Jos
Barbosa da Silva
Historicamente,
o Brasil tem sido um pas marcado por
segregaes e desigualdades sociais
e a poltica nacional tem sido hbil em
seus esforos de preservao deste estado
de coisas. Mesmo que ao longo dos
tempos possa-se ler nas Constituies
brasileiras que: Perante a lei todos so
iguais, sem distino de qualquer
natureza, garantindo-se o direito vida,
liberdade, igualdade, segurana e
propriedade,
a estrutura da sociedade brasileira, por
sculos, tm se empenhado em instituir
mulheres, negros, pobres e crianas como
desiguais perante os homens ricos e brancos.
Aos primeiros, que so mais de 80% da
populao nacional, as condies
oferecidas
asseguram-lhes mais obrigaes do
que direitos e aos ltimos, alm de toda
sorte de privilgios, garante-se-lhes mais
direitos do que deveres.
Ao
longo da histria, vrias lutas pontuais
demarcaram a resistncia dos setores
explorados aceitao pura e simples de
sua condio de subalternos. Graas a
estas lutas algumas conquistas no plano da
construo da cidadania foram efetivadas
no Brasil.
Essas conquistas no se deram de modo
pacfico, ao contrrio do que nos
mencionam a grande maioria dos livros de
histria do Brasil.
So incontveis as manifestaes
repressivas implementadas contra setores da
sociedade que se organizaram em prol de
melhorias de condies de vida ou do gozo
de alguns direitos assegurados por lei
classe trabalhadora.
Na Paraba, em agosto de 1984, Margarida
Maria Alves foi assassinada simplesmente por
defender o cumprimento de leis trabalhistas,
asseguradas aos trabalhadores rurais. Em
1999, quase final do Sculo XX, a Comisso
Pastoral da Terra (T) divulga um documento
que indica a continuidade da violncia
ainda praticada
no Brasil, contra os trabalhadores
rurais.
Em
todos os momentos da histria, como e
da dominao ou mesmo da resistncia, a
comunicao, enquanto processo de difuso
de informaes, esteve presente. Ela foi
exercitada atravs de estratgias e
ferramentas disponveis ou desenvolvidas
pelos grupos que dela faziam uso. Nas
comunidades no pertencentes aos setores
dominantes,
de tradio oral e sem o domnio
da comunicao escrita, a exemplo dos
quilombos e de Canudos,
ela foi efetivada a partir da
recriao e ressignificao de danas,
smbolos
e prticas religiosas.
E, nos espaos aonde o domnio da cultura
escrita j se fazia presente, a exemplo de
sindicatos de operrios urbanos, ela
valeu-se da criao de boletins, jornais,
panfletos e de outros materiais impressos.
E, mais recentemente, da utilizao de
difusoras, do rdio, do vdeo e da
televiso
Mas,
somente
a partir dos anos de 1970, que, no
Brasil, o uso de materiais de comunicao
intensificado pelos setores populares.
Eles so utilizados quase sempre como forma
de otimizar os esforos de mobilizao e
de luta dos diversos setores da sociedade
civil, na defesa dos direitos da pessoa
humana. Incluindo-se: a luta por melhores
condies de vida, pela igualdade entre
raas, igualdade entre homens e mulheres,
respeito individualidade, preferncias
sexuais, pela liberdade de pensamento, de
organizao social, manifestaes
polticas, etc.
Para
compreender a dimenso do impacto provocado
pelas informaes veiculadas atravs dos
meios de comunicao social e da
preocupao com o controle destas nas
sociedades modernas, basta que nos
reportemos aos estudos de Ramiro Beltrn e
de Elizabeth Cardona (1982),
que nos pem a par do monoplio da
informao, tanto por parte dos governos,
como por parte de interesses privados.
E, contra isto,
alam da III Conferncia do CELAM,
em Puebla, 1979, a seguinte afirmao:
Os meios de comunicao social
converteram-se em veculo de propaganda do
materialismo reinante, pragmtico e
consumista, criando em nosso povo falsas
expectativas, necessidades fictcias,
graves frustraes e um af competitivo
malso.
Na
mesma direo, Caldas (1986: 77-78) nos
relata os cuidados tomados com os meios de
comunicao pelos Estados latino
americanos. Quando faziam desabar as
frgeis democracias do continente, em
meados da dcada de 1960, subjugando os
meios de comunicao ao mais absoluto
controle, fechando alguns jornais,
estaes de rdio, de televiso ou
retirando do ar a sua programao.
Mas
os esforos no sentido do controle da
informao, por parte de governos e de
setores privados, no limitam-se apenas a
perodos de ditaduras ou de regimes de
exceo, eles existem a todo o tempo,
em todos os pases, mesmo naqueles que
consideram-se exemplares em sua democracia.
No Brasil, acerca disto, nos so
ilustrativas as revelaes de Mario Conti
(1999): Notcias do Planalto: a imprensa
e Fernando Collor.
