553n45
A
CONTRADIO DO MODELO
a2t4h
Pe. Roque Grazziotin
Democracia
com fome, sem emprego, educao e sade para a maioria, uma concha
vazia (Mandela)
O
ano de 1998 foi cruel para os trabalhadores e trabalhadoras. A implementao
do Estado de bem estar social, que vigia nas dcadas anteriores, no foi
capaz de eliminar o carter
burgus do Estado. Mesmo assim os trabalhadores e trabalhadoras avanaram
em conquistas histricas. No entanto, a dcada de 80 foi um marco para o
inicio do desmantelamento destas conquistas e a
classe j acumula uma sucesso de golpes aos seus direitos
adquiridos. Direitos previdencirios, flexibilidade na contratao
que inclui contratos terceirizados, reduo da jornada de trabalho com
reduo de salrios, ausncia de contrato foram as inovaes
que a modernidade apresentou, democraticamente, como alternativas na forma
de isso ou rua.
O
economistas sucedem-se nos centro de poder, mas sem conseguir atingir o
cerne da nossa questo: a pobreza e sua conseqncias. Talvez porque
pobreza no seja assunto de economista. Foi um deles, o professor Cristvam
Buarque, que afirmou que o assunto da economia a riqueza. Nossos
economistas no entendem nada de pobreza, porque os cursos de economia
ensinam a aumentar a riqueza. Mais uma conseqncia da importao do
saber acadmico. Por isto importante estarmos discutindo estes temas
entre aqueles que, talvez pretensamente, esto empenhados na busca de
alternativas para o combate pobreza.
O
que nossos economistas tem conseguido at agora
aponta no sentido de confirmar a teoria do professor Buarque.A
concentrao da riqueza alcana estatsticas que espantam e assustam.
Apenas 385 famlias mais ricas do mundo detm mais bens materiais do que
2,5 bilhes de pessoas mais pobres.
Outro
elemento aponta que mesmo tendo a renda per capita mundial crescido sete
vezes nos ltimos cinqenta anos, nos pases do Terceiro Mundo os salrios
reais cairam em at 80%. Inclusive no pas que cone da
modernidade e democracia, os Estados Unidos, 1% da populao
concentra mais de 40% da riqueza daquele pas que esconde cotidiana e
deliberadamente a existncia de uma populao de miserveis que em vris
estados americanos chega a 15%.
A
formao de blocos regionais supranacionais e o G7 e o Conselho de
Segurana da ONU trabalham no sentido de aprofundar esta poltica de
excluso e interferncia na soberania dos povos subdesenvolvidos, agindo
como um governo global.
O
fascnio que a "modernidade" exerce sobre nossos governantes, cultuada,
propagandeada como o novo,
encanta aqueles que
acreditam que as favelas que nos cercam so miragens, que a violncia da
fome se combate com mais represso, e que ao fim o que interessa o
carro do ano. O que no conseguem explicar, e talvez nem queiram, so
algumas contradies deste modelito.
E
a grande contradio que surge neste novo milnio a crescente excluso
social, que condena fome e misria milhes de seres humanos em
todo o mundo. O desemprego surge nesta dcada com caractersticas de catstrofe,
fruto de uma opo ideolgica deliberada e aprofundada. Reaparece com
ndices alarmantes o trabalho escravo. O trabalho infantil encarado
como opo para tirar menores da rua. Economia informal
e setor de servios so nomes pomposos, modernos, para a
atividade milenarmente desenvolvida pelos camels, e que via de regra
a ltima alternativa marginalidade.
A
gesto "racional"
para um mundo onde no existe espao para o ser humano. Corta-se cabeas com a mesma naturalidade que reivindicam lugares
exclusivos para eios de cachorrinhos de raa. No h
responsabilidade social, a exceo das belas propagandas.
Coloco
aqui alguns dados coletados em diversas publicaes da imprensa e de
entidades.
