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Multiculturalismo e Direitos Coletivos

  1. INTRODUO

    A sobrevivncia do multiculturalismo num mundo em que o Estado reconhece, protege e pretende transformar todos os direitos em individuais, quase impossvel. De fato, a construo do Estado contemporneo e de seu Direito foi marcada pelo individualismo jurdico ou pela transformao de todo titular de direito em um indivduo. Assim foi feito com as empresas, sociedades e com o prprio Estado; criou-se a fico de que cada um deles era pessoa, chamada de jurdica ou moral, individual. Assim tambm foi feito com os povos diferenciados, criando a fico de que cada povo indgena seria uma individualidade com direitos protegidos. Isto transformava os direitos essencialmente coletivos dos povos em direitos individuais.

    O Direito contemporneo, alm de individualista, dicotmico: s pessoas - indivduos titulares de direitos - corresponde uma coisa - bem jurdico protegido. A legitimidade desta relao se d por meio de um contrato - acordo entre duas pessoas. evidente que este esquema jurdico no poderia servir aos povos indgenas da Amrica Latina porque, mesmo que considerasse cada povo uma individualidade de direito, os bens protegidos (os bens que os povos precisam proteger) e sua legitimidade no tm nenhuma relao com a disponibilidade individual e com origem contratual. por isso que os pases latino-americanos sempre buscaram separar o indivduo indgena de seu povo, assimilando-o "sociedade nacional" de forma to profunda que ele deixaria de ser povo diferenciado. O sistema pensou que a assimilao seria possvel por meio do trabalho, mas nunca pde entender que a idia do trabalho gerador da propriedade no tem relao com as culturas indgenas.

    Tanto lutaram estes povos e to pequena foi a possibilidade de assimilao que exerceram sobre eles as sociedades envolventes, que o sistema acabou por reconhecer direitos coletivos, que abriram um novo horizonte no reconhecimento dos povos, permitindo aos pases se considerarem multiculturais e pluri-tnicos. Estes direitos coletivos extrapolaram os povos indgenas para outros segmentos sociais, de tal forma que acabaram por ter um carter emancipatrio.

    A trajetria dessa transformao, seu potencial e dificuldades o tema deste trabalho. As histrias que a seguir so narradas, embora muito representativas, devem ser entendidas como exemplos de uma realidade muito mais vasta e complexa, e que aponta sempre na mesma direo: uma espcie de renascer dos povos ou renascer de esperanas. (Souza Filho, 1998).

A sobrevivncia do multiculturalismo num mundo em que o Estado reconhece, protege e pretende transformar todos os direitos em individuais, quase impossvel. De fato, a construo do Estado contemporneo e de seu Direito foi marcada pelo individualismo jurdico ou pela transformao de todo titular de direito em um indivduo. Assim foi feito com as empresas, sociedades e com o prprio Estado; criou-se a fico de que cada um deles era pessoa, chamada de jurdica ou moral, individual. Assim tambm foi feito com os povos diferenciados, criando a fico de que cada povo indgena seria uma individualidade com direitos protegidos. Isto transformava os direitos essencialmente coletivos dos povos em direitos individuais.

O Direito contemporneo, alm de individualista, dicotmico: s pessoas - indivduos titulares de direitos - corresponde uma coisa - bem jurdico protegido. A legitimidade desta relao se d por meio de um contrato - acordo entre duas pessoas. evidente que este esquema jurdico no poderia servir aos povos indgenas da Amrica Latina porque, mesmo que considerasse cada povo uma individualidade de direito, os bens protegidos (os bens que os povos precisam proteger) e sua legitimidade no tm nenhuma relao com a disponibilidade individual e com origem contratual. por isso que os pases latino-americanos sempre buscaram separar o indivduo indgena de seu povo, assimilando-o "sociedade nacional" de forma to profunda que ele deixaria de ser povo diferenciado. O sistema pensou que a assimilao seria possvel por meio do trabalho, mas nunca pde entender que a idia do trabalho gerador da propriedade no tem relao com as culturas indgenas.

Tanto lutaram estes povos e to pequena foi a possibilidade de assimilao que exerceram sobre eles as sociedades envolventes, que o sistema acabou por reconhecer direitos coletivos, que abriram um novo horizonte no reconhecimento dos povos, permitindo aos pases se considerarem multiculturais e pluri-tnicos. Estes direitos coletivos extrapolaram os povos indgenas para outros segmentos sociais, de tal forma que acabaram por ter um carter emancipatrio.

A trajetria dessa transformao, seu potencial e dificuldades o tema deste trabalho. As histrias que a seguir so narradas, embora muito representativas, devem ser entendidas como exemplos de uma realidade muito mais vasta e complexa, e que aponta sempre na mesma direo: uma espcie de renascer dos povos ou renascer de esperanas. (Souza Filho, 1998).

  1. FORMAO DOS ESTADOS NA AMRICA LATINA

O colonialismo mercantilista inaugurado pela descoberta das Amricas e do caminho martimo para as ndias teve um relacionamento com os povos locais de profunda explorao, chegando com facilidade ao desrespeito e ao genocdio. As guerras que Portugal e Espanha travaram contra a resistncia dos povos da Amrica foram marcadas pela desigualdade de condies e crueldade; os europeus conheciam a plvora e no hesitaram us-la abusivamente. Os chamados ndios eram caados nas selvas, montanhas e pradarias, empurrados para o interior e vendidos ou treinados em cativeiro para servir de escravos, cristianizados e transformados em fora de trabalho para os capitais mercantilistas, que ironicamente construam na Europa a teoria do trabalhador livre como fundamento da propriedade privada.

Nenhum povo da Amrica deixou de sentir a chegada dos europeus. A guerra estabelecida com os povos do litoral rapidamente se estendia pelo interior. Os povos sucumbiam ou fugiam. Ao fugir no encontravam territrios desocupados, mas outros povos com quem tinham que guerrear para disput-los. Espremidos entre dois inimigos, cada povo teve que fazer, a cada momento, sua opo: lutar ou sucumbir. Se pudssemos visualizar num grande mapa da Amrica o caminho traado por cada povo at o lugar onde se encontra hoje, seguramente veramos trilhas de sangue por toda a imensido das florestas, cerrados, campos e montanhas.

Como se fosse pouco, os europeus trouxeram a esta parte do mundo escravos cujo pensamento era libertar-se dos grilhes, reunir-se com outros membros de seus povos e encontrar um lugar para viver, escondidos dos ndios em luta e da feroz perseguio dos capites do mato. claro que procuravam um desvo, um lugar de difcil o, um esconderijo para se fixar. Estes lugares, que no Brasil aram a se chamar quilombos, existiram e ainda existem em muitos pases da Amrica. Os negros fugidos no tinham a mesma intimidade com a natureza local que os ndios e, por isso, a luta contra eles era em geral desvantajosa.

O fato de a Amrica ter se organizado em Estados Nacionais muito cedo, quando a Europa o fazia, no ajudou muito para inverter a sorte dos povos que aqui viviam. As guerras de independncia do incio do sculo XIX, acabaram por no ter um cunho libertador, apesar do esforo de homens como Tiradentes, Bolvar e Artigas. As lutas, que tiveram o apoio guerreiro e decisivo dos povos indgenas, no conseguiram construir Estados livres e realmente independentes, que caminhassem segundo a vontade dos diversos povos que os compunham; simplesmente trocaram o colonialismo ibrico pelo ingls. O novo colonialismo teve que se adaptar a formas diferentes das usadas na frica e sia, onde negou a construo de Estados Nacionais, provavelmente por saber que as elites locais no exerceriam o mesmo controle sobre os povos, que as elites americanas, muito mais europeizadas.

Exceo o Paraguai. Francia promoveu junto com os indgenas uma verdadeira independncia, expulsando os proprietrios de terra e os representantes dos interesses espanhis e ingleses. Com a fora do trabalho livre e com uma poltica de impedir a acumulao capitalista originria e predatria, industrializou o pas, garantiu excelente qualidade de vida ao povo, alfabetizado, bem nutrido e profundamente nacionalista. Esta experincia de liberdade durou quatro dcadas. Inconformada com o exemplo paraguaio, a Inglaterra incentivou e subvencionou a Argentina, o Brasil e o Uruguai a promover uma guerra de destruio, at que tombasse o ltimo homem paraguaio. Hoje o Paraguai, destrudo no sculo ado, guarda como marca da experincia libertria o fato de todos os paraguaios usarem o guarani como lngua de comunicao familiar.

Criados os Estados Nacionais, esquecidos os povos indgenas, sempre servindo a interesses estrangeiros, os Governos aram a ampliar as fronteiras agrcolas e buscar novas e interessantes riquezas no interior, tratando os povos locais como embarao e entrave ao desenvolvimento. Nesta poltica, suas terras, vidas e sociedades foram novamente violadas.

