Educando
para a Cidadania
Os
Direitos Humanos no Currculo Escolar 335o2l

A QUMICA E A
CIDADANIA
A Qumica uma cincia relativamente
nova, uma cincia de atividades modernas, uma cincia elitista.
elitista porque utiliza uma linguagem prpria, trabalha com cdigos,
usa pormenores, seu contedo no visualizado na rotina de sala de
aula. Alm desta abstrao terica, utiliza, como sala ambiente, um
laboratrio e um instrumental todo especfico e seletivo.
A disciplina de Qumica pode ser
contestada por sua fragmentao em relao Fsica, Biologia,
onde a no interdisciplinariedade embota a compreenso do todo. Mas a
Qumica se faz necessria para a compreenso de fenmenos de
desenvolvimento invisvel aos nossos olhos. Faz-se necessria para a
compreenso para a interpretao de situaes lgicas,
quantitativas, que ocorrem ao nosso redor, que vivemos, s vezes, sem
fazer a ligao com a cincia como um todo.
Um estudante v a Qumica como uma
cincia a ser estudada a partir de um ritual: deve-se colocar um
avental, realizar experincias com lquidos ou com p (ambos de odor
geralmente desagradvel), manusear o maior nmero de vidrarias
possvel e obter um resultado conhecido ou esperado teoricamente. Nas
conversas de sala de aula, o aluno quer saber como se faz uma bomba
atmica ou est curioso para realizar experincias aventureiras,
como, por exemplo, aquelas que traro como conseqncia pequenas
exploses. O aluno acredita que a Qumica, atravs de seus
fenmenos, s ocorre em laboratrio.
Criou-se, atravs dos tempos, dos
quadrinhos, da literatura vulgar, filmes, desenhos animados, a idia de
que o tipo fsico do cientista, do professor de Qumica (explora-se
uma imagem masculina) o baixinho, que usa avental, careca, poucos
cabelos em desalinho, linguagem de pouca compreenso. Em sntese,
algo de louco e com estilo de vida anormal, se comparado s
demais pessoas. Esta rotulao sugere outra batalha a ser travada: a
desmistificao da imagem fsica, isto , do cientista. A cincia
no privilgio de qualquer tipo de pessoas, seja quanto a raa, a
religio ou sexo. No preciso possuir determinado biotipo para
mergulhar no mundo da Qumica. Isto exige uma adaptao, uma
transformao, uma nova abertura e desmistificao do prprio
educador. Necessita-se viver a Qumica rotineiramente, explicando uma
srie de fenmenos que nos ocorrem no dia-a-dia, no pensando na
cincia Qumica somente a partir de uma sala ambiente como o
laboratrio, mas vinculando-a, inicialmente, com todos os fenmenos da
vida. No teorizao de sala de aula, mas realizao de
atividades experimentais tambm neste local. Buscar no ptio, na rua,
um local de estudo e de interpretao de fenmenos qumicos.
Para chegarmos a esta ambientao mais
ampla que o laboratrio ou que a teorizao na sala de aula,
necessitamos, tambm, rever os contedos que so trabalhados,
selecionados e padronizados, muito antes de comearmos a estud-los
como alunos e, aps, como professores. Devemos ter claro que o aluno
nem sempre ir especializar-se em Qumica, que o seu contato com a
Qumica pode fixar somente nos trs anos do segundo grau. O estudante
precisa de uma viso generalista dos fenmenos qumicos, no
fragmentada, no teoricista e no suprflua para o momento que est
vivendo. No necessita fazer parte de um grupo de disciplinas que
assunta, que impem medo em busca de auto-afirmao.
Quando o professor vai lecionar numa
escola pblica noturna da periferia ou de uma cidade da regio
metropolitana, ter como clientela: adolescentes que necessitam
trabalhar para ajudar em casa; estudantes que possuem como realidade do
dia-a-dia um trabalho ou oficina mecnica ou em supermercado, num
emprego domstico, ou atrs de um balco de loja comercial, ou
andando pelas ruas como contnuo. So estudantes que falam e vivem em
um mundo onde o que lhes prximo o trabalho, o dinheiro, a
famlia, o sexo, os esportes, as drogas, a aparncia fsica e a moda,
a irao por carros e motos, a averso poltica, a
insatisfao por serem pobres, o tirar nota boa, o consumir a
partir do que mais observam, que a televiso. No possvel
falar-se de nmeros qunticos, de hibridao de orbitais, de
processo xido-reduo, desvincular-se da realidade do aluno,
elitizando ainda mais o estudo da Qumica.
Quando se estuda as propriedades da
matria, deve-se mostrar que a densidade no pode ser fragmentada
entre massa e volume. Isto pode ser visto como o uso de tachinha, de
prego e de grande prego, buscando, assim, para a sala de aula, esses
outros materiais do dia-a-dia do aluno. at seu prprio corpo pode
conduzir a uma relao com o espao urbano e a massa populacional,
fazendo-se uma reflexo sobre o resultado de tantas pessoas estarem
juntas sem medir se h espao para todas. Ao estudar a natureza dos
corpos, com material simples, com produtos de limpeza, de polimento, de
acabamento em pintura e obra de alvenaria, na busca de maior
interpretao de fenmenos da rotina de trabalho dos alunos.
