A LIBERDADE E O CONSELHO
DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA
Herclito Fontoura
Sobral Pinto 1iv60
Depois do
direito vida, nenhum outro direito mais importante
do que a liberdade. Entre todas as criaturas,
s o homem a possui e dela desfruta. Prpria das
criaturas inteligentes, a liberdade d ao homem
o domnio
de seus atos. Est, ento, na mo dos homens us-la
para o bem ou para o mal.
Ela no , portanto, o fim em si mesma, mas to-somente
meio para que o homem entre o bem e o mal, escolha
sempre o bem. Ela est vinculada, necessariamente
vontade, qual no incumbe conhecer o bem e
o mal, para, afinal, distingui-los. Esta a funo
da razo.
Decorre, pois, destes pressupostos, que a liberdade
deve de estar sempre subordinada orientao
da razo.
Mas a razo est sujeita, permanentemente, a desvios.
Ela no segue, sempre e por toda a parte, o caminho
do bem, podendo, deste modo, propor vontade
que utilize a liberdade para escolher o que no
bom nem moral.
Urge, por isto, defender a liberdade, isto ,
criar condies que a orientem para abraar a
verdade, o bem e o justo. Este o objetivo da
lei. Estabelecendo normas, sbias e claramente
formuladas, a lei declara o que permitido fazer
e o que obrigatoriamente proibido.
Entre todas, a primeira e a principal lei
a natural, a saber, a que inerente natureza
do homem, como criatura racional e livre. Ela
impede que cada um faa o que bem lhe parece e
quer. Uma vez que o homem vive em sociedade,
mister que cada um respeite, consciente e deliberadamente,
a orientao da lei natural, que a todos iguala
em dignidade e em compreenso mtua.
Esta
mesma lei veda, simultaneamente, que os governantes,
no exerccio 4e sua autoridade, faam o que bem
eles entendem. A autoridade deles no deve nem
pode ser absoluta, estando, limitada pela obrigao
de promover o bem comum da sociedade, de que
elemento integrante a liberdade individual, devidamente
orientada pela razo convenientemente esclarecida.
Se os governantes tm, como de necessidade, limitada
a sua autoridade, claro que o mesmo h de acontecer,
simultaneamente, com a vontade dos membros da
sociedade, a fim de que a liberdade no se transforme
em licena, origem e fonte do caos e da anarquia.
As naes cultas e civilizadas cuidaram de regulamentar,
em captulo especial de suas respectivas Constituies,
o exerccio prudente e racional da liberdade,
desdobrando-a, para isto, em direitos clara e
precisamente formulados.
Os polticos brasileiros tiveram, no comeo da
segunda metade deste sculo e alguns anos aps
a terminao da 2 Guerra Mundial, a noo terica
de que esses direitos no eram apenas nacionais,
tendo adquirido a categoria de direitos universais,
inseparveis do prprio conceito da civilizao.
Foi por isto possvel ao Deputado Bilac Pinto,
apresentar, em abril de 1956, Cmara dos Deputados,
de que fazia parte como representante de Minas
Gerais, pela Unio Democrtica Nacional, um Projeto
d?e Lei criando, na istrao Pblica Federal,
um rgo, com os poderes adequados e necessrios,
para defender, em todo o territrio nacional,
com real eficcia, os direitos da pessoa humana,
ameaados ou violados pelas autoridades, civis
e militares, da Unio, dos Estados e das Municipalidades.
Assim comea a justificao desse projeto: A
ltima Guerra Mundial, que tantos sacrifcios
custou humanidade, trouxe para os povos de todo
o mundo algumas conquistas inapreciveis.
Dentre elas desejamos destacar a criao de uma
nova conscincia universal a respeito do contedo
e da valorizao dos direitos da pessoa humana,
o que levou as Naes Unidas no apenas a formular
uma Declarao de Direitos, mas sobretudo a colocar
problema da efetividade do gozo e do respeito
a tais direitos como uma das pedras angulares
da civilizao do nosso tempo.
Aps breve histrico sobre a luta, ao longo dos
sculos, pela implantao, no seio das Naes,
do direito liberdade, Bilac Pinto adverte, com
indiscutvel verdade, na sua Justificao: Os
fatos mais significativos na histria do reconhecimento
dos direitos fundamentais da pessoa humana so
porm os recentes atos internacionais que visam,
a um tempo, coloc-los em plano supra nacional
e a assegurar a sua plena eficcia.
Salientando, com indiscutvel acerto, que os direitos
da pessoa humana tinham adquirido conceituao
universal, havendo, assim, transposto as fronteiras
nacionais, o Deputado Bilac Pinto acentuou, exato
e verdadeiro: Coube s Repblicas Americanas
no ltimo quinqunio, um importante papel no movimento
destinado a obter o reconhecimento dos direitos
humanos.
O Presidente Roosevelt foi um dos mais eminentes
leaders do esforo no sentido de colocar a eficcia
do gozo dos direitos da pes?soa humana como principal
fundamento da organizao poltica do mundo contemporneo.
Em discurso proferido em 6 de janeiro de 1941,
dizia o saudoso Presidente americano: A democracia,
ou seja, a prtica do governo prprio, uma conveno
entre homens livres para respeitar os direitos
e as liberdades de seus semelhantes.
Constitui orgulho nosso dizer que em nosso Pas
os homens tm liberdade de divergir dos seus concidados
e do seu governo e de expressar seus pensamentos
e de execut-los. Ns acreditamos que somente
o homem na plenitude de seus direitos um homem
livre.
Liberdade significa a supremacia dos direitos
humanos em toda a parte.
Nosso apoio dirigido em favor daqueles que lutam
para conquistar e manter tais direitos. Nos dias
do futuro, que desejamos tornar tranquilos, antevemos
um mundo fundado nas quatro liberdades essenciais
do homem.
A primeira liberdade a da palavra e expresso
em qualquer parte do mundo. A segunda a liberdade
de cada pessoa adorar a Deus a seu modo em qualquer
parte do mundo. A terceira a libertao da necessidade,
a qual, traduzida em termos mundiais, significa
a existncia de condies econmicas que assegurem
em cada Nao, vida saudvel e pacfica para seus
habitantes em qualquer parte do mundo. A quarta
a libertao do medo, a qual, traduzida em termos
mundiais, quer dizer uma reduo mundial de armamentos
a tal ponto e de tal modo que nenhuma Nao esteja
em posio de cometer um ato de agresso material
contra a outra em qualquer parte do mundo.
