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A Emancipao do Ser Humano como sujeito do Direito Internacional e os Limites da Razo de Estado

Vivemos, nesta agem de sculo, um momento na histria marcado por uma profunda reflexo, em escala universal, sobre as prprias bases da sociedade internacional e a formao gradual da agenda internacional do sculo XXI. Dificilmente poderia haver ocasio mais propcia para refletir sobre o futuro, tendo presentes as lies que nos deixa o sculo XX. Proponho-me, nas pginas seguintes, desenvolver algumas breves reflexes a respeito, entremeadas de um depoimento de minha prpria experincia pessoal, acumulada no domnio do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com ateno voltada a um ponto central de importncia capital, que me permito denominar de emancipao do ser humano como sujeito do direito internacional em meio ao reconhecimento dos limites da razo de Estado.

Os grandes pensadores contemporneos que se dispam a extrair as lies que levaremos deste sculo coincidem em um ponto fundamental, to bem ressaltado, por exemplo, nos derradeiros escritos de Bertrand Russell, de Karl Popper, de Isaiah Berlim, dentre outros: nunca, como no sculo XX, verificou-se tanto progresso na cincia e na tecnologia, acompanhado tragicamente de tanta destruio e crueldade; nunca, como em nossos tempos, verificou-se tanto aumento da prosperidade acompanhado de modo igualmente trgico de tanto aumento estatisticamente comprovado das disparidades econmico-soclais e da pobreza extrema! O crepsculo deste sculo desvenda um panorama e. progresso cientfico e tecnolgico sem precedentes, acompanhado de padecimentos humanos indescritveis.

Ao longo deste sculo de trgicas contradies, do divrcio entre a sabedoria e o conhecimento especializado, da antinomia entre o domnio das cincias e o descontrole dos impulsos humanos, das oscilaes entre avanos e retrocessos, gradualmente se transformou a funo do direito internacional como instrumental jurdico j no s de regulao, como sobretudo de libertao. O direito internacional tradicional, vigente no incio do sculo, marcava-se pelo voluntarismo estatal ilimitado, que se refletia na permissividade do recurso a guerra, da celebrao de tratados desiguais, da diplomacia secreta, da manuteno de colnias e protetorados e de zonas de influncia. Contra essa ordem oligrquica e injusta se insurgiram princpios como os da proibio do uso e ameaa da fora e da guerra de agresso (e do no-reconhecimento de situaes por estas geradas), da igualdade jurdica dos Estados e da soluo pacifica das controvrsias internacionais. Deu-se, ademais, incio ao combate s desigualdades (com a abolio das capitulaes, o estabelecimento do) sistema de proteo de minorias sob a Liga das Naes, e as primeiras convenes internacionais do Trabalho da OIT.

um meados do sculo, reconheceu-se a necessidade da reconstruo do direito internacional, com ateno aos direitos do ser humano, do que deu eloqente testemunho a adoo da Declarao Universal de 1948, seguida, ao longo de cinco dcadas, por mais de 70 tratados de proteo hoje vigentes nos planos global e regional. Na era das Naes Unidas, consolidou-se, paralelamente, o sistema de segurana coletiva, que, no entanto, deixou de operar a contento em razo dos imes gerados pela Guerra Fria. O direito internacional ou a experimentar, no segundo meado deste sculo, uma extraordinria expanso, fomentada em grande parte pela atuao das Naes Unidas e agncias especializadas, ademais das organizaes regionais, estendida tambm ao domnio econmico e social, a par do comrcio internacional.

A emergncia dos novos Estados, em meio ao processo histrico de descolonizao, veio marcar profundamente sua evoluo nas dcadas de cinqenta e sessenta, em meio ao grande impacto no seio das Naes Unidas do direito emergente de autodeterminao dos povos. Desencadeou-se o processo de desmocratizao do direito internacional. Ao transcender os antigos parmetros do direito clssico da paz e da guerra, equipou-se o direito internacional para responder s novas demandas e desafios da vida internacional, com maior nfase na cooperao internacional. Nas dcadas de sessenta a oitenta, os foros multilaterais se engajaram em um intenso processo de elaborao e adoo de sucessivos tratados e resolues de regulamentao dos espaos, em reas distintas como a do espao exterior e a do direito do mar.

