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1g2312
Valores
de Uma Nova Civilizao
1b72w
Valores
qualitativos
Igualdade e
Fraternidade
A democracia como
valor imprescindvel
Socialismo como
alternativa
Propomos, nestas pginas, alguns temas
possveis para o debate em torno da questo:
Princpios e valores da nova sociedade.
No se tratam de axiomas,
mas de hipteses de trabalho e sugestes de reflexo.
Ns,
do Frum Social Mundial, acreditamos em certos
valores, que
iluminam o nosso projeto de transformao social e inspiram a
nossa imagem de um novo mundo possvel.
Aqueles que se renem em Davos - banqueiros, executivos e
chefes de Estado, que dirigem a globalizao neoliberal (ou
globocolonizao) - tambm defendem valores. No
devemos subestim-los, pois
eles acreditam em trs grandes valores e esto dispostos
a lutar com todos os meios para salvaguard-los at guerra,
se for preciso. Trs importantes
valores, contidos no corao da civilizao capitalista
ocidental, na sua forma atual.
Os trs grandes valores do credo de Davos:
o dlar, o
euro e o yen. Estes
trs no deixam de ter suas contradies,
mas, juntos, constituem
a escala de valores neoliberal globalizada.
A
principal caracterstica comum destes trs
valores a sua natureza estritamente quantitativa: eles no conhecem o bem e o mal,
o justo e o injusto. Conhecem
apenas quantidades, nmeros,
cifras: um,
cem, mil,
um milho, um
bilho. Quem
tem um bilho de dlares, euros ou yens vale mais do que
quem tem s um milho, e muito mais do que aquele que s tem
mil. E, obviamente,
aquele que no tem nada, ou quase nada, nada vale na escala de
valores de Davos. como se no existisse.
Est fora do mercado e, portanto, do mundo civilizado.
Juntos,
os trs valores constituem uma das divindades da religio econmica
liberal: a Moeda ou, como se dizia em aramaico, Mamon.
As outras duas divindades so o Mercado e o Capital.
Trata-se de fetiches ou dolos,
objetos de um culto fantico e exclusivo, intolerante e
dogmtico. Este fetichismo da mercadoria, segundo Marx; ou
esta idolatria do mercado - para utilizar a expresso dos telogos
da libertao Hugo Assmann e Franz Hinkelammert - e do dinheiro
e do capital, um
culto que tem suas igrejas (as Bolsas de Valores); seus Santos Ofcios
(FMI, OMC etc.); e a perseguio aos herejes (todos ns
que acreditamos em outros valores). Trata-se de dolos que,
como os deuses cananeus Moloch ou Baal, exigem terrveis
sacrifcios humanos: no Terceiro Mundo, as vtimas dos planos de
ajuste estrutural, homens,
mulheres e crianas sacrificados no altar do fetiche Mercado
Mundial e do fetiche Dvida Externa.
Um
corpo impressionante da regras cannicas e princpios ortodoxos
serve para legitimar e santificar esses rituais sacrificiais. Um
vasto clero de especialistas e gestores explica os dogmas do culto
s multides profanas, mantendo
as opinies herticas longe da esfera pblica. As regras ticas
desta religio so as j estabelecidas, h dois sculos, pelo
telogo econmico Sir Adam Smith: que cada indivduo busque, da maneira mais implacvel possvel,
seu interesse egosta, sem prestar ateno a seu prximo,
e a mo invisvel do deus-mercado cuidar do resto, trazendo
harmonia e prosperidade a toda a nao.
Esta
civilizao do dinheiro e do capital
transforma tudo em mercadoria
- a terra, a gua, o ar, a vida, os sentimentos, as convices
-, que se vende pelo melhor preo. At as pessoas ficam
submissas mercadoria, pois subverte a relao humanitria
pessoa-mercadoria-pessoa. Visto esta camisa de algodo, que
uma mercadoria, para humanizar minha convivncia social, pois
seria estranho que eu comparecesse sem camisa no trabalho ou num
encontro entre amigos. Agora, a relao predominante
mercadoria-pessoa-mercadoria. A grife da camisa que visto me
imprime valor. Em outras palavras, se chego sua casa de nibus
ou bicicleta, tenho um valor Z. Se chego de BMW, tenho um valor A.
Sou a mesma pessoa e, no entanto, a mercadoria que me reveste me
imprime mais ou menos valor, reificando-me.