Qualquer destas liberdades acolhidas, em abril
de 1956, pelo Deputado Bilac Pinto, como justificao
de seu projeto, era literalmente observada no
Brasil de ento. O Presidente da Repblica, que
dirigia a Nao Brasileira e os p?artidos, que
atuavam na vida pblica do Pais, timbravam em
respeitar, conscientemente, estas quatro liberdades
Nobremente empenhado em reivindicar para o Continente
Americano a primazia da internacionalizao do
conceito dos direitos humanos e da necessidade
de serem eles defendidos, pelo Poder Pblico,
o Deputado Bilac Pinto recordava, na sua Justificao:
Falando no encerramento da Conferncia de So
Francisco das Naes Unidas, em 1945, o Presidente
Truman antecipava o advento de uma Declarao
Internacional de Direitos e assinalava a sua importncia
como fator de paz e segurana para a comunidade
mundial.
De acordo com este documento dizia o Presidente
Truman, referindo-se Carta das Naes Unidas
temos motivos para confiar na elaborao de
uma Declarao Internacional de Direitos, que
possa ser aceita por todas as Naes.
Assim como a nossa Declarao de Direitos constitui
uma parte da nossa Constituio, essa nova Declarao
de Diretos constituir um captulo do Direito
Internacional.
A carta se prope a assegurar e tornar efetivos
os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
A menos que possamos lograr esses objetivos para
todos os homens e mulheres em qualquer parte do
mundo independente de raa, lngua ou religio
no poderemos ter paz e segurana permanente.
O propsito da Nao Norte-americana de dar aos
direitos humanos uma conceituao internacional
na certeza de que esta transformao do conceito
daria a tais direitos uma indiscutvel segurana,
levou o General George O. Marshall, ento Secretrio
de Estado a discursar, lembra o Deputado Bilac
Pinto, na sua Justificao ao Projeto, de sua
lavra: na Assemblia das Naes Unidas, reunida
em Paris, em 1948, onde, recorda esse, ento,
Deputado, insist?iu na importncia da reafirmao
dos direitos humanos com estas palavras:
sem dvida oportuno que esta Assemblia Geral,
reunindo-se na Frana, que em 1789, com a Declarao
dos Direitos do Homem, comoveu a humanidade, considere
em 1948 a aprovao de uma nova Declarao de
Direitos Humanos para os homens livres de um mundo
livre.
No bastar porm a reafirmao do nosso respeito
pelos direitos humanos e liberdades fundamentais:
ser necessrio insistir na nossa determinao
de ampliar e proteger esses direitos e essas liberdades.
Liberdade de pensamento, de conscincia e de religio;
liberdade de opinio e de expresso, garantia
contra priso e deteno arbitrria; o direito
do povo de escolher seu prprio governo, de participar
da istrao e de mudar o governo quando este
no mais o satisfaa e, afinal, a obrigao do
governo de agir de conformidade com o direito
so alguns dos elementos que concorrem para
dar dignidade e valor ao indivduo...
Na denegao sistemtica dos direitos humanos
bsicos encontramos a causa primeira da maioria
das perturbaes que comprometem o trabalho das
Naes Unidas. .
O nessa poca, abril de 1956 eminente e ilustre
poltico mineiro focalizou, com oportunidade e
inteira procedncia, na Justificao do Processo:
medida que os leaders polticos americanos
tomavam essa posio inequvoca em defesa dos
direitos da pessoa humana, ia ganhando terreno
a idia de se formular um documento continental
para a reafirmao desses princpios.
E, afinal, na Nona Conferncia dos Estados Americanos,
realizada em Bogot, Colmbia, no ano de 1948,
as vinte e uma repblicas deste continente, coroando
o trabalho das chancelarias, adotou a Declarao
Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais
do Homem, constitu?da de trinta e oito artigos.
Essa importante declarao teve no apenas o mrito
de definir e ampliar o elenco dos direitos da
pessoa humana, entre eles incluindo os novos direitos
sociais e econmicos, mas sobretudo o de erigir
a observncia de tais direitos categoria de
matria que transcende os quadros nacionais para
constituir assunto de imediato interesse no plano
internacional.
A experincia das Naes demonstra que no basta
definir os direitos. ~ necessrio, simultaneamente,
que com a definio deles se estabelea, com firmeza,
os meios e os modos que os faam respeitar.
Sem a criao, em cada Pas ou na rea Internacional,
de um rgo istrativo com a faculdade e os
poderes necessrios para fazer respeitar os direitos
humanos definidos em frmulas verbais claras e
insofismveis, ningum poderia pensar ou esperar,
jamais, que tais direitos seriam respeitados pelo
governo do Pas, cujo interesse se confunde, exatamente,
com o no reconhecimento ou a no obedincia a
tais direitos.
A liberdade de ir e vir, como a de no ser preso
arbitrariamente, tem, no habeas corpus, o meio
adequado de defend-lo. Coisa semelhante se tornava
indispensvel criar, no nosso Pas, em defesa
dos demais direitos definidos em captulo especial
da nossa constituio e nas duas Declara6es dos
Direitos da Pessoa Humana, a do Continente Americano,
promulgada em Bogot, e a das Na6es Unidas, promulgada
em Paris.
O Deputado Bilac Pinto teve o notvel mrito de
organizar um projeto de lei, que criou no Brasil
um rgo istrativo capaz, pelas faculdades
e poderes que lhe seriam atribudos, de defender
com eficcia todo e qualquer direito da pessoa
humana, que viesse a ser violado por abuso de
autoridades. Eis este projeto:
O Congresso Nacio?nal decreta:
Art. 1 Fica criado o Ministrio da Justia e
Negcios Interiores e o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana.
