Augustino Pedro
Viet 4l202e
Entrevista
Carla
Ferreira
O ex-seminarista
e atual lder das lutas de defesa dos direitos humanos critica
a Igreja institucional, desmascara a Constituinte, apresenta-nos
suas inquietaes e prope a revoluo.
A vida militante
junto aos refugiados polticos do alm do Prata, as lutas pela
Abertura, pela Anistia, pelas Diretas, nas Greves Gerais etc.,
transformou o interiorano cristo no lder nacional, construtor
e herdeiro atual dos movimentos de apoio as lutas dos povos
oprimidos, pela terra e contra a violncia. Das Brigadas para a
colheita de caf na Nicargua ao apoio ao povo palestino,
chileno, paraguaio. Das ocupaes de terra do Bico do Papagaio
(PA) Fazenda Anonni (RS), desde o acampamento de Encruzilhada
Naralina, s ocupaes dos conjuntos habitacionais em 1987. De
Lilian Celiberti e Universindo Dias ao caso Doge e Julio Csar
configura-se a histria de lutas dos movimentos de Direitos
Humanos que coloca para Augustino a tarefa de continuidade.
Este quartanista
de Direito da Unisinos e Presidente do Movimento de Justia e
Direitos Humanos (PA), falando com desenvoltura e fumando sem par,
ao tratar de poltica e da necessidade de uma soluo
revolucionria para a sociedade no deixa de reconhecer-se
limitaes e auto atribuir-se tarefas por tratar-se de um ser
eminentemente poltico.
Mas a
desenvoltura com que fala de assuntos polticos e mesmo de sua
insero militante desaparece quando penetramos no plano
pessoal, transformando-se numa expresso compenetrada e sucinta.
O Tino, como tratado pelos mais prximos, uma espcie
de ermito afetivo, com dificuldades para receber e doar
afeto, confidencia-nos Plnio Barbosa, seu amigo e companheiro
de militncia.
No trabalho junto
ao MJDH considerado democrtico e muito bom colega, apesar
de desorganizado com a burocracia da casa, pela sua companheira
e colega Lurdes Coimbra, a Ude.
O precipcio que
separa estas duas condutas, a do plano pblico e privado, tem
suas maiores causas na formao de filho de colonos alemes do
interior de SC, Monda, que no falava o portugus at os onze
anos, e no internato dos padres Jesutas de Florianpolis.
Castradora a qualificao atribuda por ele formao
que recebeu na famlia e no seminrio Jesuta.
Augustin,
entretanto, rompeu nos dois planos de sua vida quando, no final da
dcada de setenta, saiu do Estado de Stio que era sua
vida no seminrio e veio para Porto Alegre trabalhar com grupos
de jovens e combater a ditadura na luta poltica subterrnea que
era refugiar os perseguidos polticos do Cone Sul. Inicialmente
ele trabalhava como funcionrio do MJDH, que havia sido fundado h
pouco por setores de oposio ao regime militar.
Este ano,
encerrando os preparativos para assumir definitiva a plenamente,
em Braslia, o Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos;
que dever ter sede prpria em agosto e congrega todas as
entidades autnomas de Direitos Humanos do pas, ele tem muitas
preocupaes, critica a Constituinte, fala dos mtodos de
represso atuais e das diferenas do trabalho poltico
desenvolvido durante a ditadura e agora na Nova Repblica.
Augustino, qual
o balano que fazes do processo constituinte, agora que se
aproxima a promulgao da nova Carta?
A nova carta
ilegtima. Porque o processo de elaborao desde o incio,
quando a sociedade reivindicava uma Constituinte livre, soberana e
exclusiva e lhe foi negada, foi ilegtima. Depois 105 emendas
populares, em milhes de s, foram desprezadas, pois
delas somente quatro foram consideradas. Eu, quando estive nas
comisses do Congresso, vi enormes pilhas de sugestes
individuais de pessoas que queriam participar, e nada foi feito
nesse sentido. A Constituinte foi aparelhada pelos grupos econmicos,
financeiros e latifundirios. Por toda esta excluso ela s
pode ser ilegtima.
E voc esperava um resultado diferente do
alcanado?