A imigrao do sculo XIX e XX, por outro lado, tambm trouxe outros povos diferenciados, expulsos de suas terras originais e iludidos por enganosa propaganda. Aos imigrantes, trabalhadores livres, foi reservado um tratamento igualmente desumano. Sem direito a terra no sculo XIX, ao chegar como trabalhadores em uma empresa agrcola, j estavam endividados. So inmeros os relatos de maus tratos, servido e misria que sofreram. Na busca por liberdade e terras, acabavam sucumbindo ou tendo que disputar espao com os j apertados territrios indgenas.

O Estado Nacional, e seu direito individualista, negou a todos estes grupamentos humanos qualquer direito coletivo, fazendo valer apenas os seus direitos individuais, cristalizados na propriedade. Assim, aquele indivduo que lograsse amealhar algo, formando uma propriedade, aria a ser integrado ao sistema, todos os outros no se integrariam jamais, continuando a ser ndios, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, seringueiros, pequenos posseiros, vivendo da extrao, da coleta, da caa, da pesca, da pequena agricultura de subsistncia, mantendo fortes relaes com a comunidade para viver e no raras vezes, enquanto longe do contato da civilizao, vivendo com fartura e felicidade, mas sob permanente ameaa porque, se estivessem sobre terras boas ou sobre alguma riqueza vegetal ou mineral economicamente vivel, ariam a ser objeto da cobia, do engano e da desintegrao.

3 - A FALACIOSA POLTICA INTEGRACIONISTA

A poltica colonialista na Amrica pautou-se pela subjugao e integrao dos povos que ia encontrando. A subjugao cultural e econmica consistia em promover uma integrao forada, religiosa e econmica. Ou isso, ou a destruio. A poltica variou de acordo com a violncia ou ambio de seu executor. Sincera e preocupada com a salvao da alma e da sociedade Guarani, com os Jesutas, na bacia do Prata, ou violenta e arrogante com Pizarro e Cortez, entre Incas e Astecas. Houve casos de tamanha ambio e agressividade que grandes povos que detinham a tecnologia e o domnio do ouro, como os Chibchas (Muscas), foram arrasadoramente exterminados, num genocdio cuidadoso e eficiente, como ocorreu na conquista da Colmbia.

Os que sobreviviam poderiam ingressar na vida do Reino como trabalhadores, semi-escravos ou integrantes de misses de "pacificao" de outros povos. Por isso, provavelmente, tantos povos participaram das lutas pela independncia na Amrica Latina, sempre lideradas por espanhis ou seus descendentes. No Brasil -caso nico- a independncia foi feita sem luta, pelo filho herdeiro do trono de Portugal, tendo sido uma opo de organizao e diviso do Estado e no uma tentativa de encontrar a liberdade.

A criao dos estados nacionais latino-americanos, seguindo o modelo europeu, se deu com a redao de uma Constituio que estabelecia um rol de direitos e garantias individuais. Isto significou o esquecimento de seus ndios e a omisso de qualquer direito que no fosse a possibilidade de aquisio patrimonial individual. Portanto aos ndios sobrou como direito a possibilidade de integrao como indivduo, como cidado ou, juridicamente falando, como sujeito individual de direitos. Se ganhava direitos individuais, perdia o direito de ser povo. Apesar disto, os povos continuaram a ser povos. Esta busca de integrar os indivduos ndios fica patente na Carta Rgia de 1808 que declarava guerra os ndios Botucudos do Paran, e determinava que os prisioneiros fossem obrigados a servir por 15 anos aos milicianos ou moradores que os apreendessem, abrindo a oportunidade de, queles que depusessem armas e se submetessem s leis reais e se aldeassem, poderiam gozar dos bens permanentes de uma sociedade pacfica e doce debaixo das justas e humanas leis (Souza Filho, 1988: 56).

As poltica pblicas e as leis, porm, se propam durante muitos anos a cumprir essa vontade dos Estados nacionais: integrar os povos como cidados, sujeitos de direito, capazes de negociar juridicamente, sem reconhecer seus direitos coletivos. Nesta perspectiva o genocdio continuou, e cada tentativa de integrao desses povos significou a continuao do estado de guerra imposto quando da chegada dos europeus. Os povos perdiam no s a visibilidade, mas a prpria vida.

Quando os Estados Nacionais escreveram suas Constituies garantindo direitos, inauguraram um novo sistema jurdico com algumas dicotomias, como o pblico e o privado, o sujeito e o objeto de direitos, e pilares como a propriedade privada, a segurana jurdica dos contratos livremente estabelecidos e o carter tcnico-jurdico das solues de conflitos de direitos.

Estes primados serviam a quem tinha propriedade e mantinha contrato, especialmente como contratante; aos povos diferenciados, aos que viviam em comunidades, este sistema no servia. Na Amrica Latina as polticas em relao aos povos indgenas era de integrao, quer dizer, a situao de indgena deveria ser provisria. Muitas dcadas depois de escritas as Constituies Nacionais, comeou a aparecer a proteo jurdica de alguns direitos indgenas, sempre com um carter provisrio. No Brasil, no sculo XX, as leis indgenas iniciavam expondo sua finalidade, que era a integrao dos ndios comunho nacional, mas enquanto isso no se desse, garantir-se-ia a eles alguns direitos. O artigo primeiro da Lei Indgena vigente no Brasil estabelece que "regula a situao jurdica dos ndios ou silvcolas e das comunidades indgenas, com o propsito de preservar a sua cultura e integr-los, progressiva e harmoniosamente, comunho nacional".

No foi assim em outras partes do mundo. O colonialismo na sia e frica no deu o mesmo tratamento a povos locais, mantendo as colnias sob polticas de apartheid, tanto mais violentas quanto maior fosse a resistncia do povo. Isto significava que a integrao individual somente se daria em casos excepcionais. A conseqncia desta diferena que na Amrica os povos tiveram mais dificuldade de manter sua vida segundo seus usos, costumes e tradies, inclusive a soluo de seus conflitos internos dependiam das leis dos Estados Nacionais respectivos. A integrao, no caso latino-americano, porque era proposta de forma individualizada, significava a extino do povo.

No Brasil cada povo sofreu de modo diferente esta poltica, porm dois eixos podem ser facilmente observveis. De um lado uma poltica de total omisso, como se os povos no existissem ou fossem apenas um depsito de pessoas que seriam integradas cedo ou tarde; de outro, uma poltica de proteo consistente em criar refgios afastados para os povos, desconsiderando seus territrios tradicionais, aplicada especialmente na Amaznia. Estes dois eixos sero estudados a seguir, com exemplos histricos que demonstram a grande diversidade prtica da poltica oficial.

4. OS POVOS INVISVEIS

O primeiro eixo corresponde aplicao de uma cultura assimilacionista clssica, na qual no h lugar para coletivos que figurem entre o cidado e o Estado. A invisibilidade com que foram tratados os povos do litoral e do sul do Brasil comparvel com a desconsiderao dos povos peruanos imortalizada no heri Garabombo, o invisvel (Scorza, s.d.).

Para exemplificar esta situao de invisibilidade e de retorno existncia ou ao renascimento (Souza Filho, 1998) escolhemos trs casos: o do povo Xet, no oeste do Paran; o do povo Guarani, em quase toda a regio sul e o dos povos do nordeste, retratados pelos Patax Hhhe, porque o Estado os desconsiderou totalmente em suas polticas pblicas, e fez questo de negar sua existncia por muito tempo. Os que sobreviveram vm resistindo de tal forma e com tal fora que hoje se converteram nos maiores conflitos de terras indgenas no Brasil, apoiados agora nos direitos coletivos reconhecidos na Constituio de 1988.

4.1. O povo Xet, cronologia de um genocdio

O povo Xet no sobreviveu. Hoje so cerca de dez indivduos vivendo separados, alguns de emprstimo em aldeias de kaigangues, outros em cidades da regio. Mas antes de serem exterminados pelos avano impiedoso da fronteira agrcola, os Xet dominavam a selva da Serra de Dourados onde a chegada da Companhia de Colonizao Suemitsu Miyamura & Cia Ltda. se deu com a queima da matas, porque no havia interesse na madeira, mas to somente na abertura de lotes para serem vendidos aos novos ocupantes.

A histria do contato dos ndios Xet to recente e os fatos ocorreram h to pouco tempo, mas to parecida com os relatos de Bartolom de Las Casas no sculo XVI que faz duvidar que o tempo tenha ado. Em 1952 os novos fazendeiros capturaram um menino de oito anos, de nome Tikuein. A certeza de que aquele territrio estava ocupado por um povo "primitivo" veio no ano seguinte, com a captura de outro menino, que ou a ser criado pelos brancos.

Em dezembro de 1954, seis homens nus e desarmados fizeram contato espontneo com fazendeiros, falaram e gesticularam de forma to calma e pacfica que os brancos no reagiram, deixando-os partir. Nunca se pde traduzir o que disseram aqueles Xets, nunca se soube se era apelo de clemncia ou ameaa, mas se tm certeza de que, se se tratasse de ameaa, jamais foi cumprida, e se de clemncia, em vo foi o pedido.