Art. 2 O O. D. D. P. H. ser integrado pelos
seguintes membros: Ministro da Justia e Negcios
Interiores, Ministro das Rela6es Exteriores,
Presidente do Conselho da Ordem dos Advogados
do Brasil, Presidente do Instituto da Ordem dos
Advogados Brasileiros, Professor Catedrtico de
Direito Constitucional da Faculdade Nade Direito,
Professor Catedrtico de Direito Internacional
Pblico da Faculdade Nacional de Direito, Presidente
da Associao Brasileira de Imprensa, Presidente
da Associao Brasileira de Rdio, Presidente
da Associao Brasileira de Educao, Lderes
da Maioria e da Oposio na Cmara dos Deputados
e no Senado.
Pargrafo nico a presidncia e a vice-presidncia
do Conselho cabero, rotativamente, ao Ministrio
da Justia e ao Ministro das Rela6es Exteriores.
Art. 3 Os membros do C.D.D.P.H. e o secretrio
que for designado pelo Ministro da Justia recebero
o jeton de presena de Cr$ 500,00 (quinhentos
cruzeiros> por sesso, at o mximo de quatro
sesses mensais.
Art. 4 Compete ao Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana:
1) Promover inquritos, investigaes e estudos
acerca da eficcia das normas asseguradoras dos
direitos da pessoa humana, inscritos na Constituio
Federal, na Declarao Americana dos Direitos
Fundamentais do Homem (1948) e na Declarao Universal
dos Direitos Humanos (1948);
2) Promover a divulga5o do contedo e da significao
de cada um dos direitos da pessoa humana mediante
conferncias e debates em universidades, escolas,
clubes, associaes de classe e sindicatos e por
meio da imprensa, do rdio, da televiso, do teatro,
de livros e folhetos;
? 3) Promover nas reas que apresentem maiores
ndices de violao dos direitos humanos:
a) a realizao de inquritos para investigar
as suas causas e sugerir medidas tendentes a assegurar
a plenitude do gozo daqueles direitos:
b) campanhas de esclarecimento e divulgao;
4) Promover inquritos e investigaes nas reas
onde tenham ocorrido fraudes eleitorais de maiores
propores, para o fim de sugerir as medidas capazes
de escoimar de vcios os pleitos futuros;
5) Promover a realizao de cursos diretos ou
por correspondncia, que concorram para o aperfeioamento
dos servios policiais, no que concerne ao respeito
dos direitos da pessoa humana;
6) Promover entendimentos com os governos dos
Estados e Territrios cujas autoridades istrativas
ou policiais se revelem, no todo ou em parte,
incapazes de assegurar a proteo dos direitos
da pessoa humana, para o fim de cooperar com os
mesmos na forma dos respectivos servios e na
melhor preparao profissional e cvica dos elementos
que os compem;
7) Promover entendimentos com os governos estaduais
e municipais e com a direo de entidades autrquicas
e de servios autnomos, que estejam por motivos
polticos, coagindo ou perseguindo seus servidores,
por qualquer meio, inclusive transferncias, remoes
e demisses, a fim de que tais abusos de poder
no se consumem ou sejam, afinal, anulados.
8) Recomendar ao Governo Federal e aos dos Estados
e Territrios, a eliminao do quadro dos seus
servios civis e militares, de todos os seus agentes
que se revelem reincidentes na prtica de atos
violadores dos direitos da pessoa humana;
9) Recomendar o aperfeioamento dos servios
de polcia tcnica dos delitos por meio de provas
indicirias;
10) Recomendar ao Governo F?ederal a prestao
de ajuda financeira aos Estados que no disponham
de recursos para a organizao de seus servios
policiais, civis e militares, no que concerne
preparao profissional e cvica dos seus integrantes,
tendo em vista a conciliao entre o exerccio
daquelas funes e o respeito aos direitos da
pessoa humana;
11) Estudar e propor ao Poder Executivo a organizao
de uma diviso ministerial, integrada tambm por
rgos regionais, para a eficiente proteo dos
direitos da pessoa humana;
12) Estudar o aperfeioamento da legislao istrativa,
penal, civil, processual e trabalhista, de modo
a permitir a eficaz represso das violaes dos
direitos da pessoa humana por parte de particulares
ou de servios pblicos;
13) Receber representaes que contenham denncias
de violaes dos direitos da pessoa humana, apurar
sua procedncia e tomar providncias capazes de
fazer cessar os abusos particulares ou das autoridades
por eles responsveis.
Art. 5 O CD.D.P.H. cooperar com a Organizao
das Naes Unidas no que concerne iniciativa
e execuo de medidas que visem assegurar o
efetivo respeito dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais.
Art. 6 No exerccio das atribuies que lhes
so conferidas por esta lei, podero o C.D.D.P.H.
e as Comisses de Inqurito por ele institudas
determinar as diligncias que reputarem necessrias
e tomar o depoimento de quaisquer autoridades
federais, estaduais ou municipais, inquirir testemunhas,
requisitar s reparties pblicas informaes
e documentos e transportar-se aos lugares onde
se fizer mister sua presena.
Art. 7 As testemunhas sero intimadas de acordo
com normas estabelecidas no Cdigo de Processo
Penal.
Pargrafo nico Em caso de no comparecimento
de testemunh?as sem motivo justificado, a sua
intimao ser solicitada ao Juiz criminal da
localidade em que resida ou se encontre, na forma
do art. 218 do Cdigo de Processo Penal.
Art. 8 Constitui crime:
Impedir ou tentar impedir mediante violncia,
ameaas ou assuadas, o regular funcionamento do
C.D.D.P.H. ou de Comisso de Inqurito por ele
instituda, ou o livre exerccio das atribuies
de qualquer de seus membros.
Pena a do art. 329 do Cdigo Penal.
II Fazer afirmao falsa, negar ou calar a verdade
como testemunha, perito, tradutor ou intrprete
perante o C.D.D.P.H. ou Comisso de Inqurito
por ele institu Pena a do art. 342 no Cdigo
Penal.
Art. 9 No oramento da Unido ser includa, anualmente,
a verba de Cr$ 10.000,00 (dez milhes de cruzeiros)
para atender s despesas de qualquer natureza
do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Art. 10 A presente lei entrar em vigor na data
de sua publica5o, revogadas as disposies em
contrrio.
Sala das Sesses, em 2 de abril de 1956 Bilac
Pinto.
