so promovidas na maioria das Dioceses brasileiras;

* E O Grito dos Excludos que resgatou o significado da data da "Independncia" do Brasil, o 7 de Setembro, que antes era uma data do Dia das Lavadeiras, porque s se via Tanques e Trouxas na rua...

Na medida em que a CNBB props o Grito dos Excludos, ou seja, fazendo um paralelo com o grito de Dom Pedro, ns temos hoje em vrias cidadades brasileiras um 7 de Setembro com uma grande mobilizao popular centrada nas demandas, nas aspiraes populares... nos problemas maiores do nosso povo. Ora, o tema da Campanha da Fraternidade deste ano (Desemprego, por qu?), que se inicia daqui a duas semanas, um tema incmodo ao Governo: o desemprego. Quase sempre, o tema da Campanha um tema social. E a questo do desemprego uma questo que interessa a todas as pessoas no mundo, porque o desemprego no um fenmeno brasileiro, um fenmeno internacional. Quer dizer, um dos frutos amargos do Neoliberalismo globalizado mundializar o fenmeno do desemprego e torn-lo crnico na maioria dos pases industrializados. No Brasil, hoje, a situao bastante grave. Ns temos um desempregado em cada cinco trabalhadores brasileiros. O ndice na grande So Paulo, segundo o DIEESE no ano ado, foi de 18% da mo-de-obra. E o ndice nacional beira aos 8% - o ndice oficial, o que d quase 10 milhes de trabalhadores brasileiros desempregados, alm do fato de que os novos trabalhadores, os jovens que devem entrar anualmente no mercado de trabalho, so cerca de dois milhes de jovens ao ano, Brasil no conseguia, sequer quando no havia o problema do desemprego, criar oitocentos mil novos empregos por ano e atualmente isso deve estar entre 400 e 500 mil novos empregos.

A questo que o sistema capitalista associou trs fatores que na Idade Mdia, no Sistema Feudal, no estavam to intimamente ligados, que o Emprego, o Trabalho e o Salrio. Muitas pessoas trabalhavam sem necessariamente terem um emprego, e viviam de seu trabalho, como os artistas independentes, os agricultores independentes, os artesos... Tinham trabalho, mas no tinham necessidade do emprego. O caso mais extremo o caso dos ndios, que trabalham, mas jamais se empregam - os ndios tribalizados. Ento, eles trabalham pra viver e se do ao luxo de realizar uma proposta utpica que trabalhar o suficiente pra viver, enquanto ns, como mquinas (analogia cara ao capitalismo), vivemos para trabalhar. Consumimos mais da metade da nossa existncia ou dormindo ou trabalhando. Estamos ainda muito distante do tempo em que poderemos trabalhar para viver, e viver bem. Esse luxo s vel, no Brasil, a 16 milhes de pessoas. Isso constitui menos de 10% da populao brasileira que concentra em suas mos 47% da renda nacional. Isso significa que os ricos brasileiros so sumamente ricos e, proporcionalmente, em termos de distribuio de renda, mais ricos do que os ricos europeus.

