Comentrio
ao Artigo 9 3l26x
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Ningum
ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.
LIBERDADE,
CONVIVNCIA E PROTEO DA PESSOA
A
pessoa que no tiver a proteo de seus direitos efetivamente
assegurada est correndo o risco de perder sua vida, sua dignidade,
sua integridade fsica e psquica e todos os bens e direitos inerentes
sua condio humana. Isso pode ocorrer, com maior possibilidade,
com a pessoa arbitrariamente presa ou detida, subtrada proteo
e vigilncia das autoridades pblicas, da sociedade, de seus
familiares e amigos. Essa pessoa poder sofrer toda sorte de violncia
e degradao, tornando-se vtima indefesa nas mos de indivduos
violentos e boais, desprovidos de conscincia tica.
Em
situao de risco estar tambm aquele que sofrer exlio arbitrrio,
pois estar igualmente fora da proteo das leis e das autoridades
de seu pas, sem qualquer garantia de que sua vida e sua dignidade
humana sero respeitadas, uma vez que sendo arbitrariamente exilado
no haver a certeza de contar com a proteo das leis e das autoridades
do local do exlio. E faltar tambm a proteo que resulta do
simples fato da Convivncia normal com pessoas livres.
Considerando
tais situaes e 05 riscos concretos que elas implicam, a Declarao
Universal dos Direitos Humanos contm uma grave advertncia em
seu artigo 9, cuja redao, sucinta e objetiva, a seguinte:
Ningum poder ser detido, preso ou exilado arbitrariamente.
No se nega que a pessoa que praticou ou est praticando atos
anti-sociais, prejudicando ou pondo em risco o direito vida
e integridade fsica, psquica e moral de outras pessoas poder
ser presa, para proteo da sociedade. Entretanto, o que no se
pode itir que uma pessoa perca sua liberdade como vtima
de ao arbitrria, sem obedincia s leis, sem respeito aos direitos
e dignidade humana, sem direito de defesa e sem qualquer proteo.
A restrio liberdade de locomoo e a subtrao de uma pessoa
convivncia humana s poder ocorrer fl05 casos expressamente
previstos em lei, devendo ser rigorosamente observadas todas as
formalidades que a lei determina, no se podendo, nesse caso,
ampliar o alcance da lei mediante interpretao elstica ou aplicao
por extenso ou analogia.
RESTRIES ARBITRRIAS LIBERDADE FSICA 6691f
Por
mais cuidadoso que seja o tratamento legal da questo do aprisionamento
de pessoas e por mais rigorosas que sejam as autoridades responsveis
pelos presdios de todas as espcies, o fato que uma pessoa
presa, isolada da sociedade, est fragilizada a um ponto extremo,
ficando muito prxima da situao de escravido. O isolamento
da pessoa num local de aprisionamento coloca-a merc de seus
carcereiros, tornando-se fcil a ocorrncia de violncias fsicas
e verbais, alm da anulao da intimidade e da exposio da pessoa
a condies e a prticas degradantes.
A
rigor, pode-se dizer que, quando uma pessoa encarcerada, todos
os seus direitos so afetados, mesmo quando a priso regular,
os presdios so de bom nvel e h mais respeito pela pessoa do
encarcerado. As ofensas aos direitos do preso so muito mais graves
nos sistemas prisionais em que as celas so superlotadas, a sade
do preso no merece qualquer cuidado, no lhe so dadas as possibilidades
mnimas de aprimorar sua educao, sendo esta impedida ou extremamente
dificultada, no h oportunidades de trabalho, no existem espaos
adequados para arejamento, exerccios fsicos, recreao e lazer
e, pior que tudo, a preservao dos laos afetivos com familiares
e amigos extremamente dificultada.
