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O Amor
Maria do Amparo Arajo,
militante de ALN (Aliana Libertadora Nacional), vivia numa
casinha no subrbio do Rio quando recebeu a tarefa de abrigar um
guerrilheiro. No comeo, tratou friamente Thomaz Antnio da
Silva Meirelles neto. Um dia, num nibus lotado, comearam a se
aproximar. Nessa noite, Thomaz esperou Maria em casa com uma
garrafa de vinho e flores da mesa. Foi uma linda histria de amor
at que Thmaz desapareceu na mo dos militares em maio de
1974.
"Um dia,
entretanto, o companheiro precisou sair cedo para cobrir um ponto.
Pegamos juntos o mesmo nibus, lotadssimo, e no tinha como no
ficarmos perto um do outro.
Hoje agradeo a
Deus a ruindade do sistema de transporte urbano no Rio de Janeiro
daquela poca. O companheiro 'grudou' mesmo, aproveitou-se da
situao, enquanto eu, por outro lado, no me fiz de rogada.
Adorei a viagem, que acabou sendo muito emocionante. Ele desceu na
Av. Brasil, para o seu compromisso, e eu continuei at o centro,
onde trabalhava. ei o dia com a cabea nas nuvens, o corao
aos pulos querendo quebrar as amarraes que eu havia colocado,
a alma em chamas. Eram muitas as dvidas e as inseguranas sobre
como seria chegar em casa logo mais noite.
Afinal o dia
ou. Cheguei em casa j era noite. Estava tudo limpo,
organizado, lindo, flores na mesa, ao lado uma garrafa de vinho, o
companheiro deitado na rede que ficava meio que do lado de fora da
casa, lendo jornal, cheio de charme. Havia preparado seu plano de
seduo com todo o requinte, conspirou com a noite, a lua estava
cheia, daquelas bem grandes e com halo circundante
avermelhado/laranja/amarelado, do jeito que deixava o cu bem
fundo, largo, imenso e distante como os nossos sonhos, loucos e
bons sonhos. Era maio de 73, e eu ia completar 23 anos. Ainda hoje
tenho a mania de sonhar sonhos distantes; s vezes penso que s
para sentir saudades deles se no se realizarem.
Era a noite do dia
14 de maio de 1973. Me sentei em uma almofada que estava
estrategicamente colocada ao lado da rede, respirei fundo, olhei
para ele. Nunca tremi tanto na minha vida; afinal, podia ter sido
apenas uma questo de nibus lotado. Mas no foi. Houve um
grande curto-circuito de olhares, depois um longo e confiante abrao,
um aquecimento no corao, nossas almas mergulharam fundo num
infinito, no sei onde. Perdi tambm a noo de quanto tempo
durou aquela coisa mgica, um transe. Ficamos fora do ar,
amos muito tempo conversando ali do lado de fora, falamos da
vida, entramos muito tarde, tomamos o vinho e tivemos a primeira
noite de todas ao outras 358 noites e 358 dias de muito amor, teso
e cumplicidade que vivemos. Assim comeou o meu casamento com
aquele que dividiu comigo um infinito e profundo sentimento de
amor e paz. (...)
Foram os nicos.
Para mim aquele tempo foi o tempo de todos os tempos."
Depoimento de Maria
do Amparo
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