Em 1955, a Universidade Federal do Paran e o rgo nacional indigenista organizaram uma expedio que localizou aldeias e objetos que hoje se encontram no Museu Paranaense, mas nenhum ndio. Talvez o que tivessem querido dizer no ano anterior que partiriam. No ano seguinte a expedio foi mais longe e localizou dois grupos pacficos, que se deixaram fotografar e filmar, brincaram, riram, mas no acompanharam a expedio que queria arranch-los em uma fazenda prxima. Ficaram no mato. Poucos meses depois, um dos grupos foi massacrado, num crime nunca perfeitamente explicado e jamais diretamente julgado.

Deputados se mobilizaram para a criao do Parque Nacional de Sete Quedas e, dentro dele, de uma rea destinada aos Xet. Nunca foi criada a "reserva" Xet, e poucos anos depois este povo foi considerado extinto, acabando qualquer empecilho para a legitimao da propriedade privada na regio. A nova empresa de colonizao, a Companhia Brasileira de Colonizao e Imigrao (Cobrinco), continuou o trabalho devastador, no deixando uma nica rvore em p e com o ltimo capo de mato morreu a esperana de encontrar um Xet vivo. O massacre tinha terminado. Hoje, ainda, uns poucos indivduos xets sobrevivem fora de seu referencial cultural e da natureza que os abrigava, alis, irreconhecvel natureza transformada em extensas plantaes de algodo e soja, crivadas de indstrias txteis. Nem mesmo a beleza das Sete Quedas permanece, inundada pela represa de Itaipu, como se a natureza se calasse em reverncia morte do povo que sempre esteve to prximo.

A Funai, o rgo indigenista brasileiro, no ano de 2000 organizou uma grupo de estudos para criar uma rea Xet, com a idia de abrigar a ltima dezena de indivduos que teima em sobreviver e manter a memria e a histria de um povo marcado para morrer.

4.2. O longo caminho guarani na busca da terra sem males

Se a histria do contato dos Xet foi fulminante, muito diferente tem sido a relao dos Guarani com a "civilizao". Os Guarani aparecem nos textos dos primeiros cronistas espanhis que subiram os rios Paran e Paraguai. Foram usados como escravos domsticos e estiveram presentes nas cidades de Buenos Aires e Assuno desde sculo XVI. Durante esses quinhentos anos chegaram a ter uma visibilidade to grande que desencadeou um conflito entre Portugal e Espanha, tendo como recheio a Companhia de Jesus, at serem considerados praticamente exterminados, para voltar a ser, em pocas mais recentes, o povo indgena mais populoso que habita o Brasil. Os Guarani deram ao Paraguai uma lngua nacional, o toponmio de quase todos os acidentes geogrficos, especialmente rios e montanhas, e inmeras cidades do sul do Brasil. Hoje chega a ser comum encontrar guaranis com ar dissimulado pelas ruas de cidades litorneas em recatadas conversas em idioma prprio.

A trajetria do contato guarani curiosa. Os Jesutas escolheram a regio onde hoje se localiza a cidade de Assuno, capital do Paraguai, como sua sede nas terras meridionais, em 1607. idia de cristianizar os ndios foi acoplada a de construir, a partir da organizao social guarani e da concepo jesuta de Estado e Direito, uma proposta organizativa independente que ficou conhecida como as "redues jesuticas missioneiras". Perseguidos pela violncia bandeirante em territrio portugus e por mandatrios del Rei no espao espanhol, os guarani acabaram no s aceitando o cristianismo como a vida nas novas aldeias, que era um misto de tradio guarani e organizao social jesuta, com alteraes profundas no modo de dividir o trabalho. Apesar disso, mantiveram suas crenas, tradies e costumes, inclusive a lngua. Com a derrota dos Jesutas e sua expulso da Amrica do Sul, os guarani tambm se dispersaram por todo o territrio, convivendo com o avano da fronteira agrcola, sem se importar muito com os no-ndios que chegavam na regio.

O povo guarani tradicionalmente manteve seu territrio compartilhado com outros povos, conseguindo viver em relativa harmonia. Grandes viajantes, buscavam a terra sem males que sabiam estar a leste. A poltica oficial do Governo brasileiro em relao a eles foi de total omisso, por isso mesmo so os grandes invisveis. Nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran e So Paulo, foram considerados extintos e no tiveram praticamente nenhuma terra demarcada ou reservada para seu uso exclusivo. No Mato Grosso do Sul, suas terras foram ocupadas e destinadas a imigrantes brancos no incio do sculo, em programas de desenvolvimento. Os ndios, que foram pensados como mo-de-obra dos empreendimentos, aparentemente aceitaram ser empregados das fazendas no intuito de continuar usando seus locais sagrados (Ladeira, 1988).

A perspectiva que sempre tiveram era de poder compartir seu territrio com outros povos, como sempre haviam feito. Em sua cosmoviso, os deuses haviam criado a terra para eles, o uso por outros povos, assim, era secundrio. Sabiam, entretanto que havia em algum lugar uma terra sem males, que buscavam incessantemente. No imaginavam que os novos habitantes tivessem hbitos to diferentes dos kaingangues, charruas e xoclengs, com quem compartiram seu territrio deste tempos imemoriais. No sabiam e nem acreditavam que o uso da terra pelos novos habitantes era devastador e exigia a morte dos animais e plantas nativas para a introduo de novas plantas e bichos, todos domesticados, que nasciam e cresciam pela mo do homem. Para sobreviver, e enquanto no ingressassem individualmente como trabalhadores livres na sociedade local, os guarani receberam coletivamente pequenos pedaos de terra onde foram dramaticamente confinados. Nunca se integraram, porm.

Desta forma, este povo, senhor de vastssimo territrio e cultura, ou a viver, nos trs Estados do sul, de emprstimo nos territrios de outros povos e no Mato Grosso, em confinamentos. Apesar disso, no deixaram de viajar na busca da terra sem males. Nesta viagem, meio escondidos, iam saindo das matas abatidas e procurando outras matas para viver. Cada vez foram se estabelecendo em lugares mais remotos no atingidos pela propriedade privada. Hoje, parcelas importantes dos Guarani esto localizadas em lugares considerados "inviolveis" para a civilizao, os Parques e outras Unidades de Conservao.

Perplexos se perguntam, ento, para onde devem ir. Tm conscincia que todo o imenso territrio que imemorialmente consideram seu no exclusivo nem nunca o foi, mas os que hoje compartem essa ocupao tm um modo estranho de faz-lo, matam os rios, destroem as matas, acabam com os animais e os criminalizam por viver nos ltimos redutos de terra viva. Um conflito de direitos ento se estabelece de forma clara. De um lado os guarani vivendo ou procurando viver nos ltimos pedaos de terra florestada, para eles sagrada, e por outro ambientalistas que, com a melhor das intenes, esto preocupados com a manuteno das ltimas matas, que tambm chamam de santurios, que exigem a retirada de todos os humanos.

O reconhecimento de direitos coletivos indgenas e de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme a Constituio brasileira de 1988, gerou um aparente conflito entre o povo guarani e o direito coletivo de todos aos Parques e outras unidades de conservao. aparente essa contradio, como veremos, porque a soluo existe, embora desagrade o velho sistema de direitos individuais de proprietrios.

O povo Guarani detentor de um vasto conhecimento que abrange no s a terra, suas plantas e animais como o cu e suas estrelas. O grande povo, tmido e recatado, o exemplo da invisibilidade. Sua luta no s pela terra, por um territrio, mas principalmente pelos direitos coletivos ao prprio desenvolvimento, o que significa incluir a terra, mas vai alm dela. A aceitao de direitos coletivos pelo sistema tem ajudado este povo a sair da invisibilidade.

4.3. O renascer dos Patax Hhhe

O mais imponente exemplo, porm, de renascimento de vontades coletivas indgenas se localiza geograficamente no nordeste brasileiro. L, com quinhentos anos de ocupao europia, grande parte dos povos foi extinta ou expulsa. Povos contatados na dcada de 1950 no cerrado matogrossense, quase dois mil quilmetros ao interior, comprovou-se serem oriundos do litoral nordestino.

A histria do povo Patax Hhhe exemplar. Reconhecidos seus direitos territoriais, foi demarcada uma rea de aproximadamente 50.000 ha, na dcada de 30, no sul do Estado da Bahia. Vinte anos depois a regio transformou-se em grande produtora de cacau, despertando a cobia sobre aquelas terras. O Estado brasileiro providenciou para que houvesse a integrao dos ndios Patax Hhhe, isto , providenciou escola e emprego em lugares distantes, retirando as poucas famlias remanescentes para outras reas indgenas, inclusive para uma delas que servia de priso, ironicamente chamada de Fazenda Guarani. Os Patax Hhhe foram considerados extintos e suas terras entregues a fazendeiros.

