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A CONTRADIO DO MODELO a2t4h

Pe. Roque Grazziotin[1]

Democracia com fome, sem emprego, educao e sade para a maioria, uma concha vazia (Mandela)

O ano de 1998 foi cruel para os trabalhadores e trabalhadoras. A implementao do Estado de bem estar social, que vigia nas dcadas anteriores, no foi capaz de eliminar o carter burgus do Estado. Mesmo assim os trabalhadores e trabalhadoras avanaram em conquistas histricas. No entanto, a dcada de 80 foi um marco para o inicio do desmantelamento destas conquistas e a classe j acumula uma sucesso de golpes aos seus direitos adquiridos. Direitos previdencirios, flexibilidade na contratao que inclui contratos terceirizados, reduo da jornada de trabalho com reduo de salrios, ausncia de contrato foram as inovaes que a modernidade apresentou, democraticamente, como alternativas na forma de isso ou rua.

O economistas sucedem-se nos centro de poder, mas sem conseguir atingir o cerne da nossa questo: a pobreza e sua conseqncias. Talvez porque pobreza no seja assunto de economista. Foi um deles, o professor Cristvam Buarque, que afirmou que o assunto da economia a riqueza. Nossos economistas no entendem nada de pobreza, porque os cursos de economia ensinam a aumentar a riqueza. Mais uma conseqncia da importao do saber acadmico. Por isto importante estarmos discutindo estes temas entre aqueles que, talvez pretensamente, esto empenhados na busca de alternativas para o combate pobreza.

O que nossos economistas tem conseguido at agora aponta no sentido de confirmar a teoria do professor Buarque.A concentrao da riqueza alcana estatsticas que espantam e assustam. Apenas 385 famlias mais ricas do mundo detm mais bens materiais do que 2,5 bilhes de pessoas mais pobres.

Outro elemento aponta que mesmo tendo a renda per capita mundial crescido sete vezes nos ltimos cinqenta anos, nos pases do Terceiro Mundo os salrios reais cairam em at 80%. Inclusive no pas que cone da modernidade e democracia, os Estados Unidos, 1% da populao concentra mais de 40% da riqueza daquele pas que esconde cotidiana e deliberadamente a existncia de uma populao de miserveis que em vris estados americanos chega a 15%.

A formao de blocos regionais supranacionais e o G7 e o Conselho de Segurana da ONU trabalham no sentido de aprofundar esta poltica de excluso e interferncia na soberania dos povos subdesenvolvidos, agindo como um governo global.

O fascnio que a "modernidade" exerce sobre nossos governantes, cultuada, propagandeada como o novo, encanta aqueles que acreditam que as favelas que nos cercam so miragens, que a violncia da fome se combate com mais represso, e que ao fim o que interessa o carro do ano. O que no conseguem explicar, e talvez nem queiram, so algumas contradies deste modelito.

E a grande contradio que surge neste novo milnio a crescente excluso social, que condena fome e misria milhes de seres humanos em todo o mundo. O desemprego surge nesta dcada com caractersticas de catstrofe, fruto de uma opo ideolgica deliberada e aprofundada. Reaparece com ndices alarmantes o trabalho escravo. O trabalho infantil encarado como opo para tirar menores da rua. Economia informal e setor de servios so nomes pomposos, modernos, para a atividade milenarmente desenvolvida pelos camels, e que via de regra a ltima alternativa marginalidade.

A gesto "racional" para um mundo onde no existe espao para o ser humano. Corta-se cabeas com a mesma naturalidade que reivindicam lugares exclusivos para eios de cachorrinhos de raa. No h responsabilidade social, a exceo das belas propagandas.

Coloco aqui alguns dados coletados em diversas publicaes da imprensa e de entidades.

A populao mais pobre do pas, com renda per capita inferior a R$ 34,00 por ms, recebe uma fatia menor dos gastos sociais feitos com recursos pblicos do que a parcela que tem renda mais alta acima de dois salrios mnimos, conforme estudo do economista Jos Mrcio Camargo, professor da PUC do Rio de Janeiro. Isto indica que 60% dos recursos aplicados na rea social em todas as esferas de governo so apropriados pela metade da populao que detm renda maior.

J em 1994 o Banco Mundial constatava que a distribuio dos recursos pblicos brasileiros investidos na rea social era pr-ricos.

O relatrio de 1999 do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento aponta que o Brasil continua campeo em concentrao de renda: o Produto Interno Bruto percapita dos 20% mais ricos US$ 18.563,00 - 32 vezes maior que o dos 20% mais pobres US$ 578,00.

