2g5r3y 
Sculo
XXI, sculo da espiritualidade?
A
caracterstica bsica do sculo XXI ser a consolidao do
processo de globalizao. Esse fenmeno deve ser corretamente
entendido. Ele no apenas um dado econmico, poltico e
cultural, afetando os seres humanos. Ele tem a ver com a histria
da prpria Terra como Planeta. Mais e mais ganha adeso na
conscincia coletiva que a Terra um superorganismo vivo que
tem bilhes de anos de evoluo e de histria. A Terra
parte da histria do universo; vida parte da histria da
Terra e a vida humana parte da histria da vida. Cosmos,
Terra, vida e humanidade no so realidades justapostas mas
formam um todo orgnico.
Como humanos, somos filhos e filhas da Terra, melhor ainda,
somos a prpria Terra que chegou ao seu momento de conscincia,
de sentimento, de liberdade e de responsabilidade. A
globalizao se insere dentro desta perspectiva universal. Os
seres humanos que estavam dispersos em suas culturas, confinados
em suas linguas e estados-naes, agora esto voltando de seu
longo exlio rumo casa comum que o Planeta Terra. A
globalizao representa esse momento novo da Terra e da espcie
humana. Todos se encontram como num nico lugar: no Planeta
Terra. A partir de agora no haver tanto a histria da
Alemanha ou do Brasil, mas a histria da humanidade unificada e
globalizada, unida com a histria da Terra.
Esse fenmeno novo foi detectado com grande impacto emocional
pelos astronautas em suas naves espaciais ou da Lua. Muitos deles,
pasmados, confessaram: "daqui da Lua no h distino
entre russos e norte-americanos, entre brancos e negros, entre
Terra e humanidade; somos uma nica realidade viva, irradiante e
frgil como uma bola de Natal dependurada no fundo negro do
universo; temos o mesmo destino comum; devemos aprender a amar a
Terra como a nossa Casa Comum".
Desafios
Ecolgicos do Fim do Milnio
"O
bem-estar no pode ser s social, tem de ser tambm
sociocsmico" Leonardo Boff.
Ernst Haeckel, bilogo
alemo (1834-1919), criou em 1866 a palavra ecologia e definiu o
seu significado: o estudo do inter-retrorelacionamento de todos os
sistemas vivos e no-vivos entre si e com seu meio ambiente. De
um discurso regional como subcaptulo da biologia, ou a ser
atualmente um discurso universal, qui de maior fora
mobilizadora na virada do milnio.
Na pletora de propostas, queremos apresentar, como numa leitura de
cegos, os elementos mais relevantes da discusso atual.
Ela se d em quatro grandes vertentes: a ecologia ambiental, a
ecologia social, a ecologia mental e a ecologia integral.
Ecologia ambiental
Esta primeira vertente se preocupa com o meio ambiente, para que
no sofra excessiva desfigurao, com qualidade de vida e com a
preservao das espcies em extino. Ela v a natureza fora
do ser humano e da sociedade. Procura tecnologias novas, menos
poluentes, privilegiando solues tcnicas. Ela importante
porque procura corrigir os excessos da voracidade do projeto
industrialista mundial, que implica sempre custos ecolgicos
altos.
Se no cuidarmos do planeta como um todo, podemos submet-lo a
graves riscos de destruio de partes da biosfera e, no seu
termo, inviabilizar a prpria vida no planeta.
Ecologia social
A segunda _a ecologia social_ no quer apenas o meio ambiente.
Quer o ambiente inteiro. Insere o ser humano e a sociedade dentro
da natureza. Preocupa-se no apenas com o embelezamento da
cidade, com melhores avenidas, com praas ou praias mais
atrativas. Mas prioriza o saneamento bsico, uma boa rede escolar
e um servio de sade decente. A injustia social significa uma
violncia contra o ser mais complexo e singular da criao que
o ser humano, homem e mulher. Ele parte e parcela da
natureza.