A
populao mais pobre do pas, com renda per capita inferior a R$ 34,00
por ms, recebe uma fatia menor dos gastos sociais feitos com recursos pblicos
do que a parcela que tem renda mais alta acima de dois salrios mnimos,
conforme estudo do economista Jos Mrcio Camargo, professor da PUC do
Rio de Janeiro. Isto indica que 60% dos recursos aplicados na rea social
em todas as esferas de governo so apropriados pela metade da populao
que detm renda maior.
J
em 1994 o Banco Mundial constatava que a distribuio dos recursos pblicos
brasileiros investidos na rea social era pr-ricos.
O
relatrio de 1999 do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
aponta que o Brasil continua campeo em concentrao de renda: o
Produto Interno Bruto percapita dos 20% mais ricos US$ 18.563,00 -
32 vezes maior que o dos 20% mais pobres US$ 578,00.
Dados
mais recentes citados pelo relatrio apontam na mesma direo, como os
do relatrio de 1998 do BID Banco Interamericano de Desenvolvimento.
O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, do Brasil o
pior entre pases latino-americanos: 0,59 s igualado pelo Paraguai.
Isso porque os 20% mais pobres ficam com apenas 2,5% da renda, enquanto
que os 20% mais ricos detm 63,4% dela.
Um
dos aspectos mais interessantes revelados pelos dados que esto no relatrio
de 99 que o crescimento econmico no est necessariamente ligado
melhoria de qualidade de vida da populao.
Entre
1975 e 1997, o PIB per capita brasileiro cresceu mais rapidamente que o ndice
de Desenvolvimento Humano do pas: 1,1% ao ano, contra 0,7% . Em outras
palavras, o pas enriqueceu, mas no conseguiu transformar esta riqueza
em maior expectativa de vida para a populao.
Essa
correlao mudou atravs das dcadas. Nos anos 70, a renda nacional
cresceu quatro vezes mais rpido do que o Desenvolvimento Humano. Nos 80,
a tendncia se inverteu, e os ganhos sociais superaram os econmicos.
At
agora a tendncia verificada nos anos 90 semelhante do final do
milagre econmico. A renda voltou a crescer mais rpido do que o lado
social: o PIB per capita do pas aumentou 1,13% em mdia por ano,
enquanto o IDH subiu a taxa anual de 0,61%.
O
relatrio cita esse dado para justificar a tese central deste ano, a de
que a integrao econmica do planeta a chamada globalizao
tem contribudo para aumentar a desigualdade.
O
relatrio faz uma forte crtica globalizao da forma como vem
sendo feita, com forte hegemonia do liberalismo, de que Reino Unido e
Estados Unidos so campees. ouve
uma maior ateno s normas, padres, polticas e instituies para
abrir os mercados mundiais do que para as pessoas e seus direitos
diz o PNUD.
Segundo
pesquisa do Unicef Fundo das Naes Unidas para a Infncia, o
Brasil tem hoje pelo menos 50 mil crianas e adolescentes que vivem e
trabalham em depsitos de lixo a cu aberto. Estas crianas esto fora
da escola e recebem entre 1 e 6 reais por dia, que tambm a principal
fonte de alimentao dessas crianas. As crianas que nasceram no ano
ado em Feira Grande, no Nordeste brasileiro, correm o mesmo risco de
morrer antes de completarem 1 ano que uma criana nascida em Botswana na
frica na dcada de 60. Para cada mil nascidos vivos, 118,18 morrero
sem completar aniversrio e esta a situao de mais 8 municpios
alagoanos que lideram o ranking da mortalidade infantil no Brasil, cuja mdia
brasileira em 98 foi de 36 mortos por mil nascidos vivos.
A
diferena entre as chances de sobrevivncia de alagoanos e paulistas,
por exemplo, mostra que o Brasil vive uma situao paradoxal em relao
ao combate mortalidade infantil.
No
que diz respeito ao saneamento bsico, nosso pas tem muito o que fazer.
Uma preocupao que deveria ser primria, ou seja, o destino do lixo, no
faz parte de qualquer programa ou inteno governamental. 88% do lixo no
Brasil depositado a cu aberto e 46 milhes de brasileiros moram em
cidades em que no h coleta domiciliar.