Um dos problemas da poltica atual que o Brasil um dos maiores mercados para a indstria Norte-Americana. Mas no s para a indstria Norte-Americana. Assim como quem tem uma sobra de dinheiro deposita na caderneta de poupana, faz uma aplicao, o Brasil A Caderneta de Poupana dos capitais que sobram em outras partes do mundo, mas principalmente do capital americano. O investidor americano - se ele colocar o seu dinheiro na poupana nos Estados Unidos, ele vai ter no mximo um rendiment de5% ao ano. Se ele colocar na poupana chamada Brasil, no cassino Brasil, seguramente ele vai ter o dobro por ano... porque um pas que hoje tem juros a 39% - e a tendncia no diminuir, a no ser nos discursos, na prtica a tendncia subir porque o governo de tal forma dependente do atravessador deste capital, que o FMI, que ele no pode lesar o aplicador estrangeiro, principalmente o aplicador norte-americano. Ele tem de primeiro deixar sair muito dinheiro do pas, por isso que as nossas reservas, em poucos meses, baixaram de 74 bilhes de dlares para 36 bilhes de dlares oficialmente, porque alguns economistas j avaliam que elas so inferiores - estariam entre 26 e 30 - mas oficialmente esto em 36. Ento preciso que o aplicador recebe, tenha o retorno do rendimento esperado antes que o Brasil possa corrigir a sua crise econmica. Ento ns vamos ficar a assistir esta sangria e, detalhe: a sangria da sada de dlares do pas ainda no foi estancada mas na semana ada o Banco Central baixou uma portaria proibindo que se divulgue o quanto de dlar sai do pas diariamente. Ento aquela situao do general que fala: "Ns no vamos agora acabar com os comandos suicidas porm deixaremos de comunicar nao o nmero de mortos". isso: as pessoas continum morrendo mngua, mas como ningum sabe ento faz-se de conta que no h nenhum problema, t tudo azul, t tudo maravilha.

Ora, o problema do desemprego um problema de um mundo em que os mercados se internacionalizaram e em que ns no temos um modelo alternativo ou compensador concreto diante do Neoliberalismo, graas derrubada do Muro de Berlim, e, por outro lado, temos o fracasso do sistema capitalista nos pases como a Rssia, que correram ao pote da chamadas "liberdades democrticas" e se depararam com a desigregao do seu tecido social, que eles no conheciam desde a Revoluo Sovitica de 1971. Em outras palavras, hoje o Leste Europeu uma regio em franco processo de Latino-Americanizao... O futuro da Bulgria, da Romnia... O futuro da Hungria, o futuro da Polnia, o futuro da Rssia o presente da Amrica Latina. O que mostra que ns vivemos num sistema neoliberal de altssima concentrao de renda, onde o capital especulativo tem muito mais importncia que o capital produtivo e que propicia uma evoluo da tecnologia muito rpida, que substitui a mo-de-obra, do esforo humano. Ns no podemos por a culpa do desemprego na evoluo tecnolgica, no se trata de voltar ao carro de boi e de ignorar os avanos das tecnologias. A questo outra, a questo como esta tecnologia avanada deve ser condizente com uma poltica de establidade e de ampliao dos postos de trabalho. No existe no Brasil - apesar das promessas de campanha onde se diziam at que se iam criar 7 milhes de novos empregos e no conseguem resolver o problema da Ford em So Bernardo do Campo, com 2800 trabalhadores. A questo como coadunar a evoluo tecnolgica com uma poltica de emprego, que no existe a nvel nacional. O Brasil no tem, atualmente, nenhuma poltica social. No s no tem, como no tem as instituies que antes se envolviam, bem ou mal, com algum tipo de poltica social, como a Legio Brasileira de Assistncia, a LBA, que foi extinta pelo Governo. Ento, hoje o Governo parece que tem horror ao social. Fernando Henrique, num discurso, no primeiro mandato, chegou a dizer que a misria um preo a ser pago pela modernizao, ou seja, no interessa o social, interessa sim a preservao do capital, a estabilidade da moeda, ainda que isso signifique a instabilidade da nao e o sofrimento de milhes de pessoas.