A ecologia social propugna por um desenvolvimento sustentvel.
aquele em que se atende s carncias bsicas dos seres humanos
hoje sem sacrificar o capital natural da Terra e se considera
tambm as necessidades das geraes futuras que tm direito
sua satisfao e de herdarem uma Terra habitvel com relaes
humanas minimamente justas.
Mas o tipo de sociedade construda nos ltimos 400 anos impede
que se realize um desenvolvimento sustentvel. energvora,
montou um modelo de desenvolvimento que pratica sistematicamente a
pilhagem dos recursos da Terra e explora a fora de trabalho.
No imaginrio dos pais fundadores da sociedade moderna, o
desenvolvimento se movia dentro de dois infinitos: o infinito dos
recursos naturais e o infinito do desenvolvimento rumo ao futuro.
Esta pressuposio se revelou ilusria. Os recursos no so
infinitos. A maioria est se acabando, principalmente a gua
potvel e os combustveis fsseis. E o tipo de desenvolvimento
linear e crescente para o futuro no universalizvel. No
, portanto, infinito. Se as famlias chinesas quisessem ter os
automveis que as famlias americanas tm, a China viraria um
imenso estacionamento. No haveria combustvel suficiente e
ningum se moveria.
Carecemos de uma sociedade sustentvel que encontra para si o
desenvolvimento vivel para as necessidades de todos. O bem-estar
no pode ser apenas social, mas tem de ser tambm sociocsmico.
Ele tem que atender aos demais seres da natureza, como as guas,
as plantas, os animais, os microorganismo, pois todos juntos
constituem a comunidade planetria, na qual estamos inseridos, e
sem os quais ns mesmos no viveramos.
Ecologia mental
A terceira, a ecologia mental, chamada tambm de ecologia
profunda, sustenta que as causas do dficit da Terra no se
encontram apenas no tipo de sociedade que atualmente temos. Mas
tambm no tipo de mentalidade que vigora, cujas razes alcanam
pocas anteriores nossa histria moderna, incluindo a
profundidade da vida psquica humana consciente e inconsciente,
pessoal e arquetpica.
H em ns instintos de violncia, vontade de dominao,
arqutipos sombrios que nos afastam da benevolncia em relao
vida e natureza. A dentro da mente humana se iniciam os
mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra. Eles se
expressam por uma categoria: a nossa cultura antropocntrica. O
antropocentrismo considera o ser humano rei/rainha do universo.
Pensa que os demais seres s tm sentido quando ordenados ao ser
humano; eles esto a disponveis ao seu bel-prazer. Esta
estrutura quebra com a lei mais universal do universo: a
solidariedade csmica. Todos os seres so interdependentes e
vivem dentro de uma teia intrincadssima de relaes. Todos
so importantes.
No h isso de algum ser rei/rainha e considerar-se
independente sem precisar dos demais. A moderna cosmologia nos
ensina que tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas
as circunstncias. O ser humano esquece esta realidade. Afasta-se
e se coloca sobre as coisas em vez de sentir-se junto e com elas,
numa imensa comunidade planetria e csmica. Importa
recuperarmos atitudes de respeito e venerao para com a Terra.
Isso somente se consegue se antes for resgatada a dimenso do
feminino no homem e na mulher. Pelo feminino o ser humano se abre
ao cuidado, se sensibiliza pela profundidade misteriosa da vida e
recupera sua capacidade de maravilhamento. O feminino ajuda a
resgatar a dimenso do sagrado. O sagrado impe sempre limites
manipulao do mundo, pois ele d origem venerao e ao
respeito, fundamentais para a salvaguarda da Terra. Cria a
capacidade de re-ligar todas as coisas sua fonte criadora que
o Criador e o Ordenador do universo. Desta capacidade
re-ligadora nascem todas as religies. Precisamos hoje
revitalizar as religies para que cumpram sua funo
religadora.
