Reforma
do Sistema interamericano
Traduo
: Adriana
Carneiro Monteiro
Uma viso no governamental do
processo de reforma
do sistema interamericano
Ariel
E. Dulitzky
Viviana Krsticevic
Alejandro Valencia Villa
I.
Avaliao dos motivos do processo e a direo da
reavaliao do sistema
II.
Anlise de algumas das propostas em discusso.
A.
A relao entre a Comisso e a Corte.
B.
Transparncia do Sistema: issibilidade e durao
do procedimento.
C.
A confidencialidade e o uso da imprensa.
D.
A doutrina de pertinncia
E.
Sobre o vnculo operativo com as autoridades
judiciais nacionais
F.
Autonomia funcional do sistema
G.
O valor das recomendaes
III.
Concluses
I.
Avaliao dos motivos do processo e a direo da
reavaliao do sistema
O
sistema interamericano de proteo dos Direitos
Humanos, formado pela Comisso Interamericana de
Direitos Humanos (a Comisso) e a Corte
Interamericana de
Direitos Humanos (a Corte), se encontra atualmente em
um processo de redefinio de seu papel.
Em
seus cinqenta anos de funcionamento, tem evoludo
em um processo de juridicizao e efetividade dos
mecanismos de proteo. Durante esse perodo, tem
tido numerosos sucessos na promoo, exerccio e
defesa dos direitos humanos da regio. Desempenhou
papel de grande importncia quando predominaram
regimes autoritrios, identificando e denunciando as
graves e sistemticas violaes que ocorriam. Suas
aes contriburam para a abertura de espaos na
sociedade civil e criaram um ciclo propcio para o
regresso da plena vigncia das liberdades pblicas.
Com
o advento de governos eleitos democraticamente, a
situao dos direitos humanos na Amrica Latina
melhorou consideravelmente. Todavia, as violaes
dos mesmos continuam. Ainda quando a maioria dos pases
no tem polticos planejados pelo aparelho do Estado
contra violaes graves, a omisso na investigao
e castigo de execues, torturas e outras violaes
responsabilizam o Estado internacionalmente. A
impunidade continua sendo uma constante na nossa regio
nos anos noventa. Paralelamente, muitos Estados esto
empenhados na melhoria da situao dos direitos
humanos a nvel domstico, impulsionando
reformas legislativas, promovendo campanhas
educativas, capacitando os membros da Fora Pblica,
entre outros. Essa situao impe novos desafios,
discusses e preocupaes, tanto para os Estados e
para os defensores dos Direitos Humanos, como para os
rgos de superviso internacional.
Todavia,
essas compensaes favorveis situao de
direitos humanos no continente no se refletiam de
maneira imediata nos rgos do sistema
interamericano. No final da dcada de oitenta e nos
primeiros anos da dcada de 90, a Comisso no se
caracterizou por ter uma atitude de acordo com os
novos tempos que se viviam. A Comisso expediu
durante esse perodo algumas decises e relatrios
sobre a situao de direitos humanos que resultaram
sumamente valiosas; todavia, a razo jurdica da
maioria das decises no foi consistente com as
decises anteriores, nem suficientemente elaborada,
nem tampouco o foram algumas das prticas processuais
da Comisso. ( ) A gama de direitos examinados pela
Comisso aumentou, mas o nmero de casos resultantes
decresceu abruptamente nos ltimos anos, ainda
existindo centenas de casos na dependncia de uma
resoluo final. Essa atitude da Comisso se
traduziu na falta de resposta em muitos dos casos
apresentados, com a conseqente recusa de justia.
Todavia, diferena da prtica tradicional da
Comisso durante os anos oitenta, a mesma remeteu
numerosos casos Corte . Durante o perodo em anlise
(entre o princpio da dcada e 1995), a Comisso se
caracterizou por certa inconsistncia nos critrios
e por um perfil inferior, devido parcialmente falta
de juridicizao das prticas da mesma,
desorganizao istrativa, delegao de
decises bsicas do processo Secretaria da Comisso
e incapacidade de adequao s novas condies
polticas e de ao.