As notveis transformaes no cenrio mundial contemporneo, desencadeadas, a partir de 1989, pelo fim da Guerra Fria e a irrupo de numerosos conflitos internos, tm caracterizado os anos noventa como um perodo de grande densidade histrica. O exerccio de reflexo universal que tm ensejado se reflete no ciclo das Conferncias Mundiais das Naes Unidas deste final de sculo, que tm procedido a uma reavaliao global de muitos conceitos luz da considerao de temas que afetam a humanidade como um todo. Seu denominador comum tem sido a ateno especial s condies de vida da populao (particularmente dos grupos vulnerveis, em necessidade especial de proteo), da resultando o reconhecimento universal da necessidade de situar os seres humanos de modo definitivo no centro de todo processo de desenvolvimento.

Com efeito, os grandes desafios de nossos tempos a proteo do ser humano e do meio ambiente, o desarmamento, a erradicao da pobreza crnica e o desenvolvimento humano, e a superao das disparidades alarmantes entre os pases e dentro deles tm incitado revitalizao dos prprios fundamentos e princpios do direito internacional contemporneo, tendendo a fazer abstrao de solues jurisdicionais e espaciais (territoriais) clssicas e deslocando a nfase para a noo de solidariedade. Compreende-se hoje, enfim, que a rato de Estado tem limites, no atendimento das necessidades e aspiraes da populao, e no tratamento equnime das questes que afetam toda a humanidade.

O ordenamento internacional tradicional, marcado pelo predomnio das soberanias estatais e pela excluso dos indivduos, no foi capaz de evitar a intensificao da produo e o uso de armamentos de destruio em massa, tampouco as violaes macias dos direitos humanos perpetradas em todas as regies do mundo, e as sucessivas atrocidades de nosso sculo, inclusive as contemporneas como o holocausto, o gulag, seguidos de novos atos de genocdio, no sudeste asitico, na Europa Central (ex-Iugoslvia) e na frica (Ruanda). Tais atrocidades tm despertado a conscincia jurdica universal para a necessidade de reconceituar as prprias bases do ordenamento internacional.

Afirmam-se, assim, com maior vigor, os direitos humanos universais. J no se sustentam o monoplio estatal da titularidade de direitos nem os excessos de um positivismo jurdico degenerado, que excluram do ordenamento jurdico internacional o destinatrio final das normas jurdicas: o ser humano. Reconhece-se hoje a necessidade de restituir a este ltimo a posio central como sujeito do direito tanto interno corno internacional de onde foi indevidamente alijado, com as consequencias desastrosas j assinaladas. Em fl05505 dias o modelo westphaliano do ordenamento internacional afigura-se esgotado e superado.

A prpria dinmica da vida internacional cuidou de desautorizar o entendimento tradicional de que as relaes internacionais se regiam por regras derivadas inteiramente da livre vontade dos prprios Estados. O positivismo voluntarsta mostrou-se incapaz de explicar o processo de formao das normas do direito internacional geral, e se tornou evidente que 50) se poderia encontrar uma resposta ao problema dos fundamentos e da validade deste ltimo na conscincia jurdica universal, a partir da assero da idia de uma justia objetiva. Nesta linha de evoluo tambm se insere a tendncia atual de criminalizao de violaes graves dos direitos da pessoa humana, paralelamente consagrao do princpio da jurisdio universal. Neste final de sculo, temos o privilgio de testemunhar o processo de humanizao do direito internacional, que a a se ocupar mais diretamente da realizao de metas comuns superiores. O reconhecimento da centralidade dos direitos humanos corresponde a um novo ethos de nossos tempos.

