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CARTA ABERTA A FREI BETTO

So Paulo, 19 de novembro de 1996

Frei Betto

Escrevo-lhe estas linhas no calor da hora. Acabo de ver, emocionado, o encontro do nosso Papa Joo Paulo II com Fidel Castro, no Vaticano. E lembro-me de voc. Lembro-me de que voc o responsvel pelo incio da reaproximao entre Igreja e Estado, no s em Cuba, mas tambm na extinta URSS, que visitou com Leonardo Boff e outros, merecendo cobertura da imprensa internacional. Vocs podem ter exagerado nos elogios, o que compreensvel embora, para alguns, no justificvel; mas vocs, sem dvida, deram incio a processos que agora vemos atingirem um ponto satisfatrio, como este da prxima visita do Papa a Cuba.

Estive em Cuba, em 1988, quando fui fraternalmente recebido pelo falecido Dr. Carneado, Ministro do Culto, num ano em que voc no pde ir at l. Testemunhei o que significava para os cubanos a publicao de seu livro Fidel e a Religio, em termos de maior liberdade religiosa. Afinal, constatei a situao de alguns cristos na terra de ningum, excludos pelos cristos porque comunistas e pelos comunistas porque cristos. Na mesma poca, visitei outros pases da Amrica Latina e pude imaginar o que era Cuba antes de Fidel, um prostbulo barato para turistas, especialmente dos EUA.

Em Cuba, pode haver racionamento alimentar e outros, mas sabemos que ningum morre de fome, muito menos crianas, como aqui. Da a oportunidade e autoridade com que Fidel Castro proferiu seu discurso na FAO, dias atrs. Tive muitos contatos com a Igreja Catlica Cubana e pude sentir seus limites e dificuldades, que, espero, sejam melhor superados, assim como voc constatou problemas anlogos, guardadas as diferenas, nas igrejas russas. Na minha opinio, Betto, sob alguns aspectos, estes pases parecem viver ainda na dcada de 50, o que o malfadado bloqueio, inclusive de informaes, talvez explique. Enfim, voc sempre diz que crtica aos amigos voc s faz para os amigos e no em pblico, e voc um amigo sincero de Fidel.

Voc sabe tambm da minha amizade por voc, mas venho a pblico para refrescar a memria dos esquecidos, dos seus detratores, dos que o acusam de subversivo e comunista, quando eu, como poucos, sei de sua paixo por Jesus Cristo e de sua fidelidade Igreja. Sei tambm das muitas injustias e ataques de que voc tem sido alvo e ado silenciosamente, no sem sofrimento, inclusive daqueles que querem desqualific-lo enquanto o religioso que voc . Por isto, quero lembrar dos seus tijolinhos iniciais na construo do dilogo entre Igreja e Estado em tantas partes do mundo, o que leva a que muitos de seus amigos carinhosamente digam que voc no pertence a ordem dos pregadores mas ordem dos eadores.

Escrevo tambm para lembrar que a Teologia da Libertao continua viva e, como todo conhecimento, um processo ando por um perodo de reflexo sobre os novos tempos. Voc j escreveu, mais de uma vez, que o capitalismo socializa os sonhos e privatiza os bens enquanto o socialismo real socializa os bens e privatiza os sonhos. A Teologia da Libertao precisa urgentemente, como voc e outros j o vem fazendo, debruar-se sobre a questo da educao e educao libertadora, educao para os direitos humanos.

O que mais me chocou e decepcionou em Cuba foi constatar que a educao (e l no h analfabetos) eminentemente bancria, tendo havido apenas uma substituio de contedos. Provavelmente, o mesmo se deu na extinta URSS e explica, mais at do que outros fatores, a queda do Muro de Berlim e o fracasso da URSS. Os problemas do povo russo, atualmente, uma amostra disto.

Sabemos bem que a questo da subjetividade precisa ser trabalhada, pois as mentalidades s mudam se alcanarmos coraes e mentes, atravs de um dilogo de fato, no qual o educando seja visto como sujeito e detentor de uma cultura prpria, ainda que pr-escolar. Para tanto, imprescindvel a vivncia dos princpios de Paulo Freire e da Teologia da Libertao, atravs de metodologias pedaggicas adequadas, construtivistas e outras, baseadas no dilogo transparente, no respeito mtuo e dignidade humana.

Esta constatao vale para a educao em geral, em todos os pases. S atingiremos a liberdade de seres humanos quando A (o professor, detentor do saber institudo) dialogue com B (o educando, detentor do saber informal), atingindo a um novo conhecimento, a que poderemos chamar de D, uma vez que integrando as conquistas culturais da humanidade, a que chamo de C. A educao bancria ainda vigora na maior parte das escolas neste final de sculo, o que muito me apavora, ao perceber verdades prontas e acabadas serem impostas por professores a alunos ivos, inclusive nas nossas Universidades, Seminrios e Escolas em geral, em detrimento da cidadania e da participao de todos nos destinos da sociedade.

Precisamos deixar acontecer o novo, a criatividade, o que exige, da parte de ns, catlicos, uma profunda f no Esprito Santo, pois o Esprito sopra onde e como quer. Felizmente no so poucos os que vem trabalhando nesta linha: voc mesmo, Paulo Freire e seus assistentes (em especial, Vera e Jos Carlos Barreto), o Ncleo de Trabalhos Comunitrios da PUCSP (Maria Stela Graciani), a Rede Brasileira de Educao em Direitos Humanos (Margarida Genevois), os trabalhos do padre Jlio Lancelotti, de religiosos e religiosas, alm de inmeros educadores annimos ou no, muitos da rede pblica de ensino, no s no Brasil, mas na Amrica Latina (no podemos esquecer de Luis Perez Aguirre, o jesuta uruguaio integrante do Centro de Direitos Humanos da ONU) e em muitos pases deste mundo de Deus.

O Paraso no est perdido, Betto (ao contrrio do ttulo do seu livro), e o seu trabalho, e de tantos outros, no tem sido em vo. No momento em que o Papa e Fidel Castro se encontram - e sei de seus esforos para que isto j tivesse acontecido h mais tempo - permita-me parabeniz-lo, mesmo que, talvez, voc no tenha nada a ver com isto agora.

Do seu irmo, em Cristo,

Antonio Carlos Ribeiro Fester

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