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A
Espionagem do Exrcito e a Questo dos Mortos e Desaparecidos Polticos
Ceclia
Maria Bouas Coimbra1
No ms de junho do
corrente ano, por solicitao da Procuradoria
Geral da Repblica do RJ atravs de petio feita pelo
Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e outras entidades de direitos humanos
os Procuradores da Repblica Guilherme Schelb (DF), Marlon Alberto
Weinchert (SP), Ubiratan Cazzeta e Felcio pontes (PA) instalaram Inqurito
Civil Pblico visando esclarecer fatos relacionados Guerrilha do
Araguaia (episdio sempre negado pelo Exrcito e que ocorreu no sul do
estado do Par, de 1972 a 1974, quando aconteceu o massacre de 69
militantes polticos do PCdoB, fora dezenas de moradores da regio que
foram exterminados e transformados em desaparecidos. Nesta operao
foram utilizados cerca de 3.500 homens do Exrcito) Em diligncias
feitas na cidade de Marab (sul do Par), o Ministrio Pblico
Federal e a Polcia Federal apreenderam documentos, divulgados pela
Folha de So Paulo, que revelam o desrespeito ordem democrtica e
prpria Constituio Brasileira.
Estes papis
apareceram por acaso, durante um inqurito do Ministrio Pblico para
localizar os restos mortais dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.
Os procuradores realizaram uma operao de busca numa instalao do
Exrcito, disfarada de agncia de notcias, onde os
jornalistas eram, em realidade, agentes secretos.
O contedo desses
documentos mostram que muitos dispositivos e servios de informao,
to fortalecidos durante a ditadura militar, perduram at hoje. Desde
o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o termo
subversivo, utilizado nos anos 60 e 70, foi trocado por foras
adversas para designar movimentos populares e organizaes sociais.
Eles so equiparados ao crime organizado e ao narcotrfico. Um dos
textos afirma que a polcia, para assegurar a ordem e o bem pblicos,
se permite arranhar direitos dos cidados numa espcie de arbtrio
necessrio.2
Nos documentos
descobertos, a definio de foras adversas aparece como grupos,
movimentos sociais, entidades e ONGs (...) que provocam reflexos
negativos para a segurana nacional (...). No momento atual,
verificam-se exemplos dessas entidades no crime organizado, no narcotrfico
e nos movimentos populares como o MST.
O Exrcito ainda
coloca a hiptese destes grupos realizarem atos de sabotagem
contra suas instalaes. Caso isso ocorra, a recomendao aos
agentes clara: repelir e/ou eliminar a fora adversa que tenha se
infiltrado. Nessas ocasies, deve-se fornecer ao rgo de Inteligncia
armamento e munio a todos os integrantes .
Em 1998, o Exrcito
deflagrou um plano secreto para espionar o MST, chamado de Operao
Pescado. Esse plano financiado com verbas pblicas ocultas e
possui durao indeterminada. Com o objetivo de justificar esse
plano, o Exrcito traou um perfil revolucionrio do MST em seus
documentos, que dizem: [O MST tem]objetivo definido de tumultuar a
ordem vigente e comprometer a confiana nas instituies e no regime
atual do governo. A cada novo relatrio, os agentes recomendam o
prosseguimento dessa operao. Em 30 de agosto de 2000, o capito
Andr Luiz Silva anotou: A Operao Pescado deve continuar, devido
(...) importncia de manter um constante acompanhamento do alvo, que
pode se tornar, a qualquer momento, fora adversa em operaes de
garantia da lei e da ordem.
Alm do MST, outros
movimentos esto sob vigilncia: MLT (Movimento de Luta pela Terra),
MTRB (Movimento dos Trabalhadores Rurais Brasileiros), MNT
(Movimento Nacional dos Trabalhadores), MMBTRST (Movimento Muda Brasil
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e T (Comisso Pastoral da Terra).
No incio de 2000, o
Exrcito iniciou outra operao secreta contra o MST, chamada
Tempestade. Segundo documentos divulgados pela Folha de S. Paulo,
o objetivo desta misso era levantar a localizao e a data de
invases, manifestaes e ocupaes do MST. A operao durou
at setembro de 2000.
Alm disso, os
documentos divulgados revelam que o Exrcito montou outra operao
secreta, denominada Poseidon, para espionar ONGs. Esses textos
indicam que a inteligncia do Exrcito tem interesse especial por
entidades de defesa do meio ambiente, de direitos humanos e que
trabalham com a questo indgena.