Sendo
a informao nas sociedades
contemporneas um instrumento de poder,
para uma maior compreenso do universo que
a cerca, deve ser lembrado que ela
veiculada numa sociedade
desigual, constituda de grupos e
classes sociais distintos, onde muitas vezes
o dilogo no possvel, por se tratar
de classes sociais antagnicas por
definio. Neste cenrio, a comunicao
tanto uma ao de interao entre os
homens, como um instrumento de barganha e
luta poltica. Concordamos com Sodr,
quando ele diz que a finalidade aparente
da informao ordenar (ou reordenar) a
experincia social do cidado (Sodr,
1985: 19). E acrescentamos, seguindo a linha
de raciocnio de Lima, que para conquistar
uma postura crtica, o homem necessita
estar engajado num permanente processo
dialtico de transformao da realidade
por meio da reflexo e da ao
(Lima,1981:119).
Ainda
que muitas experincias de utilizao de
meios de comunicao por setores do meio
popular possam ser verificadas no pas,
sobretudo a partir de 1970, no h como
obscurecer que a participao destes
setores no campo da comunicao social
implica conhecimentos tcnicos e deciso
poltica. A prpria escolha do meio est
vinculada a conjunturas e metas a que se
deseja alcanar.Se
decidem influir na opinio pblica
atravs do uso de meios de comunicao,
faz-se necessrio o domnio dos signos e
cdigos que norteiam a codificao de
mensagens especficas a cada meio; bem
como, conhecer padres estticos, valores
e habilidades de decodificao do pblico
ao qual a mensagem se destina.
Numa
informao veiculada atravs da mdia, o
contedo da mensagem no s a
seqnciao das palavras que compem
o texto (visual ou falado),
tambm a embalagem com que esta mensagem se
apresenta. Assim, num jornal,
a parte grfica, a cor, o tipo e
tamanho da letra, bem como a sua
diagramao, constituem tambm a
mensagem. Esta premissa vlida tambm
para mensagens sonoras ou audiovisuais: a
trilha sonora, o tamanho dos pargrafos, o
tempo de exposio de cada imagem, as
cores, a seqncia em que so
apresentadas, bem como a freqncia com
que aparecem, so elementos intrnsecos
compreenso e significao que lhes
atribuda.
No
entanto, o no domnio pleno desta
gramtica de formulao de mensagens no
so suficientes para impedir a utilizao
dos meios de comunicao pelos movimentos
populares em suas lutas. Estudos indicam que
a cada perodo de cerceamento das
liberdades, sobretudo de expresso, canais
para estes fins so criados.
Dependendo do grau de enfrentamento entre
classes, interesses de classes ou de grupos,
a capacidade popular de desenvolver
mecanismos no campo da comunicao
surpreende: Faixas, peas teatrais,
cordis,
informao boca-a-boca,
pinturas, boletins, cartazes, panfletos,
jornais, surgem do dia para a noite. Donde
pode deduzir-se que no percurso das lutas
que as necessidades vo sendo gestadas,
exigindo intervenes que alteram a
realidade dos envolvidos, provocando
estmulos criatividade, tomada de
decises, estimulando aprendizagens e
mecanismos de mobilizao. Neste processo,
a conscincia, julgada por alguns como
prerrogativa da mobilizao das massas,
ser, na verdade, decorrncia do processo
de mobilizao e no o contrrio.
(Silva, 1993:39).
No
plano da comunicao interpessoal, a
simples participao das pessoas em
reunies onde elas possam manifestar o seu
ponto de vista j constituem espaos
educativos por excelncia. Neste sentido,
muito ilustrativo o seguinte depoimento:
Antes
eu vivia trancada, sentia as coisas, mas
no falava. Eu queria dizer, mas parecia
que no tinha palavras. Eu era como uma
muda. Hoje no, depois que eu entrei para o
movimento, parece que houve uma
despertao comigo. Hoje eu falo,
participo dos encontros. Eu aprendi a ter
uma nova vida.
Sendo
a prpria fala um instrumento de luta, Emir
Sader analisa: A linguagem faz parte das
instituies culturais com que nos
encontramos ao ser socializados. na
verdade a primeira delas e que d o molde
primordial atravs do qual daremos a forma
a qualquer de nossos impulsos. Ela
condio tanto no sentido de que nos
condiciona, nos inscreve num sistema j
dado quanto no sentido de que constitui um
meio para alcanarmos outras realidades,
ainda no dadas.(Sader, 1988:57).
A
fala, ou o direito expresso, pode ser
vista como a primeira conquista no longo
caminho de construo da cidadania.
Desqualificar a fala das crianas, das
mulheres, dos negros, dos homossexuais e dos
pobres foi uma estratgia freqente nos
500 anos da histria brasileira. O direito
livre expresso era uma premissa do
Estado, da Igreja e de setores
financeiramente abastados da sociedade. A
expresso voc sabe com quem est
falando? foi senha utilizada muitas vezes
para calar a voz dos pobres e dos que se
encontravam fora das redes do poder.