Menos de trinta anos depois, na dcada de 80, os indivduos Patax Hhhe, que se imaginavam integrados e felizes na vida de cidados brasileiros, trabalhadores livres, foram se reagrupando, aos poucos e timidamente. Em ousada ao simblica, retomaram uma das fazendas que se havia constitudo em suas terras e nela se instalaram, iniciando uma luta que j dura 20 anos e causou muitas mortes. Ao primeiro grupo foram se juntando outros, novas famlias que se reconheciam e eram reconhecidas como patax hhhe e, em jbilo, lembravam os anteados comuns e reafirmavam sua condio de ndios, de povo, de coletivo. O Estado e a elite local negavam, e negam at hoje, essa condio, o que os obrigou a ingressar na Justia pelo reconhecimento dos direitos.

H vrias questes judiciais postas sobre os direitos indgenas na regio. A mais importante, que define o carter indgena de toda a rea, est to bem montada e provada que tecnicamente impossvel ser desfavorvel aos Patax Hhhe. Atualmente aguarda um desfecho na Suprema Corte. Enquanto isso, com aes to espetaculares como eficientes, o povo vai reconquistando seu antigo territrio. Depois da retomada da primeira fazenda, em 1982, vrias j aram pelo mesmo processo, tendo os ndios obtido, na prtica, algo em torno de 5 mil hectares do total que lhes foi lhes foi atribudo na dcada de 30 (Povos Indgenas, 1996 e 2000)

Em 1988, com a promulgao da Constituio, os direitos destes ndios ganharam um novo alento, mas a lentido do processo continuou. Em 1997, o assassinato do Hhhe Galdino dos Santos em Braslia, confundido com um mendigo e incendiado por brincadeira macabra de filhos da elite local, deu uma inesperada visibilidade questo cujos direitos h quase dez anos haviam sido reconhecidos pela Constituio mas no ainda implementados. Em 1999 os Patax Hhhe sofrem nova violncia quando so reprimidos pela Polcia Militar do Estado da Bahia. Dois policiais morreram em uma operao no explicada e os ndios foram acusados como autores das mortes. Durante o processo nada se provou, mas ficou a impresso de que os policiais haviam sido mortos pelos prprios companheiros.

A mobilizao dos Patax Hhhe se concentra em duas frentes: a jurdica no Supremo Tribunal Federal para o reconhecimento de toda a terra e a ftica, reocupando fazendas e reagrupando ainda mais o povo. O povo deixou a invisibilidade, hoje reconhecido e presente, ainda que tenha uma larga caminhada pela frente at que todos os seus direitos sejam reconhecidos.

A histria Hhhe se parece muito com a de outros povos que conseguiram sobreviver no nordeste. Desconsiderados pelo Estado, continuaram a existir, mutilados em sua lngua, machucados em sua dignidade, e no poucas vezes dispersos, recrutados como indivduos integrados sociedade envolvente. Como os Hhhe, muitos outros povos do nordeste, se reagruparam e reconquistaram pequenos espaos territoriais. Com o advento da Constituio de 1988 aram a ancorar suas reivindicaes nos direitos coletivos por ela garantidos.

5. OS EQUVOCOS DA POLTCA DE CONTATO NA AMAZNIA

Em nenhum dos trs exemplos acima o Estado organizou expedies para contatar os povos antes da chegada da fronteira agrcola. Ao contrrio, as expedies de cunho cientfico, ou os estudos oficiais posteriores, nada puderam fazer frente ao choque violento, desorganizado e arrasador feito pelas companhias colonizadoras.

Algumas vezes, porm, especialmente na Amaznia, o Estado brasileiro buscou proteger povos em determinadas circunstncias, favorecendo o alargamento das fronteiras agrcolas e os concentrando em determinados lugares, como o Parque Nacional Indgena do Xing, ainda que ali no fosse o seu territrio original. Outras vezes o Estado se viu obrigado a manter os povos no seu territrio tradicional, mas guisa de proteg-los, interferiu fortemente em sua cultura, gerando situaes novas para as quais no estava, nem est, preparado para resolver.

Pode-se dizer, ento, que enquanto fora da Amaznia o Estado brasileiro desconsiderou os povos indgenas em suas polticas pblicas, sem qualquer preocupao com a destruio tnica ocorrida, na Amaznia houve uma preocupao em contat-los. Este contato precedia a chegada da expanso da fronteira agrcola, depois dela invariavelmente chegava uma estrada, grandes construes, aventureiros procurando ouro e pedras preciosas, mercadores e retirantes de outras terras em busca de fortuna ou simplesmente de um lugar para acomodar seus sonhos. As frentes de contato, como eram chamadas, no tinham uma proposta do que fazer depois de contatados, salvo a idia genrica que, vinha desde a colnia, de oferecer aos ndios as doces leis do imprio, isto , a integrao na comunho nacional.

Como no havia nenhuma proposta, e ainda no h, para os contatados, algumas iniciativas ganharam especial relevncia como a criao do Parque Indgena do Xing onde os contatados pudessem manter suas tradies. Da que a poltica de transferncia de ndios de seus territrios tradicionais para outras reas ou a ser costume pblico. Alis costume proibido pela legislao vigente que veda, desde 1973, a transferncia de povos. Depois da Constituio de 1988 esta poltica mudou, j no h mais a procura e contato deliberado de novos povos, apesar de ainda existirem muitos povos desconhecidos na Amaznia.

A Constituio de 1988 abriu a possibilidade dos povos que foram vtimas desta poltica desagregadora reclamarem seus direitos. o caso do povo Panar que a seguir apresentaremos. Outros povos da Amaznia, que no foram transferidos, tiveram seus territrios reconhecidos, mas a falta de polticas pblicas e a ao desordenada levaram a profundas alteraes sociais, como o caso das cidades indgena da Amaznia.

5.1. Capitulao e volta dos ndios gigantes

Os Panar tinham fama de ser grandes e implacveis guerreiros. Era um povo temido em toda a regio. Vivia na margem esquerda do rio que hoje leva o nome ocidental de Peixoto de Azevedo. Um pouco antes do ano de 1970, o mundo civilizado sabia que o rio tinha ouro na foz e pedras preciosas na cabeceira, mas sabia tambm que para explor-lo precisava remover a resistncia panar. Ao no saber sequer o nome do povo, foi lhe atribudo nomes estranhos, tirados de outras lnguas da regio e fruto de relatos de seus inimigos tradicionais: krenacarore, kranhacrore, keen akarore, ou simplesmente ndios gigantes, j que um dos primeiros a ser capturado media 2,06m. (Panar, 1998)

O Governo brasileiro, armado de um discurso desenvolvimentista, resolveu abrir uma estrada que ligaria Cuiab a Santarm, cruzando de sul a norte o leste amaznico e cortando ao meio o territrio panar. As mquinas, e atrs delas os aventureiros, pioneiros, testas de ferro, representantes e negociantes, chegaram at bem prximo ao territrio, s margens do rio Peixoto de Azevedo. Do outro lado, os temidos ndios gigantes.

Para convencer os ndios a no hostilizar a agem da estrada e, naturalmente, dos ocupantes que viessem a seguir, foi organizada uma expedio chefiada pelos irmos Villas-Bas. Depois de cinco anos de intenso trabalho, algumas mortes e muitas histrias, os ndios gigantes foram "amansados" e permitiram que a estrada asse e por ela chegassem os exploradores de madeira, ouro e pedras preciosas, gripe, sarampo, diarria e fome. Contam os sobreviventes que no tinham fora sequer para enterrar os mortos que iam ficando pelo caminho, quanto mais para caar ou fazer uma roa; aram a viver da esmola dos antes.

Em pouco tempo os ndios gigantes no eram mais do que uma plida caricatura do altivo povo que apareceu em fotos de primeira pgina da imprensa nacional pela primeira vez em 1973, 10 de fevereiro. Os nmeros so aterradores: de uma populao estimada entre 300 e 600 indivduos antes do contato da expedio Villas Bas, quando foram transferidos de suas terras em 1975 eram apenas 79.

Moribundos, feridos em sua dignidade de povo, humilhados e mendigando uma cdea de po, foram transferidos de seu frtil territrio para uma aldeia no centro do Parque Indgena do Xingu (Povos Indgenas, 1996 e 2000). Por ironia ou crueldade histrica, a aldeia emprestada para sua nova morada pertencia a um grupo de tradicional inimizade, os caiap, com quem outrora mantiveram limites de respeito custa de guerras e trocas de mtua agresso. Os panar viveram humilhados na casa dos inimigos durante vinte anos, alimentando a esperana de um dia voltar ao seu territrio, reconquistar a terra, a casa e o convvio com os animais, plantas e rios conhecidos.

Vinte anos depois, em 1995, o povo Panar iniciou a luta concreta pelo retorno casa. Animados com algumas vitrias de outros povos que haviam sido alojados no Xingu e alguns, como os do nordeste, que tinham esperana de recuperar antigos territrios, os Panar empreenderam uma viagem a sua antiga regio e encontraram ainda preservado um quinto de seu territrio original.

Organizados e com apoio de ONGs como o Instituto Socioambiental (ISA), ingressaram na Justia contra o Estado brasileiro e contra a Funai - Fundao Nacional do ndio - com duas aes diferentes, a primeira reivindicando a terra e outra indenizao pelos danos causados.