Este projeto dormiu, durante anos, em alguma das
gavetas da Cmara dos Deputados. Retirado dessa
gaveta, teve andamento moroso, at que em janeiro
de 1961 recebeu redao final, seguindo, ento,
para o Senado, onde caminhou a os menos lentos,
pois, em maio de 1958 a Comisso de Constituio
e Justia aprovava, unanimemente e sem a menor
modificao, o projeto supra transcrito, que mereceu
brilhante Parecer favorvel do saudoso Senador
Milton Campos. No decurso dos debates do projeto
houve emendas alterando a composio do Conselho,
todas elas no sentido de serem excludos desse
rgo o Ministro das Relaes Exteriores, o Presidente
do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Professor
Catedrtico de Direito e o Pres?idente da Associao
Brasileira de Rdio, emendas estas que foram aceitas
pela Comisso de Constituio e Justia do Senado;
em Parecer do pranteado Senador Pedro Aleixo,
emitido em maio de 1963.
Afinal, aps percorrer, no Congresso Nacional,
os trmites regimentais o projeto, sancionado
pelo to discutido Presidente Joo Goulart, se
transformou na Lei n9 4319 de 16 de maro de 1964.
Em 31 de maro de 1964, isto , 15 dias depois
da promulgao dessa lei, que criara o Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em nosso
Pas, explodiu o movimento militar, com a colaborao
dos integrantes da Unio Democrtica Nacional,
que visava depor o Presidente Jogo Goulart. Deposto
esse Presidente, os militares assumiram a direo
do Pas, colocando na Presidncia da Repblica
o General Humberto de Alencar Castelo Branco.
O Senador Milton Campos, nomeado Ministro da Justia
desse governo militar e o Deputado Bilac Pinto,
eleito, mais tarde, Presidente da Cmara dos Deputados,
no tiveram fora nem prestgio para instalar,
no Pas, o Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana, por cuja criao, pelo Congresso
Nacional, tanto se esforaram e trabalharam, com
entusiasmo e sinceridade, nas duas Casas do Congresso,
que tanto elevaram e honraram com a sua cultura,
dignidade e patriotismo.
A Lei n. 4.319, de 16 de maro de 1964, permaneceu
letra morta at que este Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil, em brilhante parecer
do Prof. Otto Gil de Andrade, por ele aprovado,
reclamou, reiteradas vezes, do Ministro da Justia
do Governo do General Artur da Costa e Silva,
a sua aplicao.
Instalado o Conselho, a maioria de seus membros,
submissa aos interesses da ditadura militar que
ara a governar a Nao no permitiu, nunca,
que ?o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana exercesse as suas atribuies. Se o Conselho
entrasse a cumprir as suas obrigaes legais,
os abusos das autoridades e do Poder, frteis
nessa poca de opresso e perseguio, sistematicamente
impunes, no se teriam verificado, uma vez que
a lei, perfeita nas suas determinaes e previses,
habilita o Conselho a tomar as medidas istrativas
necessrias para descobrir esses abusos e punir
os seus autores.
Houve um momento em que a maioria governamental,
nesse Conselho, pareceu periclitar. O Governo
aproveitando um Projeto imprudente apresentado
por um Sena dor da Oposio, alterou a composio
do referido Conselho e prescreveu que fossem secretas
as suas deliberaes, e reduziu ao mnimo as suas
sesses anuais.
Dispondo da maioria no Congresso Nacional, o Governo
alterou a composio do Conselho, incluindo nele
quatro elementos de sua confiana absoluta, isto
, Representante do Ministrio das Relaes Exteriores,
Representante do Conselho Federal de Cultura,
Representante do Ministrio Pblico Federal e
Professor Catedrtico de Direito Penal de uma
das Faculdades Federais.
Surgiu, deste modo, relativamente ao Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o problema
mencionado pelo saudoso Senador Milton Campos,
em seu parecer, nestes termos: O problema est
na execu5o desses princpios, que deixam muito
a desejar na realidade dos nossos costumes. Para
citar um exemplo: a Constituio impede, de maneira
categrica, as prises arbitrrias, e para isso
teve a cautela de determinar que qualquer priso
ser imediatamente comunicada ao Juiz competente,
que a relaxar, se no for legal, e, se for o
caso, promover a responsabilidade da autoridade
coatora ( 22 do art. 141). Mas todos sabem que
este texto e?m geral no se aplica. As arbitrariedades
policiais se multiplicam e nunca as prises so
comunicadas ao Juiz, nem os coatores responsabilizados.
necessrio que se d a maior ateno s justas
e sensatas ponderaes do eminente poltico mineiro,
quando, em seu parecer, proclama, acertadamente:
Dir-se- que, com esse carter, o C.D.D.P.H.
poder ser ineficiente. Acredito que no. Um Conselho
de to altas autoridades e personalidades ter
sempre excepcional fora moral para, influenciando
os governos, as instituies e a opini5o pblica,
defender os direitos dos cidados contra as arremetidas
suscitadas pelo esprito de opresso onde quer
que ele se manifeste.
Pouco me importa que at agora o Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana no tenha podido
exercer, como de sua obrigao, as nobres, necessrias
e indispensveis atribuies, que a lei lhe confere,
para que faa varrer dos nossos costumes os abusos
da autoridade e do Poder, que atentam, impunemente,
contra os direitos da pessoa humana.
Uma vez que a Ordem dos Advogados do Brasil faz
parte deste Conselho, atravs da pessoa do Presidente
de seu Conselho Federal, de seu dever esforar-se,
a todo o seu poder, para que a Lei n. 4319, de
16 de maro de 1964, seja aplicada honesta, leal
e serenamente.
Inicialmente, cumpre que o Conselho Federal obtenha
a proclamao, atravs da deliberao da VIII
Conferncia Nacional dos Advogados do Brasil,
que a Declarao Americana dos Direitos e Deveres
do Homem e a Declarao Universal dos Direitos
Humanos esto, pela Lei n9 4319, de 16 de maro
de 1964, incorporadas ao Direito positivo do Brasil.
Com efeito, o Art. 4 da mencionada Lei preceitua:
Compete ao Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana:
1 Promover inqu?rito, investigaes e estudos
acerca da eficcia das normas asseguradoras dos
direitos da pessoa humana, inscritos na Constituio
Federal, na Declarao Americana dos Direitos
e Deveres Fundamentais do Homem (1948) e na Declarao
Universal dos Direitos Humanos (1948).