J
no sculo XIX, um crtico da economia poltica havia previsto,
com lucidez proftica, o mundo de hoje: Chegou, enfim, um tempo
em que tudo o que os seres humanos haviam considerado inalienvel
tornou-se objeto de troca, de
trfico e pode alienar-se. o tempo em que as coisas mesmas,
que at ento eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas
nunca vendidas; conquistadas,
mas nunca compradas virtude, amor, opinio, cincia, conscincia
etc em que tudo, enfim, ou para o comrcio. o
tempo da corrupo geral, da venalidade universal
ou, para falar
em termos de economia poltica, o tempo em que qualquer coisa,
moral ou fsica, tendo-se tornado valor venal, levada ao
mercado para ser apreciada por seu valor adequado. [1][1]
Face
a esta civilizao da mercantilizao universal, que afoga
todas as relaes humanas nas guas geladas do clculo
egosta,[2][2]
o Frum Social Mundial representa, antes de tudo, uma recusa:
o mundo no uma mercadoria! Isto , a
natureza, a vida, os direitos do homem, a liberdade, o amor, a
cultura, no so mercadorias. Mas o FSM encarna tambm a aspirao
a um outro tipo de civilizao, baseada em outros valores que no
o dinheiro ou o capital. So dois projetos de civilizao e
duas escalas de valores que se enfrentam, de forma antagnica e
perfeitamente irreconcilivel, no umbral do sculo XXI.
Quais
os valores que inspiram este projeto alternativo? Trata-se de
valores qualitativos, ticos e polticos, sociais
e culturais, irredutveis quantificao monetria. Valores
que so comuns maior parte dos grupos e das redes
que constituem o grande movimento mundial contra la
globalizao neoliberal.
Podemos
partir dos trs valores que inspiraram a Revoluo sa de
1789 e, desde ento, esto presentes em todos os movimentos de
emancipao social da histria moderna: Liberdade, Igualdade e
Fraternidade. Como assinala Ernst Bloch em seu livro Direito
Natural e Dignidade Humana (1961), estes princpios,
inscritos pela classe dominante no fronto dos edifcios pblicos
na Frana, nunca foram por ela realizados. Na prtica, escrevia
Marx, eles foram, muitas vezes, substitudos por Cavalaria,
Infantaria e Artilharia... Fazem parte da tradio subversiva do
inacabado, do ainda no-existente, das promessas que no foram
cumpridas. Possuem uma fora utpica concreta, que vai
bem alm do horizonte burgus, uma fora de dignidade
humana que aponta para o futuro, para a marcha de cabea
levantada da humanidade, para o socialismo.[3][3] Se examinarmos de perto estes valores, do ponto de
vista das vtimas do sistema, descobriremos seu potencial
explosivo e sua atualidade no combate atual contra a mercantilizao
do mundo.
O
que significa liberdade?
Antes de tudo, liberdade de expresso, de organizao,
de pensamento, de crtica, de manifestao duramente
conquistada por sculos de lutas contra o absolutismo, o fascismo
e as ditaduras. Mas,
tambm, e hoje mais do que nunca, a liberdade em relao a uma
outra forma de absolutismo: a ditadura dos mercados financeiros e
da elite de banqueiros e empresrios multinacionais que impem
seus interesses ao conjunto do planeta. Uma ditadura imperial
sob a hegemonia econmica, poltica e militar dos Estados Unidos, nica superpotncia
global - que se esconde por detrs das annimas e cegas
leis do mercado, e cujo poder mundial bem
superior ao do Imprio Romano ou dos imprios coloniais do
ado. Uma ditadura
que se exerce pela prpria lgica do capital,
mas que se impe com a ajuda de instituies
profundamente antidemocrticas, como o FMI ou a OMC, e sob a ameaa
de seu brao armado (a OTAN).
O conceito de libertaonacional
insuficiente para dar conta deste significado atual da liberdade,
que , ao mesmo tempo, local, nacional e mundial,
como o demonstra to bem este movimento profundamente
original e inovador que o zapatismo.
Uma
das grandes limitaes da Revoluo sa de 1789 foi ter
excluido as mulheres da cidadania. A feminista republicana Olympe
de Gouges, que
escreveu a Declarao dos direitos da mulher e da cidad㠻,
foi guilhotinada em 1793. O conceito moderno de liberdade no
pode ignorar a opresso de gnero que recae sobre a metade da
humanidade,e a importncia capital da luta das mulheres por
sua libertao. Neste combate tem particular significado o
direito das mulheres de disporem de seu prprio corpo.