Tudo
isso ainda mais agravado quando a restrio liberdade de locomoo
imposta arbitrariamente, pois nesse caso o desrespeito pessoa
do preso ou detido e de seus direitos j est implcito no ato
de priso ou deteno, alm do que, nesse caso, existe tambm
o pressuposto de que no sero respeitadas as normas legais sobre
as condies do encarceramento. Com efeito, quem pratica a violncia
inicial, efetuando a priso ou deteno de modo ilegal, certamente
no ir preocupar-se com o respeito lei no tratamento que da
por diante ser dispensado vtima dessa arbitrariedade.
Por
todos esses motivos, h sculos j se tem manifestado a preocupao
com as restries liberdade fsica da pessoa e com as consequncias
que da decorrem. Foi exatamente por isso, visando coibir violncias
e abusos de vrias espcies que vinham ocorrendo na sequncia
de detenes arbitrrias, que o Parlamento Britnico aprovou,
em 26 de maio de 1679, o HabeasCorpus Amendrnent Act, que, entre
outras coisas, determinava que fosse assegurado a toda pessoa
detida sem condenao, ou a quem falasse por ela, o direito de
pedir a qualquer juiz, em qualquer tempo, que ordenasse a imediata
apresentao do detido s autoridades competentes, com as razes
da deteno. Desse modo, atravs do habeas corpus, muitas vidas
foram salvas e muitas violncias foram impedidas.
Nos
tempos modernos, o habeas corpus foi incorporado ao sistema jurdico
de proteo da pessoa humana e de seus direitos fundamentais,
sendo, hoje como h sculos, um dos mais importantes instrumentos
de defesa da liberdade. E sua finalidade precisamente impedir
a continuao de uma deteno ou priso arbitrria e, por extenso
operada por meio de normas constitucionais e dispositivos legais,
coibir toda restrio ilegal ao direito de locomoo.
Quanto
ao exlio, pena que nos dias de hoje quase que s se aplica a
perseguidos polticos, uma forma de punio que tambm s pode
ser itida se houver previso legal, no se devendo aceitar
como lei uma regra imposta arbitrariamente por um governo totalitrio,
O exlio pode ser para fora do territrio nacional, dependendo
sua execuo, nesse caso, de que um governo estrangeiro aceite
receber o exilado. Normalmente, o exilado vive fora de seu pas
com grande dificuldade, pois no tem o apoio, material e afetivo,
de parentes e amigos e fica sujeito a viver em situao de marginalidade,
impossibilitado de obter um trabalho regular.
Tem-se
tambm a hiptese do exlio local, para determinada regio do
territrio do prprio Estado que impe a pena. Tambm nesse caso
o exilado fica desprotegido, no tendo, de modo geral, a possibilidade
de contar com o apoio prximo de familiares e amigos e de obter
trabalho. Por tudo isso absolutamente indispensvel que a imposio
da pena, onde ela existir, tenha por base urna lei anteriormente
aprovada por um rgo legislativo democraticamente escolhido,
assegurado o direito de defesa e observados todos os procedimentos
que a lei exigir.
NORMAS
INTERNACIONAIS DE PROTEO DA LIBERDADE FISICA 1q6d5k
Com
base no artigo 9 da Declarao Universal dos Direitos Humanos,
reiterando e tornando mais especfica a proclamao de que ningum
ser arbitrariamente preso, detido ou exilado, seguiram-se vrios
instrumentos normativos internacionais, com a natureza de compromissos
jurdicos, que se incorporaram ao direito positivo dos Estados
signatrios.
O
Pacto de Direitos Civis e Polticos, aprovado pela ONU em 1966,
formalmente integrado ao direito positivo brasileiro pelo Decreto
n. 592, de 6 de julho de 1992, dedica ao tema da liberdade e
segurana pessoais o seu artigo 9, que compreende vrios itens.