A titularidade jurdica internacional do ser humano, tal como a anteviam os chamados fundadores do direito internacional (o direito) das gentes, hoje uma realidade. Para alcanar esse grau de evoluo, foi necessrio superar inmeros obstculos, nos planos tanto nacional como internacional. Permito-me recordar alguns episdios de minha prpria experincia pessoal. Desde que apresentei meu Parecer, de 16.8.1985, com os fundamentos jurdicos para a adeso do Brasil aos tratados gerais de direitos humanos, como ento Consultor Jurdico do ltamaraty, foi necessrio aguardar por mais de seis anos sua aprovao congressual, para que o Brasil enfim se tornasse Parte nos dois Pactos de Direitos Humanos (de Direitos Civis e Polticos, e de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais) das Naes Unidas (em 24.1.1992), e na Conveno Americana sobre Direitos Humanos (em 25.9.1992). Durante essa longa espera, tive o ensejo de criar na Universidade de Braslia a disciplina Proteo Internacional dos Direitos Humanos, e de organizar em vrias cidades, com o respaldo de entidades humanitrias, uma srie de seminrios de mobilizao da opinio pblica nacional neste propsito, que contaram com a valiosa participao de diversos colegas de nossos crculos acadmicos.

Desde que apresentei outro Parecer, de 18.10.1989, ainda como Consultor Jurdico do Itamaraty, com os fundamentos jurdicos para a aceitao, pelo Brasil, da competncia da Corte interamericana de Direitos Humanos em matria contenciosa, foi necessrio esperar quase uma dcada, at que, em 10.12.1998, se efetuasse o deposito do respectivo instrumento de aceitao pelo Brasil. Felizmente essas decises foram tomadas, reconciliando a posio de nosso pais com seu pensamento jurdico mais lcido, e congregando as instituies do poder pblico e as organizaes no-governamentais e demais entidades de nossa sociedade civil em torno da causa comum da proteo do ser humano.

No tocante aplicao da normativa internacional de proteo no direito interno, o quadro no tem sido distinto. Desde que apresentei, em audincia pblica na Assemblia Nacional Constituinte, em 29.4.1987, a proposta que se transformou no art. 5, 2, de nossa Constituio Federal de 1988, em virtude do qual 05 direitos constitucionalmente consagrados abarcam igualmente os constantes dos tratados de direitos humanos em que o Brasil Parte, at hoje continuamos esperando pelo dia em que se venha a dar a devida aplicao a essa disposio constitucional. A Constituio de um pas no um menu, de onde se possam extrair as disposies a aplicar, ignorando as demais. Estou convencido de que, em mais de uma dcada da vigncia de nossa Constituio Federal, muito mais poderamos ter avanado na proteo dos direitos humanos em nosso pais se todos os setores do Poder judicirio estivessem dando aplicao cabal aquela disposio.

Outras ilustraes poderiam ser mencionadas: por exemplo, desde que o brasil ratificou as duas Convenes contra a Tortura que hoje o vinculam a das Naes Unidas, em 28.9. 1989, e a Interamericana, de 20.7.1989 , foi necessrio esperar quase oito anos at que a Lei n 9.455, de 7.4.1997, viesse a tipificar o crime de tortura em nosso direito interno, e ainda assim com algumas falhas, guardando um paralelismo apenas imperfeito com as duas Convenes supracitadas. Assim trabalhar no campo da proteo dos direitos humanos: e como nadar contra a correnteza, para fazer uso de expresso consagrada cm um dos escritos de Isaiah Berlin.

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Se amos do plano nacional ao internacional, o mesmo quadro de dificuldades se nos apresenta. Sempre me recordarei dos momentos finais da II Conferncia Mundial de Direitos Humanos em junho de 1993, quando, a duras penas e aparentemente mais pela exausto do que pela convico da maioria dos delegados , logramos em incluir, no art. 1 da Declarao e Programa de Ao de Viena, a simples reassero da universalidade dos direitos humanos, que as delegaes partidrias do chamado relativismo cultural buscavam evitar. Os que hoje lem aquele documento no se do conta da luta que travamos para evitar o grave retrocesso conceitual de uma relativizao que teria sido desastrosa dos direitos humanos universais. Naqueles momentos dramticos da Conferncia Mundial de Viena, o teor da Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 me parecia demasiado avanado para o mundo de 1993.