58x23
Igualdade e
Fraternidade 3261m
O
que significa igualdade? Nas primeiras Constituies
revolucionrias inscreveu-se a igualdade perante a lei. Esta
absolutamente necessria - e longe de existir na realidade do
mundo de hoje mas bem insuficiente. O problema de fundo a
monstruosa desigualdade entre o Norte e o Sul do planeta e, dentro
de cada pas, entre a pequena elite que monopoliza o poder econmico
e os meios de produo, e a grande maioria da populao, que
vive de sua fora de trabalho - quando no est no desemprego,
e excluda da vida social. As cifras so conhecidas: quatro
cidados dos EUA Bill Gates, Paul Allen, Warren Buffett e
Larry Ellyson - concentram em suas mos uma fortuna equivalente
ao Produto Interno Bruto de 42 pases pobres, com uma populao
de 600 milhes de habitantes. O sistema da dvida externa, a lgica
do mercado mundial e o poder ilimitado do capital financeiro levam
a uma agravao dessa desigualdade, que se agravou nos ltimos
20 anos. A exigncia de igualdade e de justia social - dois
valores inseparveis inspira os vrios projetos scio-econmicos
alternativos que esto na ordem do dia. Do ponto de vista de uma
perspectiva mais ampla, isso implica um outro modo de produo e
distribuio.
A
desigualdade econmica no a nica forma de injustia na
sociedade capitalista liberal:
a perseguio dos indocumentados na
Europa; a excluso dos descendentes de escravos negros e
indgenas nas Amricas; a opresso de milhes de indivduos
que pertencem s castas de intocveis
na ndia; e tantas outras formas de racismo ou discriminao
por razes de cor, religio ou lngua, so onipresentes do
Norte ao Sul do planeta. Uma sociedade igualitria significa a
radical supresso destas discriminaes. Ela implica tambm
uma outra relao entre homens e mulheres, rompendo com
o mais antigo sistema de desigualdade da histria humana -
o patriarcado -, responsvel pela violncia contras as
mulheres, por sua marginalizao na esfera pblica, e por sua
excluso do emprego. A grande maioria de pobres e desempregados
no mundo so mulheres.
O
que significa fraternidade? a traduo
moderna do velho princpio judaico-cristo: o amor ao prximo.
a substituio das relaes de competio,
concorrncia feroz, guerra de todos contra todos - que
fazem do indivduo, na sociedade atual, um homo homini lupus
(um lobo para os outros seres humanos)
-, por relaes de cooperao, partilha, ajuda mtua,
solidariedade. Uma solidariedade que inclui s os irmos (frater,
em latim), mas tambm as irms, e que supera os limites da famlia,
do cl, da tribo, da etnia, da comunidade religiosa, da nao,
para se tornar autenticamente universal, mundial, internacional.
Em outras palavras: internacionalista,
no sentido que deram a este valor geraes inteiras de
militantes do movimento operrio e socialista.
A
mundializao neoliberal produz e reproduz os conflitos tribais
e tnicos, as guerras de purificao tnica, os
expansionismos belicosos, os integrismos religiosos intolerantes,
as xenofobias. Tais pnicos
induzidos pelo sentimento de perda de identidade so o
outro lado da mesma medalha,
o complemento inevitvel da globalizao imperial. A
civilizao com que sonhamos ser um mundo no qual cabem
muitos mundos (segundo a bela frmula dos zapatistas), uma
civilizao mundial da solidariedade e da diversidade.
Face homogeneizao mercantil e quantitativa do mundo,
face ao falso universalismo capitalista, mais do que nunca
importante reafirmar a riqueza que representa a diversidade
cultural, e a contribuio nica e insubstituvel de cada
povo, de cada cultura, de cada indivduo.
A democracia como
valor imprescindvel 636kh
H
outro valor que, desde 1789, inseparvel dos outros trs: a
democracia. No s no sentido limitado que este conceito poltico
tem no discurso liberal/democrtico- a livre eleio de
representantes cada tantos anos , na realidade deformada e
viciada pelo controle que exerce o poder econmico sobre os meios
de comunicao. Esta democracia representativa - tambm fruto
de muitas lutas populares, e constantemente ameaada pelos
interesses dos poderosos, como o demonstra a histria da Amrica
Latina de 1964 a 1985 necessria mas insuficiente.