Entre
1995 e 1996, dois acontecimentos tiveram um forte
impacto no desenvolvimento do sistema: a troca de
Secretrio Executivo da Comisso e a nova composio
da Comisso. Em princpios de 1996, o Dr. Taiana
assumiu suas novas funes como Secretrio
Executivo. Entretanto, a composio da Comisso foi
trocada com a renovao parcial de seus membros em
Janeiro de 1996.
Os
membros da Comisso assumiram uma posio ativa no
trato dos assuntos polticos e istrativos do
processamento de casos e de elaborao de relatrios.
Uma das principais preocupaes da Comisso foi a
de revisar as prticas processuais da Secretaria
Executiva, num esforo de estabelecer critrios
transparentes e eficientes de funcionamento do sistema
interamericano, em particular em relao aos casos
individuais. Essa nova prtica se evidencia nas ltimas
sesses, onde se apresentam avanos significativos
em matrias como relatrios de isso de casos
individuais, parmetros para impulsionar solues
amistosas, critrios para a elaborao de relatrios
sobre pases, entre outros.
A
avaliao do trabalho da Corte nos ltimos anos
resulta ainda mais despretensiosa pelo nmero
delimitado de decises que ela tem tomado. Por um
lado, a Corte tem fortalecido a defesa dos direitos
humanos atravs de sua jurisprudncia (especialmente
em seus primeiros anos de funcionamento), na qual tem realizado uma contribuio
especial s opinies consultivas emanadas da mesma
que supriram a falta de referncia de casos Corte
pela Comisso durante um largo perodo, assim como
na importante deciso dos casos hondurenhos. Em
particular, a interpretao de alguns dos direitos
consagrados pela Conveno se tem visto enriquecida
por opinies consultivas. Por outro, o pequeno nmero
de casos contenciosos que tem tido oportunidade de
examinar (-), no representativo quanto ao nmero
de casos tramitados pela Comisso e ao nmero de
violaes de direitos humanos
que se apresentam no continente, como quanto
prpria representatividade dos direitos examinados. A
Corte, em sua atual composio, tem elaborado uma
valiosa jurisprudncia em matrias de medidas de
preveno e reparao. Porm, de acordo com a
perspectiva de numerosos juristas, a Corte no tem se
dedicado a um consistente desenvolvimento essencial
dos direitos, com o resultado de que a razo jurdica
nas ltimas decises da Corte menos elaborada que
nos seus primeiros anos. bem verdade que os Estados
estavam desacostumados a receber demandas
internacionais ante a Corte, e a ver a Comisso no
papel de defensora das vtimas que lhe concede a
Conveno; dessa forma, como produto de uma prtica
exclusiva da Comisso de enviar casos Corte, os
atritos entre ela e os Estados aumentaram.
Esses
novos desafios e realidades tm gerado atitudes
diferentes por parte dos Estados. Alguns tm
respondido procurando que este renovado sistema
interamericano se converta em um aliado soluo
de muitos de seus problemas relacionados com a situao
de direitos humanos. Esses Estados (entre eles,
destacando-se a Repblica da Argentina), tm-se
caracterizado por uma atitude cooperante com o
sistema, tanto a nvel da Comisso como da Corte,
utilizando-o como um meio para detectar algumas violaes
de direitos fundamentais cometidos tanto pela esfera
executiva, como pela legislativa e judicial de seus pases,
impulsionando, dessa maneira, trocas nas polticas ou
leis internas dirigidas a superar as situaes
violatrias Conveno Americana de Direitos
Humanos (a Conveno), e remediando violaes em
casos individuais. Outros Estados com graves problemas
de direitos humanos, como Colmbia, tm-se
comprometido ativamente nas solues amistosas
realizadas com o auspcio da Comisso.