Foi descoberta tambm
uma tabela de preos usada por pistoleiros na regio norte do pas.
Essa tabela revela que, em Marab, a morte de um trabalhador rural
pode no valer mais do que uma dose de cachaa. Se [o trabalhador] for
ligado ao MST, o custo costuma ser de R$ 5.000. A morte de um fiscal
do Ibama considerado rigoroso pode chegar a R$ 10 mil e a morte de um
delegado de polcia pode custar
R$ 15 mil. Alm disso, a tabela indica que comerciantes, vereadores,
fazendeiros e polticos em geral podem ser assassinados por recompensas
que variam de R$ 5.000 a R$ 10.000.
A correta atitude do
Ministrio Pblico Federal de trazer a pblico a espionagem que, em
pleno incio do sculo XXI, ainda acontece sofreu um duro golpe. Em
final de agosto do corrente ano, atendendo a um mandato de segurana da
Advocacia Geral da Unio, foi concedida liminar pelo juiz Joo Batista
Gomes Moreira, do Tribunal Regional Federal, que determinou
a imediata devoluo de toda a documentao do Servio de
Inteligncia do Exrcito, apreendida em Marab.
Estes documentos foram
tambm encontrados em outras duas casas (uma em Brejo Grande e outra em
Nova Marab) utilizadas pelo Exrcito como escritrios clandestinos
com vistas ao monitoramento das atividades na regio. Como j
afirmado, tal quadro demonstra claramente, a manuteno do aparato
repressivo relativo ao sistema de inteligncia do governo federal, no
obstante a reformulao de sua estrutura, ocorrida em 1994.
Antes da expedio do
mandato de segurana, em agosto do ano corrente, o Comandante Militar
da Amaznia, General Valdcio Guilherme de Figueiredo oficiou Justia
Federal de Marab, queixando-se da apreenso dos documentos,
referindo-se aos funcionrios que procederam apreenso em
decorrncia de autorizao judicial de supostos agentes do
Departamento de Polcia Federal e supostos Procuradores da Repblica
(Folha de So Paulo, 27/08/01)
Parte da documentao,
encontrada no sul do Par, apontou tambm para a chamada Operao
Anjos da Guarda, ou seja, a vigilncia e o monitoramento aos
ex-colaboradores do Exrcito na regio que atuaram na represso
Guerrilha do Araguaia. Tal operao tem consistido em fornecer cestas
de alimentos, armas consideradas frias e ajuda em dinheiro para os que
colaboraram com o Exrcito, naquela regio, no perodo da ditadura
militar.
Entre os documentos que
dizem respeito guerrilha do Araguaia constam relatrios com detalhes
do ponto de vista estratgico-militar, fazendo parte das Operaes
Papagaio (1972) e Sucuri (1973-1974). Foram tambm
encontradas listagens com nomes de guerrilheiros mortos e presos, de
moradores da regio e dos militares, com identidades plantadas, que
fizeram parte das duas operaes. Outros documentos apontam, o que as
entidades de direitos humanos h muito denunciavam, que os corpos dos
opositores polticos mortos, at hoje desaparecidos, no foram
jogados a esmo na selva. Depois de identificados, acabaram em covas
selecionadas (Folha de So Paulo, 19/08/01, p. A14).
Enquanto isto, o Exrcito,
em 07/08/01, em nota oficial divulgada afirmava que: Quanto aos
desaparecidos nos combates travados naquela regio, importante
salientar o que o Exrcito tem reiterado exaustivamente quando
consultado a respeito do assunto: nos arquivos existentes, nada foi
encontrado que pudesse indicar a localizao de seus corpos
(Folha de So Paulo, Idem)
Outros documentos do
Centro de Informaes do Exrcito, de abril de 1973, apresentam os
nomes e codinomes de 32 militares mobilizados para espreitar a guerrilha
que contaram com o apoio de 21 civis, muitos dos quais recrutados na rea.
O Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ pesquisando em suas listagens e nas do Projeto Brasil Nunca
Mais, coordenado pela Arquidiocese de So Paulo, levantou que 5 desses
militares j haviam sido denunciados como torturadores e membros do
aparato de represso. importante enfatizar que o Projeto Brasil
Nunca Mais uma das radiografias mais completas sobre o regime
militar o resultado da microfilmagem de todos os processos
vinculados questo da segurana nacional
que se encontram no Superior Tribunal Militar, abarcando o perodo
de 1964 a 1979. Trata-se, portanto, de documentao oficial que no
pode ser rotulada de facciosa. Os 5 militares cujos nomes constam nesse
Projeto Brasil Nunca Mais so: Armando Honrio da Silva (3 Sargento
do Exrcito, servindo em Braslia); Milhurges Alves Ferreira (2
Sargento, do Exrcito, servindo em Goinia); Aluzio Madruga de
Moreira e Souza (1 Tenente da Aeronutica, servindo no Rio de
Janeiro); Jos dos Reis (3 Sargento do Exrcito, servindo em Braslia);
Joaquim Artur Lopes de Souza (3o
Sargento do Exrcito, servindo em Braslia).
Os documentos
demonstram, ainda, que as duas operaes realizadas pelo Exrcito na
regio contaram com o apoio da Marinha, da Aeronutica e de policiais
militares do Maranho, Par e Gois (Folha de So Paulo, idem).
Todas essas informaes
oficiais, cujo teor foi ainda muito pouco divulgado, demonstram
cabalmente duas questes. A primeira, diz respeito existncia dos
chamados arquivos secretos da represso (SNI, DOI-CODIs, Servios
Secretos da Marinha, Exrcito e Aeronutica) que at agora no
foram trazidos a pblico. At hoje as autoridades militares e civis de
nosso pas teimam em afirmar que tais arquivos no existem. Com esses
documentos comea a ser revelada a histria das violncias cometidas,
com o carimbo oficial, em um dos mais sangrentos episdios de nosso
ado recente: a guerrilha do Araguaia. Segredos, entretanto, que
ainda esto longe de serem totalmente revelados e trazidos ao
conhecimento de toda a sociedade.
A segunda questo,
continuidade desta primeira, a de que a histria das mortes e
desaparecimentos ocorridos durante o perodo de terrorismo de Estado,
em nosso pas, uma questo em aberto. O esclarecimento desses
assassinatos cometidos em nome da Segurana Nacional, e a
responsabilizao de seus mandantes e executores ainda no se fez.
Vale ressaltar o
trabalho desenvolvido, de 1996 a 1998, pela Comisso Especial criada
pela Lei 9.140/95 sobre mortos e desaparecidos polticos, que
reconheceu apesar das limitaes da Lei centenas de militantes
mortos sob a guarda do Estado, trazendo ao conhecimento pblico as
circunstncias de algumas de suas mortes. Entretanto, a segunda parte
dos trabalhos prevista pela prpria Lei que deveria ser a
investigao dos locais onde estariam os restos mortais dos
desaparecidos e de alguns mortos e o depoimento de vrias autoridades
elencadas nas peties feitas pelos familiares para prestarem
esclarecimentos, at hoje no aconteceu. Desde 1998 esta Comisso no
mais se reuniu. No exterior as autoridades brasileiras tm afirmado,
inclusive em instncias de direitos humanos internacionais, que a
questo das mortes e desaparecimentos polticos ocorridos durante o
perodo da ditadura militar uma pgina virada de nossa histria;
uma questo j resolvida.
Em alto e bom som
afirmamos que no. Todos aqueles que defendem os direitos humanos e o
resgate de nossa histria continuam lutando pela:
1 imediata abertura
de todos os arquivos da represso.
2 Esclarecimento
das circunstncias em que se deram as mortes e os desaparecimentos e os
seus responsveis.
3 Localizao dos
restos mortais desses militantes desaparecidos e mortos.
4 Ampliao da
Lei 9.140/95 que dever contemplar os mortos em manifestaes pblicas
durante a ditadura militar; que no dever restringir o prazo para os
familiares requererem os seus direitos; que dever estender o perodo
de sua abrangncia at o final da ditadura, em 1985 e que dever
colocar o nus das provas nas mos do Estado e no na dos familiares,
como ainda se encontra na letra da referida Lei.
Depois de 11 anos
paradas em uma sala do Departamento de Medicina Legal da Unicamp, mais
de mil ossadas encontradas em vala clandestina do Cemitrio de Perus so
transferidas para So Paulo e am por nova anlise.
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