Isto
nos faz refletir, apontando que em determinadas regies brasileiras,
vive-se como nos primrdios da idade mdia. Doenas tpicas da pobreza
como a tuberculose, a paralisia infantil, febre amarela,
leptospirose, varicela, sarampo e doenas de pele comeam a reaparecer.
O trabalho escravo continua sendo uma prtica cotidiana em vrias
localidades.S em Ribeiro Branco, mil famlias de lavradores esto
trabalhando nas fazendas em troca de comida, ando seis meses na roa
sem receber um tosto, num tpico trabalho escravo.
Quase
40% da populao urbana brasileira vive abaixo da linha de pobreza. No
h mais bolses isolados, e nem a pobreza a pobreza decorre
necessariamente da insero profissional das pessoas em atividades de
baixa produtividade. Hoje, os pobres se espalham por todos os setores da
economia, inclusive entre os servidores pblicos e os empregados de
empresas privadas modernas, conforme dados da Comisso Econmica para a
Amrica Latina Cepal, no seu relatrio Panorama Social da Amrica
Latina(1996).
Seja
qual for o critrio adotado, a pobreza e a desigualdade existentes no
Brasil so incompatveis com a capacidade produtiva que nossa sociedade
j adquiriu. Nesses aspectos, como se sabe, estamos atrs de pases
muito mais pobres e muito mais frgeis.
No
contexto atual, o governo opta por um combate pobreza na forma de poltica
sociais compensatrias, em si mesmas muito limitadas, diante de um modelo
econmico excludente. Alm disso, elas dependem da ao de um Estado
financeiramente fragilizado pelo pagamento dos juros internos e externos.
O resultado mais grave deste processo a expanso da pobreza absoluta,
principalmente em reas de desemprego estrutural no interior das grandes
cidades, onde predominam atividades marginais ou um tercirio informal de
baixssima produtividade, e em reas do interior que combinam alta
densidade demogrfica e agricultura estagnada.
O
conflito entre o moderno e o antigo, podemos v-lo todos os dias nas
ruas. Ao mesmo tempo que as vias comportam um nmero crescente de carros
novos, modelos importados, tambm recebem um nmero crescente de homens
e mulheres que substituem o cavalo na tarefa de puxar carroas. Enquanto
as grades sobem protegendo edifcios, casas e at catedrais, homens,
mulheres e crianas buscam as platibandas para amontoar os ossos.
Este
exrcito de desvalidos at pouco tempo estava nas fbricas, nos bancos,
no comrcio e no servio pblico. A modernidade
os expulsou da produo de forma massiva e deliberada. Trata-se de uma
opo poltica e ideolgica. Perversa, cruel, mas opo que agride o
ser humano naquilo que representa a nica riqueza at ento inalienvel:
sua fora de trabalho. Esta sua fortuna, a mercadoria de que dispe
para o mercado.
Retirando
este bem, retiram tambm sua dignidade, sua sobrevivncia. Fica quebrada
a espinha dorsal que nos mantm eretos e com olhos para o futuro.
E
a prodigalidade dos socilogos, dos intelectuais que diariamente gastam
montanhas de papel, de propaganda e horas interminveis para
consubstanciar suas teorias realmente motivo para que a realidade se
levante e se apresente com toda a fora da indignao
Que
esperarmos da me que tem em casa os filhos famlicos e que s pode ver
as opulentas prateleiras dos supermercados? E o pai, de quem depende uma
famlia inteira, que j peregrinou por todas as filas e que se depara
com a agressiva riqueza de outros to seus iguais? Que reao cobrar do
jovem que no encontra oportunidades, que no v perspectivas?
Sabemos
as respostas. E at agora, a nica resposta que o Estado tem dado
estes cidados e cidads a fora na rebeldia, ou a indiferena na
placidez. A sociedade responde com medo. Sobra a solidariedade dos
realmente iguais. Mesmo abundante, esta solidariedade se esgota na
incapacidade de to poucas iniciativas para atenderem a tantos.