A insensatez humana parece no ter limites, e a memria do sofrimento de geraes adas parece no resistir a eroso do tempo. Assim trabalhar no campo da proteo dos direitos humanos, onde o progresso parece dar-se em forma no linear, mas pendular. No plano regional, por exemplo, h poucas semanas em 26 de maio ado, entrou em vigor uma denncia, sem precedentes, da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, efetuada por Trinidad e Tobago. Jamais me esquecerei das ltimas horas do dia 25 de maio, em que, em sesso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cinco horas antes da entrada em vigor da referida denncia, logramos ordenar a tempo, sempre sob a presso impiedosa do relgio, medidas provisrias de proteo, no sentido de suspender a execuo de condenados pena de morte naquele pas. Poderia aqui evocar, como fiel ilustrao das dificuldades que permeiam a luta em prol dos direitos humanos, o mito do Ssifo, nas imorredouras reflexes de um dos maiores escritores deste sculo, Albert Camus: e um trabalho de perseverana que simplesmente no tem fim.

Por outro lado, e talvez em razo da dimenso humana do desafio sempre a defrontar, dificilmente poderia haver labor mais gratificante do que o empreendido no presente domnio sobretudo quando, uma vez resolvido um litigio, recebemos a visita de uma vtima para dizer-nos, como j ocorreu, que em seu caso enfim se fez justia graas operao dos mecanismos internacionais de proteo. Considero um privilgio poder estar atuando, em benefcio de tantos seres humanos no contencioso internacional que j faz parte da histria contempornea da proteo internacional dos direitos humanos na Amrica Latina.

A par dos casos decididos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que me eximo de comentar (referindo-me a meus votos nas respectivas sentenas da Corte), guardo a melhor das lembranas, por exemplo, do desfecho de dois importantes casos para cuja soluo fui convocado: um relativo Nicargua, no mbito da Organizao dos Estados Americanos (OEA), e outro relativo Rssia, no mbito do Conselho da Europa. O relatrio sobre o primeiro caso, entregue ao Secretrio-Geral da OEA em 4.2.1994, contribuiu decisivamente a pr fim a uma gravssima crise institucional que ocasionara a suspenso por alguns meses dos trabalhos do Parlamento nicaraguense.

No continente europeu, transcorrido pouco mais de um ano, ante a fragmentao da Unio Sovitica e a emergncia e consolidao da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), o Conselho da Europa solicitou-me um parecer sobre as implicaes jurdicas da coexistncia entre a Conveno Europia de Direitos Humanos e a Conveno de Minsk sobre Direitos Humanos, de 1995. Recordo-me de que, na poca, havia muitos em Estrasburgo que temiam que uma aproximao com a Rssia poderia baixar 05 padres de proteo dos direitos humanos em um Conselho da Europa ampliado. Ponderei que a preocupao no deveria ser esta, mas sim auxiliar a Rssia a que elevasse seus prprios padres de proteo, trazendo-a para dentro do Conselho da Europa, e no excluindo-a, como ocorrera no ado com Cuba no sistema interamericano. O Parecer que apresentei ao Conselho da Europa em 6.10.1995, acatado por sua Assemblia Parlamentar, contribuiu, para minha satisfao, ao ingresso da Federao Russa no Conselho da Europa e a que se tornasse ela Parte na Conveno Europia de Direitos Humanos.

Espero que o mesmo desfecho positivo tenha o mais recente caso submetido a minha considerao: em 25.6.1999, no mbito do atual processo negociador tripartite Naes Unidas/Portugal/Indonsia sobre o futuro do Timor Leste, fiz entrega do Parecer que me foi solicitado sobre a matria, em que desenvolvo os fundamentos jurdicos em defesa do direito de autodeterminao do povo do Timor Leste, e os argumentos em favor da opo pela independncia (ao invs de simples autonomia mitigada) no referendo popular a realizar-se na ilha, programado em princpio para agosto, sob a superviso das Naes Unidas. A ao, no presente domnio de proteo, no visa a reger as relaes entre iguais, mas proteger os ostensvamente mais fracos e vulnerveis, e quando sentimos que contribumos para assegurar a proteo do Direito queles que dela mais necessitam, a satisfao redobrada, e ousaria acrescentar possivelmente maior do que em qualquer outra rea da cincia jurdica contempornea.