Ecologia integral
Por fim, a quarta - a ecologia integral - parte de uma nova viso
da Terra. a viso inaugurada pelos astronautas a partir dos
anos 60 quando se lanaram os primeiros foguetes tripulados. Eles
vem a Terra de fora da Terra. De l, de sua nave espacial ou da
Lua, como testemunharam vrios deles, a Terra aparece como
resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mo e
que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma nica
entidade. O ser humano a prpria Terra enquanto sente, pensa,
ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um
Sol que apenas um entre 100 bilhes de outros de nossa
galxia, que, por sua vez, uma entre 100 bilhes de outras do
universo, universo que, possivelmente, apenas um entre outros
milhes paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal
calibragem que permitiu a nossa existncia aqui e agora. Caso
contrrio no estaramos aqui. Os cosmlogos, vindos da
astrofsica, da fsica quntica, da biologia molecular, numa
palavra, das cincias da Terra, nos advertem que o inteiro
universo se encontra em cosmognese. Isto significa: ele est em
gnese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto,
sempre capaz de novas aquisies e novas expresses. Portanto
ningum est pronto. Por isso, temos que ter pacincia com o
processo global, uns com os outros e tambm conosco mesmo, pois
ns, humanos, estamos igualmente em processo de antropognese,
de constituio e de nascimento.
Trs grandes emergncias ocorrem na cosmognese e
antropognese: (1) a complexidade/diferenciao, (2) a
auto-organizao/conscincia e (3) a religao/relao de
tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, aps o Big-Bang,
a evoluo est criando mais e mais seres diferentes e
complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais
mostram interioridade e possuem mais e mais nveis de
conscincia (2) at chegaram conscincia reflexa no ser
humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade
espiritual. Para estar no ser humano, o esprito estava antes no
universo. Agora ele emerge em ns na forma da conscincia
reflexa e da amorizao. E, quanto mais complexo e consciente,
mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com
que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgnica,
dinmica, diversa, tensa e harmnica, um cosmos e no um caos.
As quatro interaes existentes, a gravitacional, a
eletromagntica e a nuclear fraca e forte, constituem os
princpios diretores do universo, de todos os seres, tambm dos
seres humanos. A galxia mais distante se encontra sob a ao
destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha
sobre minha mesa e os neurnios do crebro humano com os quais
fao estas reflexes. Tudo se mantm religado num equilbrio
dinmico, aberto, ando pelo caos que sempre generativo,
pois propicia um novo equilbrio mais alto e complexo,
desembocando numa ordem, rica de novas potencialidades.
Uma viso libertadora
A ecologia integral procura acostumar o ser humano com esta viso
global e holstica. O holismo no significa a soma das partes,
mas a captao da totalidade orgnica, una e diversa em suas
partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e
constituindo esta totalidade. Esta cosmoviso desperta no ser
humano a conscincia de sua funcionalidade dentro desta imensa
totalidade. Ele um ser que pode captar todas estas dimenses,
alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligncia que
tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser tico,
responsvel pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra.
Ela, a Terra, , segundo notveis cientistas, um superorganismo
vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadssimas de
elementos fsico-qumicos e auto-organizacionais que somente um
ser vivo pode ter. Ns, seres humanos, podemos ser o sat da
Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta viso exige
uma nova civilizao e um novo tipo de religio, capaz de
re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a
espiritualidade do cosmos.
O cristianismo levado a aprofundar a dimenso csmica da
encarnao, da inabitao do esprito da natureza e do
panentesmo, segundo o qual Deus est em tudo e tudo est em
Deus.
Importa fazermos as pazes e no apenas uma trgua com a Terra.
Cumpre refazermos uma aliana de fraternidade/sororidade e de
respeito para com ela. E sentirmo-nos imbudos do Esprito que
tudo penetra e daquele Amor que, no dizer de Dante, move o cu,
todas as estrelas e tambm nossos coraes. No cabe opormos
as vrias correntes da ecologia. Mas discernirmos como se
complementam e em que medida nos ajudam a sermos um ser de
relaes, produtores de padres de comportamentos que tenham
como consequncia a preservao e a potenciao do
patrimnio formado ao longo de 15 bilhes de anos e que chegou
at ns e que devemos -lo adiante dentro de um esprito
sinergtico e afinado com a grande sinfonia universal.
|