O
Estado do Rio Grande do Sul ou a conviver com este drama, que j
assumiu propores de crise, nos ltimos quatro anos. No ano de 1998 a
estatstica apontava mais de 850 mil desempregados. Seres humanos j
sucumbiram de fome, de frio.
Para
fugir do medo, para no sermos responsabilizados, por sermos solidrios,
seja qual for a motivao, necessrio uma atitude que no seja a da
fora ou a da omisso.
Apontamos
at agora as contradies deste sistema que vige, e j conclumos,
redundantemente, que ele perverso para o ser humano e que uma guinada,
um vento forte, uma reao popular pode inverter esta lgica.
Isto
porque somos um pas pobre, com brutais desigualdades, mas no somos
miserveis. Temos uma populao que ainda pode ser considerada jovem.
Quadros tcnicos em bom nmero. Agricultura capaz de responder com
rapidez a estmulos adequados. Vasto espao geogrfico, recheado de
recursos. Centros internos geradores de dinamismo.
Nossas
potencialidades territoriais, de recursos naturais e humanos so nossa
fora. Poucos pases no mundo tm mais de 160 milhes de pessoas com
uma relao altamente favorvel entre populao, territrio e
recursos.
Precisamos
valorizar nosso povo. Seus governantes tm que efetivamente amar seu povo
e seu pas, e para isto ser preciso transformar a eliminao da
pobreza e da incultura, sob todas as sua formas, em um objetivo explcito
ao qual a sociedade subordina os demais.
No
entanto este processo, sabemos todos, no acontece da noite para o dia.
preciso governantes imbudos deste propsito. A certeza que temos at
agora que temos sido governados desde o Brasil Colnia, por
oligarquias que se apropriaram das nossas riquezas, usaram nossa fora de
trabalho, consolidando seu domnio, suas fortunas e a desigualdade
social.
Outro
elemento fundamental para discutir pobreza no Brasil, a Dvida Externa
hoje quase que um cone sagrado. Esta dvida que na poca do golpe
militar era de pouco mais de 2 bilhes de dlares, alcanou em 1998 a
espetacular quantia de 212 bilhes de dlares. S de 1995 a 1998, perodo
em que o atual presidente da Repblica foi Ministro da Economia, o
governo brasileiro mandou para o exterior 80 bilhes de dlares para
pagar juros e parte da dvida. O fato que j pagamos aos credores
internacionais muito mais do que recebemos de emprstimo. Enquanto isto,
cresce a dvida social destes governos para com seu povo, onde temos
escolas pblicas em situao de penria, hospitais enfrentando um cenrio
de verdadeira guerra civil, a reforma agrria que no sai do papel.
Conforme nmeros do Instituto de Estudos Socioeconmicos INESC, a
execuo oramentria de 1999 do primeiro semestre demonstra que
apenas R$ 738 milhes (8,45% do total) foram investidos efetivamente na
rea social. Para o pagamento de juros e encargos da dvida pblica,
porm, o tratamento mais generoso, sendo destinados R$ 28,57 bilhes,
ou seja, quase 40 vezes mais.
Cabe
ainda neste ponto da dvida, abordarmos a questo da dvida externa
privada, porque so elementos que no tm sido explicados com a devida
clareza. Os economistas do governo afirmam que tem uma reserva de dinheiro
em dlares suficiente para pagar o que deve. Sobre o resto - a maior
parte da dvida externa de empresas daqui que contraram emprstimos
com outras empresas no exterior - o governo afirma que no tem
responsabilidade sobre estas operaes.