Com efeito, a Lei equipara, no texto supra transcrito,
as duas Declaraes, tanto a Americana quanto
a Universal, Declarao dos Direitos e Garantias
Individuais, definidos e enumerados na Constituio
Federal do Brasil. O texto legal, acima reproduzido,
empresta e exige igual eficcia s trs Declaraes,
a saber: a da Constituio Federal, prevista no
Art. 153 e seus 35 pargrafos e no Art. 154, na
Declarao Americana, de Bogot, e na Declarao
Universal, de Paris.
A preceituao legal clara e categrica ao determinar
que o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana indague, atravs de inqurito, investigaes
e estudos se os direitos da pessoa humana, consagrados
nas trs Declaraes, esto sendo eficazes. Ela
impe, assim, ao Conselho o dever de apurar se
as Trs Declaraes esto protegendo eficazmente
os direitos da pessoa humana.
Em face da preceituao constante do Art. 49 da
Lei n. 4319, de 16 de maro de 1964, claro
e evidente que as duas Declaraes, a de Bogot
e a de Paris, foram incorporadas ao direito positivo
brasileiro, devendo, assim, ser aplicadas pelo
Poder Executivo e pelo Poder Judicirio, em nosso
Pas.
O cidado brasileiro e os estrangeiros residentes
no Pas, podem exigir e reclamar, pelos meios
jurdicos competentes, que a Declarao de Bogot
e a Declarao de Paris sejam a ele aplicadas,
a fim de que possam se beneficiar dos preceitos
legais constantes das duas Declaraes. que
elas esto equiparadas, pela Lei n9 4319, de 16
de maro ?de 1964, Declarao dos Direitos e
Garantias Individuais definidos e enumerados na
Constituio da Repblica Federativa do Brasil,
ora em vigor no nosso territrio.
Proponho, ento que a VIII Conferncia Nacional
dos Advogados do Brasil, declare, de modo expresso
e categrico, que a Declarao Americana dos Direitos
e Deveres Fundamentais do Homem, proclamada em
Bogot, em 1948. e que a Declarao Universal
dos Direitos Humanos, proclamada em Paris, tambm
em 1948, esto incorporadas ao direito positivo
brasileiro e equiparadas Declarao dos Direitos
e Garantias Individuais constante dos arts. 153
e 154 da Constituio da Repblica Federativa
do Brasil.
Dos treze itens, em que se desdobram as atribuies
do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana,
fixados no art. 49 da Lei n. 4319, de 16 de maro
de 1964, quatro dizem respeito divulgao do
contedo e eficcia, em nosso Pas, dos direitos
da pessoa humana.
Tais atribuies no suo, evidentemente, privativas
do Conselho da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Elas podem ser, perfeitamente, promovidas pelas
Sees Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil,
e suas respectivas subsees e, ainda, pelas Universidades
que existem e atuem em diferentes pontos do territrio
nacional.
Eis os itens do art. 4 da Lei acima referida,
que a Ordem dos Advogados do Brasil pode, ou melhor,
deve cuidar e se empenhar em executar sob a sua
exclusiva responsabilidade:
O primeiro deles o item 2: Promover a divulgao
do contedo e da significao de cada um dos direitos
da pessoa humana mediante conferncias e debates
em Universidades, escolas, clubes, associaes
de classe e sindicatos e por meio da imprensa
do rdio, da televiso, do teatro, de livros e
folhetos.
Cada Seo ?Estadual e, em certos casos, cada
subseo, como, por exemplo, a de Niteri e Campos
no Estado do Rio; a de Campinas e Santos, no Estado
de So Paulo; a de Juiz de Fora e Ouro Preto,
em Minas Gerais; a de Anpolis em Gois; a de
Pelotas, no Rio Grande do Sul; a de Cachoeiro
no Esprito Santo e muitas outras dos outros Estados
devero de se encarregar, ano aps ano, de programar
e de promover, pelos meios mencionados no texto
supra, a divulgao entre os cidados brasileiros
e estrangeiros residentes no Pas, de todas as
idades e de todas as condies sociais, de cada
um dos direitos enumerados e definidos tanto na
Constituio da Repblica quanto na Declarao
de Bogot e na de Paris. Se as sees Estaduais
e algumas de suas respectivas Subsees se empenharem,
como podem e devem, na divulgao de cada um dos
direitos da pessoa humana, definidos e enumerados
nos textos legais anteriormente nomeados, formar-se-,
por toda a parte, em nossa Ptria, uma conscincia
cvica, iravelmente aparelhada, capaz de participar,
em todos os setores da Nao, de aes e movimentos
organizados no sentido de estabelecerem no Pas
um Governo, em tudo e por tudo, democrtico.
O segundo deles o item 3: Promover nas reas
que apresentam maiores ndices de violao dos
direitos humanos:
a) a realizao de inquritos para investigar
as suas causas e sugerir medidas tendentes a assegurar
a plenitude do gozo daqueles direitos;
b) campanha de esclarecimento e divulgao;.
Esta , tambm, uma atividade, que est ao alcance
de cada Seo Estadual da Ordem dos Advogados
do Brasil e de algumas de suas respectivas Subsees.
Constitudas de advogados, professores, procuradores,
pessoas todas cultas, experimentadas e dinmicas,
esto habilitadas, por suas atividades profissionais,
? a fixar, com perfeio, as causas que, nas suas
cidades, geram o desrespeito aos direitos humanos,
sendo-lhes, assim, fcil indicar as medidas adequadas
para fazer desaparecer essas causas funestas e
sombrias, dando, deste modo, plena eficcia
preceituao sobre os direitos humanos.
O terceiro o de n. 5: Promover a realizao
de cursos diretos ou por correspondncia que concorram
para o aperfeioamento dos servios policiais,
no que concerne ao respeito dos direitos da pessoa
humana;.
Tanto nas Sees Estaduais da Ordem dos Advogados
do Brasil, quanto muitas de suas vrias Subsees,
tm em seus quadros advogados que militam na rea
do direito criminal, estando, deste modo, em contato
permanente com os servios policiais. Esto estes
profissionais por fora de suas atividades, inteiramente
ao par das deficincias, defeitos e falhas do
aparelho policial, quer por falta de aparelhagem
adequada a tais servios, quer pelo despreparo
das pessoas encarregadas de execut-los.