Neste
sentido, o to criticado populismo
pedaggico, vivenciado, nas dcadas de
1970 e de 1980, nas CEBs e em experincias
de educao popular, representa uma
reviravolta e deu a sua contribuio rumo
a permitir
voz aos sem voz.
Se no surtiu os efeitos, em termos
de uma transformao social mais ampla,
pelo menos desenvolveu
autoconfiana em pessoas ou grupos
que antes estavam orientados a
desacreditarem de si e de suas
possibilidades de exercitarem sua cidadania
no mundo. Ainda nesta direo,
muito contriburam as idias de Paulo
Freire que em sua vida inteira defendeu o
princpio da dialogicidade e a idia de
que nenhuma educao faz sentido, seno
aquela que ajude o ser humano em seu
processo de humanizao.
No
processo de humanizao do homem a
conquista da autoconfiana para o uso da
palavra por aqueles que se diziam incapazes,
, em
si, um avano. Mas isto s um o.
Vale reconhecer
que a comunicao no um
fenmeno de via nica. Sabemos, ela
insere-se a contextos, sofrendo
intervenes mltiplas.
Quando
trata-se de lutas sociais, na busca de
assegurar cidadania para todos ou para
determinados segmentos,
mesmo tendo havido crescimento nos
setores populares, no que toca a
comunicao pessoal e intergrupal, no
plano da luta poltica, surgiro novos
desafios: tero que lidar com estruturas de
poder, com choques de interesses, lutas de
classe,
com populaes distintas em
valores, culturas, por vezes desunidas e pouco interessadas em mudar esse estado
de coisas.
O
sujeito constituinte das lutas
sociais, originalmente, quase sempre um
todo disperso. A configurao de uma
identidade comum gestada durante o
processo da organizao popular. Isto
porque todo processo de identidade uma
representao e tende a ser estabelecida a
partir de referenciais reducionistas,
evidenciados em circunstncias
determinadas, mas negados noutros. A
respeito disso Maura Penna afirma: (...)
a identidade localizada como uma
construo do pensamento, sendo em
relao complexidade do real, uma
construo redutora, na qual esto
envolvidos processos de simplificao e
focalizao, sofrendo direcionamentos
dados pelos interesses e referenciais
diversos socialmente disponveis.
Mesmo
com as dificuldades de construo de uma
identidade de classe, de grupo ou de etnia,
se fssemos considerar as particularidades
dos membros de cada um destes segmentos, num
determinado momento de conflito, de
explicao de posies ou interesses
antagnicos, onde surja como necessidade a
demarcao ns/eles, a construo de
uma identidade fundamentada no interesse
comum aria a ser uma necessidade.
Nas
experincias de trabalho desenvolvidas por
ONGs, sindicatos ou organizaes que visam
representar categorias, etnias ou interesses
especficos, h esforos
em desenvolver estratgias que
reforcem a identidade destes grupos e de
seus componentes, enquanto partcipes de um
mesmo projeto social.
O
processo de formao de uma identidade
comum tanto parte da considerao das
semelhanas como procura romper
preconceitos e concepes de mundo que
impeam ou atrapalhem, na prtica, a
criao desta identidade.
Mas
para que uma luta se estabelea, no basta
to somente o recorte da identidade. preciso politizar uma dada situao,
colocando-a em crise. Neste sentido, Karner(1987)
alerta: Muitas pesquisas j demonstraram
que a misria absoluta, ou seja a
pauperizao dos pases subdesenvolvidos
conduz antes apatia e ao
individualismo. E Nascimento(1988),
seguindo raciocnio semelhante, afirma:
(...) as carncias s adquirem valor
social quando saem do plano do objetivo para
o subjetivo. necessrio que elas sejam
percebidas, e mais, apreendidas como
injustas. A fome sozinha no conduz a
nenhuma prtica social e muito menos a uma
prtica organizada, contestadora,
rei-vindicante.
s
vezes, acredita-se que a organizao de
grupos que se
formam no meio popular j so
prenncios de uma sociedade democrtica,
so sementes de um projeto novo de
sociedade, de maior democracia, de cidadania
assumida, reivindicada, vivida.
Na
verdade, essas organizaes populares
tm-se mostrado mais como uma reao a
circunstncias criadas pela conjuntura ou
pela prpria estrutura das sociedades, em
que elas surgem e no indicam,
necessariamente, a busca de uma nova
sociedade nem a presena de algum projeto
neste sentido. So movimentos que no
buscam a transformao da sociedade como
um todo, mas buscam o enfrentamento
localizado de problemas postos a uma
determinada comunidade. Falta de moradia,
piso salarial e falta de terra ou de
crdito para o homem do campo so
questes que mobilizam setores carentes.
Fazem-no, no necessariamente numa viso
ampla do problema de associa-lo a um modelo
econmico e a decises polticas, mas
numa busca a solues imediatistas para
ele.