Dados mais recentes citados pelo relatrio apontam na mesma direo, como os do relatrio de 1998 do BID Banco Interamericano de Desenvolvimento. O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, do Brasil o pior entre pases latino-americanos: 0,59 s igualado pelo Paraguai. Isso porque os 20% mais pobres ficam com apenas 2,5% da renda, enquanto que os 20% mais ricos detm 63,4% dela.

Um dos aspectos mais interessantes revelados pelos dados que esto no relatrio de 99 que o crescimento econmico no est necessariamente ligado melhoria de qualidade de vida da populao.

Entre 1975 e 1997, o PIB per capita brasileiro cresceu mais rapidamente que o ndice de Desenvolvimento Humano do pas: 1,1% ao ano, contra 0,7% . Em outras palavras, o pas enriqueceu, mas no conseguiu transformar esta riqueza em maior expectativa de vida para a populao.

Essa correlao mudou atravs das dcadas. Nos anos 70, a renda nacional cresceu quatro vezes mais rpido do que o Desenvolvimento Humano. Nos 80, a tendncia se inverteu, e os ganhos sociais superaram os econmicos.

At agora a tendncia verificada nos anos 90 semelhante do final do milagre econmico. A renda voltou a crescer mais rpido do que o lado social: o PIB per capita do pas aumentou 1,13% em mdia por ano, enquanto o IDH subiu a taxa anual de 0,61%.

O relatrio cita esse dado para justificar a tese central deste ano, a de que a integrao econmica do planeta a chamada globalizao tem contribudo para aumentar a desigualdade.

O relatrio faz uma forte crtica globalizao da forma como vem sendo feita, com forte hegemonia do liberalismo, de que Reino Unido e Estados Unidos so campees. ouve uma maior ateno s normas, padres, polticas e instituies para abrir os mercados mundiais do que para as pessoas e seus direitos diz o PNUD.

Segundo pesquisa do Unicef Fundo das Naes Unidas para a Infncia, o Brasil tem hoje pelo menos 50 mil crianas e adolescentes que vivem e trabalham em depsitos de lixo a cu aberto. Estas crianas esto fora da escola e recebem entre 1 e 6 reais por dia, que tambm a principal fonte de alimentao dessas crianas. As crianas que nasceram no ano ado em Feira Grande, no Nordeste brasileiro, correm o mesmo risco de morrer antes de completarem 1 ano que uma criana nascida em Botswana na frica na dcada de 60. Para cada mil nascidos vivos, 118,18 morrero sem completar aniversrio e esta a situao de mais 8 municpios alagoanos que lideram o ranking da mortalidade infantil no Brasil, cuja mdia brasileira em 98 foi de 36 mortos por mil nascidos vivos.

A diferena entre as chances de sobrevivncia de alagoanos e paulistas, por exemplo, mostra que o Brasil vive uma situao paradoxal em relao ao combate mortalidade infantil.

No que diz respeito ao saneamento bsico, nosso pas tem muito o que fazer. Uma preocupao que deveria ser primria, ou seja, o destino do lixo, no faz parte de qualquer programa ou inteno governamental. 88% do lixo no Brasil depositado a cu aberto e 46 milhes de brasileiros moram em cidades em que no h coleta domiciliar.

Isto nos faz refletir, apontando que em determinadas regies brasileiras, vive-se como nos primrdios da idade mdia. Doenas tpicas da pobreza como a tuberculose, a paralisia infantil, febre amarela, leptospirose, varicela, sarampo e doenas de pele comeam a reaparecer. O trabalho escravo continua sendo uma prtica cotidiana em vrias localidades.S em Ribeiro Branco, mil famlias de lavradores esto trabalhando nas fazendas em troca de comida, ando seis meses na roa sem receber um tosto, num tpico trabalho escravo.

Quase 40% da populao urbana brasileira vive abaixo da linha de pobreza. No h mais bolses isolados, e nem a pobreza a pobreza decorre necessariamente da insero profissional das pessoas em atividades de baixa produtividade. Hoje, os pobres se espalham por todos os setores da economia, inclusive entre os servidores pblicos e os empregados de empresas privadas modernas, conforme dados da Comisso Econmica para a Amrica Latina Cepal, no seu relatrio Panorama Social da Amrica Latina(1996).

Seja qual for o critrio adotado, a pobreza e a desigualdade existentes no Brasil so incompatveis com a capacidade produtiva que nossa sociedade j adquiriu. Nesses aspectos, como se sabe, estamos atrs de pases muito mais pobres e muito mais frgeis.