Estes membros das Sees e das Subsees podem
e devem promover e realizar os cursos que contribuam,
ora para reclamar a melhoria do aparelho policial,
ora para instruir as pessoas que executam tais
servios. No h negar que muitas das violaes
elos direitos da pessoa humana so consequncias
da ignorncia, em que esto, as pessoas encarregadas
de executar tais servios. Esclarec-las e instru-las
, no meu entender, relevantes servio que a Ordem
dos Advogados do Brasil pode e deve prestar
Comunidade Nacional. Uma atividade do aparelho
policial, vinculada sempre e necessariamente
preceituao dos direitos da pessoa humana, ,
sem a menor dvida, contribuio para a civilizao
da mentalidade das pessoas sujeitas jurisdio
dessa atividade policial.
O quarto item ao alcance? das atividades da Ordem
dos Advogados do Brasil o de n. 12: Estudar
o aperfeioamento da legislao istrativa,
penal, civil, processual e trabalhista de modo
a permitir a eficaz represso das violaes dos
direitos da pessoa humana por parte de particulares
ou de servios pblicos;.
Talvez no exista no Pais uma instituio que
possa desempenhar, com tanta e tamanha perfeio
esta atividade, a um tempo, cultural e prtica,
como a Ordem dos Advogados do Brasil, quer atravs
do seu Conselho Federal, quer por intermdio de
seus Conselhos Seccionais dos Estados e de suas
respectivas Subsees. Todos estes rgos so
constitudos de advogados, procuradores e professores,
em contato permanente com os mltiplos problemas
jurdicos vinculados com os direitos da pessoa
humana, nos vrios ramos do Direito. Ser fcil,
assim, organizar, em todos os Estados da Repblica,
comisses de juristas que se incubam de estudar
o aperfeioamento da legislao istrativa,
penal, civil, processual e trabalhista, que facilite
ao Poder Pblico a eficaz represso das violaes
dos direitos da pessoa humana onde quer que elas
se verifiquem.
O 5 item de que devem se encarregar com vivo
interesse e nobre empenho, todas as Sees e Subsees
Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil o
de n. 13, que preceitua: receber representaes
que contenham denncias de violao dos direitos
da pessoa humana, apurar sua procedncia e tomar
providncias capazes de fazer cessar os abusos
dos particulares ou das autoridades por eles responsveis.
Como de notoriedade pblica e, portanto, do
conhecimento de todos os que vivem em terras do
Brasil, as violaes dos direitos da pessoa humana
se verificam em todo o Territrio Nacional, de
norte a sul e de este a leste, quer? por autoridades
pblicas, quer por particulares de grande fortuna
e prestgio. Deste modo, as Sees Estaduais e
Ptrio, podero receber as denncias de violao
desses direitos, entrando, desde logo, a apurar
a sua veracidade ou falsidade. No caso de ser
a denncia dada a Subseo e esta ter apurado
a sua veracidade, tomar imediatamente as providncias
capazes de faz-la cessar. Se, porm, tal providncia
for da competncia da Seo Estadual, a esta ser
remetida a documentao para que proceda. como
de direito. Mas se, tambm, ela no tem meios,
nem modos, nem competncia para atuar, enviar
tudo ao Conselho Federal, para que, por sua vez,
tome as providncias que foram de sua alada.
Quando a denncia for dada Seo Estadual, esta
cuidar, sem demora, de apur-la, e se for procedente
tomar as providncias legais a seu alcance. Se,
contudo, no lhe for possvel tomar nenhuma providncia,
ou a que foi tomada no deu resultado, encaminhar
todo o processo ao Conselho Federal. Os casos
enviados a este, sero entregues ao seu presidente
para que, na primeira seo do Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana a que comparecer,
a este os apresente para a necessria e oportuna
deliberao.
Proponho, ante o que at aqui relatei, com base
no texto da Lei n9 4319, de 16 de maro de 1964,
que a VIII Conferncia Nacional dos Advogados
do Brasil determine aos Conselho Federal, aos
Conselhos Seccionais dos Estados e s suas respectivas
Subsees, que executem, as atividades enumeradas,
expressa e precisamente, nos itens 2, 3, 5,
12 e 13, do Art. 4 da mencionada Lei n. 4319,
de 16 de maro de 1964.
Se estes rgos se dispem a realizar estas
tarefas, eminentemente jurdicas, os direitos
da pessoa humana adquiriro, no seios da opinio
pblica nacional,? uma extenso e um vigor to
amplos e slidos que difcil e arriscado ser
desconhec-los e viol-los. Um tal resultado
de importncia e de relevo singulares, para o
progresso espiritual, moral e temporal da Nao,
que se libertar, desta maneira, do clima de violncia
em que temos vivido a partir de 1964.
De subido valor e alta significao para o tema
que constitui o cerne mesmo desta tese, so estas
palavras do Presidente Truman, justificando, em
1946, a criao, em seu Pas, da Comisso de Direitos
Civis: A preservao das liberdades civis constitui
um dever de cada governo federal, estadual ou
local.
Onde quer que as medidas de execuo da lei ou
a autoridade dos governos federal, estadual e
municipal sejam adequadas para o desempenho desta
funo primria do Estado, essas medidas e essa
autoridade devem ser melhoradas e reforadas.
As garantias constitucionais da liberdade individual
e da igualdade perante a lei colocam o Governo
Federal no dever de agir, quando as autoridades
estaduais e locais restringem esses direitos constitucionais
ou faltam ao dever de assegurar a sua livre proteo.
At agora, rio desempenho da obrigao que a Constituio
lhe atribui, o governo Federal tem tido sua ao
dificultada por uma legislao inadequada em matria
de direitos civis.
A proteo das nossas instituies democrticas
e gozo pelo povo dos direitos assegurados pela
Constituio exigem que a atual legislao seja
ampliada e melhorada.
Devemos prover o Departamento de Justia dos instrumentos
necessrios execuo dessas tarefas.
Por este motivo expedi hoje uma Ordem Executiva
criando a Comisso Presidencial de Direitos Civis
e a ela estou solicitando que me apresente um
relatrio escrito.