Em meio a muitos percalos, alguns avanos inequvocos se tm efetivamente registrado no presente domnio de proteo. Por exemplo, em fl0550 continente, desde sua instalao em 1979 at hoje, a Corte Interamericana de Direitos Humanos j realizou 44 perodos ordinrios e 23 extraordinrios de sesses, ao longo dos quais emitiu, at o presente, 53 sentenas (sobre excees preliminares, mrito, reparaes e interpretao) e 15 pareceres, alm de 55 medidas provisrias de proteo. Graas a essa jurisprudncia protetora, ainda virtualmente desconhecida no Brasil, temos logrado salvar vicias, pr fim a violaes dos direitos humanos, modificar prticas istrativas e medidas legislativas, e prover reparaes s vtimas OU a seus familiares.

Fim sua jurisprudncia recente, a Corte Interamericana tem enfatizado o papel central, no sistema de proteo, das garantias judiciais e do direito a um recurso rpido e eficaz perante as instncias judiciais nacionais competentes. A consagrao de tal direito, originalmente no art. 8.0 da Declarao Universal dos Direitos Humanos, constituiu a contribuio talvez mais importante dos pases latino-americanos elaborao daquele histrico documento de 1948, que desencadeou o processo de generalizao da proteo internacional dos direitos humanos. Esse direito encontra-se hoje consagrado no art. 25 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, e a Corte Interamericana, em sentenas recentes, tem assinalado que o direito a um recurso efetivo ante os juizes ou tribunais nacionais competentes Constitui um dos pilares bsicos no s da Conveno Americana, como do prprio Estado de Direito em uma sociedade democrtica, no sentido da Conveno, uma vez que se encontra diretamente ligado ao direito de o justia.

E este um tema que me parece de importncia capital: impe-se o direito de o justia nos planos tanto nacional como internacional. A proteo judicial constitui a forma mais aperfeioada de salvaguarda dos direitos humanos. Em meu entender, devemos assegurar a maior participao possvel dos indivduos, das supostas vtimas, no procedimento perante a Corte Interamericana, sem a intermediao da Comisso Interamericana de Direitos Humanos.

E esta uma bandeira que venho empunhando j h algum tempo nos foros internacionais e que, apesar das costumeiras resistncias, vem ganhando ultimamente crescentes e importantes adeses. E esta a causa que continuarei defendendo, no plano internacional, at suas ltimas conseqncias. Os europeus tiveram de esperar por mais de quatro dcadas, at a entrada em vigor, em 1.11.1998, do Protocolo Xl Conveno Europia de Direitos Humanos, que veio enfim assegurar jus standi dos indivduos diretamente Corte Europia de Direitos Humanos, em todos 05 casos.

Entendo que ao reconhecimento de direitos deve corresponder a capacidade processual de vindic-los ou exerc-los igualmente no plano internacional. E este um imperativo de equidade que contribui instruo e transparncia do processo. Ao direito de o justia no plano internacional deve corresponder a garantia da igualdade processual das partes os indivduos demandantes e os Estados demandados , que da prpria essncia da proteo internacional dos direitos humanos. A jurisdicionalizao do mecanismo de proteo convencional interessa a todos, inclusive aos indivduos demandantes e aos Estados demandados. Impe-se a consolidao da plena capacidade processual dos indivduos, como sujeitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

A despeito dos avanos logrados no presente domnio de proteo, resta, no entanto, um longo caminho a percorrer. Ainda falta muito para que a linguagem dos direitos humanos alcance as bases das sociedades nacionais; nestas, h que se superar freqentemente a inrcia e a indiferena do prprio meio social, que por vezes parece no se aperceber de que o destino de cada um de seus membros est inelutavelmente ligado sorte de todos. Da a importncia da educao em direitos humanos. Durante o binio em que dirigi o Instituto Interamericano de Direitos Humanos (1994-1996), elegi como pases-piloto, para suprir suas carncias e atender s suas necessidades nessa rea, trs Estados da regio: na Amrica do Sul, o Brasil (com a realizao de numerosos projetos); na Amrica Central, a Guatemala (com o lanamento do Plano Integral em Direitos Humanos para aquele pas); e no Caribe, Cuba (com a realizao do primeiro grande Seminrio de Direitos Humanos naquele pais, em parceria com a Unio Nacional de Juristas Cubanos). Somente com a educao formal e no formal em direitos humanos em todos os nveis alcanaro tais direitos as bases das sociedades nacionais.