No contexto atual, o governo opta por um combate pobreza na forma de poltica sociais compensatrias, em si mesmas muito limitadas, diante de um modelo econmico excludente. Alm disso, elas dependem da ao de um Estado financeiramente fragilizado pelo pagamento dos juros internos e externos. O resultado mais grave deste processo a expanso da pobreza absoluta, principalmente em reas de desemprego estrutural no interior das grandes cidades, onde predominam atividades marginais ou um tercirio informal de baixssima produtividade, e em reas do interior que combinam alta densidade demogrfica e agricultura estagnada.

O conflito entre o moderno e o antigo, podemos v-lo todos os dias nas ruas. Ao mesmo tempo que as vias comportam um nmero crescente de carros novos, modelos importados, tambm recebem um nmero crescente de homens e mulheres que substituem o cavalo na tarefa de puxar carroas. Enquanto as grades sobem protegendo edifcios, casas e at catedrais, homens, mulheres e crianas buscam as platibandas para amontoar os ossos.

Este exrcito de desvalidos at pouco tempo estava nas fbricas, nos bancos, no comrcio e no servio pblico. A modernidade os expulsou da produo de forma massiva e deliberada. Trata-se de uma opo poltica e ideolgica. Perversa, cruel, mas opo que agride o ser humano naquilo que representa a nica riqueza at ento inalienvel: sua fora de trabalho. Esta sua fortuna, a mercadoria de que dispe para o mercado.

Retirando este bem, retiram tambm sua dignidade, sua sobrevivncia. Fica quebrada a espinha dorsal que nos mantm eretos e com olhos para o futuro.

E a prodigalidade dos socilogos, dos intelectuais que diariamente gastam montanhas de papel, de propaganda e horas interminveis para consubstanciar suas teorias realmente motivo para que a realidade se levante e se apresente com toda a fora da indignao

Que esperarmos da me que tem em casa os filhos famlicos e que s pode ver as opulentas prateleiras dos supermercados? E o pai, de quem depende uma famlia inteira, que j peregrinou por todas as filas e que se depara com a agressiva riqueza de outros to seus iguais? Que reao cobrar do jovem que no encontra oportunidades, que no v perspectivas?

Sabemos as respostas. E at agora, a nica resposta que o Estado tem dado estes cidados e cidads a fora na rebeldia, ou a indiferena na placidez. A sociedade responde com medo. Sobra a solidariedade dos realmente iguais. Mesmo abundante, esta solidariedade se esgota na incapacidade de to poucas iniciativas para atenderem a tantos.

O Estado do Rio Grande do Sul ou a conviver com este drama, que j assumiu propores de crise, nos ltimos quatro anos. No ano de 1998 a estatstica apontava mais de 850 mil desempregados. Seres humanos j sucumbiram de fome, de frio.

Para fugir do medo, para no sermos responsabilizados, por sermos solidrios, seja qual for a motivao, necessrio uma atitude que no seja a da fora ou a da omisso.

Apontamos at agora as contradies deste sistema que vige, e j conclumos, redundantemente, que ele perverso para o ser humano e que uma guinada, um vento forte, uma reao popular pode inverter esta lgica.

Isto porque somos um pas pobre, com brutais desigualdades, mas no somos miserveis. Temos uma populao que ainda pode ser considerada jovem. Quadros tcnicos em bom nmero. Agricultura capaz de responder com rapidez a estmulos adequados. Vasto espao geogrfico, recheado de recursos. Centros internos geradores de dinamismo.

Nossas potencialidades territoriais, de recursos naturais e humanos so nossa fora. Poucos pases no mundo tm mais de 160 milhes de pessoas com uma relao altamente favorvel entre populao, territrio e recursos.

Precisamos valorizar nosso povo. Seus governantes tm que efetivamente amar seu povo e seu pas, e para isto ser preciso transformar a eliminao da pobreza e da incultura, sob todas as sua formas, em um objetivo explcito ao qual a sociedade subordina os demais.

No entanto este processo, sabemos todos, no acontece da noite para o dia. preciso governantes imbudos deste propsito. A certeza que temos at agora que temos sido governados desde o Brasil Colnia, por oligarquias que se apropriaram das nossas riquezas, usaram nossa fora de trabalho, consolidando seu domnio, suas fortunas e a desigualdade social.