A substncia d?esse relatrio ser constituda
pela recomendao acerca da adoo ou do estabelecimento
de normas legais ou de outra natureza que contenham
meios e processos mais adequados e eficientes
para a proteo dos direitos civis do povo dos
Estados Unidos.
Foi sob o amparo e a proteo destas lies ditadas
pela experincia poltica de to ilustres homens
pblicos norte-americanos que o, ento, Deputado
Bilac Pinto justificou o seu projeto, que se transformou,
em 1964, na magnfica Lei n. 4319, de 16 de maro
desse ano, que criou o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana.
Lembra, ainda, o eminente homem pblico, com grande
acerto e oportunidade. no texto de Justificao:
Muito poder ser feito para melhorar as nossas
liberdades, de par com a lenta melhoria de nossa
ordem social, por meio de uma campanha de educao
que se proponha a mostrar a cada homem que o melhor
meio de assegurar os seus prprios direitos
o de respeitar os direitos de seu semelhante.
Um programa educacional que revele geograficamente
o tremendo custo social e econmico das violaes
dos direitos civis poder tambm produzir bons
resultados.
Aps esta sbia e lcida advertncia acrescenta,
mais abaixo, em sua Justificao, o ilustre Sr,
Bilac Pinto: O homem deve pela educao adquirir
a conscincia desses diretos, a fim de respeitar
os direitos de seu semelhante.
Ajudar o homem a atingir a esse estgio cultural
deve constituir tarefa paciente e pertinaz.
Proponho, assim, dentro dessa orientao sadia,
sbia e prudente, que a VIII Conferncia Nacional
dos Advogados do Brasil determine ao Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que ordene,
por sua vez, aos Conselhos Seccionais dos Estados,
que entrem em entendimento com as Faculdades de
Direito existente na ?rea de sua jurisdio,
a fim de obter delas que criem, entre os seus
cursos, tambm, o dos Direitos e Deveres da Pessoa
Humana, tomando por base desta nova disciplina
o texto da Declarao dos Direitos e Garantias
Individuais, definidos e enumerados no Ttulo
II, Captulo IV da Constituio da Repblica Federativa
do Brasil, o da Declarao Americana dos Direitos
e Deveres Fundamentais do Homem, promulgada em
Bogot, em maio de 1948, e o da Declarao Universal
dos Direitos Humanos, promulgada em Paris, em
dezembro do mesmo ano de 1948. Um tal curso, ministrado
com objetividade, capacidade e seriedade, nas
Faculdades de Direito espalhadas por todo o Territrio
Nacional, habilitar os juristas, formados nestas
Faculdades, a adquirir noo exata da significao
cultural e legal dos direitos da pessoa humana
e dos deveres indeclinveis das autoridades federais,
estaduais e municipais de respeit-los fielmente
como integrantes da dignidade da pessoa dos cidados
e dos estrangeiros residentes no Pas.
Urge esclarecer, agora, que, ao ser promulgada
a Lei n. 4319, de 16 de maro de 1964, a Declarao
dos Direitos e Garantias Fundamentais em vigor,
em nossa Ptria, era a da Constituio de 1964,
na qual no figurava o Artigo 154 da atual Constituio
da Repblica Federativa do Brasil, que diz: O
abuso de direito individual ou poltico, com o
propsito de subverso do regime democrtico ou
de corrupo, importar a suspenso daqueles direitos
de dois a dez anos, a qual ser declarada pelo
Supremo Tribunal Federal, mediante representao
do Procurador-Geral da Repblica, sem prejuzo
da ao civel ou penal que couber, e assegurada
ao paciente ampla defesa.
Pargrafo nico Quando se tratar de titular
de mandato eletivo, o processo no depender de
licena da Cmara a ?que pertencer.
Como a mencionada Lei n. 4319 no diz, em seu
Artigo 4: promover inqurito, investigaes
e estudos acerca da eficcia das normas dos direitos
da pessoa humana inscritos na Constituio Federal
de 1964, mas to-somente: promover inqurito,
investigaes e estudos acerca da eficcia das
normas dos direitos da pessoa humana inscrita
na Constituio Federal, sem a restrio da data:
1946 manda observar a Constituio atualmente
em vigor, que promulgada em 17 de outubro de
1919, na qual figura o j citado Artigo 154.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem, por este
motivo, o dever de, pelo seu Conselho Federal
e pelos seus Conselhos Estaduais e suas respectivas
Subsees acatar o mencionado Artigo 154.
Todavia, o mesmo Conselho Federal, tem, entre
as suas atribuies, pelo Artigo 18, I, da Lei
n. 4215, de 27 de abril de 1963,eos Conselhos
Seccionais dos Estados, pelo Artigo 28, 1, da
mesma Lei, o dever de contribuir para o aperfeioamento
das instituies jurdicas.
Ora, contribuir, inequivocamente, para o
aperfeioamento das instituies jurdicas esforarem-se
os advogados brasileiros, atravs de seus Conselho
Federal e Conselhos Seccionais dos Estados e respectivas
Subsees, para que obtenham do Poder Competente
a eliminao desse Artigo da Constituio da Repblica
Federativa do Brasil.
Proponho, ento, que a VIII Conferncia Nacional
dos Advogados do Brasil recomende ao Conselho
Federal e aos Conselhos Seccionais dos Estados
e respectivas Subsees que, acatando o mencionado
Artigo enquanto estiver em vigor, se empenham,
porm, veementes e pertinazes, dentro da lei e
da ordem, justo ao Poder Competente para que o
elimine da Constituio da Repblica.
Esta eliminao necessria, porque esse Artig?o
implica, em realidade, na revogao de todos os
Direitos e Garantias Fundamentais, assegurados
no Artigo 153 da mesma Constituio, alm de importar,
pelo seu Pargrafo nico na supresso da imunidade
parlamentar, uma vez que o Congressista pode ser
processado sob a acusao de subversivo ou de
corrupto, independentemente de prvia licena
da Cmara a que pertencer.
As expresses subversivo e corrupto so por
demais genricas, vagas e imprecisas, comportando
interpretaes abusivas, arbitrrias e extravagantes.