Outros
Estados, ao contrrio, em resposta evidente
vontade da Comisso de trabalhar mais eficientemente
para a proteo dos direitos na regio - em
particular aqueles que se viram mais afetados -
adotaram uma postura defensiva. A resposta foi propor
reavaliar e modificar o funcionamento do sistema. O
maior impulsionador das mudanas o Peru, que tem
pendentes mais de 150 casos perante a Comisso e 4
perante a Corte.
(-).
Em
Junho de 1996, a Assemblia Geral da Organizao
dos Estados Americanos (OEA) aprovou uma resoluo
encomendando ao Conselho Permanente a realizao
de uma avaliao do funcionamento do sistema com
vistas a um processo que permita seu aperfeioamento,
includa a possibilidade de reformar os instrumentos
jurdicos correspondentes, assim como os mtodos e
procedimentos de trabalho. Desse modo, resolveu
promover um dilogo entre os Estados membros e entre
estes, a Comisso e a Corte, assim como com
especialistas, com vistas a contribuir para essa
tarefa.
Como
parte do processo, o secretrio Geral do OEA, Csar
Gaviria Trujillo e a Comisso, de 2 a 4 de Dezembro
de 1996, convocaram um seminrio sobre O
sistema interamericano de promoo e proteo dos
direitos humanos, em que participaram
representantes dos Estados do hemisfrio,
especialistas e algumas organizaes no
governamentais.
O
processo de reavaliao do sistema interamericano
tem gerado duas posies opostas. Uma, de
questionamento por parte de alguns dos Estados-membros
da OEA. Pases como Peru, Mxico e Chile tm
proposto iniciativas que, se aprovadas, debilitariam
especialmente o trabalho do sistema interamericano.
Entre as propostas que vm impulsionando esses pases,
encontram-se a de estabelecer regras restritivas na
issibilidade das peties e na legitimidade
processual, limitar a produo de relatrios gerais
e especiais tanto sobre casos concretos como sobre as
situaes de direitos humanos em alguns pases,
determinar que o procedimento e os relatrios da
Comisso sejam estritamente confidenciais e aprimorar
o controle poltico sobre os rgos do sistema. A
outra posio, representada por alguns governos,
pelos defensores de direitos humanos, pelas organizaes
no-governamentais, pelas vtimas e seus familiares,
defende a consolidao, juridicizao e maior
efetividade do sistema interamericano.
O
processo de avaliao do sistema pode ter aspectos
sumamente positivos que permitam a avaliao das prticas
e a sugesto de modificaes necessrias no
sistema. Especialmente se a discusso se d no
quadro de um debate que no se restrinja aos Estados;
seno que inclua especialistas, os membros dos rgos
que os compem, organizaes no governamentais,
etc. Nesse sentido, interessante analisar as
concluses e recomendaes do seminrio organizado
pela Comisso em Dezembro de 1996.
Os
Estados tm o poder de decidir o que fazer, porm no
devem esquecer que so os indivduos os beneficirios
do sistema e que so os Homens de carne e osso que
compem as naes do continente.
nesse contexto que o Secretrio Geral preparou um
documento intitulado Em direo a uma nova viso
do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a
fim de enriquecer o processo de debate; algumas
propostas desse documento sero comentadas a seguir.
O documento foi distribudo s comisses
permanentes e foi apresentado ao Conselho Permanente
da Organizao. O Dr. Gaviria se referiu a aspectos
centrais do mesmo no seminrio de dezembro.
II.
Anlise de algumas das propostas em discusso.
No
processo que temos descrito se tm esboado mltiplas
propostas em relao ao procedimento diante da
Comisso e da Corte e o papel que deveriam cumprir
ambos os rgos. Muitas delas teriam especial
transcendncia para o futuro do sistema com efeitos
sumamente nocivos para os habitantes de nosso
continente. Por exemplo, se tem proposto limitar o
papel da Comisso a um simples rgo de promoo
dos direitos humanos sem praticamente nenhuma funo
de tramitao de casos individuais, ou reduzir de
diferentes maneiras o o das organizaes no-governamentais
de direitos humanos Comisso.