Na primeira ao houve um acordo e o Estado reconheceu os direitos sobre a parte ainda preservada do territrio original, porque o restante j estava ocupado, inclusive por cidades. A Segunda ao, tambm proposta com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), reclamava indenizao do Estado Brasileiro e de seu rgo indigenista pelos maus tratos no momento do contato. O Tribunal reconheceu o carter criminoso e ilegal do contato e da remoo dos ndios para o Parque Indgena do Xingu, e determinou o pagamento de um valor monetrio aos ndios sobreviventes. A deciso ainda no foi cumprida por questes formais, mas j est julgada e deve ser cumprida em curto prazo.

Esta deciso mostra uma mudana no comportamento do Judicirio, porque a ao foi proposta fundada nos direitos coletivos estabelecidos na Constituio de 1988, embora os atos tenham sido praticados antes dela.

5.2. Aldeias virando cidades: uma nova ameaa aos direitos indgenas

Quando a chegada da fronteira agrcola no exigia o extermnio ou deslocamento, os povos se mantinham mais ou menos ntegros em seus territrios que foram, por aes judiciais ou por cumprimento direto da Constituio, demarcados. o caso de muitos povos da Amaznia, entre eles o povo Ticuna. Embora tenham ingressado com ao judicial para ter seus territrios reconhecidos, os Ticuna no tiveram dificuldade de v-los demarcados pelo Governo brasileiro. Suas terras foram demarcadas em meados da dcada de 90, isto , com a Constituio em pleno vigor e com a poltica indigenista j alterada, com os direitos coletivos respeitados.

O povo Ticuna um dos mais populosos dentre os povos indgenas amaznicos e habita um vasto territrio que incluiu a triple divisa Brasil, Colmbia e Peru. Nunca houve um avano muito grande da fronteira agrcola para aquela regio, embora a navegao seja aberta a grandes embarcaes, tendo em vista o porte do Rio Solimes. Apesar disso, Foi necessrio que os Ticuna ingressassem em Juzo para ver reconhecidas suas principais terras.

Os territrios so extensos, mas o rgo indigenista e as misses religiosas concentraram seus trabalhos, criando infra-estrutura de atendimento, em pequenas aldeias na margem do grande rio. No decorrer dos ltimos anos comeou a haver uma concentrao demogrfica sem precedentes naquelas pequenas aldeias porturias.

A concentrao, entretanto, no se deu pela chegada de colonos ou estranhos, mas pela vontade do prprio povo de se juntar onde fosse mais fcil receber os benefcios do contato. To assustadoramente cresceram essas aldeias que atingiram mil, dois mil e at quatro mil habitantes. De fato, a chamada Belm do Solimes uma verdadeira cidade, com quatro mil pessoas vivendo em ruas mal-traadas, sem a mnima infra-estrutura urbana, sem saneamento, calamento, gua e outros servios.

As cidades ticunas so bastante visvel porque esto margem do grande rio navegvel, mas no este fato que determina o fenmeno. A urbanizao indgena na Amaznia comea a se espalhar atingindo regies muito distante e quase inveis.

Na regio do alto Rio Negro, prxima a divisa do Brasil e Colmbia, Iauaret uma cidade de dois mil habitantes, sem infra-estrutura e com uma populao multi-tnica (Andrello, s.d.). Esta cidade cresceu tanto que alguns pequenos comerciantes se instalaram nela, imediatamente aps a demarcao da rea (1998), os ndios expulsaram os brancos e aram a ter controle sobre ela.

Na regio de Raposa Serra do Sol, fronteira com a Venezuela e Guianas, pelo menos mais duas cidades indgenas crescem e enfrentam problemas muito srios. Nestas cidades h populao no-indgena local, ainda que pouca, e o governo do Estado de Roraima transformou um delas em sede de Municpio. O territrio indgena onde se localizam estas cidades no est demarcado e os polticos, anti-indgenas, locais lutam para que no haja a demarcao usando como argumento, exatamente, a existncia das cidades.

Todos estes povos ainda vivem de forma tradicional, com pouqussimos bens de consumo, mas com impensados problemas urbanos. A legislao brasileira no oferece soluo, no existe uma proposta de organizao poltica, nem de representao, nem mesmo de coleta de impostos. Estas so situaes novas, para as quais as populaes indgenas locais buscam uma sada. interessante observar que a discusso na Raposa Serra do Sol, onde o territrio ainda no demarcado, h uma corrente que defende a manuteno da organizao estatal existente com a excluso dos usos no indgenas.

Todos os exemplos citados neste e no anterior captulo do apenas uma plida mostra da diversidade cultural brasileira, com seus mais de duzentos povos diferentes e mais de 170 lnguas faladas, mas suficiente para abrir uma reflexo scio-jurdica dos encontros e desencontros do Estado Nacional, da soberania, cidadania e relaes internacionais, inclusive das conseqncias da globalizao nessas parcelas do mundo que insistem em ser locais.

6. OS NOVOS DIREITOS NA AMRICA LATINA.

Os Estados Nacionais latino-americanos e sua histria pendular, que alterna perodos de ditaduras com democracia formal, so muito parecidos entre si. O colonialismo portugus e o espanhol tiveram traos comuns de tempo e violncia. O momento histrico das guerras de independncia tambm foram mais ou menos sincronizados e os personagens se parecem, assim como se frustraram as mesmas esperanas. A relao destes Estados constitudos no comeo do sculo XIX com os povos originrios em seus territrios tambm so similares, herdaram um ado colonial comum, usaram os povos nas guerras de independncia, acreditaram que poderiam integr-los como cidados garantindo-lhes direitos individuais, inclusive de propriedade da terra, desconsiderando seus usos, costumes, tradies, lnguas, crenas e territorialidade; quando em conflito, enfrentaram-nos em guerras srdidas ou represso direta. Os direitos dos povos indgenas, por serem coletivos, foram omitidos das legislaes escritas.

Durante a guerra fria, grande parte dos Estados da Amrica Latina se convertem em ditaduras militares para reprimir os movimentos populares. Assim, as dcadas de 60 e 70 se caracterizam por Estados Militares, e a questo indgena ou a ser, tambm, uma questo militar. Na dcada de 80 abriu-se um longo processo de distenso, marcado por discusses e que levou os pases a reescreverem suas Constituies Polticas. As organizaes indgenas e a sociedade civil participaram do processo de discusso das novas constituies, defendendo direitos coletivos, reconhecidamente fundados na diversidade cultural de cada pas. A ameaa da hecatombe ambiental promoveu o reencontro dos povos com suas localidades, e grupos organizados de ambientalistas se aliaram s organizaes indgenas e indigenistas nas reivindicaes coletivas. As novas Constituies foram surgindo com um forte carter pluricultural, multi-tnico e preservador da biodiversidade. Ao lado do individualismo homogeinizador, reconheceu-se um pluralismo repleto de diversidade social, cultural e natural, numa perspectiva que se pode chamar de socioambiental.

Cada Constituio estabeleceu, assim, direitos coletivos ao lado dos absolutos e excludentes direitos individuais. As populaes locais discutiram o alcance desse novo fenmeno que viria a se contradizer com a crescente viso hegemnica do capitalismo ps muro de Berlim, que propunha o fim das vontades e culturas locais.

Mais uma vez os Estados Nacionais latino-americanos reafirmaram suas semelhanas. Os sistemas jurdicos constitucionais, antes fechados ao reconhecimento da pluriculturalidade e muti-etnicidade, foram reconhecendo, um a um, que os pases do continente tm uma variada formao tnica e cultural, e que cada grupo humano que esteja organizado segundo sua cultura e viva segundo a sua tradio em conformidade com a natureza da qual participam, tm direito opo de seu prprio desenvolvimento.

Estes novos direitos tm como principal caracterstica o fato de sua titularidade no ser individualizada. No so fruto de uma relao jurdica, mas apenas uma garantia genrica, que deve ser cumprida e que, no seu cumprimento, acaba por condicionar o exerccio dos direitos individuais. Isto quer dizer que os direitos coletivos no nascem de uma relao jurdica determinada, mas de uma realidade, como pertencer a um povo ou formar um grupo que necessita ou deseja ar puro, gua, florestas e marcos culturais preservados, ou ainda de garantias para viver em sociedade, como trabalho, moradia e certeza da qualidade dos bens adquiridos.

Esta caracterstica os afasta do conceito de direito individual concebido em sua integridade na cultura contratualista ou constitucionalista do sculo XIX, porque um direito sem sujeito. Ou dito de maneira que parece ainda mais confusa para o pensamento individualista, um direito onde todos so sujeitos. Se todos so sujeitos do mesmo direito, todos tem dele disponibilidade, mas ao mesmo tempo ningum pode dele dispor, contrariando-o, porque a disposio de um seria a violao do direito de todos os outros.

Se fizermos uma reviso de cada uma das constituies reescritas desde a dcada de 80, veremos que so muito parecidas, embora possam usar terminologias diferentes. A paraguaia, por exemplo, alm de reconhecer a existncia dos povos indgenas, se declara como um pas pluricultural e bilinge, considerando as demais lnguas patrimnio cultural da Nao (Paraguai, 1992, art. 140); a colombiana estabelece que "El Estado colombiano reconoce y protege la diversidad tnica y cultural de la Nacin colombiana" (Colmbia, 1991, art. 7.).

