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1g2312

BATISMO DE SANGUE

PREFCIO DO LIVRO

Considero privilgio aceitar o convite do editor Srgio Pinto de Almeida e, assim, poder fornecer aos leitores e amigos alguns dados que pem em relevo o Batismo de Sangue.

O testemunho de Frei Betto de per si um relato que faz parte da histria mais dolorosa que ensangentou o Brasil e o tornou conhecido em muitas partes do mundo.

O que posso acrescentar uma experincia pessoal e profundamente marcante na minha prpria vida. Acompanhei, desde o incio, as atividades humanitrias deste meu irmo dominicano, Frei Betto. Por ele, tambm cheguei a conhecer a generosidade de seu pai e a criatividade mltipla de sua bondosa me.

A represso militar escolheu justamente as pessoas mais democrticas e ativas de nossa sociedade civil e religiosa. No momento em que tomei posse como arcebispo da Arquidiocese de So Paulo, encontravam-se presos uns quinze religiosos e nenhum deles mereceu a condenao que atingiu os meus confrades dominicanos de maneira to injusta e pesada. Tive a prova desses fatos quando fui encarregado por sua eminncia o cardeal dom Agnelo Rossi a visitar os presos dominicanos, desta vez inteiramente separados das demais pessoas que lutavam por um Brasil justo e novo. Apesar de estar revestido de todas as insgnias episcopais, fui recebido por um verdadeiro batalho de guardas, tendo que identificar-me sempre.

A cena que se abriu naquele momento diante de meus olhos ficar gravada at os ltimos instantes de minha vida. Creio que no era apenas a imagem de um batismo de sangue, mas de uma verdadeira crucificao dos justos que combatiam um regime injusto. Acompanhado por Frei Gilberto Gorgulho, identifiquei, na hora, o colega de Frei Betto chamado Frei Tito de Alencar Lima. Estava ele de bruos e, assim mesmo, pude acompanhar o fluxo de sangue que lhe escorria do corpo. Perguntava-me ento eu, naquela hora, se no seria ele o Cristo que deu a ltima gota de sangue para salvar a humanidade e restituir-lhe a liberdade com que Ele nos libertou.

Frei Betto, com a agilidade, a experincia e sua capacidade invulgar, soube transmitir-me todo o drama que envolvia a vida dos quatro confrades meus, prisioneiros marginalizados naquela hora. Apesar de cada palavra ter sido anotada por nossos guardas infatigveis, na escuta de qualquer termo comprometedor, pude levar a sua mensagem no s ao cardeal, mas a todos os amigos.

Um segundo encontro, alm de outros, especialmente revelador: com gesto bem calculado, Frei Betto me apontou um prisioneiro do Tiradentes que nos observava pela janela.

Se o senhor nada fizer por ele, amanh ele estar morto.

Voltei de imediato para a Cria Metropolitana e convidei meu bispo auxiliar e grande amigo, dom Benedito de Ulhoa Vieira, para alertarmos, juntos, as autoridades responsveis pelos presos em nossa cidade e Estado. Tanto o procurador geral de Justia quanto o governador no nos deram crdito, mas, pouco tempo depois, pude verificar, pelos jornais, que aquele preso, de quem eu gravara muito bem os traos, era apresentado como um bandido morto no Horto Florestal de So Paulo. A profecia de Frei Betto me provou que ele, mesmo preso, cuidava de todas as demais pessoas batizadas pelo sangue. Ao reclamar desse fato por escrito ao governador, este me respondeu: Se o senhor no der crdito ao governador, j no temos mais nada a conversar.

Faz parte de nossa libertao e da reconquista de nossa honra registrar aqui que o grande escritor Frei Betto no deixou de conversar. Soube levar at Roma e a tantas outras partes do mundo a crueldade que vinha sendo o batismo de sangue de tanta gente honrada deste Brasil sofrido sob as botas da ditadura militar.

Deixo de contar outros fatos para levar o leitor a conferir, ele mesmo, o que tantas vezes experimentei durante os vinte e dois anos de regime absoluto, para no dizer cruel, desta ltima ditadura total.

Que esta nova edio, com os acrscimos de dados, revelaes e histrias, possa perpetuar a memria de muitas pessoas honradas que lutaram pela democratizao do pas e pela convivncia mais justa de nossos concidados. Quem tortura uma pessoa acaba torturando toda a humanidade, como j dizia um mrtir dos direitos humanos na Amrica do Norte.

Que Frei Betto continue sua imprescindvel colaborao para um Brasil mais solidrio e mais livre e d a muitos jovens a ocasio de analisarem em que consiste a verdadeira cidadania. E que Deus nos preserve de males semelhantes queles que tivemos que ar num ado recente. Afinal, somos todos filhos do pai celeste e trazemos em ns o sopro divino da dignidade.

So Paulo, 7 de abril de 2000

Paulo Evaristo, Cardeal Arns

Arcebispo Emrito de So Paulo


Nota do Editor

O procurador geral de Justia do Estado citado por

dom Paulo Evaristo Arns Oscar Xavier de Freitas,

o governador, Laudo Natel, e o mrtir dos direitos humanos na Amrica do Norte, Martin Luther King. No foi possvel

identificar quem era o homem encontrado morto no

Horto Florestal de So Paulo

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