Sem
prejuzo de deixar firmada nossa posio contrria
a ambas por levar a um sistema menos eficiente para a
tutela dos direitos humanos, nas prximas sees
analisaremos apenas algumas propostas que aparecem de
uma ou outra maneira compiladas no documento elaborado
pelo Secretrio Geral da OEA.
A.
A relao entre a Comisso e a Corte.
Uma
das propostas mais interessantes que est em debate
a de transformar a relao de trabalho entre a
Comisso e a Corte, a fim de realizar mais
eficientemente o trabalho dos rgos com o objetivo
de garantir o princpio de igualdade das partes e a
integridade do sistema de proteo dos direitos
humanos. Nesse sentido, e seguindo a mais avanada
doutrina no tema, O Secretrio Geral e alguns
governos concordam com a importncia de evitar que a
Corte duplique as tarefas de determinao das aes
que realiza a Comisso. Isto , distribuir de
maneira razovel as funes de investigao entre
ambos os organismos em reas de uma economia
processual que evite a duplicao de certas
atividades. Uma alternativa plausvel a proposta
do Secretrio Geral de conceder de maneira
fundamental a tarefa da determinao das aes
Comisso, com o objetivo de que, somente de maneira
excepcional, a Corte volte a trat-las quando sejam aes
supervenientes e relevantes.
Outro
tema que corresponde imparcialidade da Comisso
o papel que cumpre diante da Corte. Na atualidade, a
Comisso atua na qualidade de parte, como defensora
das vtimas diante da Corte. Esse papel gera a aparncia
de parcialidade, j que h uma agem de juiz das
partes - vtimas e Estados - na tramitao diante
dela a advogado das vtimas e adversrio do Estado
na tramitao diante da Corte. A Comisso deve
atuar em um quadro que lhe permita garantir a
realidade assim como a aparncia de imparcialidade
maneira de um Ministrio Pblico a nvel local em
interesse da integridade do sistema de proteo. Em
contrapartida, tambm concordamos com a importncia
da representao independente e direta dos peticionrios
diante da Corte, como recomenda o documento do Secretrio
Geral.
Um
tema adicional que se vincula aparncia de
imparcialidade a faculdade da Comisso de enviar
casos Corte. Com vistas a eliminar a falta de
imparcialidade, dever-se-ia estabelecer a
possibilidade de que os peticionrios tenham a
legitimidade para submeter um caso Corte -
maneira do Protocolo no 9 Conveno
Europia de Direitos Humanos - ou a Comisso deveria
avaliar com especial ateno a solicitao dos
peticionrios de que um caso seja enviado ou no
Corte.
B.
Transparncia do Sistema: issibilidade e durao
do procedimento.
Uma
matria na qual o sistema ganharia muito em qualidade
fixar com exatido os critrios e a tramitao
dos casos diante da Comisso Interamericana, tal como
acertadamente assinala o documento do Dr. Gaviria. O
tema da isso e durao do procedimento deve
estabelecer-se de acordo com regras flexveis, porm
razoveis, que estabeleam prazos certos para a
tomada de determinaes. Tanto os Estados como os
peticionrios necessitam garantir um sistema que no
permita que a tomada de certas decises se atribua a
causas polticas ou arbitrariedades. Se a determinao
do nmero de relatrios no depende da maturidade
dos casos nem do prazo transcorrido, seno da vontade
e esforo de um relator ou advogado da Secretaria, os
Estados e peticionrios certamente podem atribui-lo a
razes que no necessariamente sejam adequadas. Os
recursos econmicos e humanos da Secretria da
Comisso que permitam a contratao de pessoal
especialista e o pagamento de salrios para a gradual
elevao da funo de membro da Comisso a tempo
integral, constituem uma condio necessria para
que a mesma responda eficientemente s exigncias
dos Estados, especialistas e representantes das vtimas.