O problema que ns enfrentamos hoje neste pas o de um atrelamento servil aos mandos do FMI ao ponto de se aceitar que o FMI agora mantenha um escritrio dentro do Banco Central - e h uma misso praticamente permanente dirigindo a nossa poltica econmica, mandando buscar nos Estados Unidos um especulador para ser o novo Presidente do Banco Central... E isso exatamente como um nufrago pedindo socorro ao navio que o atirou ao mar. Ou seja, o Brasil est quebrado por culpa do FMI, mas como o atrelamento visceral - a elite brasileira s raciocina em termos em termos da defesa e da multiplicao do seu capital e no em termos da Nao, e esse Governo que ai est gerencia os interesses dessa elite, que uma elite de razes escravocratas, uma elite latifundiria, uma elite canavieira... Uma elite profundamente imersa na iluso primeiro-mundista, uma elite que tem horror ao Brasil brasileiro, uma elite entorpercida por uma cultura maiamizada, a elite da sacola eletrnica em que todos os filhos na primeira idade j tem de ear pela Disneylndia mas que tem horror s terras indgenas, aos povos indgenas do Brasil, chegando at a por fogo em ndios que dormem inocentemente pelas ruas; que querem conhecer os museus de dinossauros nos Estados Unidos mas no querem conhecer o Pantanal Matogrossense que um dos maiores e mais ricos ecossistemas do planeta... Enfim, esta elite que tem horror ao Brasil, esta elite manda neste pas, mantm este pas com taco de ferro sem criar nenhuma alternativa para a questo social.

Ora, eu falo de tudo isso porque o tema da Campanha da Fraternidade e porque fica uma pergunta no ar: E o que que tem a Igreja a ver com isso? E ai que eu quero entrar no contedo mais profundo do tema que me foi pedido.

Tem haver o seguinte: todos ns cristos, querendo ou no, somos discpulos de um prisioneiro poltico. Jesus no morreu nem de hepatite, na cama, nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalm. Comea j por ai. Ento, se ns somos discpulos de algum que foi assassinado por razes polticas sob dois processos polticos, um movido pelos romanos e outro pela elite sacerdotal judica, no h simplismo, ingenuidade ou m f maior do que dizer que religio no tem nada haver com poltica.

Quando eu era criana em Minas, havia l o Padre Pedro, na minha cidade, que era considerado um santo homem porque ia benzer as capelas das fazendas dos latifundirios da regio... Capelas com imagens barrocas, possivelmente roubadas de Outro Preto e Mariana. Ento todos diziam que o Pe. Pedro era um santo porque era muito bom, atendia e havia ento nesse dia um churrasco para a piozada, pros vaqueiros...Ia benzer as agncias bacrias inauguradas na cidade... No 7 de Setembro estava l o Pe. Pedro encima do palanque ao lado do prefeito, do coronel, do delegado... Um santo homem... At que um dia o Bispo mudou o Pe. Pedro porque ele ficou idoso, e pos o Pe. Jos.

At ento muitos diziam que o Padre Pedro era santo porque no se metia em poltica... E o Pe. Jos foi convidado para fazer uma beno numa capela de uma fazenda... E ele disse: "No vou", disse pro fazendeiro, "porque o senhor d mais assistncia mdica, com um veterinrio contratado, ao seu gado do que aos seus empregados. No dia que o senhor inverter a prioridade eu irei". - "Ah, esse Padre maluco", diro alguns. "Esse padre tem umas idias complicadas", comearam a dizer na cidade... O chamaram pra benzer a agncia do banco. "No vou porque o sindicato dos bancrios d a informao e eu estou sabendo qual a situao dos bancrios aqui da cidade, e enquanto certos direitos deles no estiverem assegurados, eu no irei benzer nenhuma agncia. Eu vor dar a beno ao sindicato e na luta deles". - "Ah, esse padre de esquerda... Esse padre perigoso"... Ele foi chamado pro Sete de Setembro e falou: "Tambm no. Eu no vou ver desfile militar. Sete de Setembro feriado e eu tenho um trabalho com as favelinhas que esto comeando a aparecer ai na beira da cidade e eu vou l ficar com o povo." - "Ah, esse padre comunista!"