Ainda no existe uma clara compreenso do amplo alcance das obrigaes convencionais de proteo, que vinculam todos os poderes e agentes do Estado. H que adotar e aplicar as medidas nacionais de implementao, assegurando a aplicabilidade direta das normas internacionais de proteo dos direitos humanos no plano do direito interno. H que garantir o o direto dos indivduos justia nos planos tanto nacional como internacional. H que assegurar o fiel cumprimento das sentenas dos tribunais internacionais de direitos humanos no mbito do direito interno dos Estados-Partes nos respectivos tratados de proteo. H que estender a proteo convencional aos direitos econmicos sociais e culturais, de modo a lograr a indivisibilidade dos direitos humanos no s na teoria, como tambm na prtica. H que assegurar melhor coordenao entre os mltiplos mecanismos e procedimentos internacionais de direitos humanos, nos planos global e regional, como assinalei em curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia, em 1987.

H que conceber novas formas de proteo do ser humano ante a diversificao das fontes de violao de seus direitos. Para contribuir a assegurar a observncia dos direitos da pessoa humana em quaisquer circunstncias, inclusive em emergncias pblicas e estados de sitio, e evitar a vacatio legis, h que fomentar as convergncias nos planos normativo, hermenutico e operacional entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito internacional dos Refugiados e o Direito Internacional Humanitrio, inclusive propiciando, quando for o caso, a aplicao simultnea ou concomitante de suas normas. Foi o que sustentei na avaliao a que procedi, em 1994, por solicitao do Alto-Comissariado das Naes Unidas para os Refugiados (ACNUR), do processo desenvolvido no perodo de 1989-1994 pela Conferncia Internacional sobre Refugiados Centro-americanos (CIREECA); foi igualmente a concluso a que chegaram os Seminrios, convocados pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos, de atualizao da aplicao, no continente americano, da normativa do Direito Internacional dos Refugiados (San Jos da Costa Rica, dezembro de 1994) e do Direito Internacional Humanitrio (Santa Cruz de la Sierra, junho de 1995).

Para concluir, permito-me retornar brevemente a meu ponto de partida: o das contradies de nosso sculo, e da premente necessidade de super-las. Em luminoso livro, publicado h mais de cinqenta anos, ao questionar as prprias bases do que entendemos por civilizao (conquistas modestssimas nos planos moral e social), o historiador Arnold Toynbee lamentava que o domnio, alcanado pelos homens, da natureza humana infelizmente aio se estendeu ao plano espiritual. Outro historiador, contemporneo, Eric Ilobsbawn, vem de diagnosticar o sculo XX como um perodo da histria marcado sobretudo pelos crimes e loucuras da humanidade. Com um toque de esperana, eu me permitiria acrescentar que, em meio a tanta violncia e destruio, nos dado resgatar, talvez como o mais precioso legado para o prximo sculo, a evoluo, impulsionada em raros momentos ou lampejos de lucidez, da proteo internacional dos direitos humanos ao longo das cinco ltimas dcadas.

Na construo do ordenamento jurdico internacional do novo sculo, testemunhamos, com a gradual eroso da reciprocidade, a emergncia pari para de consideraes superiores de ordre public, refletidas nas concepes das normas imperativas do direito internacional geral (o jus cogens), dos direitos fundamentais inderrogveis, das obrigaes erga omnes de proteo (devidas comunidade internacional como um todo). A consagrao dessas obrigaes representa a superao de um padro de conduta erigido sobre a pretensa autonomia da vontade do Estado, do qual o prprio direito internacional buscou gradualmente se libertar ao consagrar o conceito de jus cogens. H que dar seguimento evoluo auspiciosa da consagrao das normas de jus cogens e das correspondentes obrigaes erga omnes, buscando assegurar sua plena aplicao prtica, em beneficio de todos os seres humanos. Estas novas concepes se impem em nossos dias, e de sua fiel observncia depender em grande parte a evoluo futura do direito internacional. este, em meu entender, o caminho a seguir, para que no mais tenhamos de continuar a conviver com as contradies trgicas que marcaram este sculo prximo ao final.

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