Isto
literalmente no verdade. As empresas que buscam emprstimos no
exterior porque os juros so mais baratos, de 5% ao ano, tem suas dvidas
garantidas pelo governo. E na hora de pagar estes crditos, a moeda o
dlar. Quem vende dlares para os empresrios brasileiros o Banco
Central, que por sua vez comprou estes dlares do exterior com juros de
20% ao ano. Esta feita a ciranda: o governo que paga juros de 20% ao
exterior para rear aos capitalistas a 5%, ficando com 15% de prejuzo,
que nosso, meu , de vocs, de todos! Isto porque o governo tem que
fazer caixa optando por aumento de impostos, cortando crdito para
consumidores, arrochando salrios para frear o consumo, sobrando assim
mais mercadorias para exportar e acima de tudo deixando de cumprir seus
compromissos com a dvida social. Isto tem um nome bem conhecido nosso:
recesso, cuja principal conseqncia o desemprego e o aumento da
misria da maioria do nosso povo.
Cabe
ento algumas indagaes: que culpa temos no endividamento do Brasil?
Qual foi o lucro que tivemos? Adiantou vender a Companhia Vale do Rio
Doce, a Siderrgica Nacional, uma das maiores empresas de minerao do
mundo? Valeu vender a Telebrs, segunda empresa a dar mais lucros na rea
de telecomunicaes em todo o mundo? E muito simplista e at
desonesto incutir nas mentes do povo trabalhador que deixar de pagar esta
dvida calote!
Alm
de entender que esta dvida foi contrada sem nossa autorizao, o
trabalhador v todos os dias as notcias que do conta dos enormes
calotes que empresrios do no governo, nos trabalhadores, sob forma de
falncia e concordatas, ou simplesmente deixando de pagar impostos, que
por sua vez nunca so cobrados. Sabe-se hoje que a dvida dos empresrios
com a previdncia social de 50 bilhes de reais. Somente as oito
maiores empresas devedoras calotearam o Estado e os trabalhadores em 2,26
bilhes de reais.
Algum
pode lembrar qual destes foi para a cadeia? Ou qual o ndice dos
capitalistas que ficam pobres aps uma falncia ou concordata?
Para
enfrentar esta questo de forma objetiva, em julho de 1998 aconteceu m
encontro em Braslia, envolvendo estudiosos, religiosos e entidades,
promovido pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), Conselho
Nacional de Igrejas Crists(CONIC) e a Coordenadoria Nacional de Servios(CESE).
A concluso deste encontro foi de que essa dvida impagvel.
Por
sua vez o Papa Joo Paulo II prope que no ano 2000, o ano do Jubileu,
toda a dvida externa dos pases subdesenvolvidos seja perdoada. Segundo
o Antigo Testamento, a cada 50 anos deveria haver um ano do Jubileu, em
que os escravos seriam libertados e as dvidas perdoadas.
O
grande jubileu 2000 teria este sentido, afirmando que a dvida externa
a causa de muita pobreza e de injustias, e no pode ser paga. Os
credores tm que perdoar essa dvida: uma necessidade econmica e
moral. A guisa de ilustrao, e a propsito do tema que discutimos
aqui, com o dinheiro da dvida externa daria para o governo entregar um
salrio mnimo por ms durante trs anos para todos os 30 milhes de
brasileiros que hoje esto na misria.
Somos
peregrino defensor desta idia, mas no somos ingnuos. Escapa da nossa
vontade a concretizao das propostas que julgamos corretas, enquanto um
vento forte no nos animar no sentido de assumirmos, ns os
trabalhadores, o destino deste pas e o nosso.
Tambm
no podemos ficar inertes frente s desgraas humanas que presenciamos
no dia-a-dia. Por isto acredito na semeadura de sementes de rebeldia e de
sementes de alternativas populares.
Os
sofridos homens e mulheres de nosso pas sabem que se no podem ter o
governo gerando polticas sociais que demonstrem sua preocupao com
esta parcela da populao, podem contar certamente com a solidariedade
dos seus iguais.
E
so os iguais que tem procurado alternativas de sobrevivncia em meio a
este caos social. So pequenas iniciativas, mas que trazem no seu bojo a
marca da esperana na ndole boa, honesta e trabalhadora deste povo
brasileiro.
Ento
surgem os grupos que desenvolvem uma nova tica, onde a solidariedade
a mola propulsora, plantando uma nova
cultura de comprometimento com o fim da misria.