Ento, como bem diz Dom Hlder - que esta semana estar completando 90 anos, ele que uma das figuras mais importantes da Histria do Brasil e seguramente a mais importante da Histria da Igreja Catlica no Brasil no sculo XX... Dom Hlder para ns o que Luther King foi para os americanos e Gandhi foi para os indianos, e talvez a gente ainda no tenha bem a dimenso da grandeza desse homem, at por sermos seus contemporneos dele - "Quando eu falo da pobreza todos me chamam de cristo, mas quando eu falo da causas da pobreza, me chamam de comunista. Quando eu falo que os ricos devem ajudar os pobres, me chamam de santo. Mas quando eu falo que os pobres tm que lutar pelos seus direitos, me chamam de subversivo." E isso. Eu pergunto: o padre Pedro no fazia poltica e o padre Jos era o poltico? No, os dois so polticos porque no h ningum que no faa poltica. H muita gente que pensa que no faz, isso outra questo. A minha av, aos 95 anos, podia achar que no fazia poltica. Fazia, porque poltica ou se faz pela participao ou se faz pela omisso, mas no h ser humano que no faa poltica. O problema que o padre Pedro fazia a poltica dos "grandes", e quando algum faz a poltica dos grandes alvo de todas as homenagens, de todos os privilgios e de toda a boa fama...E o padre Pedro fazia a poltica dos "pequenos" e isso incomoda a quem tem o poder de manipular a opinio pblica, como Jesus incomodou.

Eu vou ler pra vocs umas trs ou quatro frases que mostra bem qual a causa desta crise do Brasil, qual a causa deste desemprego crnico, qual a causa desta brutal desigualdade que ns vivemos neste pas. O Brasil no campeo mundial de futebol mas o campeo mundial em desigualdade social. Agora t desputando o primeiro lugar com Serra Leoa, que um pequeno pas da frica... Antes disputava o primeiro lugar com um outro pas da frica, que agora me fugiu o nome, mas que este j conseguiu melhorar as suas condies de distribuio de renda, que no o caso do Brasil.

Primeira afirmao deste senhor: "O Neoliberalismo um pecado social porque rompe a harmonia entre as comunidades de uma nao e de um continente inteiro".

Segundo: "O Neoliberalismo baseia-se numa concepo economicista do homem, valorizando o lucro e as leis do mercado em detrimento da dignidade e do respeito pessoa e ao povo".

Terceiro: "A Globalizao dirigida apenas por leis do mercado aplicada segundo as convenincias dos mais poderosos..."

So palavras de Joo Paulo II em sua recente viagem ao Mxico, na ltima semana de janeiro. Ou seja, est muito claro, at para o Papa - e s vezes falam: A Teologia da Libertao acabou? e eu respondo: Com um Papa dizendo isso no h a menor necessidade mais de se lutar para se divulgar a Teologia da Libertao. Teologia da Libertao necessria enquanto o poder da Igreja no tinha sensibilidade para as questes sociais. Ento era preciso um movimento que vinha de baixo pra cima para ver se conseguia mudar aquela Igreja elitista, eurocentrada, branca e machista. Mas quando o Papa, tambm ele, comea a fazer eco s teses da Teologia da Libertao vemos que ela j cumpriu a sua tarefa, a sua misso... Porque hoje o Papa expressa em nome da f, porque a f tem serssimas implicaes ticas, ela diz respeito vida humana, o Primeiro Captulo da Bblia nos diz que ns fomos criados para viver num Paraso e se no vivemos a culpa no de Deus a culpa nosso, porque ns abusamos da nossa liberdade e instauramos uma relao desigual entre os seres humanos atravs da opresso, atravs da explorao, atravs do sofrimento por causa da briga pelo poder... e ns vamos ter de resgatar esse Paraso. Portanto muito importante que, luz da palavra de Deus, a Igreja denuncie esses pecados sociais e aponte esse sistema que est ai, que no eterno e nem ser, como nenhum deles foi no ado, embora tivessem a pretenso de o ser, dever ser mudado, mas dever ser mudado pela nossa esperana, pela nossa militncia, pela nossa luta e pela nossa capacidade de sair do comodismo, do pessimismo, do derrotismo, da cabea baixa achando que as coisas no tm soluo. Tem sim, sempre tiveram e tero.