Outro elemento fundamental para discutir pobreza no Brasil, a Dvida Externa hoje quase que um cone sagrado. Esta dvida que na poca do golpe militar era de pouco mais de 2 bilhes de dlares, alcanou em 1998 a espetacular quantia de 212 bilhes de dlares. S de 1995 a 1998, perodo em que o atual presidente da Repblica foi Ministro da Economia, o governo brasileiro mandou para o exterior 80 bilhes de dlares para pagar juros e parte da dvida. O fato que j pagamos aos credores internacionais muito mais do que recebemos de emprstimo. Enquanto isto, cresce a dvida social destes governos para com seu povo, onde temos escolas pblicas em situao de penria, hospitais enfrentando um cenrio de verdadeira guerra civil, a reforma agrria que no sai do papel. Conforme nmeros do Instituto de Estudos Socioeconmicos INESC, a execuo oramentria de 1999 do primeiro semestre demonstra que apenas R$ 738 milhes (8,45% do total) foram investidos efetivamente na rea social. Para o pagamento de juros e encargos da dvida pblica, porm, o tratamento mais generoso, sendo destinados R$ 28,57 bilhes, ou seja, quase 40 vezes mais.

Cabe ainda neste ponto da dvida, abordarmos a questo da dvida externa privada, porque so elementos que no tm sido explicados com a devida clareza. Os economistas do governo afirmam que tem uma reserva de dinheiro em dlares suficiente para pagar o que deve. Sobre o resto - a maior parte da dvida externa de empresas daqui que contraram emprstimos com outras empresas no exterior - o governo afirma que no tem responsabilidade sobre estas operaes.

Isto literalmente no verdade. As empresas que buscam emprstimos no exterior porque os juros so mais baratos, de 5% ao ano, tem suas dvidas garantidas pelo governo. E na hora de pagar estes crditos, a moeda o dlar. Quem vende dlares para os empresrios brasileiros o Banco Central, que por sua vez comprou estes dlares do exterior com juros de 20% ao ano. Esta feita a ciranda: o governo que paga juros de 20% ao exterior para rear aos capitalistas a 5%, ficando com 15% de prejuzo, que nosso, meu , de vocs, de todos! Isto porque o governo tem que fazer caixa optando por aumento de impostos, cortando crdito para consumidores, arrochando salrios para frear o consumo, sobrando assim mais mercadorias para exportar e acima de tudo deixando de cumprir seus compromissos com a dvida social. Isto tem um nome bem conhecido nosso: recesso, cuja principal conseqncia o desemprego e o aumento da misria da maioria do nosso povo.

Cabe ento algumas indagaes: que culpa temos no endividamento do Brasil? Qual foi o lucro que tivemos? Adiantou vender a Companhia Vale do Rio Doce, a Siderrgica Nacional, uma das maiores empresas de minerao do mundo? Valeu vender a Telebrs, segunda empresa a dar mais lucros na rea de telecomunicaes em todo o mundo? E muito simplista e at desonesto incutir nas mentes do povo trabalhador que deixar de pagar esta dvida calote!

Alm de entender que esta dvida foi contrada sem nossa autorizao, o trabalhador v todos os dias as notcias que do conta dos enormes calotes que empresrios do no governo, nos trabalhadores, sob forma de falncia e concordatas, ou simplesmente deixando de pagar impostos, que por sua vez nunca so cobrados. Sabe-se hoje que a dvida dos empresrios com a previdncia social de 50 bilhes de reais. Somente as oito maiores empresas devedoras calotearam o Estado e os trabalhadores em 2,26 bilhes de reais.

Algum pode lembrar qual destes foi para a cadeia? Ou qual o ndice dos capitalistas que ficam pobres aps uma falncia ou concordata?

Para enfrentar esta questo de forma objetiva, em julho de 1998 aconteceu m encontro em Braslia, envolvendo estudiosos, religiosos e entidades, promovido pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), Conselho Nacional de Igrejas Crists(CONIC) e a Coordenadoria Nacional de Servios(CESE). A concluso deste encontro foi de que essa dvida impagvel.

Por sua vez o Papa Joo Paulo II prope que no ano 2000, o ano do Jubileu, toda a dvida externa dos pases subdesenvolvidos seja perdoada. Segundo o Antigo Testamento, a cada 50 anos deveria haver um ano do Jubileu, em que os escravos seriam libertados e as dvidas perdoadas.

O grande jubileu 2000 teria este sentido, afirmando que a dvida externa a causa de muita pobreza e de injustias, e no pode ser paga. Os credores tm que perdoar essa dvida: uma necessidade econmica e moral. A guisa de ilustrao, e a propsito do tema que discutimos aqui, com o dinheiro da dvida externa daria para o governo entregar um salrio mnimo por ms durante trs anos para todos os 30 milhes de brasileiros que hoje esto na misria.