Necessitamos de formas superiores, participativas, que permitam populao exercer diretamente seu poder de
deciso e controle como no caso do oramento participativo
do municpio de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul.
O
grande desafio, do ponto de vista de um projeto de sociedade
alternativa, estender a democracia para o terreno econmico e
social. Por que permitir, neste campo, o poder exclusivo de uma
elite que recusamos na rea poltica? Uma democracia social
significa que as grandes opes scio-econmicas, as
prioridades de investimentos, as orientaes fundamentais da
produo e da distribuio, so democraticamente discutidas e
decididas pela prpria populao, e no por um punhado de
exploradores ou pelas supostas leis do mercado
(ou, ainda, variante que j foi falncia, por um Bir Poltico
onipotente).
A
estes grandes valores, produto da histria revolucionria
moderna, devemos
acrescentar um outro, que ao mesmo tempo o mais antigo e o mais
recente: o respeito
ao meio ambiente. Encontramos
este valor no modo de vida das tribos indgenas das Amricas e
das comunidades rurais pr-capitalistas de vrios continentes,
mas tambm no centro do moderno movimento ecolgico.
A mundializao capitalista responsvel por uma
destruio e envenenamento acelerados em crescimento geomtrico
do meio ambiente: poluio
da terra, do mar, dos
rios e do ar; efeito
de serra, com conseqncias catastrficas;
perigo de destruio da capa de oznio, que nos protege
das irradiaes ultravioleta mortais; aniquilamento das
florestas e da biodiversidade. Uma civilizao da solidariedade
no pode ser seno uma civilizao da solidariedade com a
natureza, porque a espcie humana no poder sobreviver se o
equilbrio ecolgico do planeta for rompido.
Socialismo como
alternativa h545r
Esta
lista no tem nada de exaustiva.
Cada um poder, em funo de sua experincia prpria e
de sua reflexo, acrescentar outros. Como resumir em uma palavra
este conjunto de valores presentes, de uma forma ou de outra, no
movimento contra a globalizao capitalista, nas manifestaes
de rua de Seattle a Gnova, e nos debates do Frum Social
Mundial? Creio que a expresso
civilizao da solidariedade uma sntese
apropriada deste projeto alternativo.
Isto significa, no s uma estrutura econmica e poltica
radicalmente diferente, mas,
sobretudo, uma sociedade alternativa que valorize as idias de
bem comum, de interesse pblico, de direitos universais, de
gratuidade.
Proponho
definir esta sociedade com um termo
que resume, h quase dois sculos as aspiraes da
humanidade a uma nova forma de vida, mais livre,
mais igualitria, mais democrtica e mais solidria. Um
termo que como todos os outros (liberdade,
democracia etc.) - foi manipulado por interesses
profundamente antipopulares e autoritrios, mas que, nem por
isso, perdeu seu valor
originrio e autntico: socialismo.
Em
recente pesquisa de opinio pblica brasileira, encomendada pela
Confederao Nacional das Indstrias (!), 55% dos
interrogados afirmaram que o Brasil precisava de uma revoluo
socialista. Ao serem perguntados o que entendiam por socialismo,
responderam citando alguns valores: amizade,
comunho, partilha,
respeito, justia e solidariedade.
A civilizao da solidariedade uma civilizao socialista.
Para
concluir: um outro
mundo possvel, baseado em outros valores,
radicalmente antagnicos aos que dominam hoje. Mas no
podemos esquecer que o futuro comea desde agora: estes
valores j esto prefigurados nas iniciativas que orientam o
nosso movimento hoje. Eles inspiram a campanha contra a dvida
do Terceiro Mundo e a resistncia aos projetos da OMC; o combate aos transgnicos e os projetos de taxao da
especulao financeira. Esto
presentes nos combates sociais, nas iniciativas populares, nas
experincias de solidariedade, de cooperao e de democracia
participativa - desde o combate ecolgico dos camponeses da ndia,
at o oramento participativo do Rio Grande do Sul;
desde as lutas pelo direito de sindicalizao na Coria
do Sul, at as greves em defesa dos servios pblicos na Frana;
desde as aldeias zapatistas de Chiapas, at os acampamentos do
MST.
O
futuro comea hoje e aqui, nessas sementes de uma nova civilizao,
que estamos plantando em nossa luta, e com o nosso esforo de
construir homens e mulheres novos a partir dos valores subjetivos
e ticos que assumimos em nossas vidas militantes.
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