Um
sistema transparente de issibilidade deveria
estabelecer alguns pontos essenciais. Entre os
reunidos na proposta do Secretrio Geral esto os
seguintes: Primeiro, contar com um registro imediato
da toda comunicao recebida com a respectiva
notificao de recepo imediata aos peticionrios.
Segundo, dar notificao imediata aos governos sobre
qualquer comunicao que lhes diga respeito a fim de
lhes permitir atuar nessa situao ou caso; tudo
isso entendendo-se que o registro das comunicaes e
a notificao ao governo no implica que exista um
caso contra o Estado, do que deveria desejar-se
firmeza na nota inicial. Terceiro, contestar as
faculdades da Secretaria Executiva de rechaar prima
facie as solicitaes sem dar ao governo a
possibilidade de solucionar seus prprios assuntos,
ainda quando a Secretaria no tenha faculdades para
declarar a inissibilidade de um caso. Quarto,
promover o estabelecimento de um procedimento de
reconsiderao das decises de inissibilidade
por parte da Comisso, seguindo o modelo do Comit
de Direitos Humanos das Naes Unidas. Quinto,
estabelecer um sistema especial de registro e tramitao
das peties de medidas cautelares por seu carter
urgente. Sexto, o cumprimento dos prazos estabelecidos
nos Regulamentos.
C.
A confidencialidade e o uso da imprensa.
Alguns
Estados esto seriamente preocupados em relao ao
que consideram um uso prejudicial da imprensa por
parte de alguns dos usurios do sistema. Sustentam
que muitas vezes seus governos so condenados pela
imprensa em virtude da apresentao de um nico
caso Comisso Interamericana. Frente a isso,
existe uma importante funo da imprensa de manter
informada a opinio pblica. A difuso do trabalho
da Comisso e da Corte cumpre um papel fundamental na
promoo dos direitos humanos no hemisfrio e
contribui para a transparncia do sistema. As notcias
da imprensa no vo cessar com estabelecimento de
regras de confidncia sobre o procedimento, j que
as vtimas vo continuar gozando da liberdade de
informar opinio pblica sobre as denncias
submetidas ao rgo internacional em virtude das
regras estabelecidas no prprio tratado para proteger
a liberdade de expresso. Porm, as regras de confidncia
podem limitar a transparncia do processo.
Frente
a essas tendncias contrapostas, a alternativa de
criar um Secretrio de Imprensa da Comisso, tal
como prope o Secretrio Geral, contribuiria
enormemente para superar esses problemas. Essa
iniciativa permitiria a emisso de comunicados
imprensa e a consulta para confirmar informao
oferecida pelos peticionrios ou pelos Estados. Assim
se alcanaria um equilbrio razovel de interesses
a respeito de informao fugaz ou mal intencionada.
Outra alternativa para esclarecer as prticas seria a
Comisso imitar o procedimento da Corte Internacional
e de seu par europeu de emitir comunicado imprensa
cada vez que adota uma deciso, informando o contedo
da mesma.
D.
A doutrina de pertinncia
O
propsito dos sistemas de proteo salvaguardar
os direitos bsicos de cada indivduo em virtude de
sua dignidade e, em segundo lugar, alguns dos
mecanismos foram dessa forma pensados no sentido de
que atuariam como sistemas anteriores de alerta para
evitar as violaes graves e nocivas que ocorreram
na Europa na Segunda Guerra Mundial e que
sensibilizaram a comunidade internacional a fim de
criar um sistema de proteo internacional.
Levando
em conta o propsito e a histria dos mecanismos
internacionais de proteo dos direitos humanos, no
compartilhamos com o Secretrio Geral sua proposta de
estabelecer um mecanismo que permita eliminar casos em
sua etapa de isso em virtude de um critrio
discricionrio. O documento sustenta que necessrio
que haja mais que uma violao aos direitos
protegidos e que os recursos judiciais a nvel
interno fracassem para que se possa iniciar um caso.