Como um sinal dos tempos, as novas Constituies americanas foram reconhecendo a sociodiversidade. O Mxico (1992) assume que tem uma "composio pluricultural"; o Peru em sua Constituio outorgada de 1993 no vai to longe e apenas ite como lnguas oficiais ao lado do castelhano o quechua, o aimara e outras lnguas "aborgenes"; finalmente em 1995, a Bolvia, com sua fulgurante maioria indgena, ite romper a tradio de silncio integracionista e se define como multi-tnica e pluricultural, e a Argentina determina a seu Congresso reconhecer a preexistncia de povos indgenas.

Outras, embora no usem a palavra diversidade ou pluralismo, definem os direitos dos povos indgenas e os protege, como a brasileira (1988) e a nicaragense (1987).

Este mesmo reconhecimento aparece nos acordos internacionais, como o Convnio 169, da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), adotada em 26 de junho de 1989. Tanto a ONU como a Organizao dos Estados Americanos (OEA) tm discutidos declaraes com este mesmo sentido. Esta concordncia no significa que os pases latino-americanos tm aceitado as normas internacionais, o que demonstra a insinceridade das elites locais que sempre imaginam que suas Constituies podem deixar de ser aplicadas por falta de leis que as regulamentem, e por isso permitem a incluso de avanos na Constituies para depois restringir sua regulamentao. Na realidade, a aceitao das normas internacionais, especialmente a Conveno 169, significaria a regulamentao de suas avanadas constituies, que podem ser apenas declaraes de princpios inaplicveis frente a interesses da economia global, como veremos a seguir.

Esses direitos no so exclusivos de povos indgenas, porm. As constituies da Colmbia e do Brasil abrem brechas para o reconhecimento de direitos das comunidades negras tradicionais, e todas as que reconhecem direitos coletivos item, genericamente, que outras comunidades podem reivindic-los. A quebra do paradigma individualista est constitucionalizada, e sua efetivao a questo colocada s comunidades, movimentos e grupos locais.

7. A APLICAO DO DIREITO E SUAS DIFICULDADES.

Apesar de transcorrida uma dcada do reconhecimento desses direitos coletivos, no se pode dizer que os progressos em sua aplicao sejam notveis. Os direitos territoriais indgenas nas regies fora da fronteira agrcola, especialmente na Amaznia, aram a ser reconhecidos com mais facilidade do que no perodo anterior, verdade. O exemplo Panar uma mostra disso. Apesar de terem tido que recorrer Justia, os Panar obtiveram o reconhecimento de direitos sobre o territrio donde anteriormente haviam sido retirados. H outros exemplos, como a rea Indgena Yanomami e o territrio dos povos do Alto Rio Negro, entre muitos outros.

Nas regies onde h presso poltica e interesses econmicos mais fortes o avano no to significativo. Fator importante na aplicao das normas jurdicas protecionistas tem sido a visibilidade internacional dos povos indgenas. Quer dizer, aqueles povos que logram chamar ateno internacional para seus problemas locais tm obtido mais sucesso na efetivao de normas protecionistas.

O Poder Judicirio tem tido um papel preponderante na aplicao desses novos direitos, mas tem mantido um posio conservadora na maior parte das vezes. As ferramentas jurdicas esto razoavelmente construdas na Amrica Latina, e acrescidas dos instrumentos que servem a outros direitos coletivos reconhecidos genericamente populao, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, consumidores e patrimnio cultural. Apesar disso, so pequenos os ganhos das populaes indgenas diretamente da istrao Pblica. Em geral tm sido necessrio ingressar em Juzo para obt-los, como no caso Panar. Isto limita a atuao dos povos indgenas que precisam criar organizaes segundo os parmetros ocidentais -no tradicionais- para conseguir o reconhecimento de seus direitos, mesmo na Amaznia.

Fora da Amaznia a situao ainda mais difcil. Alguns povos do nordeste tiveram o reconhecimento de existncia, isto , aram a ser tratados como povos indgenas, status que tinham perdido frente ao Estado Nacional pela sua aparente integrao populao regional. Ao reconhecer a sua existncia o Estado lhes atribuiu um pequeno e insuficiente territrio, que no basta para o desfrute cultural e nem mesmo para a sobrevivncia. A ampliao do direito, porm, abriu novas possibilidades. A ao judicial que travam os Patax Hhhe, que est para ser decidida no Supremo Tribunal Federal, ganhou novo flego, mas continua em trmite exageradamente lento. Do ponto de vista tcnico, impossvel que os Patax Hhhe no venham a ter um resultado positivo, a questo quando; vivem em uma regio de forte enfrentamento poltico e tm inimigos poderosos entre a elite local.

O Supremo Tribunal Federal j julgou, depois da Constituio de 1988, outras aes com as caractersticas da questo Patax Hhhe. Uma delas, a ao Krenak, no Vale do Rio Doce, em Minas, ganhou notabilidade histrica ao devolver terras indgenas que haviam sido distribudas a colonos na dcada de 50, com as mesmas caractersticas da Patax Hhhe, ao povo Krenak. Falta apenas vontade poltica mais alta Corte do pas para tomar a deciso e enfrentar a situao poltica regional. verdade que no Vale do Rio Doce os interesses eram de pequenos sitiantes, que no mximo influenciavam os governos municipais locais enquanto entre os Patax Hhhe, na Bahia, a regio cacaueira influenciada pelo poder poltico de influncia nacional.

Alm da conjuntura poltica, as disputas judiciais por terra no Brasil continuam fortemente influenciadas pelos direitos individuais estruturados no sculo XIX, que tm uma opo preferencial pela propriedade individual da terra. O carter individualista e absoluto da propriedade da terra tm sido o trao distintivo do direito ocidental e a matriz do direito civil latino-americano. Os povos deste continente tentaram no sculo XX fazer leis que pudessem promover a alterao desse carter absoluto, desde a primorosa Constituio Mexicana de 1917, ando por diversas leis de reforma agrria, inclusive a forte lei boliviana de 1952, at a experincia chilena de Salvador Allende, na dcada de 70, cujo fim trgico e violento estarreceu a Amrica.

Com exceo de Cuba, nenhum outro pas pde seriamente colocar em questo a propriedade da terra. As leis oriundas da revoluo boliviana de 1952 e leis colombianas e venezuelanas posteriores puderam oferecer interpretaes tericas que chegaram a estruturar uma concepo nova de propriedade da terra, marcada pela idia de sua funo social. Entretanto, mesmo esta concepo acabou por ser absorvida pelas elites a tal ponto de identificar a funo social com a produtividade capitalista, quer dizer, considerar que cumpria a funo social toda a terra que oferecesse renda pela produo. Nesta idia fica de fora a funo social propriamente dita, quer dizer, o seu papel integrador de culturas e protetor do meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantidor da vida no planeta.

Com o advento dos direitos coletivos, ou a ficar cada vez mais claro que a terra tem que cumprir esse papel social, ou socioambiental, de protetor do meio ambiente e das culturas a ele associadas. Mas a exclusividade no domnio de um territrio o marco da cultura jurdica latino-americana, seja do ponto de vista do direito pblico, seja do ponto de vista do direito privado, aquele disputando soberanias absolutas e detalhadamente demarcadas, inclusive em regies desconhecidas, este transformando toda terra em lotes privados. Por isso, apesar das mudanas legais trazidas pelas Constituies, ainda muito difcil que os juzes interpretem as leis contra interesses da propriedade privada.

Esta posio dos juzes explica a maior facilidade de decises favorveis aos ndios nas reas sem predominncia da propriedade privada instituda, como a Amaznia. Dentro das fronteiras agrcolas a cultura privatista j est estabelecida, gerando maior dificuldade. As organizaes indgenas e os povos enfrentam interpretaes restritivas a seu direito. A questo colocada de tal forma que na Amaznia, na maior parte das vezes, o conflito se d entre populaes tradicionais, com direitos coletivos garantidos, e invasores, aventureiros, traficantes, garimpeiros e outras pessoas sem qualquer direito; dentro da fronteira agrcola, porm, o confronto se estabelece, em geral, entre as populaes tradicionais que foram usurpadas de seus direitos pelos Estados e as pessoas que receberam essas mesmas glebas, como terras devolutas. Assim, o confronto se d entre populaes tradicionais e proprietrios individuais, considerados pelo sistema como legtimos.

Alis, este conflito est presente na raiz do novo decreto que regula o procedimento istrativo para a demarcao das terras indgenas, porque o Governo Federal determinou que, ao se reconhecer determinada terra como indgena, h de se chamar, por edital, todos os interessados para saber se existe ou no direito individual sobre ela. A reinterpretao dada pelo Governo Federal veio a dificultar o processo de demarcao e, inclusive, pr em dvida todas as demarcaes anteriores. A edio do decreto foi uma vitria dos interesses proprietrios anti-indgenas, mas a mobilizao dos ndios, suas organizaes e organizaes de apoio fez com que os resultados prticos contra os ndios no se dessem no volume temido.