Eu acabo de voltar de Cuba, que um pas do tamaho de Pernambuco, tem 11 milhes de habitantes e que fez uma Revoluo ao ponto de se dar ao luxo - com todos os erros que tem a revoluo cubana, e os tem, no sou ingnuo de pensar que no tem. Mas a gente tem de reconhecer: no h pis em todo o terceiro mundo, sia, frica e Amrica Latina que d a todo o seu povo melhores condies bsicas de vida, vida digna, como Cuba. Quando o Papa chegou em Cuba em janeiro de 98 havia um enorme cartaz no aeroporto de Havana. Crianas cubanas de uniforme escolar, sorrindo, e os seguintes dizeres: "Esta noite milhes de crianas dormiro nas ruas do mundo. Nenhuma delas cubana".

Qual pas pode estender um cartaz como esse na sua porta de entrada ao receber trs mil jornalistas internacionais que tiveram a mais absoluta liberdade de fazer o que quisessem dentro de Cuba durante a visita do Papa, porque qualquer um deles podia fotografar crina de rua e dizer que isso uma mentira. Ou seja, Cuba um pas pobre, mas no um pas de miserveis. um pas que tem e sobrevive com uma extrema dificuldade por fora do criminoso bloqueio imposto pelos EUA. Vocs ja imaginaram Cuba bloqueando o porto de Nova York? Pois os Estados Unidos bloqueiam o pas inteiro! Vocs j imaginaram Cuba tendo uma base naval militar na Califrnia? Pois os Estados Unidos tm uma base em Guantnamo, dentro de Cuba, naquela regio de onde vem aquela msica que de fato o grande hino de Cuba, Guantanamera... E ningum diz nada! O Presidente do Brasil acha isso normal! N? O absurdo o Iraque que foi armado at os dentes pelo Reagan resolver ser independente da hegemonia das ordens americanas. Esse o absurdo. Ningum xia porque h cem anos os EUA ocuparam e dominam, sob o taco de ferro, um pas que anteriormente era livre e soberano, chamado Porto Rico. Ningum xia... E se ns no agirmos e reagirmos, o Brasil vai caminhando pra isso... Porque hoje vem a misso do FMI, amanh vem o FBI dizer que tem de se combater as drogas aqui, depois vem as tropas americanas dizendo que tm de ajudar o FBI e daqui a pouco ns estamos como colnia do imprio mundial sediado na Casa Branca.

E, levando-se adiante o ideal materialista, descartvel e consumista do capitalismo atual, isso ir nos levar misria pois j est matematicamente comprovado: se toda a humanidade hoje, e so 5 bilhes e 600 milhes de pessoas, tivesse o padro de vida do americano mdio a primeira condio para se chegar a isso seria a de que o plante Terra se clonasse, se auto-clonasse, se duplicasse com as mesmas riquezas de minerais, de fontes de gua, de vegetais que ele possui hoje. Quer dizer, precisaramos de dois planetas Terra para assegurar ao conjunto dessa populao atual o padro de vida mdio americano. E que padro esse? o padro do consumismo, e um dos maiores crimes pedaggicos que se comete hoje no mundo, especialmente no Brasil, primeiro atravs da mda e segundo atravs de certas famlias fascinadas pela miragem do consumo desenfreado, incutir nas crianas e no jovens que o consumismo um ideal de vida. Ora, como impossvel a realizao desse ideal, qual o resultado disso? a frustrao, e a frustrao leva a um trauma da subjetividade que tem que ter escapatria por algum lugar, que geralmente pela bebida e pela droga... O empresrio americano sabe que o mercado infantil o fil mignon do consumismo, porque criana tem duas vantgens: no tem critrios e tem o poder de seduzir os pais. O pai acaba comprando pra se ver livre da chateao do filho que quer algo porque a televiso associou o objeto a alguma outra coisa que a criana toma como prazerosa. O problema como fazer da criana uma consumidora, porque a criana possui um artifcio natural que um perfeito mecanismo anti-consumo: a fantasia. Eu, por exemplo, fui criana sem consumismo, como o pessoal da minha gerao tambm foi aqui. Ou seja, o mximo de consumismo que eu recordo foi ter pedido ao meu pai que ao retornar do trabalho trouxesse uma caixa de pregos, porque ns fazamos os nossos brinquedos. Tnhamos as brincadeiras de rua, em contato com outras crianas, que dependiam de criatividade e imaginao... No precisava comprar nada! Dinheiro entrou no meu universo pessoal quando eu tinha de 12 para 13 anos. Eu no tinha a menor idia do diabo do quepe ou do tnis que eu usava, qual era a marca daquilo, e no tinha a menor importncia essa questo de marca, ou seja no havia consumismo. Eu consegui viver, vivenciar mesmo, uma infncia sem nunca lidar com dinheiro. Ento, muito complicado transformar uma criana em consumidora, mas o sistema capitalista descobriu a frmula: se voc consegue erotizar precocemente esta criana... Se voc consegue que ela aos quatro ou cinco anos comece a prestar demasiada ateno ao prprio corpo, ela vira uma consumidora precoce. Basta ver os modelos que nos so dados pela mdia. Ela entra ai de cabea para se identificar com os modelos fabricados. S que tem um problema: cria-se nela uma defasagem entre a idade biolgica e a idade Psicolgica. Ela uma criana, mas pensa que um adulto homem ou que uma adulta mulher.