O consumo alimentar industrializado pode
ser analisado e questionado a partir de uma lista de cdigos de
aditivos qumicos alimentares, onde o aluno poder saber o que est
comendo, o que aquela substncia qumica colocada no seu alimento,
a que grupo qumico pertence, o que ela pode causar, quais as
possveis reaes qumicas que podem ocorrer no seu organismo, o que
a OMS est fazendo, identificando, em rtulos e embalagens, os ativos
qumicos alimentares. O aluno estar sabendo se os seus direitos
esto sendo respeitados, ser mais seletivo na sua alimentao, ir
refletir mais sobre o que anunciado nos meios de comunicao e o
que ele precisa realmente consumir.
Usando vinagre e leite de magnsio
possvel ao aluno fazer uma reao qumica que lhe explique a
funo de medicamentos no combate acidez estomacal. Conhecer a
cal virgem e a gua nas reaes qumicas de formao de cal
hidratada para a construo de uma obra de alvenaria.
Atravs da queima de uma vela, de uma
folha de papel, de um pedao de madeira, possvel ao aluno
compreender a combusto celular, a obteno de energia e, a seguir,
analisar a crise energtica, as fontes energticas, a energia nuclear,
suas finalidades e o que pode causar, assim como o uso, para outros
fins, dos elementos radioativos. A partir desta anlise, cabe ao aluno
ver o aspecto poltico da questo: qual o papel do governo e da
sociedade no desenvolvimento da energia nuclear? E cabe ao professor ser
claro quanto a sua posio perante a situao. O professor de
Qumica no pode ser uma pessoa alienada, neutra. Deve defender suas
posies perante os alunos, no os inibindo quando queiram defender
posies antagnicas. Demos outros exemplos:
A partir do estudo das nomenclaturas e
das propriedades fsicas e qumicas das substncias, torna-se
possvel ao aluno saber que produtos qumicos compem a receita
indicada pelo mdico ( a partir da leitura de bulas possvel
analisar o efeito das substncias no nosso organismo e os prejuzos da
auto-medicao, questionando a causa desta prtica).
Em uma tcnica de redescoberta, como
gotejar vinagre em vrios tipos de leite, pode-se possibilitar a
aplicao do mtodo cientfico dedutivo, sem a necessidade de fixar
nomes de etapas ao roteiro, como hiptese, diagnstico, prognstico,
varivel dependente, varivel interveniente, etc, o que pode conduzir
a uma burocracia que monopoliza a ateno do aluno em detrimento da
pesquisa cientfica.
A partir da pesquisa cientfica, no
campo da Qumica, possvel analisar a sua importncia, a postura
do governo, a mo-de-obra potencial, a evaso no mercado de trabalho,
a busca de melhores condies de trabalho fora do pas, o convite de
outros pases aos pesquisadores nacionais, os valores aplicados a essa
mesma pesquisa cientfica e o retorno obtido.
O equilbrio da natureza e a
correlao com os fenmenos qumicos podem ser vistos atravs de
reaes qumicas mensurveis, com o retorno do produto ao meio
ambiente. Isto pode ser trabalhado a partir da queima de leo diesel,
da queima de tiras da borracha ou de palha de ao, buscando analisar as
conseqncias da poluio ambiental, do efeito estufa, do
desmatamento, da necessidade de reciclagem do lixo. Que excelente tema
integrador para a interdisciplinariedade.
A separao de mistura atravs da
filtrao e com o destilador construdo pelos alunos mostra a
necessidade da potabilizao da gua, da higiene para com as
verduras, frutas e legumes, como deve ser feito o processo de
perfurao de poos, a limpeza e conservao de produtos
hortigranjeiros, aproveitamento integral dos alimentos (folhas, cascas e
sementes). A troca de receitas e a experimentao de bolinhos de casca
de batata inglesa, podem mostrar como desperdiamos essa casca de
batata, por exemplo, na esteira geral de tantos desperdcios de
alimento.
Entre muitas alternativas prticas de
metodologia de ensino de Qumica cabe, sempre ao professor despertar o
interesse e a compreenso do aluno, sem desvincular a Qumica do
cotidiano. E nessa perspectiva, e s nela, que a cincia, e a Qumica
em particular, podem ter especial significao para o despertar de uma
conscincia de cidadania e para a ao dos cidados organizados, no
sentido de qualificar sempre mais a vida neste planeta.
Luiz Antnio Garcia
Feij
Educador na Escola Estadual
Antnio de Castro Alves, em Alvorada, e no Colgio Anchieta, em
Porto Alegre. Atua tambm no campo de educao de deficientes
auditivos. |