Mediante o seu emprego e uso, o Poder Executivo
pode eliminar da vida pblica os seus mais valentes
e tenazes adversrios sempre que as suas crticas,
censuras e campanhas polticas estiverem incomodando,
em demasia, os titulares desse poder, que tm
no Procurador-Geral da Repblica uma pessoa de
sua imediata confiana, possuidora, tambm, de
mentalidade igualmente autoritria, mais preocupada
em manter a estabilidade dos governantes do que
em respeitar e assegurar os direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana.
As atribuies conferidas ao Conselho da Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana pelo Artigo 4,
itens 4, 6, 7, 9, 10 e 11 no podem, pela
sua natureza e implicaes com o Poder Poltico,
ser avocadas tanto pelo Conselho Federal quanto
pelos Conselhos Seccionais dos Estados e suas
respectivas Subsees. S o Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana tem, pelos textos
legais supra indicados, competncia, capacidade
e fora istrativa e jurdica, para faz-los
cumprir, desde que se disponha a exercer, com
energia e firmeza, os seus deveres legais.
Entretanto, o Presidente do Conselho Federal,
aliando-se ao Presidente da Associao Brasileira
de Imprensa a aos lderes da minoria na Cmara
dos Deputados e no Sen?ado Federal, todos desvinculados
da concepo autoritria inerente aos dirigentes
do regime atualmente em vigor no Pas, poder,
com lucidez, serenidade e prudncia, captar os
votos dos seus demais companheiros do Conselho,
para que, acima e fora de interesses subalternos
do Governo, possa fazer prevalecer a eficcia,
em nossa Ptria, dos direitos e deveres da pessoa
humana, garantidos e assegurados na Constitui5o
da Repblica e nas Declaraes de Bogot e de
Paris.
Proponho, em face do que acabo de expor, que a
VIII Conferncia dos Advogados do Brasil recomende
ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil que procure estabelecer contatos,
permanentes, com os demais membros do Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, nos perodos
de recesso do aludido Conselho, a fim de convenc-los
de que o respeito, intransigente, aos direitos
da pessoa humana, enumerados na Constituio da
Repblica, na Declarao dos Direitos e Deveres
da Pessoa Humana, promulgada em Bogot e na Declarao
Universal dos Direitos Humanos, promulgada em
Paris, se confunde com a prpria civilizao da
nossa Ptria. E mister persuadir aos membros desse
Conselho de Defesa que o progresso do Pas, em
seus mltiplos setores, depende, em grande parte,
do respeito, pelo Poder Pblico e pelos grupos
poderosos das atividades privadas, dos direitos
da pessoa humana.
Para que a VIII Conferncia Nacional dos Advogados
do Brasil possa verificar, desde logo, a procedncia
e objetividade das propostas constantes desta
tese, vo, em anexo e na ntegra, o texto da Declarao
dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituio
da Repblica, o da Declarao Americana dos Direitos
e Deveres do Homem, proclamada em Bogot, e o
da Declarao Universal dos Direitos Humanos,
proclamada em Paris, que devem, todas, ser consideradas
partes integrantes do presente tema.
A grandeza dos Estados Unidos e o poderio da velha
Inglaterra nasceram, em boa parte, do culto da
dignidade da pessoa humana, dignidade que inseparvel
do acatamento, consciente e voluntrio, dos direitos
dessa pessoa. A liberdade da criatura humana,
sem a qual nada se pode fazer de real e verdadeiramente
duradouro e grande, est vinculada, necessariamente,
ao respeito deliberado e generalizado dos direitos
da pessoa. Basta ser homem para merecer, na sua
pessoa, o respeito a todos os direitos consagrados
na Constituio da Repblica, na Declarao de
Bogot e na Declarao de Paris. No h que indagar
a raa e a lngua, a religio e a filosofia, a
fortuna e a pobreza, a condio social e a instruo
daquele que atua e labuta na comunidade civil
que o abriga. A simples qualidade de criatura
racional , por si s, suficiente para que se
lhe reconhea, onde quer que se encontre, a posse
dos direitos e deveres da pessoa humana, inscritos
nas Declaraes Nacionais e Internacionais, adotadas
e firmadas pelas naes civilizadas. Com indiscutvel
razo afirma e ensina, com manifesta prudncia,
Morris B. Abran, Delegado dos Estados Unidos na
Comisso dos Direitos Humanos das Naes Unidas:
Chamam-se direitos humanos aqueles direitos fundamentais
a que todo homem deveria ter o, em virtude
puramente de sua qualidade de ser humano e que,
portanto, toda sociedade, que pretenda ser uma
sociedade autenticamente humana, deve garantir
aos seus membros. (in Jos Gastn Tobeas Los
Derechos del Hombre, p. 12).
Idntica, a saber, no mesmo sentido, a ligo
de outro notvel jurista, Legaz, que proclama,
firme e categrico: H direito absolutamente
fundamental para o homem, base e condigo? de todos
os direitos: o direito de ser reconhecido sempre
como pessoa humana.
Este direito primrio, na concepo atual dos
povos civilizados e especialmente os chamados
ocidentais, est, pois, fora da competncia do
Estado e das limitaes que nos direitos fundamentais
podem ser impostas pelas leis positivas. (ibid.
p. 37).
conveniente repetir, aqui com nfase, a ponderao
procedente e justa de Jos Gastn Tobeas, a respeito
das afirmaes ininterruptas, neste terreno, da
filosofia cristo: O Cristianismo, com seus princpios
universais de amor, de fraternidade e de justia,
constitui, segundo tempos podido ver, a mais solene
proclamao dos direitos inerentes personalidade
humana, com todas as suas prerrogativas individuais
e sociais. (ibid. p. 78).
Todavia e infelizmente, dever dos juristas,
reconhecer, sensatos e verdadeiros, esta triste
realidade proclamada, com base na experincia
de cada dia, pelo eminente Jos Gastn Tobeas:
As garantias internas que o Estado concede aos
direitos humanos so insuficientes e com frequncia
inteis, porque so os prprios Estados que em
sua aplicao podem desvirtu-las, sendo, alm
disto, eles prprios os que muitas vezes se tornam
culpados das maiores violaes de tais direitos.
(ibid. p. 108).
Que fazer, ento, ante esta triste, dolorosa e
revoltante realidade? Cruzar os braos e aceitar,
silencioso e inerte, esta afronta ao Direito e
personalidade da pessoa humana, assegurada e
garantida pelo mencionado Direito? N |