Alm da reafirmao de que ningum poder ser preso ou detido
arbitrariamente, ali se estabelecem algumas regras de grande
importncia, que podem ser assim sintetizadas: ningum poder
ser privado da liberdade a no ser com base em lei previamente
existente e obedecidos os procedimentos legalmente estabelecidos;
toda pessoa detida ou presa dever ser informada imediatamente
das razes da restrio liberdade; a pessoa presa ou encarcerada
sob acusao ou suspeita de infrao penal dever ser imediatamente
apresentada a um juiz; toda pessoa detida ou presa dever ter
o direito de recorrer a um juiz ou tribunal para que este decida
quanto legalidade da restrio liberdade e determine a imediata
soltura se houver ilegalidade; qualquer pessoa vtima de priso
ou encarceramento ilegal ter direito reparao.
Na
mesma linha disps a Conveno Americana sobre Direitos Humanos
(Pacto de San Jos da Costa Rica), de 1969, incorporada ao direito
positivo brasileiro pelo Decreto n. 678, de 6 de novembro de
1992. Q artigo 7 dessa Conveno praticamente reproduz as disposies
do artigo 9 do Pacto de Direitos Civis e Polticos, h pouco
referido. Assim, portanto, por meio desses dois instrumentos normativos
internacionais de direitos humanos, d-se eficcia jurdica, no
Brasil, proibio de priso, deteno ou exlio arbitrrios
contida na Declarao Universal dos Direitos Humanos.
A
LIBERDADE INDIVIDUAL NA CONSTITUIO BRASILEIRA 623y35
antiga praxe no Brasil efetuar a priso arbitrria de pessoas,
o que em 51 mesmo j uma violncia. Essas prises ocorrem muitas
vezes por manifesto abuso de autoridade, baseadas em simples suspeita,
no sendo exagero afirmar que para muitos policiais brasileiros
todo indivduo negro e pobre suspeito at prova em contrrio.
So tambm muito comuns as detenes arbitrrias rotuladas de
priso para averiguaes, sem nenhum fundamento legal. Em todos
esses casos, o detido ou preso submetido a violncias fsicas
e a humilhaes, sendo forado a permanecer encarcerado em condies
degradantes, incompatveis com a dignidade da pessoa humana.
Nenhuma
deteno OU priso poder ser legalmente efetuada no Brasil se
no obedecer estritamente anormal do artigo 5, inciso LIV, da
Constituio, segundo o qual ningum ser privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legal. Um dado de grande
importncia do ponto de vista jurdico a obrigao de obedecer
ao disposto no pargrafo 2 desse artigo 5, que assim dispe:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem
outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do
Brasil seja parte. Como fica bem claro, as normas sobre direitos
e garantias constantes em tratados em que o Brasil seja parte
completam as disposies do artigo 5~ e neste se integram, incorporando-se,
portanto, ao sistema constitucional brasileiro de direitos e garantias
individuais.
Dessa
forma, por fora do que dispem o Pacto de Direitos Civis e Polticos,
no artigo 99, e a Conveno Americana sobre Direitos Humanos,
em seu artigo 79, toda priso ou deteno dever ser prontamente
comunicada a um juiz, que decidir da legalidade do encarceramento
e determinar a imediata soltura se o cerceamento da liberdade
for ilegal.
Toda
priso ou deteno de uma pessoa afeta direitos fundamentais e
impe sofrimentos fsicos, psquicos e morais. Por isso, e para
que sejam evitados injustias e outros prejuzos graves, indispensvel
a estrita obedincia ao preceito do artigo 9 da Declarao Universal
dos Direitos Humanos, no se itindo a deteno ou priso arbitrria
de uma pessoa, punindo-se o responsvel ou os responsveis por
um abusivo encarceramento sem fundamento legal ou desrespeitando
os procedimentos legalmente exigidos, inclusive a imediata informao
a uma autoridade judiciria.
Dalmo
de Abreu Dallari Professor Titular da Faculdade de Direito da
USP; Vice-Presidente da Comisso Internacional de Juristas;
Ex-Presidente da Comisso de Justia e Paz da Arquidiocese de So
Paulo.
A lei a mesma para todo
mundo, deve ser aplicada da mesma maneira para todos, sem distino.
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