So
experincias de economia popular e solidria. Neste experimentos que
surgiram para fugir do desemprego, o
trabalho desenvolvido cooperativo, com pequenas padarias comunitrias,
com trabalhadores da construo civil trabalhando em regime de mutiro,
oficinas de confeces, hortas comunitrias, enfim organizaes
populares que renem seus iguais.
No
se trata de excluir a responsabilidade do Estado, trata-se de sobrevivncia
num estado de guerra. Assim como a proposta que levamos ao Legislativo de
um Programa de Frentes Emergenciais de Trabalho.
No
campo da economia popular e solidria, temos vrios grupos no Estado que
desenvolvem um trabalho ainda limitado pequenos grupos e com inmeros
entraves legais,
organizacionais e tericos. Ainda no avanamos aqui para o sistema que
hoje existe com certo sucesso em pases como a Argentina. L est avanado
o sistema das Redes Locais de Troca, onde tentam excluir o dinheiro.
Conforme
relato de Heloisa Primavera Coordenadora da rea de Gerncia Social
no Mestrado em istrao Pblica da Faculdade de Cincias Econmicas
da Universidade de Buenos Aires e tambm integrante do Grupo Impulsor de
La Rede Global de Trueque o nascimento do primeiro clube de Troca na
Argentina foi uma resposta das bases da sociedade civil para lograr a
sobrevivncia, nas condies mais duras da segunda metade do sculo
que termina. Trata-se de uma iniciativa do nascente setor dos novos pobres para retardar sua impossibilidade de participar no
jogo do mercado formal e o conseqente processo de excluso social que
lhe segue. Criado em 1995, o primeiro Clube que surgiu na Argentina
envolvia vizinhos que buscavam construir uma alternativa que lhes havia
sido negada pelo poder pblico e pelo mercado de trabalho. Hoje vrias
cidades argentinas e provncias tem declarado esta iniciativa de
interesse municipal e legislativo. O municpio de Plottier, na provncia
de Neuquen, foi alm aceitando a troca direta de contribuintes com contas
atrasadas com a prefeitura.
Espanha, Frana, Uruguai, Brasil, Bolvia, Equador e Colmbia j
desenvolvem prticas de economia solidria apoiada por moeda social. A
meta da Rede Global de Troca atingir o primeiro milho de pessoas
envolvidas antes do Terceiro Milnio.
um experimento para o que tem sido chamado de Quarto Setor, que
exatamente as relaes de vizinhana que resistem formas estveis
de institucionalizao. Os crticos este sistema afirmam que uma
forma de retrocesso na organizao social. Ou que ainda a troca do
fora de trabalho por comida, uma forma de trabalho escravo. O professor
Paulo Roberto Lopes, da Universidade de Juiz de Fora, critica a proposta
afirmando que elas no compe
elementos que permitam a gerao de uma economia antagnica ao
capitalismo, sendo apenas uma estratgia de incluso dos excludos.
Fao tambm minha a preocupao do professor Lopes quando pergunta:
Como ser a revoluo? No
existe, hoje, resposta prtica e terica a essa questo. Da a importncia
de nossas aes, como revolucionrios, pois so elas que mantm vivas
as esperanas de que resistiremos barbrie.
Sobre
Frentes de Trabalho, estamos firmemente convencidos de que este
instrumento pode e deve ser usado para o combate emergencial do
desemprego. H que se avaliar esta matria sem preconceitos e com olhos
menos endurecidos. Em vrios momentos histricos de reconstruo de
economias, as frentes de trabalho exerceram papel importante para o
socorro imediato s populaes sem perspectivas mnimas de sobrevivncia.
Proporcionar renda temporria para os desvalidos, juntamente com cesta bsica
em troca de um trabalho que reverter para a comunidade, significa
restituir a esperana aos cidados e cidads. E frentes de trabalho na
forma como imaginamos, devero prever alm do trabalho comunitrio, perodo
de formao que pode ser profissional e poltica, reinserindo e
inserindo trabalhadoras e trabalhadores nas discusses dos movimentos
populares organizados. certo que podemos criticar o populismo que
reelabora as demandas populares de modo a atender demandas da classe
dominante. Mas podemos criticar tambm um certo tipo de esquerdismo que
reelabora demandas populares como elementos tticos para atender aos
interesse de projetos estratgicos, pretensamente revolucionrios.