Isso mais ou menos istrado at a puberdade. A puberdade a idade com o encontro com a realidade. Ento comea a reduzir esta distncia. Para manter o controle, o sistema a a, meio que disfaradamente, a propiciar o sonho qumico. E como no h mais utopias, como a ditadura militar ainda nos deixou at hoje a herana de castrar das novas geraes o poder de mobilizao, de ter bandeiras de luta, de viver em funo de utopias, de ir pra bazinhos tomar chopp discutindo as questes nacionais, internacionais... de discutir quais so as novas linguagens no cinema e no teatro, tudo isso que a gente viveu nos anos 60, porque ns somos seres humanso com portas e janelas. Somos os nicos animais que no nos amos. Uma vaca, por exemplo... Eu na outra encarnao vou querer ser vaca, porque a vaca est na sua plenitude "vacal"... Voc a ai no interior e ela t la no seu pasto, na sua sombrinha, pacfica, vegetariana tranquila... Aqui tem a seca e ai ela no pode t muito gorda, mas l em So Paulo a gente v aquelas vacas gordas, mansas, no faz mal a ningum, tranquilas, que do o leitinho delas, criam os bezerros... Enfim, porque a vaca no tem sede de sonho, a vaca no tem vocao para a transcendncia como cada um de ns tem. Ns fomos criados para a comunho com o absoluto. Ns temos a profunda nostalgia de Deus. Ento no h como viver sem sonhos. Mas o sonho ou vai na direao da Utopia e da Mstica, ou vai na direo da qumica... No tem sada... Por algum lugar a gente precisa sonhar. E quando a gente sonha pela direo errada, a gente se frustra, e ai vem a depresso, a tristeza, a insatisfao de vida, a irritao e a amargura, e voc fica infeliz e fazas outras pessoas sua volta infelizes.