Somos peregrino defensor desta idia, mas no somos ingnuos. Escapa da nossa vontade a concretizao das propostas que julgamos corretas, enquanto um vento forte no nos animar no sentido de assumirmos, ns os trabalhadores, o destino deste pas e o nosso.

Tambm no podemos ficar inertes frente s desgraas humanas que presenciamos no dia-a-dia. Por isto acredito na semeadura de sementes de rebeldia e de sementes de alternativas populares.

Os sofridos homens e mulheres de nosso pas sabem que se no podem ter o governo gerando polticas sociais que demonstrem sua preocupao com esta parcela da populao, podem contar certamente com a solidariedade dos seus iguais.

E so os iguais que tem procurado alternativas de sobrevivncia em meio a este caos social. So pequenas iniciativas, mas que trazem no seu bojo a marca da esperana na ndole boa, honesta e trabalhadora deste povo brasileiro.

Ento surgem os grupos que desenvolvem uma nova tica, onde a solidariedade a mola propulsora, plantando uma nova cultura de comprometimento com o fim da misria.

So experincias de economia popular e solidria. Neste experimentos que surgiram para fugir do desemprego, o trabalho desenvolvido cooperativo, com pequenas padarias comunitrias, com trabalhadores da construo civil trabalhando em regime de mutiro, oficinas de confeces, hortas comunitrias, enfim organizaes populares que renem seus iguais.

No se trata de excluir a responsabilidade do Estado, trata-se de sobrevivncia num estado de guerra. Assim como a proposta que levamos ao Legislativo de um Programa de Frentes Emergenciais de Trabalho.

No campo da economia popular e solidria, temos vrios grupos no Estado que desenvolvem um trabalho ainda limitado pequenos grupos e com inmeros entraves legais, organizacionais e tericos. Ainda no avanamos aqui para o sistema que hoje existe com certo sucesso em pases como a Argentina. L est avanado o sistema das Redes Locais de Troca, onde tentam excluir o dinheiro.

Conforme relato de Heloisa Primavera Coordenadora da rea de Gerncia Social no Mestrado em istrao Pblica da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade de Buenos Aires e tambm integrante do Grupo Impulsor de La Rede Global de Trueque o nascimento do primeiro clube de Troca na Argentina foi uma resposta das bases da sociedade civil para lograr a sobrevivncia, nas condies mais duras da segunda metade do sculo que termina. Trata-se de uma iniciativa do nascente setor dos novos pobres para retardar sua impossibilidade de participar no jogo do mercado formal e o conseqente processo de excluso social que lhe segue. Criado em 1995, o primeiro Clube que surgiu na Argentina envolvia vizinhos que buscavam construir uma alternativa que lhes havia sido negada pelo poder pblico e pelo mercado de trabalho. Hoje vrias cidades argentinas e provncias tem declarado esta iniciativa de interesse municipal e legislativo. O municpio de Plottier, na provncia de Neuquen, foi alm aceitando a troca direta de contribuintes com contas atrasadas com a prefeitura. Espanha, Frana, Uruguai, Brasil, Bolvia, Equador e Colmbia j desenvolvem prticas de economia solidria apoiada por moeda social. A meta da Rede Global de Troca atingir o primeiro milho de pessoas envolvidas antes do Terceiro Milnio.

um experimento para o que tem sido chamado de Quarto Setor, que exatamente as relaes de vizinhana que resistem formas estveis de institucionalizao. Os crticos este sistema afirmam que uma forma de retrocesso na organizao social. Ou que ainda a troca do fora de trabalho por comida, uma forma de trabalho escravo. O professor Paulo Roberto Lopes, da Universidade de Juiz de Fora, critica a proposta afirmando que elas no compe elementos que permitam a gerao de uma economia antagnica ao capitalismo, sendo apenas uma estratgia de incluso dos excludos. Fao tambm minha a preocupao do professor Lopes quando pergunta: Como ser a revoluo? No existe, hoje, resposta prtica e terica a essa questo. Da a importncia de nossas aes, como revolucionrios, pois so elas que mantm vivas as esperanas de que resistiremos barbrie.