Precisamos de frentes de trabalho que ataquem o chamado ncleo duro da pobreza, levantado pelo pesquisador Marcelo Neri, do
Ipea- Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas. Este ncleo no
reage mais polticas de gerao de renda, e abrange 16 milhes de
pessoas, fazendo parte dos 47 milhes de brasileiros que esto abaixo da
linha da pobreza.
Outro
mecanismo a espera de vontade poltica para sua execuo e
comprovadamente resolutivo no combate ao desemprego, que hoje a
contradio mais visvel do modelo a que estamos submetidos, diz
respeito a reduo da jornada de trabalho sem a reduo de salrios.
Na Frana j existe lei que reduz at o ano 2000 a jornada de trabalho
para 35 horas. Acordos entre governo e empresrios preparam a regulamentao
da lei de reduo do tempo de trabalho no pas. Mas o dado mais
expressivo nos traz o professor Mrcio Pochmann. Ele projeta que se a
jornada semanal fosse reduzida para 28 horas e 6 minutos, seria possvel
empregar todos os brasileiros com mais de 14 anos de idade. Atualmente, as
pessoas com algum tipo de ocupao no Brasil trabalham em mdia 43
horas e 48 minutos por semana. E o pensamento dominante ainda tenta nos
convencer que este povo pouco dado ao trabalho! Que todos tem
oportunidades, falta fora de vontade! Mas de que povo falam este
senhores? Nosso povo trabalhador, construiu este pas e a riqueza que
est acumulada nas mos de poucos at agora! Outro dia ouvi a melhor sntese
sobre oportunidades, sada da boca de um trabalhador braal, colhedor de
cana, desempregado. Disse ele:
incrvel um homem querer trabalhar, buscar trabalho do dia a noite, e no
encontrar, num pas to rico.
Pobreza,
excluso e direitos humanos esto profundamente ligados, enfim, porque
tratam da ponta oposta da
nossa utopia. Construir uma sociedade ntegra, que respeite o ser humano,
pressupe o combate quelas premissas que so tema deste seminrio. O
diretor do Le Monde Diplomatique, semanrio francs, Igncio Ramonete,
criador do termo pensamento nico, disse que props esta expresso porque o
neoliberalismo no somente uma doutrina econmica, mas uma ideologia
que impregna todas as atividades humanas. Segundo ele, at agora o mundo
funcionava assim somente no mbito econmico. Mas estamos vendo como
territrios novos so ganhos todos os dias pelo mercado: a poltica, o
esporte, a cultura, a universidade, onde se introduziram as empresas que
pagam para que se investigue o que lhes interessa e fomentam a competio
sustentada na ideologia do pensamento nico. Tudo o que se faz, at as
relaes pessoais e afetivas esto marcadas pela mxima do pensamento
nico. As leis de mercado no so morais, no dizem o que est certo
e o que est errado. O mercado uma mquina que funciona com aqueles
que podem participar e exclui o resto. Me interessas se tem dinheiro e no
me interessa se no o tem.
Este
a lgica que temos a obrigao de desmontar. este pensamento que
nos leva ao egocentrismo mximo, onde as belas casas e seus recursos so
ilhas cercadas para evitar o contgio com a massa humana que do lado de
fora agoniza que deve ser derrotado. Esta a tarefa das crianas, dos
jovens, dos docentes, de todos enfim que comungam conosco do pensamento de
D.Helder Cmara, quando afirma que
no
h nenhum pas, nenhuma raa, nenhuma religio, nenhum grupo humano
que no tenha, em seu seio, algumas pessoas decididas a trabalhar para
vencer, de modo corajoso, as injustias que, cada vez mais, tornam a vida
desumana e irrespirvel.
|