Sugere-se que se estabelea uma doutrina da pertinncia
a fim de deixar de lado casos que no devam ser
objeto de uma deciso judicial. muito provvel
que o carter discricionrio da faculdade
politizaria o papel da Comisso nesta etapa inicial.
Nem todos os Estados estariam sujeitos s mesmas
regras, j que aqueles Estados com maior influncia
poltica poderiam evitar que se discutissem certos
casos sensveis politicamente. Por outro lado, nem
todas as vtimas teriam direito garantia de seus
direitos. razovel sustentar que o sistema
interamericano no pode nem deve processar todas as
denncias que recebe, como de fato rechaa um nmero
considervel de denncias. Porm a soluo ao trmite
de casos definir com clareza as pautas de
issibilidade, publicando todas as decises que a
Comisso adote nesta matria.
Alguns
Estados tm delineado uma doutrina da
discricionariedade, que consistiria na seleo de
casos exemplares a fim de estabelecer precedentes
interamericanos ao modo de uma Corte Suprema
Interamericana. Algumas Cortes Supremas tm o poder
discricionrio de atuar apenas naqueles pontos sobre
os quais haja uma jurisprudncia clara ou consistente
dos tribunais inferiores. Isso razovel em
sistemas que estabelecem vrios instncias para a
garantia judicial de direitos, e quando a deciso da
Corte Suprema obriga os tribunais inferiores. No caso
do Sistema Interamericano, a Comisso e a Corte
constituem a ltima e muitas vezes nica segurana
de justia. Em resumo, um erro tcnico e poltico
assemelhar o sistema internacional de proteo a uma
Corte Suprema, ou fazer da proteo internacional
uma faculdade discricionria, o que iria contra o
objetivo e propsito do sistema interamericano e
contribuiria para a deteriorao de sua funo.
E.
Sobre o vnculo operativo com as autoridades
judiciais nacionais
A
relao e, em especial, o envolvimento dos
ombudsman, rgos fiscalizadores e defensores no
sistema interamericano, propostos pelo Dr. Gaviria, tm
a capacidade de enriquecer o sistema de proteo dos
direitos humanos.
Com
o objetivo de aproveitar a experincia e conhecimento
das realidades nacionais e contatos com os distintos
atores envolvidos nos casos dos ombudsman, poderiam
ser contempladas as seguintes possibilidades de sua
participao no sistema interamericano: primeiro,
solicitao em determinados casos de uso de algumas
provas que a Comisso lhe pea ou que contribua com
meios probatrios que possam faz-lo; segundo,
solicitao de produo de opinies em Direito
sobre determinados pontos requeridos pela Comisso;
terceiro, incorporao de alguns dos procedimentos
de soluo amistosa; quarto, possvel considerar
a possibilidade de a Comisso fornecer notificao
de uma petio inicial simultaneamente autoridade
competente (Embaixada, Ministrio das Relaes
Exteriores, etc.) e ao respectivo ombudsman para que
formule as observaes ou contribua com a informao
que estime conveniente.
Porm,
acreditamos que violaria as regras bsicas do
processo estabelecer procedimentos desiguais baseados
exclusivamente na qualidade do peticionrio, tal como
prope seu documento.
A
rapidez no procedimento deve depender da gravidade e
urgncia do caso e da prova aduzida, no de quem o
apresenta.
F.
Autonomia funcional do sistema
Tambm
compartilhamos quase todas as sugestes relacionadas
com o fortalecimento da istrao do sistema
(entre outras, que a Comisso deveria eleger seu
Secretrio Executivo e seu pessoal e controlar seu oramento),
que aparecem no documento do Secretrio Geral. A
autonomia istrativa do sistema, sem dvida, por
imprimir uma maior eficincia e celeridade em suas
funes.