Talvez o exemplo mais claro da dificuldade de serem regulamentados os direitos coletivos estabelecidos na Constituio seja a histria da Lei geral sobre os povos indgenas no Brasil. O antigo Estatuto do ndio, de 1973, ainda em vigor, tem um ntido corte individualista, integracionista e juridicamente civilista, por isso mesmo atribui s instituies jurdicas de proteo um carter provisrio, isto , at que os ndios individualmente em categoria de integrados comunho nacional, como cidados sem qualquer outra qualificao ou diferenciao tnica, isto , deixem de ser ndios.

Desde a promulgao da Constituio as organizaes indgenas e seus aliados comearam a se mobilizar no sentido de reescrever a Lei geral, que deveria se chamar Estatuto dos Povos Indgenas, com contedo de direitos coletivos. Muitas verses foram escritas e muitas discusses realizadas. Uma verso de consenso foi aprovada em Comisso do Congresso Nacional, mas por ordem direta do Presidente da Repblica, eleito para o primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso, foi tirada de pauta antes que ele tomasse posse, em dezembro de 1994. Desde ento, por um estranho e no confessado interesse governamental, o Estatuto ficou numa espcie de "geladeira" legislativa.

Havia alguns pontos polmicos, como o uso dos recursos naturais das florestas, a minerao e a proteo dos conhecimentos tradicionais associados biodiversidade. Entretanto no parece ter sido estes pontos que esto a dificultar a aprovao ou a tramitao do projeto. Somente em 1999 foi retomada a discusso legislativa do Estatuto, e ficou claro que o principal entrave para sua aprovao, por parte do Governo, era a velha e superada questo integracionista. O Governo queria manter a provisoriedade das culturas indgenas, mantinha uma posio conservadora, anterior Constituio de 1988. Os assessores diretos do Presidente da Repblica defendiam a concepo individualista da integrao pessoal e a perda da identidade indgena, concepo seguramente anterior ao prprio Estatuto de 1973.

Teve que haver a interferncia direta do Presidente da Repblica e uma reunio com as principais lideranas indgenas do pas, em abril do ano 2000, para que a assessoria cedesse e permitisse a retomada do processo legislativo para a elaborao de um Estatuto que desse aplicabilidade e eficcia plena s normas constitucionais.

Este fato demonstra a extrema dificuldade de aplicao dos atuais princpios em que se baseia a nova relao entre os povos indgenas e o Estado brasileiro. Os setores conservadores mantm a firme idia de que os ndios so um percalo no processo de desenvolvimento, e usam todo o poder para diminuir, restringir ou limitar a possibilidade no s de demarcao das terras, mas de uso delas segundo os usos, costumes e tradies de cada povo. Compondo com os setores conservadores esto os militares e os interesses econmicos regionais, que muitas vezes encontram guarida em Juzes, Tribunais e altos funcionrios do Governo, como aquele grupo de assessores do Presidente da Repblica.

Por outro lado, tem ganhado fora entre os povos indgenas este direito de ser reconhecido como povo. Tem-se visto nestes anos de Constituio grandes mobilizaes de povos e de grupos de povos na busca da aplicao dos direitos coletivos. Aos exemplos j citados, entre eles o dos Panar, se somam muitos outros, como o das organizaes indgenas dos povos amaznicos, dos povos do nordeste, dos guaranis, etc.

As atuais organizaes e movimentos reivindicatrios indgenas tm uma diferena muito grande com os anteriores a 1988. que o atuais movimentos reivindicam direitos que podem ser compreendidos pelo sistema, j que sempre propugnaram por direitos coletivos. Antes da Constituio eram pedidos utpicos, sonhos que ganhavam o status de reivindicaes. Estes sonhos entraram no Direito, aram a fazer parte do que os juristas chamam de catlogo dos direitos fundamentais reconhecidos pela Constituio e podem, a partir de ento, ser reivindicados no mais como esperana poltica, mas concretizao jurdica, que sem deixar as ruas ganham os trios dos Tribunais, e devem ser reconhecidos pela istrao Pblica, mas quando no o so, podem ser garantidos em decises judiciais. Isso fez com que o movimento indgena e tambm o popular, ganhasse mais uma nova e importante dimenso, a jurdica.

8. A TERRITORIALIDADE COMPARTIDA

Os nomes que o Direito brasileiro, no decorrer dos tempos, deu aos territrios indgenas revelador do contedo que se atribua ao direito outorgado. Reserva era o nome utilizado pela Lei de Terras de 1850, Lei n 601, e guardava a idia de reservar um espao territorial aos povos que fossem encontrados na colonizao e distribuio chamada de ordenada das terras a quem tivesse capital para nelas investir. Nas terras reservadas os ndios deveriam ficar at que aprendessem um trabalho "civilizado" e pudessem ser integrados vida nacional. Embora reservados, os direitos eram provisrios, mas sempre ligados a um espao territorial.

A palavra "rea" foi tambm usada, para finalmente chamar de "terra indgena". O nome territrio nunca foi usado e, ao contrrio, foi intencionalmente negado. claro que h uma no muito sutil diferena entre chamar de terra e territrio. Terra o nome jurdico que se d propriedade individual, seja pblica ou privada; territrio onome jurdico que se d a um espao jurisdicional. Assim, o territrio um espao coletivo que pertence a um povo. A mesma ideologia que nega a existncia de povo, como veremos adiante, nega o uso do termo territrio.

Apesar disto, os direitos indgenas na Amrica Latina sempre est ligado a um espao territorial, receba o nome que seja.

A idia de uma reserva provisria enquanto os indivduos aprendem um trabalho integrador, que na maior parte dos casos os transformaria em camponeses, est ultraada. O novo momento constitucional marcado pelo reconhecimento de direitos coletivos, que incluem direito a um caminho prprio de desenvolvimento e a um territrio. O limite deste direito coletivo a auto-determinao de transformar-se em Estado. O temor dos setores conservadores, especialmente dos militares, que as lutas por direitos indgenas se transforme em lutas por libertao nacional ou lutas de independncia, como se costuma dizer na Amrica. Da o verdadeiro terror em cham-los de povos, usar a palavra territrio e a categoria auto-determinao.

A Constituio Boliviana reconhece todos os direitos dos grupos indgenas como direitos de povos, mas no os chama assim. Garante que as autoridades naturais das comunidades indgenas podem exercer funes de istrao e aplicao de normas prprias, inclusive na soluo alternativa de conflitos, mas chama seus territrios de "tierras comunitarias de origen" (Bolvia, 1995, art. 171). Alis, no ano de 1994 foi promulgada a Lei de Participao Popular que tinha como objetivo "reconhecer, promover e consolidar o processo de participao popular, articulando as comunidades indgenas, camponesas e urbanas, na vida jurdica, poltica e econmica do pas." Para isso estabelecia como base da participao popular, a fixao dos cidados a um espao territorial determinado e, a partir dele, a organizao poltica. A unidade de participao popular aria a se chamar, assim, OTB - Organizao Territorial de Base.

A busca pela participao, pelo reconhecimento de direitos coletivos, comum a praticamente todos os Estados latino-americanos, que tm reinventado o sistema jurdico para reconhecer estas garantias coletivas e possibilitar novas perspectivas de vida local. Entretanto, o local, na lei latino-americana, est sempre vinculado a um espao territorial. Os povos e os direitos que extrapolam um espao territorial determinado ficaram fora do sistema. O reconhecimento de direitos coletivos dos povos indgenas fica, assim, limitado a um territrio e se faz necessrio, para o sistema, localiz-lo em um territrio.

Exatamente essa relao de direitos coletivos com um territrio est na raiz dos limitados direitos das populaes de origem africana, que tanto no Brasil como na Colmbia tm direitos reconhecidos em espaos demarcados, como remanescentes de antigas comunidades que viviam escondidas do sistema escravista. Este direito n se estende aos demais descendentes.

Na proteo dos direitos coletivos ambientais, tambm recentemente criados, a territorialidade tem a mesma importncia. O sistema jurdico ou a proteger espaos territoriais que pode chamar de unidades de conservao. Os espaos territoriais so definidos pela funo que exercem ou podem exercer, como as matas ciliares, ou porque so remanescentes de biotas preservadas. As reas preservadas em geral so terras por qualquer razo inveis ou ainda fora da fronteira agrcola. Entre as causas da inibilidade est a presena de povos indgenas que lutam pela sua posse, como o exemplo de largos trechos da Amaznia.

Assim, quando o povo e seus direitos esto circunscritos a um territrio, apesar das dificuldades j expostas, tem sido possvel reconhec-los e garanti-los. Uma grande dificuldade surge quando no h essa circunscrio territorial, como no caso dos ciganos, ou a circunscrio no clara, como no caso dos Guarani.