O que Jesus veio trazer pra ns na sua misso num tempo em que no havia diviso entre religio e poltica. Em que todo o ser religioso fazia poltica e que todo o ser poltico fazia religio - porque essa uma conquista da modernidade, a separao entre as instituies polticas e religiosas. No se pode dizer que Jesus no fez poltica. Mas ele no fez a poltica e nem devemos todos ns fazer a poltica profissional poltico que exerce um mandato ou que pertence a alguma estrutura de partido. H diferentes maneiras de interferir na plis, no Estado, na busca do bem comum, na busca de uma sociedade justa... E justamente esta a proposta mais ampla que Jesus veio trazer : Fazer uma poltica que seja RADICALMENTE CONTRA todo o tipo de injustia e a favor de uma sociedade solidria, de uma sociadedade que seja smbolo vivo do que ocorre na mesa eucarstica. A Eucaristia simboliza a repartio para todos, sem discriminao, do mesmo po e do mesmo vinho. Assim deveria ser a vida social. Que todos tivessem o mesmo o comida e bebida, sem discriminao. Por isso quando eu vou Europa e me perguntam: como no Brasil a luta de vocs por Direitos Humanos? Eu respondo: Direitos Humanos? No Brasil no tem isso. Isso luxo no Brasil! No Brasil ns ainda estamos lutando pela conquista de Direitos Animais! Porque comer, abrigar-se do frio e do calor, educar a cria coisa de bicho e que infelizmente a maioria da populao do meu pas no tem ainda assegurada. No ser o caso de que o estatuto das sociedades de proteo aos animais no seria mais interessante do que a Constituio Brasileira aplicada aos seres humanos desse pas? Talvez tivesse mais resultado...

Eu queria ler dois textos aqui sobre a prtica de Jesus, como, em Jesus, essa sntese entre a f, a fidelidade ao projeto de Deus, o Amor aos seres humanos, principalmente aos injustiados... como se realizava esta sntese.

O primeiro texto est no Captulo X de Marcos:

"Quando Jesus saiu de novo a caminhar, um homem veio correndo, ajoelhou-se diante Dele e perguntou: - Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?"

V que o sujeito j chega com uma atitude de puxa-saquismo: "Bom Mestre" e tal...

"Jesus respondeu: - Por que voc me chama de bom? S Deus bom, e ningum mais"

ou seja, Cristo no gostou da atitude do camarada... Interessante que nos quatro Evangelhos, essa pergunta: "O que devo fazer para ganhar a vida eterna" nunca sai da boca de um pobre. Voc pode analisar os Quatro Evangelhos. Sempre sai de algum que j tem assegurada a vida terrena e agora quer saber como investir na poupana celestial. esta a pergunta do Doutor da Lei na parbola do Bom Samaritano, a pergunta do Nicodemos, a pergunta de Zaqueu... E o que os pobres pedem a Jesus? Mestre, o que devo fazer para ter vida nesta vida: Minha filha est doente, eu quero v-la s; eu no tenho um olho, preciso enxergar; minha mo t seca, preciso trabalhar; o meu irmo morreu, quero v-lo ressuscitado... Os pobres pedem "vida" nesta vida, e a estes Jesus atende com misericrdia e com seriedade, aos outro no, Jesus ironiza...

Vamos ver o dilogo, ento:

"Jesus disse para o homem:

- Voc conhece os Mandamentos: No mates..." vocs que fizeram o catecismo contem ai nos dedos a lista de mandamentos de Jesus... "...No cometas adultrio, no roubes, no levantes falso-testemunho, no enganes, honra a teu pai e tua me..." Quantos Mandamentos? Seis...

Ora, na verdade Jesus s cita seis porque ele omite os outros quatro que dizem respeito a Deus... Ele s cita os mandamentos que dizem respeito ao prximo porque a proposta crist uma proposta onde quem se coloca diante de Deus e de costas para o prximo no entendeu nada. Mas quem se coloca diante do prximo automaticamente j serve a Deus, porque o prximo a Imagem e Semelhana de Deus, o sacramento de Deus. No h como servir a Deus, no cristianismo evanglico, se no atravs do servio do prximo. No h meio termo. Se eu no sou capaz de ir em direo ao meu prximo, toda a concepo de Deus equivocada. a concepo de um Deus minha imagem, semelhana e convinincia e no quilo que o Evangelho me pede, que ser capaz de amar ao prximo. E nisso o Evangelho to radical que no Captulo XXV de Mateus Ele diz: "Eu tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber", veja, Jesus se coloca no lugar do oprimido, e fala: "Muitos diro: Senhor, quando foi que te vimos com fome e com sede? A toda vez que a cada um destes pequeninos fizeste a Mim o fizeste". (Continua)

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