Sabamos que o
poder econmico iria se organizar. Realmente no podamos
esperar outra coisa.
A Nova Repblica
apresenta exigncias diferentes das da ditadura no trabalho poltico
que desenvolves?
Sim, num todo.
Comecei a militar trabalhando com pessoas diretamente atingidas
pela represso militar. Eram refugiados Argentinos, Uruguaios,
Chilenos, geralmente lideranas sindicais e partidrias, que se
fiam uma espcie de represso que chamamos de seletiva,
dirigida aos lderes dos movimentos. Ajudei a tomar depoimento de
mais de 400 pessoas. A caracterstica principal deste perodo
era a constante ameaa a integridade fsica que soframos por
parte dos rgos de represso brasileiros. O que muda de l
para c, com a abertura democrtica, que a represso se
generaliza. Hoje dirigida a sociedade em geral.
Como assim?
Junto a populao
de baixa renda utiliza-se a tortura e todos os seus mtodos,
mesmo em crimes comuns. Em relao aos que se rebelam contra a
ordem utiliza-se a prpria lei. Raramente encontra-se hoje um lder
sindical ou do movimento popular que no esteja sendo processado.
E por que fizeste esta opo de vida?
Primeiramente o
que me motivou para a militncia foi uma conscincia de dever
religioso, de carter humanista. Hoje no ito mais por motivao
puramente humanista. Tenho conscincia que minha militncia deve
ser dirigida de modo a contribuir ao processo revolucionrio. A
estratgia coloca para hoje a ttica de acmulo de foras.
A tua atividade informada pelo Marxismo?
Por tudo
o que permanece atual do Marxismo, pelo constante resgate histrico
das lutas das classes trabalhadoras, dos processos revolucionrios
e pelo debate com foras polticas, como partidos e grupos.
Voc filiado a algum partido?
Sim, ao Partido
dos Trabalhadores.
Voc deve conhecer muita gente. E amigos,
voc tem muitos?
No, meu crculo
no muito largo. bastante . Refiro-me a pessoas as
quais partilho minhas intimidades, problemas pessoais. (Responde
meio a contragosto e tentando disfarar).
Alguns amigos
pessoais seus queixam-se de que voc muito introvertido. Voc
tem alguma explicao especial para ser assim?
A prpria formao
que recebi. Tive uma educao de linha muito moralista e
repressora. Alm da famlia vivi em regime de internato dos
padres Jesutas, que podem ter uma orientao educacional
formal bastante aprofundada no que lhes interessa, mas no plano
pessoal completamente castradora.
Qual a tua relao atual com a Igreja?
Acho que consegui
desmoronar todos os dogmas e heresias. Tudo o que era sagrado para
uma vida de f cega e sacramental que nos foi incutida. Hoje no
mantenho nenhuma prtica religiosa. Agora, acho que existem
importantes internos a Igreja, que fora do campo institucional,
junto a sociedade, pretende levar um trabalho transformador. Ainda
que no concorde com sua viso considero-os muito importantes.
Isto implica
sua relao com Frei Leonardo Boff e a atividade de Secretrio
Executivo do Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos?
Relaciono-me com
Boff assim como com outros da linha da Teologia da Libertao,
mas assumir o MJDH significa um acmulo poltico. Veja, estou
ligado ao MJDH h dez anos. Ajudei a constru-lo e o fiz com
muito carinho. importante que depositemos efetivamente no que
construmos. Deix-lo, entretanto, um verdadeiro treino de
desapego. O Movimento Nacional, ainda que uma extenso do
trabalho que desenvolve aqui, aponta perspectivas de auto-formao
e qualificao militante ainda maiores. Isto me gera anseios,
medo at. Mas esta uma opo consciente.
O que importante para voc neste
momento?
Buscar uma
reciclagem. H dez anos vivo num praticismo que exige de mim uma
parada para uma reciclagem, que vai desde o plano pessoal at o
intelectual.
Voc gostaria de registrar algo mais?
... Uma preocupao.
O momento atual no aponta sada a curto prazo para a sociedade
e isso um pouco angustiante. Precisamos trabalhar muito para
conseguir apontar caminhos capazes de acelerar este processo de
transformao.
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