De fato, h povos que sempre entenderam a possibilidade de seu territrio ser partilhado por outros povos, convivendo num mesmo espao, com mtuo respeito, culturas diferentes. Muitas terras indgenas demarcadas abrigam mais de um povo, como a Terra Indgena do Alto Rio Negro, com suas vinte etnias diferentes. O problema de compatilhar o territrio exclusivamente dos povos que o habitam, desde que esteja demarcado e reconhecido pelo respectivo Estado Nacional (Povos Indgenas, 2000: 243).

No mesma coisa com o territrio Guarani, como j se viu. Outros povos, como os kaingang e os xokleng, viviam no espao que os guarani consideravam ser seu. Por isso no foi muito grave que os brancos tambm chegassem e ocuem parte dessas terras. A diferena que os brancos no s ocuparam, mas alteraram em profundidade a biota, trocando a natureza, isto , substituindo as plantas e os animais, alterando os acidentes geogrficos, derrubando florestas, cortando morros, construindo lagos, secando mangues.

Os guaranis, que pelo seu direito compartiam territrios, comearam a se sentir cada vez mais expulsos de sua prpria terra porque j no podiam reconhecer os locais onde se manifestavam os espritos dos anteados e recebiam os conselhos e punies dos deuses. A terra j no era a mesma e com seu desaparecimento j no tinha sentido compartir o territrio. Os guaranis, viajantes do tempo e do espao, buscam o direito de continuar vivendo onde seu territrio existe com flora, fauna e acidentes que conhecem e cuja linguagem podem entender e se fazer entender. Esses lugares, entretanto, so os mesmos que a civilizao ou o direito atual considera bens de direito coletivo, bens de todos, guarda e mostra do meio ambiente ecologicamente equilibrado. E a, dizem os intrpretes, no se aceitam seres humanos; as unidades de conservao, ou os espaos que sobraram da devastao, devem ficar inclumes.

Dois direitos coletivos, aqui, se conflitam. Mas um falso conflito, porque ambos buscam guardar, preservar um territrio contra a devastao da propriedade privada, do direito individual da acumulao dos bens, inclusive florestais. falso conflito porque os ndios no guardam apenas a floresta, mas o conhecimento a ela associado, inclusive os segredos de seu renascimento. Os guarani conhecem cada planta e suas associaes com animais e solos e, ao ser reforado este e aquele direito coletivo, confrontado com os direitos individuais e suas estranhas patentes, possvel sonhar que um outro Direito pode ser inventado, que da aridez do velho direito individual pode nascer uma rosa.

Ao se itir direitos coletivos de povos, surge no horizonte a possibilidade de reivindicar direitos que no so territoriais, embora as vezes apaream ligados a um espao de terra, como o dos guarani. Exemplo tpico o da parcela de povo pankararu, originrio do nordeste brasileiro, mas que imigrou para o sudeste, acabando por viver em favelas de So Paulo. A reivindicao desta parcela no voltar para seu territrio tradicional, onde vive a maioria de seus parentes, mas conseguir um espao cultural rural em So Paulo, onde possam cultivar plantas sagradas e praticar seus rituais longe de olhos curiosos de vizinhos amedrontados e no raras vezes violentos.

Outros povos que jamais reivindicaram territrio exclusivo, mas que comeam a reclamar direitos, na medida em que vislumbram a possibilidade de uma vida menos secreta, por que menos perigosa, o cigano.

Por outro lado, o problema no termina quando a terra demarcada, ainda que em dimenso adequada ao povo que a habita, como ficou demonstrado na urbanizao desordenada e no prevista da criao de cidades indgenas na Amaznia.

9. OS DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS, CULTURAIS E AMBIENTAIS.

claro que os direitos coletivos, especialmente dos povos indgenas, no se limitam questo do territrio, ultraam-no e atingem o mago do direito ao desenvolvimento, ou aos direitos humanos econmicos, sociais, culturais e ambientais. A diferena destes direitos daqueles estabelecidos nos pactos internacionais de direitos humanos est no carter coletivo que estes adquirem e que por isso representam uma novidade para o sistema jurdico e potencializa sua funo emancipatria.

Tanto no Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, como no Pacto Internacional de Direitos Cvicos e Polticos, ambos de 16 de dezembro de 1966, a idia a garantia de direitos individuais. O artigo primeiro dos dois Pactos idntico e tratam dos direitos dos povos. Afirmam que os povos tm direito de dispor de si mesmo e determinar o seu estatuto poltico, promovendo livremente o seu desenvolvimento econmico, social e cultural. Neste sentido, ambos Pactos reconhecem aos povos o poder de dispor livremente de suas riquezas e recursos naturais, no podendo jamais ser privados de seus meios de subsistncia.

O conceito de povo para a ONU e para o direito internacional, que est empregado nos Pactos e outros documentos oficiais, se limita base humana de um Estado Nacional, sem qualquer diferenciao interna. Povo, ento, quer dizer a soma simples de todos os cidados individualmente tratados e que vivem sob um territrio nacional determinado, jurisdicionado por um Estado. A Constituio do Estado Nacional deve reconhecer direito a todos e a cada cidado, por igual. Nesta perspectiva as minorias, os excludos, as populaes locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os anteriores e os distantes que no participam da direo do Estado tm seus direitos civis, polticos, econmicos, sociais, culturais e ambientais, escolhidos pelo Estado, ou pela classe dirigente do Estado, e no por sua organizao prpria.

Neste conceito de povo fica clara a armadilha da autodeterminao. Os povos tm a autodeterminao para se constituir em Estado, desde que no estejam sob a jurisdio de um Estado j constitudo. Organizado o Estado, a autodeterminao, ou a livre disposio de si mesmo como povo, significa o seguimento das regras legais estabelecidas pelo prprio Estado. O reconhecimento do direito de autodeterminao dos povos, pelo direito internacional , pois, o direito autodeterminao dos Estados que garantam os direito individuais, entre eles o de propriedade.

Portanto o conceito de povo dos Pactos no o mesmo usado neste trabalho, nem est adequado aos povos indgenas. Alis isto claro para o Direito Internacional. A Organizao Internacional do Trabalho produziu duas Convenes acerca dos povos indgenas, a Conveno 107, de 5 de julho de 1957 e, mais recentemente, a Conveno 169, de 27 de junho de 1989. O primeiro versava "sobre a proteo e integrao das populaes tribais e semitribais de pases independentes" e adiantava o que viria disposto no Pacto dos Direitos Civis e Polticos quase dez anos depois, e que no artigo 27 proibia aos Estados negar s pessoas pertencentes a minorias tnicas, religiosas ou lingsticas os direitos de convivncia e uso comum da cultura, religio e idioma.

O carter destes direitos eram individuais, porque o chamado catlogo de direitos itia apenas direitos individuais, qualquer idia coletiva era entendida como metajurdica, isto , era reivindicao poltica ou social, muitas vezes proibida, alcanando a categoria de antijurdica.

A Conveno 169, ao contrrio, em seu prembulo reconhece o desejo dos "povos indgenas e tribais ao controle de suas prprias instituies, formas de vida e de desenvolvimento econmico compatvel com sua identidade cultural, lingistica e religiosa", dentro dos marcos legais dos Estados em que vivem. Assim , estabelece que o Convnio se aplica aos "povos tribais em pases independentes". (Gmez, 1991)

A Conveno mudava o carter do direito, considerando-o coletivo e os Estados Nacionais no itiram que a palavra "povo", mesmo acrescida de tribais, fosse o designativo das populaes indgenas. Para resolver o ime, a Conveno estabeleceu que a palavra povo, quando empregada por ela, no tinha o significado que lhe d o direito internacional. Com isso, imaginam os Estados que ficava afastada a interpretao de que os povos indgenas venham a ter direito a autodeterminao, isto , constituio de Estados prprios.

Os povos indgenas latino-americanos, embora tenham participado das guerras de independncia, nunca se propam a constituir Estados prprios; sempre lutaram por direitos prprios em territrio compartido e em respeito s formas de vida de cada um. Isto fica muito claro, hoje, no levante indgena de Chiapas, Mxico, e nas lutas Mapuche no Chile, ambas com momento de duro enfrentamento aos Estados Nacionais, no caso de Chiapas inclusive com armas. Apesar disso, as elites locais temem que cada povo, ou alguns deles, lutem por uma independncia local, enfraquecendo a soberania nacional.

Ironicamente, o enfraquecimento das soberanias nacionais est se dando pela globalizao, enquanto os povos locais precisam - exatamente na luta contra esta globalizao que uma vez mais tenta integr-los no mais como cidados, mas como consumidores ou fornecedores de conhecimento - de soberanias nacionais fortes que consigam garantir seus direitos coletivos de sobrevivncia.

Por isso as minorias, os excludos, as populaes locais organicamente estruturadas, os esquecidos, os anteriores, os distantes, os que no tm capital, precisam de um Estado forte que os proteja dos direitos individuais, dos proprietrios, dos capitais e dos poderes globais. Precisam reinventar o Estado, retirando-lhe a lgica do capital, substituindo-a pela lgica dos povos.

Curitiba, junho de 2001.

Carlos Frederico Mars de Souza Filho

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