A
capacidade da Secretaria da Comisso de investir
maiores recursos na contratao de pessoal
especializado e no pagamento de salrios para a
gradual elevao da funo de membro da Comisso
a tempo integral uma condio necessria para
que a mesma responda eficientemente s exigncias
dos Estados, especialistas e representantes das vtimas.
G.
O valor das recomendaes
A
adoo da legislao nacional necessria para
garantir o cumprimento das decises do sistema
interamericano no deve circunscrever-se apenas s
sentenas da Corte, como sugere o documento do Secretrio
Geral. Nossa posio a de que as recomendaes
da Comisso so obrigatrias e no meramente posies
morais sem nenhum valor.
importante que os Estados adotem modelos similares aos
seguidos pela Colmbia (legislao que estabelece o
procedimento de execuo das recomendaes
relativas a indenizaes) ou o projeto de lei
argentino (faz-se obrigatrio o cumprimento de todas
as recomendaes e, se o Governo no estiver de
acordo, deve enviar o caso Corte)
III.
Concluso
O
sistema interamericano tem demostrado ser sumamente til
como instrumento para defesa e promoo dos direitos
humanos. Porm, a Comisso e a Corte ainda no tm
desenvolvido todas as potencialidades que a Conveno
Americana sobre Direitos Humanos lhes confere; e tm
sido alvos de merecidas e no merecidas crticas
pelos distintos atores do sistema interamericano.
O
processo de avaliao do mecanismo regional de proteo
deve servir para identificar aquelas reas em que
seja necessrio esclarecer critrios e
procedimentos, assim como propor as reformas necessrias,
tendo em conta a experincia comparada luz das
realidades do nosso continente e sem perder de vista
que o propsito da discusso deve ser o
fortalecimento do mecanismo de proteo dos direitos
humanos. Neste processo, essencial que se garanta a
ampla participao de especialistas na rea de
direitos humanos, dos membros dos rgos do sistema,
dos Estados, das organizaes no governamentais e
dos defensores das vtimas.
Os
valores de conduo do processo de reforma devem ser
a celeridade, a transparncia, a igualdade entre as
partes, a segurana jurdica, a despolitizao e a
eficcia do procedimento diante da Comisso e da
Corte. Isso deve complementar-se com a condio
necessria para que essas garantias sejam efetivas,
isto , dotar ambos os rgos de recursos econmicos
e humanos suficientes para que possam desempenhar a
contento suas funes.
Porm,
a eficcia da reforma necessita mais do que de rgos
de proteo; requer, do mesmo modo, vontade poltica
dos Estados de cumprir as obrigaes assumidas na
Conveno, modificando a legislao e as prticas
a nvel local quando seja necessrio e, certamente,
cumprindo as recomendaes e sentenas dos rgos
do sistema.
Para
desenvolver esse processo de dilogo e aperfeioamento,
no necessrio reformar os instrumentos
convencionais do sistema interamericano. Basta a
discusso ampla, enriquecedora e de boa f dos mltiplos
atores do mesmo, que posteriormente se refletir em
modificaes de normas regulamentares ou estatutrias,
em contribuies econmicas, em vontade e apoio poltico
a um sistema regional de proteo dos direitos
humanos bsicos.
1.
Disso do conta o relatrio elaborado pela Associao
de Advogados de Nova York, os sucessivos relatrios
anuais do Internacional Human Rights Group, o Relatrio
Anual de 1995 do Human Rights Watch, etc.
2.
Cabe recordar que somente os Estados ou a Comisso tm
a capacidade de submeter casos Corte segundo o
estabelecido no art. 61.1 da Conveno.
3.
Os casos se referem, em sua maioria, a violaes ao
direito vida ou violaes graves s garantias do
processo devido. Entre eles, a demolio intencional
de uma priso a fim de conter um motim, causando a
morte de mais de uma centena de processados. Corte IDH,
Caso Neira Alegria e outros, Peru.