Sobre Frentes de Trabalho, estamos firmemente convencidos de que este instrumento pode e deve ser usado para o combate emergencial do desemprego. H que se avaliar esta matria sem preconceitos e com olhos menos endurecidos. Em vrios momentos histricos de reconstruo de economias, as frentes de trabalho exerceram papel importante para o socorro imediato s populaes sem perspectivas mnimas de sobrevivncia. Proporcionar renda temporria para os desvalidos, juntamente com cesta bsica em troca de um trabalho que reverter para a comunidade, significa restituir a esperana aos cidados e cidads. E frentes de trabalho na forma como imaginamos, devero prever alm do trabalho comunitrio, perodo de formao que pode ser profissional e poltica, reinserindo e inserindo trabalhadoras e trabalhadores nas discusses dos movimentos populares organizados. certo que podemos criticar o populismo que reelabora as demandas populares de modo a atender demandas da classe dominante. Mas podemos criticar tambm um certo tipo de esquerdismo que reelabora demandas populares como elementos tticos para atender aos interesse de projetos estratgicos, pretensamente revolucionrios. Precisamos de frentes de trabalho que ataquem o chamado ncleo duro da pobreza, levantado pelo pesquisador Marcelo Neri, do Ipea- Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas. Este ncleo no reage mais polticas de gerao de renda, e abrange 16 milhes de pessoas, fazendo parte dos 47 milhes de brasileiros que esto abaixo da linha da pobreza.

Outro mecanismo a espera de vontade poltica para sua execuo e comprovadamente resolutivo no combate ao desemprego, que hoje a contradio mais visvel do modelo a que estamos submetidos, diz respeito a reduo da jornada de trabalho sem a reduo de salrios. Na Frana j existe lei que reduz at o ano 2000 a jornada de trabalho para 35 horas. Acordos entre governo e empresrios preparam a regulamentao da lei de reduo do tempo de trabalho no pas. Mas o dado mais expressivo nos traz o professor Mrcio Pochmann. Ele projeta que se a jornada semanal fosse reduzida para 28 horas e 6 minutos, seria possvel empregar todos os brasileiros com mais de 14 anos de idade. Atualmente, as pessoas com algum tipo de ocupao no Brasil trabalham em mdia 43 horas e 48 minutos por semana. E o pensamento dominante ainda tenta nos convencer que este povo pouco dado ao trabalho! Que todos tem oportunidades, falta fora de vontade! Mas de que povo falam este senhores? Nosso povo trabalhador, construiu este pas e a riqueza que est acumulada nas mos de poucos at agora! Outro dia ouvi a melhor sntese sobre oportunidades, sada da boca de um trabalhador braal, colhedor de cana, desempregado. Disse ele: incrvel um homem querer trabalhar, buscar trabalho do dia a noite, e no encontrar, num pas to rico.

Pobreza, excluso e direitos humanos esto profundamente ligados, enfim, porque tratam da ponta oposta da nossa utopia. Construir uma sociedade ntegra, que respeite o ser humano, pressupe o combate quelas premissas que so tema deste seminrio. O diretor do Le Monde Diplomatique, semanrio francs, Igncio Ramonete, criador do termo pensamento nico, disse que props esta expresso porque o neoliberalismo no somente uma doutrina econmica, mas uma ideologia que impregna todas as atividades humanas. Segundo ele, at agora o mundo funcionava assim somente no mbito econmico. Mas estamos vendo como territrios novos so ganhos todos os dias pelo mercado: a poltica, o esporte, a cultura, a universidade, onde se introduziram as empresas que pagam para que se investigue o que lhes interessa e fomentam a competio sustentada na ideologia do pensamento nico. Tudo o que se faz, at as relaes pessoais e afetivas esto marcadas pela mxima do pensamento nico. As leis de mercado no so morais, no dizem o que est certo e o que est errado. O mercado uma mquina que funciona com aqueles que podem participar e exclui o resto. Me interessas se tem dinheiro e no me interessa se no o tem.

Este a lgica que temos a obrigao de desmontar. este pensamento que nos leva ao egocentrismo mximo, onde as belas casas e seus recursos so ilhas cercadas para evitar o contgio com a massa humana que do lado de fora agoniza que deve ser derrotado. Esta a tarefa das crianas, dos jovens, dos docentes, de todos enfim que comungam conosco do pensamento de D.Helder Cmara, quando afirma que

no h nenhum pas, nenhuma raa, nenhuma religio, nenhum grupo humano que no tenha, em seu seio, algumas pessoas decididas a trabalhar para vencer, de modo corajoso, as injustias que, cada vez mais, tornam a vida desumana e irrespirvel.


[1] Deputado Estadual do Partido dos Trabalhadores - RS.

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